Um político de outro mundo

 Tarso, era governador e estava terminado seu terceiro mandato, na maior cidade do país. Não ia tentar a reeleição, estava vivendo o pior escândalo político que havia se envolvido, desde o primeiro mandato, sua carreira foi marcada por escândalos. O primeiro deles, desvio de verbas federais destinadas a educação, coisa comum em todo país, mas este último envolvia prostituição de menores. Uma jovem, de 16 anos, estava grávida e afirmava que o filho era dele. Isto fez com que sua popularidade caísse, ao ponto do partido não sugerir seu nome para reeleição. Ele que sempre passou a imagem de um bom pai e um bom marido. Agora tudo era ruína.

            Paulo, seu filho, cresceu respirando política, era um jovem extremamente inteligente, falava inglês fluentemente, tinha os traços da mãe, pele mais morena, corpo forte, um sorriso largo e onde chegava logo fazia amigos. Estava com 26 anos e tinha uma sociedade numa loja de produtos de informática. Sonhava um dia concorrer para algum cargo na política, mas diante do ultimo escândalo do pai, decidiu abandonar tal sonho. Nesta ocasião, ele namorava Sophia, uma jovem encantadora, que possuía excelente educação. Falava três idiomas, que aprendera em virtude das constantes viagens que seus pais faziam, por ele ter sido embaixador na Inglaterra, Itália e Suíça. O pai de Sophia, Sr.Marco Malta, estava de volta ao Brasil há 2 anos, neste período ministrava seminários e palestras em diversas cidades do país.

            Estava embarcando para o Rio de Janeiro e voltaria no mesmo dia. Sophia o acompanhou na viagem e levou Paulo, seu namorado junto. Enquanto o Sr.Marco Malta ministrava a palestra, Sophia e Paulo foram curtir um pouco da praia, lá conversaram sobre diversos assuntos e, inevitavelmente, falaram sobre a situação do casamento dos pais de Paulo.

- “Eles irão se separar?” perguntou Sophia.

- “Eles já estão separados. Vivem como dois estranhos dentro de casa.”

- “Desde a divulgação deste escândalo, não tenho conseguido conversar com meu pai. Parece que uma parede foi erguida entre nós.”

- “Ele queria que você seguisse os seus caminhos na política, mas acho que você desistiu disso, não é?”

- “Sim. Mas não sei o que vou fazer.”

            O dia estava agradável e isto fez bem a ambos. Eles foram almoçar e decidiram visitar um tio de Sophia, que era professor de filosofia, na universidade da PUC, que era irmão mais novo do Sr.Marco Malta. Ao chegarem lá, os tios de Sophia os aguardavam. Sr.Tomás, homenagem à São Tomás de Aquino, e Sra. Adriana, eles haviam se conhecido na PUC, quando ambos cursavam suas graduações, ele em filosofia e ela biologia.

            Era o primeiro encontro de Paulo com os tios de Sophia, e a empatia foi imediata. Conversaram a tarde toda, e Paulo se interessou pela Filosofia e fazia perguntas e mais perguntas. Sophia, que amava o tio Tomás, comentou com a tia: “Ele continua o mesmo, encantando com as palavras e com o conhecimento.”

            O pai de Sophia havia terminado a palestra e passou no apartamento do irmão antes de embarcar de volta para São Paulo. Antes de saírem, Paulo perguntou ao Sr.Tomás quando seria a data do seminário de Filosofia e Política, em que ele iria palestrar em São Paulo e combinou de participar.

            Dois meses depois, lá estava Paulo, participando do Seminário. Eram dois dias de palestras, sendo que o tio de Sophia iria falar no segundo dia. Neste primeiro dia, Paulo ouviu uma palestra muito interessante, onde o autor falava da obra de Cícero: “Da República”, comentado algumas ideias do livro. Paulo ficou impressionado com o seguinte texto que fora comentado:

“... as riquezas, o nome ilustre, o poderio, sem a sabedoria que ensina os homens a se governar e dirigir ao outros, nada mais são do que uma vergonhosa e insolente vaidade; não há no mundo espetáculo mais triste que uma sociedade em que o valor dos homens é medido pelas riquezas que possuem. Ao contrário, que pode haver de mais belo e preclaro do que a virtude governando a republica?”

Paulo ouvia aquelas palavras com o coração e decidiu interiormente, que iria ler o livro.

            No segundo dia, a palestra do Prof. Tomás Malta, discorreu sobre a vida privada do governante e mostrou  a importância de construir uma autoridade moral, mostrando o valor que a mesma teve em diversos momentos da história.

            As palavras acertaram em cheio o coração de Paulo, que decidiu se aprofundar mais e mais no assunto.

            Começou  lendo a obra de Cícero, depois leu o ideal platônico de república, foi avançando mais e mais, até formar uma visão nova e revolucionária do que era a política.

            Dois anos depois se candidatou para o cargo de vereador na cidade de São Paulo, conseguindo se eleger numa das ultimas vagas. Logo de inicio, mostrou para a que veio. Abriu mão de diversas regalias que o cargo lhe conferia. Ia de metrô para o trabalho, não usava carro oficial, nem verbas de escritório e se vestia de modo simples. Com isto conquistou a antipatia dos colegas que o via de forma atravessada.

            No meio do mandato, uma revista decidiu entrevistá-lo e publicou uma matéria, cujo o título era: “o vereador de outro mundo”, a matéria mostrou quanto o município economizaria se todos os vereadores tomassem a mesma atitude de Paulo. Aquilo revoltou mais e mais seus colegas, que queriam vê-lo fora da câmara de qualquer jeito. Armaram um suposto escândalo para ele, mas a trama foi descoberta.

            Na próxima eleição municipal, Paulo surpreendeu mais ainda, fazendo campanha de uma forma totalmente diferente. Ao invés de usar carros de som, horários nos rádios e televisão, o que ele achava um verdadeiro atentado ao eleitor, ele ia duas vezes por semana para a praça da Sé, instalava um mini escritório e conversava com seus eleitores. Isto atraiu, mais uma vez, a atenção da mídia e a popularidade de Paulo subia vertiginosamente, ao ponto dele ser eleito como o quarto mais votado, sem poluir as ruas, sem perturbar o cidadão com carros de som e sem usar tempo na TV e no rádio.

            Tal fato chamou a atenção da mídia nacional, que fez uma longa matéria com ele, no principal programa dominical de TV. Foi o inicio para um salto ainda maior. Paulo continuou agindo da mesma maneira do mandato anterior, e foi atraindo outros políticos para sua forma de pensar. Diversos vereadores abriram mão de suas regalias e isto fez com que a prefeitura de São Paulo diminuísse em muito o gasto publico.

            Oito anos havia se passado, desde o escândalo que seu pai havia se envolvido. De fato, se provou que o filho era do pai de Paulo e isto foi um golpe doloroso na família. Seus pais se separaram e Paulo tinha pouco contato com o pai, que vivia mais em Brasília, agora como deputado federal. O partido decidiu lançar o nome de Paulo para a próxima eleição ao governo de São Paulo, ele tinha o apoio das principais lideranças. Esta era uma ótima oportunidade para apagar a péssima imagem que seu pai havia deixado.

Ele continuou fazendo campanha da mesma forma. Mergulhou de cabeça, cada dia estava em um município, instalava seu mini escritório nas praças e escutava eleitores. Percorreu os principais municípios do estado, não panfletava e nem permitia que sua imagem fosse veiculadas em panfletos de outros candidatos. Não ganhou a eleição, ficou em terceiro lugar, mas chamou a atenção nacional e até internacional para um novo jeito de fazer política.

            No ano seguinte, por divergências de visões políticas, criou um novo partido, onde os membros deveriam assinar um documento anual, renovando publicamente 8 compromissos, que eram os seguintes:

1)      Abrir mão de todas as regalias que não forem aprovadas pelo partido;

2)      Viver apenas com o salário que o cargo oferecer, não aceitando ganhos por votações extras;

3)      Publicar, no site do partido, informações referente a evolução patrimonial, apresentando justificativas;

4)      Matricular os filhos para estudarem em escolas públicas;

5)      Usar unicamente as redes públicas de saúde para esposa e filhos;

6)      Ter escolaridade mínima do ensino médio, sendo desejado o curso superior.

7)      Não participar de corrupção;

8)      Só aceitar doações de pessoas físicas, para não ficar vinculados aos interesses empresariais;

           Tal iniciativa teve repercussão imediata na mídia e na primeira convenção do novo partido, apenas 80 pessoas assinaram o documento, sendo 3 vereadores de São Paulo, 2 do RJ, 1 deputado federal de SP e 2 deputados estadual da Paraíba e o restante eram personalidades artísticas e políticos sem cargos eletivos.

            A cada ano aumentava o número de novos políticos e Paulo alcançava uma autoridade moral. Quatro anos depois, ele disputou e ganhou a eleição para governador de SP, levando as suas ideias para o país inteiro. De fato, seu jeito de fazer política era de outro mundo.