Um monstrengo miserável  

 

Confesso que preferia pegar o bonde andando. Como disse Michel Foucauld em sua aula inaugural de 1970, no Colégio de França, mutatis mutandis, preferia que alguém começasse a desenvolver por mim o tema deste artigo.

 

Bastava um empurrãozinho, um leve toque, e eu pegava do assunto mais adiante, livre do enfado de reproduzir, ainda que esquematicamente, o patético confronto entre Dilma Rousseff e Lina Vieira.

 

Na casa do sem jeito, já que aqui estamos, o melhor a fazer é contar logo o que se passou:

 

Lina Vieira, do alto escalão da Receita Federal, declarou:

 

─ Dilma Rousseff me convidou a comparecer ao seu gabinete. Compareci. Durante a entrevista, ela  pediu-me que fossem agilizadas as investigações contra o filho de José Sarney.

 

Dilma Rousseff, atual Ministra de Estado e candidata do Governo à Presidência da República, negou tudo.

 

O quiproquó certamente não teria repercutido tanto quanto ainda hoje repercute, não fossem os germes da dúvida que a declaração de Lina Vieira e a negação de Dilma Rousseff inocularam  nas veias da Nação.

 

Dúvida torta, teratológica, corrosiva,  nascida na insinuação de torpes ingerências, e agravada no registro de que José Sarney, atual Presidente do Senado, controla poderosos contingentes eleitorais, comprometidos com a candidatura de  Dilma Rousseff.

 

Mais forte e mais pungente que a dúvida, no entanto, é a náusea que dela deriva, quando a consciência considera  a investidura de Dilma Rousseff nas elevadas funções de Ministra de Estado. E que, em tais circunstâncias, suas obrigações não se circunscrevem ao misteres transitórios do Governo, mas exigem a guarda e a observância rigorosas dos princípios perenes, subsumidos no ordenamento ético estatal.

 

Nesse contexto de subidos ideais, não há espaço para probidades controversas. Ao contágio da dúvida, a dignidade não sobrevive. Nem a do cargo, nem a do Estado.

 

Mas alguém há de haver nesses palácios que chame a si a defesa da estima nacional, e delibere afastar Dilma Rousseff, enquanto durarem as investigações, que se impõem.

 

Se não acontecer assim, estaremos, viola no saco, retornando aos tempos de Luís XIV  L'état, c'est moi  – quando Governo e Estado confundiam-se numa única alucinação.