UMA ANÁLISE DA APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AOS CRIMES CONTRA A ORDEM TIBUTÁRIA 

Cicera Thuanny Xavier[1]

João Batista Tavares Felipe[2]

Priscila Moreira Gouveia[3]

Sarah dos Santos Silva[4] 

RESUMO

O presente artigo trata da análise da possibilidade da aplicabilidade do princípio da insignificância aos crimes contra a ordem tributária. Haja vista que há muito se discute na doutrina e jurisprudências pátrias a legitimidade da aplicabilidade do referido instituto, pois ao se lesar o Estado se estaria prejudicando toda a coletividade. Diante de todos os questionamento que se faz principalmente quanto ao bem jurídico tutelado, se faz necessário um estudo aprofundado da aplicação do princípio retro mencionado. Sendo assim, o presente estudo tem o escopo de demonstrar em quais casos há possibilidade da aplicação do principio da insignificância a essa espécie de delito com amparo na legislação vigente e jurisprudência pátria. Para tanto, utilizaremos a pesquisa bibliográfica, pautada no método dialético de procedimento.  

Palavras-chave: Princípio da Insignificância, bem jurídico, crimes tributários, lesividade

INTRODUÇÃO 

Com o advento da promulgação da Constituição da República em 1988 surge uma nova forma de ver os princípios e garantias fundamentais. Estes passam a ter não somente força normativa, como também aplicação imediata. Esta premissa deriva numa valorização dos princípios jurisprudencial e doutrinária. Passa-se a compreender sua verdadeira importância e significado. Os princípios se tornam, então, vetores que orientam toda a interpretação legal infraconstitucional, direcionando-a para estar sempre em conformidade com a Constituição.

                    Neste diapasão tem-se uma incidência dos princípios em detrimento da norma, quando in casu percebe-se uma defasagem legal em detrimento de princípios constitucionais, sejam estes implícitos ou explícitos. Isto quer dizer que por vazes as situações que surgem nos casos concretos necessitam de uma (re)interpretação da norma para que esta seja usada em sintonia com a Constituição.

                    No que tange aos crimes contra a ordem tributária, está em processo um re-direcionamento jurisprudencial que permite a incidência do princípio da insignificância sobre os delitos tributários. Esta mudança de posicionamento crescente decorre da percepção de que a legalidade estrita por si só não condiz com o princípio da proporcionalidade, da intervenção mínima do estado, entre outros, e termina por desconfigurar o funcionamento da máquina estatal, muitas vezes levando o Estado-Juiz a atuar em causas de lesividade mínima.

                   Tendo em vista que o tema se trata de assunto polêmico na seara jurídica, posto que há julgados do Supremo Tribunal Federal divergentes entre si, que ora permitem, ora não permitem,  a admissibilidade do cabimento do princípio da insignificância incidir sobre os delitos tributários, restou verificado o objetivo precípuo em estudar o tema e entender qual o posicionamento do STF e se foram estabelecidos critérios para apreciação da aplicabilidade do referido princípio, face a curiosidade provocada pela temática.

                    A pesquisa, como não poderia ser de outra forma, possuirá abordagem qualitativa, não havendo qualquer preocupação em mensurar número de julgados ou maioria doutrinária em relação ao tema. Por se tratar de pesquisa do tipo bibliográfico, será construída fundamentada na doutrina e na jurisprudência dos Tribunais.

                  Com relação a sua estrutura, o tema será explorado em quatro fases: primeiramente serão expostos os princípios que norteiam a ordem tributária como um todo, logo mais um aprofundamento sobre o princípio da insignificância e quais as suas possibilidades diante dos delitos tributários, em seguida discutir-se-á que bem jurídicos são tutelados pelos delitos tributários, para por fim adotar um posicionamento em relação a aplicabilidade do dito princípio. 

PRINCÍPIOS ORIENTADORES DA ORDEM TRIBUTÁRIA

 A partir da Constituição Federal de 1988, surge uma nova forma de entender os princípios, estejam eles explícitos ou implícitos na constituição. A CRFB de 1988 dispõe de um arcabouço principiológico que deve ser entendido como norma, isto é, ter força de norma, com aplicação imediata, sendo possível, inclusive, suplantar o texto legal infraconstitucional se assim for determinado por uma mais correta e adequada interpretação constitucional quando da apreciação do caso concreto.

Do enorme leque de princípios que compõe o ordenamento jurídico brasileiro destacam-se alguns que são tidos como corolários do sistema como um todo, dentre eles estão o princípio da proporcionalidade, do acesso a justiça e do devido processo legal, estando os dois últimos, ainda, além do conceito de princípio, por serem também garantias fundamentais à existência do ordenamento jurídico brasileiro.

Desta esteira retira-se a idéia de que muitas vezes da análise do caso concreto ter-se-á a aplicação de um princípio de forma contrária ao que determina o texto legal infraconstitucional. Este fenômeno não é contrário ao princípio da legalidade, mas sim é uma adaptação à realidade social, consubstanciada na interpretação do caso concreto diante das demandas sociais nos limites principiológicos constitucionais.

No que tange a problemática apresentada por este trabalho, tem-se a apreciação da possível aplicação do princípio da insignificância aos delitos tributários, entenda-se delito tributário como os delitos previstos na Lei nº 8.137/90 e nos artigos 168-A e 337 do Código Penal Brasileiro, ou seja, os chamados crimes fiscais e o crime de apropriação indébita previdenciária, pois o entendimento destes autores consiste em enquadrar aos referidos delitos num gênero maior denominado crimes contra a ordem tributária, considerando que os delitos concernentes às condutas em que a ordem previdenciária seja ferida, por tratarem também de tributo, compõe o bojo dos crimes contra a ordem tributária, sendo a Lei nº 8.137/90 uma lei de caráter geral que, claro, admite que leis especiais tratem sobre outros delitos contra a ordem tributária, como exemplo cite-se a Lei nº 8.212/91, artigo 95, alínea d, cuja redação foi revogada pela Lei nº 9.983/00 que inseriu o crime de apropriação indébita previdenciária no Código Penal através do artigo 168-A, e dá mesma forma procedeu com o artigo 337-A, de sonegação previdenciária, ambos delitos contra ordem tributária, agora situados em legislação específica da esfera penal. (LOVATOO, 2008, p. 168). Entenda-se também como delito tributário o crime de descaminho, previsto no artigo 334 do Código Penal. Em suma todo e qualquer delito que fira o erário público através do não cumprimento das obrigações tributárias devidas, constituem crimes contra a ordem tributária ao ver destes autores.

Observe-se que cada ramo do direito possui um conjunto de princípios de lhe orienta a construção. De acordo com Lídia Maria Lopes Rodrigues Meireles Ribas (1997) apud Patrícia Schoerpf (2006, p. 23), em sede de legislação e doutrina:

Tem-se como princípios informadores do Direito Penal Tributário o princípio da igualdade, o princípio da legalidade, a tipicidade, a irretroatividade, a proibição do emprego da analogia, o nom bis in idem, a garantia jurisdicional, o princípio da culpabilidade e o princípio da subsidiariedade.

O princípio da legalidade, por sua vez, está previsto na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º, inciso II. Na esfera penal especificamente determina que a conduta delitiva e a respectiva pena ao crime sejam previamente (ao cometimento do delito) instituídas em lei, somente assim o fato praticado recebe a denominação de crime e a pena cominada lhe é aplicável. Este princípio já foi denominado como uma forma de realização da justiça em direito tributário (GRUPENMACHER apud SCHOERPF, 2006, p. 25).

Na seara tributária é um garantidor da segurança jurídica, que torna as ações adstritas ao direito escrito em lei. Entretanto a legalidade que fundamenta o direito tributário penal é simplesmente formal, e muitas vezes não está adequada às demandas da sociedade e às peculiaridades do caso concreto.  Note-se que a legalidade estrita pode ser contrária à justiça social, porém o afrouxamento da legalidade de modo a desprezar em absoluto o que trouxer a lei pode ser uma arma contra o contribuinte assim como contra o Estado, simplesmente deixando ao arbítrio do juiz a decisão in caso.

O problema dos extremos se revela na ideologia que os suporta. A ideologia positivista (da legalidade estrita) está alicerçada no liberalismo clássico e a ideologia historicista ou sociológica (que defende a abertura da legalidade) se apóia no Estado de Bem-estar social. Ambas parecem extremadas e não atendem às necessidades da relação tributária hodierna [...] Propugna-se um novo relacionamento entre Estado e sociedade, em que ambos não esperem sentados por salvadores da pátria, mas atuem dialeticamente na construção da justiça fiscal, com respaldo em princípios constitucionais claros. (ZILVETE, 2009, p. 113)

 O referido autor faz menção ao que seria um positivismo flexibilizado, que aos olhos destes autores está em consonância com o pós-positivismo, uma forma de ver e filtrar tudo aquilo relacionado ao direito, entendendo que a este deve estar intrínseca a ética e valores orientadores, que não permitam a formação de uma ditadura da lei, mas sim que esta seja instrumento do Direito, enquanto instrumento realizador de pacificação social.   

É neste horizonte teórico que atua o princípio da insignificância, pois além dos princípios retrocitados, em matéria de direito penal também atuam o princípio da proporcionalidade da pena, da intervenção mínima do estado e da fragmentariedade. Há ainda outros princípios orientadores do direito penal, todavia esses três são aqueles que fundamentam, justificam e delimitam primariamente a necessidade e a adequação de aplicação do princípio da insignificância  aos crimes contra ordem tributária.

O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA 

O referido princípio surgiu a partir da máxima latina minimis nom curat praetor ainda no império romano e foi introduzido no direito penal na década de sessenta por Claus Roxim,. (SILVA apud CALIL, 2008, p. 03). A conceituação do referido princípio é flutuante, o que quer dizer que não há um padrão, um parâmetro fixo para estabelecer o que é e o que não é insignificante. Entretanto, em breves linhas podemos entender, de forma não fixa, que é insignificante o injusto típico que é  ínfimo diante da movimentação da máquina estatal e da lesividade causada ao bem atingido. Entenda-se injusto típico como aquele formalmente previsto na lei.

O tipo penal encontrado na lei obedece à uma tipicidade formal, por estar consubstanciado numa conduta descrita na lei. Esta tipicidade está em conformidade com o princípio da legalidade, todavia, como há de ser, o tipo per si desconsidera as circunstâncias que envolvem o caso concreto. Não poderia a lei, é lógico, prever todas as situações possíveis in casu.  

O princípio da insignificância, por sua vez, não pode ser utilizado ao livre arbítrio do juiz. No intuito de delimitar e restringir seu uso, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu uma série de critérios a serem avaliados quando da apreciação da possibilidade de aplicação do princípio da insignificância para o caso concreto. Quais sejam: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b)  a ausência total de periculosidade social da ação; c) o ínfimo grau de reprovabilidade do comportamento; e d) a inexpressividade da lesão jurídica ocasionada (HC 84.412/SP, Rel. Min. Celso de Mello, DJU 19.04.04). Estes critérios significam que não basta o fato ser formalmente típico (estar previsto na lei), mas é necessário que seja também materialmente típico, isto é, há de ser avaliada a sua relevância.

Esta forma de enxergar a tipicidade, isto é, a tipicidade formal somada à tipicidade material foi denominada por Eugênio Raul Zaffaroni como tipicidade conglobante.

[...] a insignificância da afetação exclui a tipicidade, mas só pode ser estabelecida através da consideração conglobada da norma: toda a ordem normativa persegue uma finalidade, tem um sentido, que é a garantia jurídica para possibilitar uma coexistência que evite a guerra civil (a guerra de todos contra todos). A insignificância só pode surgir à luz da finalidade geral que dá sentido a ordem normativa, e, portanto, à norma em particular, e que nos indica que essas hipóteses estão excluídas de seu âmbito de proibição, o que não pode ser estabelecido à simples luz de sua consideração isolada. (ZAFFARONI apud SILVA, 2008).

O princípio da insignificância comporta-se como uma causa supralegal de exclusão da tipicidade e funciona como medida de política criminal, em conformidade com  os três princípios anteriormente citados, já que não há proporcionalidade entre as penas cominadas na lei e algumas lesões ínfimas, assim como também  não é razoável que a máquina estatal movimente-se para condenar e para manter recluso alguém de comportamento minimamente reprovável. Além do que o direito peal, fragmentário que é, deve ser visto e exercido como última ratio, configurando a última medida de proteção a ser implementada pelo Estado, dada a intervenção drástica que pode significar sobre a vida do indivíduo e possível restrição de seus direitos disponíveis.

Sua admissibilidade é recorrente tanto nos julgados do STF como em tribunais estaduais (HC 84.412-SP, HC 98.152-MG e Rel. Min. Celso de Mello; v. tb. HC 83526, HC 84687, HC 87478, HC 88393, HC 89624, HC 92463, HC 94505, HC 94772, HC 95957). Sua aplicação nos crimes contra a ordem tributária já se faz presente, principalmente nos crimes de apropriação indébita previdenciária e de descaminho, conforme verifica-se no REsp 1.162.459; Proc. 2009/0204513-2; PR;5ª T.; Relª Laurita Vaz; DJE 25.04.2011, REsp 1.112.748/TO, 3ª Seção, Rel. Min.Felix Fischer, DJE 13.10.09, STJ, 5 T, Resp. 21403-SC.

Veja-se, entrementes, que o posicionamento do próprio STF ainda é pendente de pacificidade, posto que a própria corte contém julgados contrários, isto é, situações extremamente semelhantes no caso concreto, em que ora o STF entende ser admissível a aplicação do princípio da insignificância, ora entende que não.

Para os crimes contra a ordem tributária são adotados ainda alguns critérios especiais, em relação aos valores dos tributos devidos. Porém antes de discriminá-los e adentrar na discussão sobre admissibilidade do referido princípio faz-se necessário entender que bem jurídico é tutelado pelas condutas delitivas fiscais.

CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA: BEM JURÍDICO TUTELADO

A cobrança bem como o pagamento das obrigações tributárias remontam à tempos imemoriais. Assim como a instituição de tributos tem origem longínqua, também o é a resistência existente na maioria dos indivíduos em efetuar o referido pagamento.

Tendo em vista essa predisposição em desobedecer a regra de pagar tributos ao Estado surgiu a necessidade de regulamentação a fim de punir aqueles que infringem a norma e, por conseguinte, coibir outras pessoas de assim procederem.

No direito brasileiro a problemática tributária foi, a priori, definida de forma pouco elucidativa no Código Penal de 1940 (atualmente vigente). Com o advento do desenvolvimento social e a conseqüente necessidade de aumento de arrecadação de receitas, realização de despesas, implementação de majoração e minoração de tributos em virtude de suas funções fiscais, para-fiscais e extra-fiscais, aumentam as atividades financeiras e movimenta-se a economia. Proporcionalmente cresce o sentimento de insatisfação nos indivíduos ao efetuar os recolhimentos devidos aos cofres públicos. O contribuinte e/ou responsável motivado por tal sentimento atua sonegando tributo, deixando de recolhê-lo, suprimindo-lhe e cometendo vários outros atentados contra o erário público. Imbuidos  Tornou-se, então, necessário por parte do Poder Público, a criação de leis que adequadamente tipifiquem estas condutas. Logo, surgiram as leis 4.357/65 e 4.729/65 e a mais recente Lei 8.137/90, esta última definiu os crimes contra a ordem tributária e estabeleceu as penas aplicáveis, assim como os tipos penais previstos no Código Penal Brasileiro 168-A, 334 e 337-A.

Antes de discutir a problemática que envolve a conceituação do bem jurídico tutelado nos crimes tributários, convém destacar o amparo jurídico da ordem tributária, que está elencada juntamente com alguns dos princípios que a norteiam na Constituição Federal de 1988, em seu Título VI – Da Tributação e do Orçamento. As regras e princípios ali elencados orientam a obtenção de receitas, que por sua vez é feita através de tributos, a fim de satisfazer as necessidades sociais e atender aos encargos públicos do orçamento.

No Brasil assim como na maioria dos países desenvolvidos a atividade tributária busca, com a instituição de tributos, uma melhor distribuição da renda nacional através da progressividade das alíquotas de determinados tributos, dos incentivos fiscais, e de outras formas mais. Encontramos em Luiz Regis Prado a conceituação de sistema tributário, como sendo: “o conjunto de regras constitucionais e infraconstitucionais de natureza jurídico-tributárias, harmonicamente coordenadas e subordinadas, fundadas em cânones ou proposições que garantem e legitimam a estrutura elaborada” (2007, p. 305)

É sabido que os tributos são oriundos do poder de império do Estado, poder este que encontra limites na regra expressa da Constituição. Pode-se afirmar então que a relação existente entre o contribuinte e o Estado é uma relação jurídica tendo em vista que ambos estão sujeitos a observância de normas.

Observa-se que para que determinado ato seja considerado ilícito, faz-se necessário que o referido ato cause lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico. Sendo assim, para adentraremos no assunto que norteia o tema ora tratado, vale salientar que a legislação que versa sobre a questão dos crimes tributários visa evitar e cercear condutas de indivíduos que, por meios fraudulentos, esquivem-se do pagamento de suas obrigações  tributárias.

Tendo em vista não existir crime sem que haja lesão ao bem jurídico tutelado, faz-se apropriado, neste momento do presente trabalho,  estabelecer qual vem a ser efetivamente o bem jurídico protegido pelas condutas tipificadas como crimes contra a ordem tributária. Nos dizeres do ilustre doutrinador,

[...] o bem jurídico protegido pelas normas que prevêem crimes contra a ordem tributária é o patrimônio público, na perspectiva do crédito tributário, deve-se ter sempre em mente essa finalidade de patrimônio estatal e, portanto, a finalidade do próprio crédito tributário. (DECOMAIN, 2010, p. 66)

    

A conceituação acima exposta é derivada de uma das correntes que buscam explicar o bem juridicamente tutelado dos crimes em questão. Entretanto o estabelecimento do referido bem jurídico não é de fácil estipulação doutrinária. Várias são as correntes que tentam explicá-lo.

Primeiramente e em consonância com o conceito exposto, há o entendimento de tratar-se do patrimônio público, havendo assim a criminalização por dívida de natureza tributária. Esta linha de pensamento sofre duras críticas haja vista que a criminalização por dívida é inconstitucional, conforme regra expressa no artigo 5°, inciso LXVII da Constituição Federal de 1988.

Para uma segunda corrente de doutrinadores tem-se que o bem jurídico defendido consistiria na função tributária (arrecadadora) do Estado, constituindo-se, portanto, nos cofres públicos. Essa linha de pensamento tomou por base a legislação brasileira vigente na medida em que permite a exclusão da punibilidade com o simples pagamento do tributo.[5]

Para uma terceira corrente, que nos entendimento destes autores é a mais coerente, o bem tutelado é a própria ordem tributária, ou seja, o emaranhado de normas jurídicas limitadoras do poder de instituir e cobrar tributos.

Sendo assim, pode-se concluir que ao lesar o Estado, abstendo-se de forma fraudulenta de pagar o tributo devido, se está lesando toda a sociedade, posto que na medida em que os tributos são instituídos com o fim precípuo de efetivar a distribuição de riquezas e a manutenção e movimentação da máquina estatal, qualquer ato que vá de encontro à tributação estabelecida prejudica a sociedade como um todo.

APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AOS CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA

                     Talvez o cerne da questão seja o temor em aniquilar os princípios constitucionais e tributários atrelados à ordem tributária através do uso indiscriminado do princípio da insignificância e conseqüente mitigação dos valores que orientam a tutela da ordem tributária. Ratificando esta idéia, verifica-se o ensino de Patrícia Achoerpf (2006, p. 17): “torna-se imprescindível, no âmbito dos crimes tributários, a fiel observância aos princípios esculpidos na Lei Maior, como assecuratórios do Estado Democrático de Direito”. Esta preocupação em seguir o que está positivado pode levar o doutrinador ou o magistrado a agir de forma restrita e legalista.

Defende-se, neste artigo, que a idéia de necessidade de uma ampliação panorâmica desta forma de perceber a tutela da ordem tributária. A interpretação da norma e do caso concreto conforme a Constituição Federal impende que sejam observados todos os princípios implícitos que envolvam a situação de tipificação da conduta contra ordem tributária. Não somente devem ser considerados os princípios da fragmentariedade, da proporcionalidade da pena e da intervenção mínima do Estado, mas também o princípio da humanidade, da ofensividade e da culpabilidade. A jurisprudência encontra-se dividida e incoerente. Não existe ainda pacificidade em seus julgados e isto aplica-se até a Corte Suprema defensora da Constituição, o Supremo Tribunal Federal, que apesar de ter instituído os quatro critérios anteriormente citados e ter determinado parâmetro máximo de R$ 10.000,00 das dívidas tributárias que limitam os sujeitos que podem se submeter à possibilidade de ter a seu favor a aplicabilidade do princípio da insignificância, a colenda corte ainda profere julgados contrários, por exemplo: há julgados em que a reincidência é considerada para negar a admissibilidade do princípio. Há julgados em que a reincidência é desconsiderada.    

Porém nada obsta a incidência do princípio em virtude do bem jurídico tutelado.

CONCLUSÃO

   Os crimes contra ordem tributária englobam os crimes de sonegação fiscal, de apropriação indébita previdenciária e de descaminho, previstos na Lei nº 8.137/90, artigos 337-A, 168-A e 334 do Código Penal. Entende-se por crime contra a ordem tributária todo e qualquer crime que venha a ferir a legislação tributária.

Dentre os princípios que regem a ordem tributária e o direito penal tributário destaca-se o da legalidade, caracterizado pela subsunção do fato a descrição da conduta delitiva no tipo penal.

O tipo penal, entretanto, apenas possui tipicidade formal, através da adoção da teoria da tipicidade conglobante de Zaffaroni observa-se a necessidade de analise da tipicidade material in casu.

O princípio da insignificância incide sobre a tipicidade material desconstruindo-a quando são atendidos os quatro critérios estabelecidos pelo STF: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b)  a ausência total de periculosidade social da ação; c) o ínfimo grau de reprovabilidade do comportamento; e d) a inexpressividade da lesão jurídica ocasionada.

No que tange aos crimes contra a ordem tributária já se verifica na jurisprudência a sua aplicabilidade, principalmente nos delitos de descaminho e de apropriação indébita previdenciária. Aos critérios já citados soma-se um critério quantitativo em relação ao valor do tributo devido, sendo de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para débitos fiscais e de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), para débitos contra o INSS, sendo que este último valor não possui respaldo legal, tratando-se unicamente de construção jurisprudencial.

Portanto conclui-se que não há qualquer obstáculo à incidência do princípio da insignificância nos crimes contra a ordem tributária, apesar da doutrina ainda não se mostrar pacífica sobre o tema e possuir julgados contrários entre si, verifica-se uma aceitação paulatina e uma avaliação justa dos critérios eleitos para aplicação do referido princípio.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DECOMAIN, Pedro Roberto, Crimes contra a ordem tributária, 5ª ad. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2010;

SILVA, Marco Aurélio Souza da. A aplicação do Princípio da Insignificância à pequena quantidade de drogas apreendida com o usuário. Disponível em http://www.iuspedia.com.br em 01 mai. 2012.

PRADO, Luiz Regis, Direito penal econômico, 2ª Ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 2007.



[1] Graduanda do 10º semestre do Curso de Direito da Faculdade Paraíso do Ceará

[2] Graduando do 10º semestre do Curso de Direito da Faculdade Paraíso do Ceará

[3] Graduanda do 10º semestre do Curso de Direito da Faculdade Paraíso do Ceará

[4] Graduanda do 10º semestre do Curso de Direito da Faculdade Paraíso do Ceará

[5] Não há de se confundir a extinção da punibilidade por pagamento ou parcelamento de dívida tributária com o reconhecimento de atipicidade material de uma conduta por incidência do princípio da insignificância. Possibilidade de extinção da punibilidade no art. 34 da Lei nº 9.249/95,  artigo 20 da Lei nº 10.522/02 e Lei nº 10.684/03. A extinção da obrigação pode ser tanto de débitos inscritos em dívida ativa da União como em dívida ativa do INSS. Note-se que as dívidas possuem os mesmos valores máximos que lhes permitem ter a punibilidade extinta ou a tipicidade material excluida, quais sejam:  R$ 10.000,00 (dez mil reais), conforme artigo 21 da Lein º 11.033/2004 para os crimes de descaminho e de sonegação (Precedente: HC 92.438-PR,  2ª Turma do STF. 19 de Ago. de 2008) e R$ 5.000,00 (cinco mil reais)  para dívida inscrita na dívida ativa do INSS, todavia há divergência jurisprudencial ampla sobre este valor.