Das escolas penais

 

2.1 Escola Clássica

Como bem observa Frederico Marques: uma “Escola Clássica”, organizada como tal, jamais existiu. Esta denominação, aliás, surgiu com Ferri e foi adotada, inicialmente, pelos adeptos do positivismo, com intuito eminentemente pejorativo, no sentido de algo antigo, ultrapassado, para indicar os seus opositores e formuladores da doutrina penal anterior.[1]

É incontroverso que naquela época existia grande divergência entre os pensamentos dos doutrinadores, mas apesar disso, impossível não reconhecer a existência da Escola Clássica e de seus principais autores.

De acordo com Julio Fabbrini Mirabete:

Seu maior expoente, no período jurídico ou prático, foi Francesco Carrara, autor do monumental Programa del corso di diritto criminale (1859). Para ele, o delito é um “ente jurídico” impelido por duas forças: a física, que é o movimento corpóreo e o dano do crime, e a moral, constituída da vontade livre e consciente do criminoso. O livre arbítrio como pressuposto da afirmação da responsabilidade e da aplicação da pena é o eixo do sistema carrariano.[2]

Assim, Carrara considerava que a pessoa só poderia ser condenada se reconhecida sua culpa, decorrente de sua manifestação livre da vontade (livre arbítrio), definindo o crime como “a infração da lei do Estado” promulgada para proteger a segurança dos cidadãos, resultante de um ato externo do homem, positivo ou negativo, moralmente imputável e politicamente danoso”.[3]

Em síntese, os classistas entendiam que o crime era uma infração e não uma ação, consistindo na violação de um direito, punível com a pena, que era tida como tutela jurídica, ou seja, como proteção aos bens jurídicos tutelados penalmente. O livre arbítrio e a moral eram outros dogmas daquele período, sendo ela o pressuposto da responsabilidade penal, estando os homens daquele tempo submetidos às leis criminais em virtude de sua natureza moral.

 

2.2 Escola Positiva

Esta nova corrente introduziu o estudo cientifico na análise dos delitos, estudando-o sob o aspecto sociológico, ideias influenciadas pelo momento histórico-filosófico vivido naquele tempo.

Sobre o tema expõem Smanio e Fabretti:

Como consequência, o crime já não é mais um ente jurídico e abstrato dependente única e exclusivamente do livre arbítrio do homem, mais sim um episódio de desajustamento social ou psicológico, dependente das forças exteriores e interiores que atuam no sujeito e determinam a prática da conduta criminosa.[4]

Para muitos, o fundador da Escola Positiva foi o médico italiano Cesare Lombroso, que revolucionou o Direito Penal da época com estudos inicias a criminologia. Lombroso inaugurou a chamada Antropologia Criminal, e considerava que o crime era uma manifestação da personalidade humana e produto de várias causas, acreditando que um homem poderia, em virtude das características adquiridas geneticamente, estar destinado a uma vida de crimes, surgindo dessa conclusão o termo criminoso nato.

Ele estudava o criminoso pelo ponto de vista biológico, realizando uma série de experiências, tendo até estabelecido estigmas físicos e fisiológicos que permitiam reconhecê-los.

Com o passar do tempo, Lombroso começou a admitir a ideia de que o criminoso não era somente fruto do atavismo, mas também de outros fatores, como a “Loucura Moral” e a epilepsia.

Segundo Mirabete a Escola Positiva tem a sua maior figura em Henrique Ferri, criador da Sociologia Criminal ao publicar o livro que leva esse nome. Discípulo dissidente de Lombroso, ressaltou ele a importância de um trinômio causal do delito: os fatores antropológicos, sociais e físicos. Aceitando o determinismo, Ferri afirmava ser o homem “responsável” por viver em sociedade. Dividiu os criminosos em cinco categorias: o nato, o louco, o habitual, o ocasional e o passional. Dividiu as paixões em sociais (amor, piedade, etc.), e antissociais (ódio, inveja, avareza).[5]

Para Ferri:

Essa classificação antropológica não era meramente acadêmica, mas de uma utilidade prática imensurável, que segundo ele correspondia plenamente às exigências de uma justiça penal que tenha sempre presente- na lei, no julgamento e na execução da condenação- o próprio protagonista, que é o homem delinquente.[6]

Podemos dizer que as principais características da Escola Positiva foram: o método experimental ou indutivo; a concepção do delito como fato natural; a responsabilidade social e a pena como medida de defesa social.

Assim, a culpa moral é substituída pelos fatores biológicos do ser humano, sendo o autor de um crime, antes de tudo, um ser perigoso e anormal, necessitando de um trabalho de readaptação social.

Desmentem logo a teoria do livre arbítrio cientificamente. São, portanto, adeptos do determinismo psicológico, onde o homem está à mercê da causalidade, sendo as suas ações fruto de fatores externos e internos que influenciam a vontade, o que faz o homem buscar aquilo que tem razoes mais poderosas para fazer.[7]

2.3 Escola Crítica

Também denominada de Escola Eclética, ou de Positivismo Crítico, a terceira escola penal procurava conciliar as posições extremadas da escola Clássica e do Positivismo Naturalista.

Assim, “situando-se entre aquelas duas, aceita os dados da Antropologia e da Sociologia Criminal, ocupando-se do delinquente, mas, dando a mão ao Classicismo, distingue entre o imputável e o inimputável.”[8]

A pessoa, segundo a terceira escola, embora não possua liberdade plena de optar por uma ou outra ação, também não está fadada, por razões endógenas ou exógenas, à prática de crimes.

Destarte, “foi preocupação dessa Escola evitar as discussões metafísicas do livre arbítrio e do determinismo, que frequentemente olvidavam as exigências reais e impostergáveis do Direito Penal.”[9]

2.4 Escola Técnico-Jurídica

Diante dos postulados apresentados por Arturo Rocco, essa Escola entendia que o único argumento de estudo para o criminalista é a lei penal vigente em cada país.

Atrelada ao Classicismo, representou uma reação contra o Positivismo, repudiava à Intervenção da Filosofia do Direito Penal, defendendo a responsabilidade moral e o livre arbítrio como causas do crime.

De forma bem sintética, podemos afirmar que para Arturo Rocco: o único objeto da Ciência Criminal é o ordenamento jurídico vigente, isto é, o estudo das normas jurídicas que proíbem as ações humanas imputáveis, injustas ou nocivas, indiretamente geradoras e reveladoras de um perigo para a existência da sociedade juridicamente organizada; que a Ciência Criminal deve limitar-se a estudar o delito e a sanção de um posto de vista pura e simplesmente jurídico, pois são fatos jurídicos dos quais um é causa e o outro consequência; que o delito é um fato humano e social e que a pena é um fato social e politico.[10]

Ainda sobre o tema asseverava Noronha:

O Tecnismo Jurídico-Penal não é bem uma Escola, mas orientação, direção no estudo do Direito Penal [...] seu fim é a delimitação do objeto de nossa disciplina e das Ciências Penais, no que está certo. Com efeito, o crime – quer queiram ou não – é um ente jurídico, porém, é igualmente um fato biológico e social. É ente jurídico porque é o direito que valoriza o fato, é a lei que o considera crime. Mas é também – e isso não se pode negar – um fenômeno natural e social, isto é, oriundo de fatores biológicos e sociais.[11]

2.5 Análise Crítica das Escolas Penais

Após a análise das principais Escolas Penais, conclui-se que não existe um postulado firmado, pois nenhuma delas pode satisfazer integralmente aos imperativos sociais, diante do fenômeno do crime.

Cada Escola procurou, a sua época, estabelecer uma posição dominante no cenário penal, desvirtuando-se do verdadeiro objetivo ao tentarem normatizar suas ideologias.

Como brilhantemente expos Noronha:

O que sobretudo interessa ao individuo e à sociedade é o direito normativo, e este não se pode rigorosamente encerrar nos limites impostos por qualquer Escola, mas há de recolher de todas elas tudo quanto de útil e real ofereçam, sem deixar empolgar-se por concepções ditadas pelo sectarismo estéril. Os exageros metafísicos da Escola Clássica, os excessos naturalistas da Positiva e as demasias técnico-jurídicas não podem passar para o terreno legal, que é onde o Direito se exterioriza e adquire sua força para atender às exigências individuais e sociais.[12]

[1] MARQUES, Frederico. Tratado de Direito Penal. v.I. p. 105

[2] MIRABETE, Julio Fabbrini, Manual de Direito Penal, Editora Atlas. São Paulo. 2012. v.I p. 19.

[3] LINS e SILVA, Eduardo. A história da pena é a história de sua abolição. REVISTA CONSULEX – ANO V Nº. 104 – 15 de maio de 2001.

[4] SMANIO, Gianpaolo Poggio, FABRETTI, Humberto Barrionuevo, Introdução ao Direito Penal, Editora Atlas. São Paulo. 2010. p. 44

[5] MIRABETE, Julio Fabbrini, Manual de Direito Penal, Editora Atlas. São Paulo. 2012. v.I p. 22

[6] FERRI, Enrico. Princípios de direito criminal: o criminoso e o crime. Trad. Paolo Capitanio. Campinas. Bookseller. 1996. p. 262.

[7] ARAGÃO, Antônio Moniz Sodré de. As três escolas penais: clássica, antropológica e crítica. 7.ed. Livraria Freitas Bastos, 1938

[8] NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. 2. Ed. São Paulo. Saraiva. 1963. v.1. p. 50

[9] NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. 2. Ed. São Paulo. Saraiva. 1963. v.1. p. 50

[10] SMANIO, Gianpaolo Poggio, FABRETTI, Humberto Barrionuevo, Introdução ao Direito Penal, Editora Atlas. São Paulo. 2010. p. 65

[11] NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. 2. Ed. São Paulo. Saraiva. 1963. v.1. p. 54

[12] NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. 2. Ed. São Paulo. Saraiva. 1963. v.1. p. 54