Inicialmente sabe-se que a religiosidade é uma característica muito peculiar do ser humano, a qual pode ser identificada desde os primórdios da humanidade a partir do momento que em que o próprio começo a manifestar-se também através de símbolos, pois a partir destes temos hoje como interpretá-los e saber que nesse ínterim o ser humano já começava a formar grupos de índole religiosa.

Para que haja uma interpretação dos materiais disponíveis que nos remontam ao passado precisamos fazer uso de algumas técnicas, as quais são providas pela metodologia da ciência histórica, que por sua vez busca estudar, problematizar e interpretar os fatos religiosos remanescentes e atuais. Assim, partindo principalmente da contextualização dos fenômenos atuais, a ciência da religião percorre a história procurando interpretar características culturais das sociedades que versem sobre o mítico e o sagrado. Isso demonstra que a investigação do passado é fundamental para que ao mesmo tempo se possa entender o que ocorre na atualidade e concomitantemente se tenha pistas do que o futuro promete.

Como a história acontece de maneira progressiva não se pode ter o presente como uma simples reprodução do passado, ainda que os fatos aconteçam em um mesmo local por épocas a fio. Mas há de se ter como uma continuidade enraizada principalmente no presente, no qual ela está viva e se fazendo.

O fato é que a historiografia nesse caso é desenvolvida com a observação analítica de manifestações religiosas em meio a grupos culturais em demasiados períodos históricos, gerando assim uma ideia da interação do humano com o sagrado.

Esse processo se desenvolve de maneira interdisciplinar abordando aspectos religiosos como as questões do imaginário e do real, a análise das “histórias sagradas”, comparação do comportamento das pessoas diante da vida, da morte e dos momentos sagrados a partir de seus próprios conceitos religiosos, bem como fazer especulações analógicas entre formas religiosas antigas e atuais.

É importante que a historiografia seja organizada de maneira cronológica e diacrônica, acompanhando a sucessividade dos fatos ao mesmo tempo em que sua simultaneidade ocorre, para que assim as continuidades e permanências do fato religioso possam ser examinadas. Isso porque há de se ter em mente que o estudo desta historicidade deve nos levar a fazer um equilíbrio e uma concatenação entre as remaniscências do passado e as demandas da atualidade. Mesmo porque, hoje com a globalização temos de levar em conta a diversidade local e temporal, abrangendo assuntos como: formas antigas de religião, as religiões do oriente, o monoteísmo, as religiões mundiais, novos caminhos e movimentos religiosos.

Algo fundamental para a isenção necessária para este estudo é o não fechamento em conceitos unilaterais, principalmente fundados em uma única religião quando do estudo da diversidade cultural e religiosa de diversos povos, para que assim se possa de fato se objetivar uma interpretação crítica que leve à reflexão.

Quanto à trajetória da historiografia da história das religiões, essa não se deu de maneira muito tranquila, muito porque a primeira luta dos historiadores foi a de separar esse estudo da Teologia, que durou desde o deísmo inglês do século XVII até o iluminismo racionalista. Isso porque um dos problemas é que a Teologia estudava as outras religiões em uma atitude de preponderância, sem a devida isenção de valores em relação às outras religiões, principalmente politeístas.

Foi na segunda metade do século XIX que a História das Religiões nasceu como disciplina autônoma, com método e objeto de estudo próprios, muito por conta da revalorização romântica do sentimento e o advento do racionalismo iluminista.

A partir de 1900 se efervesceu o debate entre ciência e religião, e a crítica acirrada de muitos sociólogos expoentes fez com que as antigas tradições religiosas entrassem em decadência. Mas as ideias de Augusto Conte, as quais alegavam que uma sociedade só pode manter a coerência e a ordem sob uma crença comum, vieram a se sobrepujar.

Daí por diante estabeleceram-se careiras desta nova ciência em várias universidades de reconhecimento mundial como na Universidade Livre de Bruchelas, Sorbonne, Collège de France, Berlim, Leipzig e Bonn. Depois em 1897 houve o primeiro congresso internacional de Ciências da Religião em Estocolmo e em 1900 em Paris o Congresso de História das Religiões. Também sugiram revistas especializadas no tema a começar de Paris.

Com o desenvolvimento da Ciência das Religiões sugiram também várias escolas etnologias, norte-americanas, europeias e as escolas histórico-religiosas, como a Escola histórico-cultural de Viena e a Escola Italiana de História das Religiões.

Os enraizamentos culturais que hoje são frutos das religiões es­tudadas em nossa sociedade?

 

As tradições religiosas antigas estão muito vivas em nosso quotidiano. Basta que pousemos um olhar mais minucioso e analítico sobre a nossa sociedade para que elementos peculiares das religiões possam ser identificados.

Uma primeira destas características é facilmente notada no culto aos mortos, pois o mistério inerente ao fim da vida é sem dúvida uma das maiores realidades que causam até hoje perplexidade nas pessoas. É em outras palavras o limite intransponível do ser humano nessa questão que o impulsiona a encontrar sentido para isso no “além”.

Outra é o animismo que se resume em uma forma antiga de religião que acredita em uma força maior, um ânima, uma energia sobrenatural que parte de alguém ou de algo que não o próprio crente. Algo que extrapola a realidade visível, mas que está presente em tudo e em todos.

Não se pode também deixar de citar aqui também a crença em um “pai” comum e criador, a qual é observada em muitas culturas, e que na qual o ser humano sempre tem um tratamento especial no momento da criação, por meio do qual o criador modela o ser humano lhe conferindo alma, vida e pensamento.

É interessante perceber por meio das narrativas de diversos povos que as ideias de justiça e bondade são inerentes ao criador sendo ele incorruptível, e desse modo o mal só poderia surgir das criaturas. O que claramente pode ser visto em nossa sociedade de maioria cristã.

O xamanismo é outra das características mais presentes em nossa sociedade, mas que é uma das práticas mais antigas de religiosidade que ainda permanece muito viva, mesmo tendo surgido entre os povos nômades da Ásia.

Consiste em técnicas de controle das forças sobrenaturais que agem sobre a natureza e as pessoas, as quais são utilizadas por um Xamã, que por sua vez se comunica com espíritos que lhe são obedientes. Além disso, acreditasse que os Xamãs podem entrar em contato com os mortos, expulsar demônios, interpretar sonhos, etc. O que até hoje podemos ver em quase que todas as religiões existentes, claro que com diferentes nuances e aplicações, mas com o devido fundamento originário. Prática que encontra respaldo na fé da maioria das pessoas ainda hoje independentemente da crença particular.

Como último aspecto comparamos aqui com as religiões tribais como, por exemplo, as de tradição africana, que são de origem primitiva, onde suas tradições são transmitidas de maneira oral por meio de contos, mitos, rituais, festas e fábulas; todas contendo uma visão de mundo, linguagem e organização próprias. O que também pode de certa forma englobar quase que todas as outras religiões por estarem fundadas sobre o mesmo terreno.

São religiões que mantém certos princípios que norteiam muitas de nossas mais basilares leis como, por exemplo, o senso de comunidade e solidariedade, apreciação dos valores e critérios tradicionais, visão holística do mundo e das pessoas, inclusão de todos, harmonia entre tradição e progresso.

 Conhecendo-se esses enraizamentos originários das religiões antigas, por que é im­portante tentar superar preconceitos e intolerâncias religiosas?

 

É preciso que tentemos superar estas barreiras porque na verdade como se vê, temos todos enfim uma mesma raiz e uma mesma maneira de nos relacionarmos com o divino, mesmo que cada qual a seu modo mantenha um tipo de liturgia e modos de expressão diferentes.

Percebemos aqui que a convivência fraterna e o respeito para com a diversidade é o meio ideal para que se gere uma harmonia, tanto no ambiente local como no mundial, em torno de um objetivo comum.

A paz é sem dúvida verdadeira utopia, mas deve estar sempre no foco dos diálogos inter-religiosos, políticos, sociais e econômicos, pois interfere diretamente na vida da humanidade como um todo, trazendo, quando não há acordo, tragédias incalculáveis para o presente e para o futuro a exemplo do que já se presenciou no passado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DOMEZI, M. C. História das Religiões. Batatais: Claretiano, 2011, p. 15 a 82.