INTRODUÇÃO

Nos anos 60, com o surgimento do movimento da Matemática Moderna, que buscou grandes mudanças baseadas em fundamentos comuns, os quais integraram os currículos de vários países, passamos a ter o ensino da Matemática desenvolvido com ênfase nas definições, na teoria dos conjuntos e na predominância da álgebra sobre a geometria. Já na década de 70, surgiram às críticas ao movimento da Matemática Moderna, orientadas por uma abordagem mais sociológica, considerando aspectos sociais, antropológicos, psicológicos e lingüísticos:
A crítica excessiva à valorização dos conteúdos em lugar dos métodos, as primeiras discussões sobre a resolução de problemas e a ligação da Matemática com a vida real, os debates sobre o uso das calculadoras e de outros materiais de ensino foram colocando em xeque o ideário do movimento anterior. A compreensão de que aspectos sociais, antropológicos, psicológicos, lingüísticos têm grande importância na aprendizagem da Matemática trouxe novos rumos às discussões curriculares. (PIRES, 2000, p.12)
A visão que valorizava os conteúdos e a modernização, centrada no formalismo e no estruturalismo, com mais abstrações e menos aplicações no cotidiano, deu lugar a investigações sobre todo o processo de aprendizagem, cujo foco era o aluno, que participava do processo através da resolução de problemas. É assim que surge no Brasil a Educação Matemática. Esta propõe, dentre outros objetivos, a articulação dos saberes escolares com a realidade dos alunos, estudando as relações entre o ensino e a aprendizagem matemática.
A Etnomatemática, campo de estudo da Educação Matemática, tem se destacado nesta área do conhecimento, por ser uma linha de pesquisa que vem reafirmando a Matemática produzida em diferentes contextos socioculturais e em atividades diárias. Seu desenvolvimento teve início em meados da década de 70, com as primeiras teorizações a partir de estudos elaborados por Ubiratan D?Ambrosio. Segundo este teórico, na composição da palavra etnomatemática, "utilizei as raízes tica, matema e etno para significar que há várias maneiras, técnicas, habilidades (tica) de explicar, de entender, de lidar e de conviver (matema) com distintos contextos naturais e socioeconômicos da realidade (etno)" (D?AMBROSIO, 1994, p.94). Dessa forma, percebemos que cada grupo social possui habilidades e técnicas para desenvolver o saber e o fazer matemático, adequado ao seu ambiente, próprio para realizar atividades cotidianas específicas. Devemos então valorizar a diversidade cultural dando igual importância a sua dimensão pedagógica.
A proposta pedagógica da Etnomatemática é fazer da matemática algo vivo, lidando com situações reais no tempo (agora) e no espaço(aqui). E, através da crítica, questionar o aqui e agora. Ao fazer isso, mergulhamos nas raízes culturais e praticamos dinâmica cultural. Estamos, efetivamente, reconhecendo na educação a importância das várias culturas e tradições na formação de uma nova civilização, transcultural e transdisciplinar. (...) Por tudo isso, eu vejo a Etnomatemática como um caminho para uma educação renovada, capaz de preparar gerações futuras para uma civilização mais feliz. (FERREIRA, 2003, p.18)
Contudo, o conhecimento matemático desenvolvido por grupos sociais específicos, como os agricultores de Cachoeirinha, são considerados como não-ciência, como não-conhecimento para muitos que lidam com o saber e o fazer matemático; pois seu grupo social não pertence aos setores hegemônicos da sociedade, os quais são considerados como os que podem/devem/são capazes de produzir ciência (KNIJNIK, 2004).
Esses agricultores, assim como outros grupos (por exemplo, os sem terra, os horticultores, etc.), desenvolvem habilidades e técnicas matemáticas para resolverem problemas de seu cotidiano, como procedimentos de contagem, medição de comprimentos e de áreas (uma conta, tarefa e quadro de palma no caso específico dos agricultores de Cachoeirinha), procedimentos relacionados com a comercialização das terras e produtos que são plantados nas mesmas. Essas habilidades são definidas por D?Ambrosio (1993 apud MENDES, 2004, p. 44) como "ticas de matema" que significa "arte ou técnica de explicar, de conhecer, de entender, de agir numa situação, e estão presentes em todas as civilizações e sistemas culturais através dos tempos."
Percebemos, dessa forma, a importância dessas habilidades matemáticas para os agricultores, pois estas fazem parte de sua experiência, de seu ambiente, de sua cultura; precisamos valorizar e respeitar esse conhecimento, reconhecer sua dimensão cultural, compreender que sua construção é feita a partir das necessidades de seu cotidiano. A grande motivação da Etnomatemática é procurar entender o saber/fazer matemática ao longo da história da humanidade, contextualizado em diferentes grupos.
Dentro desta abordagem, este projeto de pesquisa busca investigar a construção de etnoconhecimentos (BORBA, 1987) na vivência sociocultural do campo, refletindo sobre sua utilização em atividades diárias dos agricultores em Cachoeirinha-PE, a fim de compreender seu aspecto cultural, social e buscar possíveis implicações no âmbito pedagógico.