Recentemente a União Européia, por meio de o Livro Branco Ensinar & Aprender. Rumo à Sociedade Cognitiva, declarou que a missão da educação é ajudar cada indivíduo a desenvolver o seu potencial e tornar-se um ser humano complemento e não um mero instrumento da economia. De fato, este vem sendo o grande desafio para as instituições nacionais em implantar as novas Diretrizes Curriculares nos sistemas educacionais do ponto de vista da filosofia.

No Estado de São Paulo, onde o ensino de filosofia já faz parte das grades curriculares, não é diferente. O grande desafio é oferecer ao aluno do Ensino Médio, educado por este Estado, uma formação crítica ao mesmo tempo em que ele se integre à proposta econômica. De acordo com a LDB, aluno deve possuir ao final do ensino básico três finalidades da proposta universal: (a) a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos; (b) a preparação básica para o trabalho e a cidadania; e (c) o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo aqui a formação ética, a autonomia e o pensamento crítico (Art. 35 da LDB, itens I, II e III). Das duas primeiras propostas as disciplinas curriculares presentes a tempos na grade dão conta por meio da inter e transdisciplinaridades.

Na última, a filosofia é requisitada à grade. Porém, o desafio repousa justamente em propor um ensino que forme um sujeito crítico, autônomo e ético por uma proposta paradoxal, cuja relação humanidade e trabalho não se complentam mutuamente, tendo como pressuposto exatamente um sistema econômico que não visa o indivíduo, mas sim a produção. Em que ele não é sujeito, mas apenas objeto de realização.

Explicitar os contraste da realidade ao aluno, por meio das intolerâncias, dos abusos e dos descasos e ao mesmo tempo lhe dizer que para uma existência digna é preciso associar-se ao sistema, é um papel que a filosofia não fará com tanta tranqüilidade, isto é, sem que se ponha em jogo a própria crítica como ato intrínseco à filosofia, ao menos para aqueles professores que reconhecem no sujeito o valor da ação em sociedade.

O professor de filosofia colocado como deve ser, ou seja, o observador racional das indicações do pensamento humano e não o historiador desse pensamento, dilui-se na proposta. Pois, ensinar filosofia sem filosofar e filosofar sem ensinar filosofia não é parte da Filosofia (APIS, 2004, P. 308). Mas então qual é a proposta do ensino filosófico que atende às Diretrizes de Base? Não há, por princípio, transferência de conhecimento, mas há a construção do conhecimento, e este se constrói pelo exercício da crítica pessoal dos limites e possibilidades que podem ser alcançadas ou transformadas pelo próprio aluno.

Diria Platão, os filósofos “ao reconhecerem que a filosofia vem se apossar de sua alma nesse estado [apreciar as coisas por intermédio do corpo], consolam-na suavemente e trabalham em liberdade fazendo-a ver que os olhos do corpo estão repletos de ilusões, bem como seus ouvidos e todos os outros sentidos, e a advertem de que não os utilizem mais do seja o seu próprio, quando tiver analisado bem dentro dela mesma o que cada coisa é em sua essência, e esteja convencida de que tudo o que analisa pelo meio que for, ao mudar segundo esse intermediário, nada tem de verdadeiro” (PLATÃO, 1999, P. 149).

A crítica não é relevante para a filosofia, ela é predicado. Para a ação filosófica, problematizar é o meio de compreensão da realidade, mas convergir ou divergir nem sempre é a solução. Daí, pois, que ensinar filosofia é procurar fugir ao sofismo. A história da filosofia ensina ao filósofo que o pensamento filosófico é, sobretudo, provocação. E isto quando colocado em sala de aula gera compreensão da realidade. Não se trata, portanto, aos olhos do professor filósofo, de propor uma crítica pela crítica, mas antes fazer perceber que em estando o aluno inserido nesta realidade, como deve ser, ele é sujeito do próprio conhecimento e, portanto, agente em sua realidade à medida que converge este conhecimento para a compreensão e a transformação de si e da própria realidade.

A crítica foge do paradoxo no momento em que o aluno se reconhece de modo consciente como integrado ao sistema e que as próprias deliberações, resultado de um pensamento crítico, a favor ou contra, sejam para ele os exercícios da sua própria autonomia. Contudo, é também papel do professor filósofo distinguir ao aluno que a autonomia não pode ser direcionada ao individualismo hedonista, mas antes uma ação ética que não pode se afastar do outro.

Daí a necessidade de um plano de ensino da ética, como proposta pedagógica, que tenha como objetivo a formação de um conteúdo que faça o aluno compreender que a ação ética é antes uma disposição do que o uso da razão propriamente dita. Que envolve necessariamente a noção de liberdade, de deveres, de direitos e, sobretudo, de compreensão da natureza humana, principalmente, sobre os aspectos da cultura, da moral e dos fundamentos do estado político humano.

Assim, o ensino da ética não deve ser a transferência de valores, mas um processo de construção de uma identidade crítica, isto é, o ensino da ética deve propiciar a construção de um ambiente ético onde os valores são os significados subjetivos e verdadeiros de cada um dentro do universo social. Onde não cabe a tolerância (digo tolerância, porque nela decorrem graus e em tempos de crises o grau é zero), mas apenas a aceitação, desde que tais valores não agridam a dignidade humana do outro.

Caso contrário, não pode ser aceito nem tolerado, mas extirpado. A crítica se insere no sistema a partir da consciência que surge ao aluno como elemento participativo desse próprio sistema. Em que as trajetórias escolhidas não estão apenas no plano da existência, mas no plano da realização do “ser” humano e, por isso, membro também de uma comunidade que se guia pela responsabilidade e pela solidariedade.

Os desafios que nos apresentam são muitos: a insipiência de nós professores de filosofia depois de anos longe das salas de aulas; a crise social da perda de valores morais, substituídos pela moral ambiciosa do mercado de consumo, descaracterização do público pelo privado, sensação de desigualdade social, a formação aparente de um estado formado mais na noção do dever do que na do direito etc. No entanto, estes desafios não se acumulam se forem tratados por partes, em cada ciclo de aprendizagem que os alunos do ensino médio apresentam a nós, que pela nossa percepção vão nos ensinando a operar com cada desafio.

Desse modo, podemos equacionar as propostas sugeridas e aos poucos somarmos ao todo a finalidade desejada: o desenvolvimento do educando, seu preparado para a cidadania e sua qualificação para o trabalho (Art 2 da Lei 9394/96 – LDB). Bibliografia DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL. LEI 9394/96 DE 20 DE DEZEMBRO DE 1996. PLATÃO. FEDON IN COLEÇÃO OS PENSADORES. SÃO PAULO: NOVA CULTURAL, 1999. APIS, RENATA P. L. O PROFESSOR DE FILOSOFIA: O ENSINO DE FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO COMO EXPERIÊNCIA FILOSÓFICA IN CAD. CEDES. COMPINAS. VOL 24, N. 64, P. 305-320, SET/DEZ/2004.