Uma análise jurídica dos atos internacionais

                                                                                   Gabriela de Campos Sena[1]

1. Conceito e Competência

Abordada a questão da origem e evolução histórica do contrato de depósito e da prisão civil por dívida, é preciso esclarecer em que consistem os atos internacionais, e sua importância no cenário do Direito Interno e Externo, estabelecendo seu valor jurídico perante os Estados signatários.

Os atos internacionais são institutos pertencentes ao Direito Internacional Público. Na concepção de Husek, o Direito Internacional Público é o conjunto de normas positivas, costumes, princípios, tratados internacionais e outros elementos jurídicos que tenham por objetivos regulares o relacionamento entre países. Portanto ao falar em do direito internacional público, não se pode mais considerar apenas à origem etimológica do termo, mas se trata do relacionamento entre Estados soberanos e não mais entre nações, (HUSEK, 2000,p.21)

Os atos internacionais são elementos jurídicos que compõem o Direito Internacional Público, definidos pelo doutrinador Antonio Paulo Cachapuz de Medeiros como “todo instrumento por meio da qual uma pessoa de Direito Internacional Público assume obrigações e adquirem direitos, por escrito, sobre determinada matéria, perante outra ou outras pessoas de Direito Internacional Público”.

No que diz a competência para celebrar tratados, convenções e atos internacionais no Brasil são atribuídos ao Presidente da República, sujeitando-se posteriormente a referendo do Congresso Nacional, em conformidade aos preceitos do artigo 84, inciso VIII, da CRF/88.

2 Modalidades dos atos internacionais

Há uma diversidade de atos internacionais que pode ser objeto de negociação entre sujeitos de Direito Internacional Público. O Ministério das Relações Exteriores do Brasil estabeleceu certa diferenciação entre atos internacionais em virtudes da solenidade política que envolve cada ato internacional e dos compromissos jurídicos assumidos pelos Estados signatários.

Entre os atos internacionais mais importantes podemos destacar:

a) os tratados, que são atos multilaterais ou bilaterais aos quais as partes participantes atribuem diferenciada importância e solenidade, figurando nesta categoria os tratados de paz e amizade; b) Convenções são os atos internacionais multilaterais ou bilaterais provenientes de conferencias internacionais, que versam sobre assuntos de interesse geral como exemplo as Convenções de Viena sobre Relações Diplomáticas; c) Ajuste complementar, são atos que normalizam a execução de outros atos internacionais; d) Memorandos de entendimento, são atos que indicam princípios gerais norteados das relações entre as partes participantes, no que se referem aos planos políticos, econômicos, cultural, cientifico e educacional; e) Protocolo: São atos internacionais tanto bilaterais como multilaterais utilizados para alterar ou modificar outros atos internacionais; f) Acordos são atos internacionais utilizados por sujeito de Direito Internacional Público em negociações bilaterais ou multilaterais de índole de política, econômica, comercial, cultural, cientifica e técnica (HUSEK, 2000, p.73)

Os acordos, devido a sua complexidade, suportam diversos desdobramentos como: acordos-quadro ou acordo básico, que necessitam da complementação de outros atos internacionais denominados ajustes complementares, que normaliza sua execução. Acordo por troca de notas ou Notas Reversais, direcionadas a assuntos de natureza administrativa e rotina diplomática visa alterar ou interpretar clausulas de atos internacionais já concluídos. E por fim os Acordos de Sede, firmados entre o Estado e uma organização Internacional, possibilitando operações administrativas e técnicas da representação de entidades intergovernamentais ou escritórios de representações (HUSEK, 2000, p.73).

3. Elementos dos atos internacionais

Após estabelecer a diferenciação dos atos internacionais o Ministério das Relações Exteriores do Brasil elaborou um formato padrão para os atos internacionais com o intuito de uniformizá-los.

Tradicionalmente, os atos internacionais possuem o seguinte formato padrão:

a) Inicia-se com o titulo que contem a  tipificação do ato internacional celebrado, se conteúdo, b) O perambulo, contendo a indicação dos chefes de estado ou governo signatários; c) Considerando mencionado ao precedente histórico- jurídicos do ato celebrado mais as razões que motivaram as partes celebrarem o ato internacional; d)Articulado, estão presentes os itens, artigo e cláusulas preceituando os compromissos jurídicos assumidos pelas  partes; e) Fecho indica o lugar e data da celebração do ato e o idioma o qual está escrito o ato internacional; f) E, por, fim, a assinatura, que no caso particularmente do Brasil, corresponde a do Presidente da República, Ministro das Relações Exteriores ou outras autoridades com plenos poderes para celebração de atos internacionais.

No próprio texto dos atos internacionais vem expressa a sua vigência, seja no momento de sua assinatura ou condicionada a certo encargo, podendo ser modificado se houver clausulas permitindo. Na superveniência de controvérsias referentes a interpretação ou execução dos atos, esta resolvida por via diplomática ou caso haja lacuna, aplicam-se as disposições de outros atos mais abrangentes.

4. Procedimento para aprovação e promulgação dos atos internacionais no Brasil.

No Brasil é atribuído ao Poder Executivo iniciar as negociações visando a celebração dos internacionais juntamente com o Ministério das Relações Exteriores. Nesta fase negocial as partes pactuantes elaboram por escrito as cláusulas do ato internacional averiguando o interesse jurídico de adotá-las.

O rascunho do ato internacional deve ser direcionado a Divisão de Atos Internacionais (DAI) com a finalidade de apurar sua adequação no que tange a técnica de redação e formalidades jurídicas, em conformidade aos preceitos do  Direito Interno e o Direito Internacional, podendo o próprio (DAI) sugerir modificação ou encaminhar o texto para outro Ministério com esta competência.

Aprovado o projeto pela Secretaria de Estado, a divisão de Atos Internacionais prepara o texto estabelecendo sua forma autêntica, visando a celebração do ato. A fase negocial é finalizada com a assinatura do ato internacional por pessoa qualificada para esta incumbência.

 No Brasil, a competência para assinar tratados internacionais esta preceituada no artigo 84, incisos VII e VIII da CF/88, “compete privativamente ao Presidente da República: manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos. Celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional”.

O Presidente da República como autoridade competente para celebrar tratados internacionais, pode por meio de carta de pleno poder, delegar competência aoS Ministros das Relações Exteriores, Embaixador acreditado em posto no Exterior e outros representantes diplomáticos para celebrar tratados internacionais.

Os Estados envolvidos na negociação do ato internacional que esteja em desconformidade com certas disposições do tratado podem adotar reservas que suprime ou alteram os efeitos jurídicos daquele conteúdo especifico do ato internacional, quanto sua aplicação no âmbito interno deste Estado.

Os atos internacionais, antes de estarem em vigor no âmbito interno do Estado devem ser enviados pelo Presidente da República para Congresso Nacional, com o intuito de serem submetidos a aprovação por meio de referendo.

O rascunho de exposição de motivos e de mensagem ao Congresso Nacional é apreciado pela Divisão da Secretaria de Estado envolvido na negociação do tratado, além de encaminhar ao (DAI) cópias autenticas do texto.

Após ser avaliado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal por meio das Comissões de Relações Exteriores, o ato internacional é submetido a aprovação pelos respectivos plenários.

Aprovado pelo Congresso Nacional, o ato internacional é editado por meio de Decreto legislativo e promulgado pelo Presidente do Senado Federal e publicado no diário oficial da União.

Superada a fase de aprovação, o ato internacional precisa ser ratificado para dar-lhe força obrigatória no âmbito internacional.

Via de regra, os atos internacionais bilaterais, a ratificação é feita por meio de troca de troca de notificação, ou seja, a embaixada brasileira passa a nota junto a outra parte envolvida.

Preceitua o artigo 102 da Carta das Nações Unidas que:

1-Todo tratado e todo acordo internacional, concluídos por qualquer membro das nações unidas depois da entrada em vigor da presente carta, deverão dentro do mais breve prazo possível ser registrados e publicados pelo secretariado.

2-Nenhuma parte em qualquer tratado ou acordo internacional que não tenha sido registrado em conformidade com as disposições do parágrafo deste artigo, poderá invocar tal tratado ou acordo perante qualquer órgão das nações unidas.

Nos atos multilaterais, a entrada em vigor no Brasil depende: da assinatura do ato; da vigência Internacional do ato; do depósito que tenha a função de depositário, do decurso de prazo após o depósito, caso estipulado nas clausulas processuais do ato. Caso o Brasil não seja signatário do ato multilateral, o procedimento consiste no depósito de instrumento de adesão.

5. Responsabilidade internacional dos estados pactuantes de atos internacionais.

Após a abordagem dos atos internacionais, desde sua definição até o procedimento que lhe atribui validade jurídica, é necessário apurar a responsabilidade do sujeito de Direito Internacional Público no âmbito do Direito Externo.

O sujeito de Direito Internacional Público que praticar um ato ilícito na órbita do Direito Internacional deverá reparar o dano que ocasionou ao Estado prejudicado, sendo que para haver a imputação da conduta ao Estado é necessária a ocorrência do nexo causal entre o dano e a violação a norma jurídica internacional escrita ou costumeira.

Neste contexto, pode-se dizer que a ordem jurídica internacional é composta por tratados, normas escritas e costumeiras, além de princípios que regulam os direitos e deveres do Estado.

Esclarece o doutrinador Carlos Roberto Husek que via de regra a responsabilidade internacional ocorre de Estado para Estado, sendo que o dano pode ser de natureza moral, política consuetudinária, direta ou indireta, comissiva ou omissiva, convencional ou delituosa:

Quando os danos cometidos pelo Estado são de natureza moral ou política, a forma de reparação adquire o nome de satisfação. Esta significa a apresentação de desculpas por via diplomática ou julgamento e punição dos culpados pelos danos; a responsabilidade direta do estado está conexa a modalidade consuetudinária. Ocorre quando há violação concreta de normas jurídicas internacionais escrita ou costumeira por parte do próprio Estado ou de seu agentes públicos prestadores de serviço público em suas atribuições, e indireta quando cometida pelo individuo; Diz-se por comissão quando deixa o Estado de praticar o ato que era obrigatório; convencional será a responsabilidade quando advinda do descumprimento de um tratado e delituosa quando cometida em face de normas costumeiras (HUSEK, 2000,p.72,73-74).

Orienta o mesmo doutrinador que o estrangeiro, quando sofrer alguma ação ou omissão danosa do Estado terá seus interesses restaurados ou compensado mediante ação de seu Estado de origem e que dirigirá a reclamação por meio de endosso, significando o endosso que o Estado faz sua a demanda do individuo seu nacional. Não é caso de proteção diplomática, que necessita de um vinculo jurídico- político entre o individuo lesado e o Estado demandante. Além disso, diz-se que o individuo deve esgotar os recursos existentes na legislação interna do Estado e o prejudicado deve ter as mãos limpas- clen hands, ou seja, ser inocente na questão (HUSEK,2000,P.73)

Não podemos destacar a hipótese que isentam o Estado de responsabilidade internacional pelo ato praticado, são elas:legítima defesa, estado de necessidade, renuncias a proteção diplomática e prescrição liberatória, ou seja, o prejudicado silencia.

A legitima defesa ocorre quando um Estado diante de um ataque armado por outro Estado, revida as agressões, conforme preceitua o artigo 51, da Carta das Nações Unidas:

Ad.51_Nada na presente carta prejudicará o direito inerente de legitima defesa individual ou coletiva no caso de ocorrer um atacado armado contra um membro das Nações Unidas, até que o Conselho de Segurança tenha tomado as medidas necessárias para  manutenção da paz e da segurança internacional. As medidas tomadas pelos membros no exercício desse direito de defesa serão comunicadas imediatamente ao Conselho de Segurança e não deverá, de modo algum, atingir a autoridade e a autoridade e a responsabilidade que a presente Carta atribui ao Conselho para levar o efeito, em qualquer tempo, se a ação que julgar necessária a manutenção ou restabelecimento da paz e da segurança internacionais.

Já o estado de necessidade acontece na situação em que o Estado tem sua soberania ou território ameaçado por outro Estado, defendendo-se, violando os interesses dos estrangeiros, protegidos pelo Direito das Gentes.

A renuncia a proteção diplomática ocorre quando o individuo que sofreu o dano abre mão em recorrer a proteção diplomática do Estado em que faz parte.

E por fim prescrição liberatória acontece quando o individuo que sofreu o dano silencia-se perante o fato ocorrido não reclamando.

Em conformidade com doutrinador Celso Antonio Bandeira de Mello, citado por Carlos Roberto Husek, no que diz respeito a atribuição da responsabilidade internacional ao Estado que pratica a ação, é de natureza civil e não de índole penal, exceto nas hipóteses em que o indivíduo comete crimes de guerra ou contra a paz da humanidade. Sendo que essa responsabilidade ocorre de Estado para Estado, e não diretamente ao indivíduo, vítima ou autor do ilícito (HUSEK,2000.p.72,73).



[1] Mestranda em Direito pela UFMG.