UM REMÉDIO INDISPENSÁVEL

De Romano Dazzi

 

Tânia deixou-se cair, ou melhor, esparramou-se, cansada e  desconsolada na poltrona verde da sala,  tentando raciocinar.

Estava passando pelo pior período da sua vida.

E no entanto, segundo todas as convenções sociais, este deveria ser justamente  o momento mais agradável e compensador .

Relacionou os pontos essenciais que motivavam a sua frustração:

Vinte anos de casamento,  com altos e baixos, mas em temperatura decrescente.

Um marido atarefado, com horários impossíveis, sumindo às vezes por três dias.

Três filhos adolescentes, endiabrados, indomáveis e agressivos.

Uma sogra implicante (será um pleonasmo?) sem maiores adjetivos.

Uma mãe invasora, palpiteira e exigente;

Várias vizinhas faladeiras;

Uma empregada preguiçosa e ineficiente;

Tinha ondas de calor seguidas; não a empregada, mas ela, Tânia.

E depois, seguia a miudeza: a cada dia descobria uma pequena ruga nova, mais raízes brancas surgiam nos cabelos tingidos, umas dorzinhas esparsas, indefinidas, mas incômodas....impossíveis de diagnosticar.

Pois é: sua vida estava um fracasso.

 

A alegria de viver tinha ficado esquecida na praia, nas últimas férias, uns cinco anos antes.

O entusiasmo  caíra da janela, como um jarro de gerânios, despedaçando-se na calçada.

O amor, o carinho, a paixão, tinham murchado como margaridas sem água.

E ela mesma estava sentindo-se um caco; ou pior, uma porção de cacos, que nunca voltariam a ser o lindo jarro que tinham sido, uma eternidade atrás.

 

Sentiu que não estava morta; estava só esmagada pelas circunstâncias.

E eram as circunstâncias que estavam erradas, não ela!

E assim, de repente, sem pensar duas vezes,  Tânia decidiu que era a hora de reagir, de vencer aquela montanha de obrigações e de dissabores. 

Preparou uma maleta com algumas poucas roupas, uma sacola com os estojinhos indispensáveis e chamou um táxi. 

Fez questão de deixar o celular na mesa da sala.

Meia hora depois, estava num ônibus, rumo a  Campos do Jordão.

Estava escurecendo, quando chegou. Fazia frio.  

Entrou num bonito hotel que conhecia e acomodou-se num quarto confortável e bem aquecido.

Pediu algo para comer e deitou logo, com o corpo cansado da viagem e a mente em rebuliço, assustada com a sua própria decisão. 

Nunca tinha feito algo assim antes.

Nunca imaginara  ser capaz de fazê-lo.

Apesar das circunstâncias inusitadas,  dormiu como um bebê.

E não teve sonhos ou pesadelos.

 

Naquela mesma tarde, outra pessoa estava agitada, preocupada e sentindo-se infeliz. Era o  Fernando, o marido de Tânia.

Tinham tido uma troca áspera de palavras, de manhã, e ele tinha saído batendo a porta,

Mas remorsos, saudade, arrependimentos haviam tomado conta dele aos poucos..

Percebeu que, preocupado com o trabalho, havia deixado de ser o amigo, o companheiro, o marido e o amante, que prometera ser para sempre.

E certamente Tânia, não tinha tido, durante todo esse período, nenhuma dessas  figuras para apóia-la.

Tinha ficado sozinha, contando só com ela própria.

Fernando telefonou para casa . Tânia não estava. Ninguém sabia onde ela poderia estar 

Chegou em casa mais cedo, com um maço de rosas; mas Tânia não havia voltado.

O clima foi ficando pesado. Pairavam dúvidas no ar.

Todos fizeram suas obrigações diárias, mãe, sogra, empregada.

Até as crianças acomodaram-se sem brigas e sem gritaria.

Enquanto todos se recolhiam, Fernando foi ficando na poltrona, tomado pelo cansaço. 

E acabou adormecendo.

Acordou tarde da noite. Tânia não havia voltado.

Saiu à sua procura, com uma foto e um documento.

Percorreu delegacias, prontos socorros, hospitais, abrigos; até no IML entrou, com o  coração aos pinotes. Nada.

Quando voltou, a manhã estava começando. Sentou-se à mesa da sala, desconsolado.

Aguardaria notícias. Não tinha mais onde procurar.

Mas, enquanto realizava sua inútil procura, foi lembrando dos mil momentos bonitos que a companhia com Tânia lhe havia proporcionado;  aquela cumplicidade de  amantes, aquela conexão profunda, sem palavras ou gestos capazes de quebrar o encantamento.  .

Pensou como seria escura e sem brilho sua vida, sem a luz natural que ela possuía.

Pensou nos sacrifícios que ela fizera e em como fora total  a sua dedicação .

Pensou em como ela o havia feito acreditar que toda a vida dela dependesse dele;

e só agora percebia como era ele, na verdade, que dependia dela.

 

Agora já era dia. Talvez chegassem boas notícias.

Repentinamente lembrou de uma coisa importante.  Lembrou da lua de mel. Dos primeiros, maravilhosos dias do casamento. Dos passeios, do quentão, das peras de inverno; do quarto de hotel.

Decidiu-se.  O carro arrancou rápido. Largou a Dutra, desviando pela SP 123, sem parar, sem reduzir a velocidade. Estava com pressa.

Às dez da manhã, já estava em Campos.

Tânia ouviu alguém bater à porta do quarto. –“ Serviço de quarto!” – alguém falou.

Ela abriu e apareceu-lhe um  buquê de rosas vermelhas, tão vermelhas que pareciam estar queimando.

Atrás do buquê, estava o Fernando, com seu melhor sorriso, um sorriso que ambos pensavam ter-se perdido, ao longo dos últimos vinte anos.

Mãe, sogra, crianças, empregada, ficaram esperando por uma semana  que eles voltassem.

A vizinhança costurou e bordou. 

Mas Tânia e Fernando curaram suas feridas e prometeram-se que, quando a ressaca fosse  grande demais, voltariam ao hotelzinho para repetir a lua de mel, tantas vezes quanto fosse necessário.