O medo é amplamente discutido. Se você já participou de algum seminário/workshop de desenvolvimento pessoal, meditação ou até de uma sessão espírita percebeu que a abordagem feita a esse sentimento sempre é direcionada a algo negativo, que impede a evolução pessoal. Em seu livro “Por que não sou cristão”, Bertrand Russel, famoso filósofo ateu, descreve que o medo é a força motriz da religião (no caso, o cristianismo). Para o autor, esse é um aspecto altamente destrutivo, uma vez que “o medo é o progenitor da crueldade, e portanto não é nada surpreendente o fato de religião e crueldade andarem lado a lado”.

Russel sugere que a ciência e o próprio autoconhecimento seriam ferramentas mais eficazes para tornar o mundo um lugar melhor – Epicuro também chegou a uma conclusão similar – , pois toda concepção de Deus nasce de antigos despotismos orientais e isso seria um contrassenso ao homem livre.

Marx escreveu que a religião foi inventada pelos pobres para “fugirem” das injustiças e do sofrimento através da ideia de uma recompensa após a morte. Porém, na visão marxista, as classes dominantes se apoderaram da religião para manter a classe operária submissa – o que corrobora com o despotismo citado por Russel. De fato, as religiões sempre foram incorporadas ao Estado e tiveram um papel importante nessa “estagnação social”.

Contudo, mentes brilhantes que antecederam Marx, como Montesquieu e Voltaire não deixaram de reconhecer o valor positivo que a religião exercia sobre alguns povos, como o povo chinês. Voltaire disse: “ela (religião chinesa) é formada em conjunto pela moral, pela obediência às leis e pela adoração do ser supremo: O imperador é, desde tempos imemoriais, o primeiro pontífice: é ele que sacrifica ao tien, ao soberano do céu e da terra. Ele deve ser o primeiro filósofo, o primeiro predicador do império; seus éditos são quase sempre instruções e lições de moral.” (Voltaire, 1961, p. 22). O filósofo também admirava os ensinamentos de Confúcio, classificando-os como os mais sãos que o espírito humano pôde formar sem revelação.

Montesquieu, por sua vez, salientou o respeito mútuo entre superiores e subordinados chineses: “Esse império é formado sobre a ideia do governo de uma família. Se vós diminuís a autoridade paterna, ou mesmo se vós suprimis as cerimônias que exprimem o respeito que se tem por ela, (…) vós desestruturareis o Estado”. (Montesquieu, 2001, p. 570)

Apesar da admiração,  Montesquieu considerava o país um “Estado despótico, cujo princípio é o medo.” (Montesquieu, 2001, p. 368). Essa conclusão se originava das penas extremamente severas aplicadas a quem desobedecesse às leis e não de um senso de tirania por parte do Império.  O imperador era soberano, mas sua autoridade tinha de estar em conformidade com os livros e doutrinas que eram acessíveis a todos- um imperador, chamado  Hoangti,  ordenou a queima de todos os livros, mas muitos foram preservados em segredo e voltaram a circular novamente.

Bertrand Russel também viu alguns aspectos positivos na religião cristã, contudo, os julgava muito inferiores aos seus malefícios para a civilização e considerava a Igreja algo separado de Cristo (também fazia o mesmo julgamento do Budismo). Russel condenava a ideia de pecado, que exerce uma influência enorme nos devotos e os mantém encoleirados ao medo da punição divina. Em “No que Acredito” (1925), Russel disse que o pecado é fruto de superstição e que a presença desta é a causa de sofrimentos evitáveis. Ao creditar a superstição como “mãe do pecado”, o autor relega aos costumes religiosos a interpretação de que determinadas ações constituem pecado (nesse caso, o pecado é definido como algo que desagrada a Deus ou aos deuses). A partir daí, vários costumes compartilhados na sociedade que se originam da moral religiosa são questionados e colocados como obstáculos para uma evolução social – isso engloba a rejeição da Igreja Católica  a métodos contraceptivos, que na década de 1920 era uma questão ainda mais polêmica do que é hoje, entre outras. O que mais o indigna é a maneira como a noção de pecado e o medo que ele causa nas pessoas faz com elas fiquem inertes, incapazes de conduzirem suas vidas para um caminho mais racional e, portanto, mais justo.

Uma nova religiosidade

O físico Albert Einstein também falou sobre o assunto. Ele elaborou um conceito (veja o Ensaio sobre Religião e Ciência) que defendia que a religião tinha três estágios. O primeiro explicava que o medo (da fome, morte, doenças, animais) foi o que levou os homens primitivos a buscarem por uma fé religiosa. Já no segundo estágio, Einstein disse que o homem passou a procurar uma “concepção social ou moral de Deus”, criando a imagem que temos do Deus bíblico, que pune e salva. O terceiro estágio era referente a uma visão cósmica de Deus, “Nós, seguidores de Espinosa, vemos nosso Deus na maravilhosa ordem e submissão às leis de tudo o que existe, e também na alma disso, tal como se revela nos seres humanos e nos animais”.

Citado por Eisntein, Espinosa foi um crítico da religião, discordando dos dogmas e rituais religiosos, e falou muito sobre sua visão de Deus. Acreditava numa espiritualidade racional que ia de encontro ao medo e superstição comuns no cristianismo e judaísmo (Espinosa era de família judia).

 

Segundo Marilena Chauí, filosofa e professora, em artigo publicado na Revista Cult, edição 109, o filosofo creditava a religião o poder de amparar as angústias que afligem a alma humana, dando a eles um senso de segurança:

Se os homens pudessem ter o domínio de todas as circunstâncias de suas vidas, diz Espinosa, não se sentiriam à mercê dos caprichos da sorte, isto é, a ordem imaginária do mundo como encontros fortuitos entre as coisas, os homens e os acontecimentos. Sentindo-se à mercê da sorte, porque não possuem o domínio das circunstâncias de suas vidas e são movidos pelo desejo de bens que não parecem depender deles próprios, os humanos são habitados naturalmente por duas paixões, o medo e a esperança. Têm medo que males lhes aconteçam e bens não lhes aconteçam, assim como têm esperança de que bens lhes advenham e males não lhes caiam sobre as cabeças. Incerteza e  insegurança suscitam o desejo de superá-las, encontrando signos de previsibilidade para as coisas e os acontecimentos e levando à busca de sinais que permitam prever a chegada de bens e males. Essa busca, por seu turno, gera a credulidade em presságios e, por fim, a busca de presságios conduz à crença em poderes sobrenaturais, que, inexplicavelmente, enviam bens e males aos homens. Dessa crença em poderes transcendentes misteriosos nascerá a religião.

Mas será que o fato de a religião (na opinião de muitos filósofos) ser uma espécie de muleta para a incerteza que cerca a existência humana é algo de todo ruim? O proceder das religiões anula a necessidade do ser humano de ter alguma espiritualidade?

Georg Simmel, pensador alemão que viveu nos séculos IXX e XX, disse em um de seus ensaios que “a religião sobreviveu às religiões, tal como uma árvore sobrevive à colheita periódica de seus frutos”.  Isso, pelo menos para algumas pessoas, denota que a religião tem “um algo a mais” que a mantém viva apesar das mudanças que a sociedade sofreu ao longo dos séculos. Por mais questionada que possa ser, a religiosidade pode conferir à alma (em todos os sentidos) um certo tipo de salvação.