Um modelo ideal de atividades didáticas transdisciplinares no Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA) - UFOP: o conhecimento para além da universidade

Natália Goulart Pelegrini1


Resumo

O presente trabalho apresenta os resultados da realização de um projeto de promoção de atividades acadêmicas (Programa Pró-Ativa da Pro - reitoria de Graduação da Universidade Federal de Ouro Preto) que tinha por objetivo a elaboração de um modelo para a realização de atividades didáticas transdisciplinares no Instituto de Ciências Aplicadas (ICSA) da UFOP. Trabalhos realizados em grupo pelos estudantes orientados por diferentes professores por período. Experiências iniciais realizadas nos primeiros períodos do curso de Comunicação Social ? Jornalismo, justificaram a proposição desse projeto para a elaboração de um modelo que contribuísse para a generalização dessas práticas em outros cursos do Instituto. Embora a finalidade de generalizar a prática de tais atividades no Instituto não tenha sido alcançada ainda, a realização do projeto se insere no processo concreto de implantação destas atividades no curso de Comunicação, contribuindo concretamente para sua maturação. Por fim, discutimos alguns marcos teóricos sobre transdisciplaridade e a pedagogia de projetos.

Palavras-chave
modelo ideal, transdisciplinaridade, pedagogia de projetos

Introdução

Para entender as condições que levaram à realização de um projeto visando elaborar um modelo ideal de atividade didática transdisciplinar, podemos nos ater à seguinte questão: como promover o crescimento de alunos e professores do recém criado Instituto de Ciências Sociais Aplicadas - ICSA, no âmbito da atual ampliação das universidades federais, vinculando o estudo de conhecimentos científicos dentro da sala de aula, em conexão com a vida cotidiana? Esta questão resulta da realização de uma atividade transdisciplinar pelos estudantes do primeiro período de Comunicação Social - Jornalismo, durante o segundo semestre de 2008.

1 Estudante de Comunicação Social (Ênfase em Jornalismo) do Instituo de Ciências Sociais e Aplicadas (ICSA ? UFOP) foi bolsista do Programa Pró-ativa da Pró- reitoria de Graduação da Universidade Federal de Ouro Preto.

. Envolvendo vários professores encarregados de lecionar as disciplinas de "Introdução ao Jornalismo", "Teoria da Comunicação I", "Introdução à Sociologia" e "Introdução à Psicologia", foram orientados diferentes trabalhos sob a condição de apresentarem produtos artísticos-culturais, procurando vincular os conteúdos dessas disciplinas. Como resultados positivos tivemos a experiência da troca de conhecimentos durante os debates que ocorriam após as apresentações. Por sua vez, o processo de orientação e realização dos trabalhos foi muito rico não apenas para promover tal troca de conhecimentos, mas também por possibilitar relacionar os conteúdos disciplinares às experiências vividas.

A partir dessa primeira experiência tem-se, então, o desejo de ampliar o trabalho transdisciplinar no ICSA para todos os cursos (Administração, Comunicação Social - Jornalismo, Economia e Serviço Social) tendo como base a criação de um modelo ideal, que partindo da experiência inicial e o acompanhamento das atividades durante o ano de 2009 no curso de Comunicação. O modelo ideal tem como pressupostos auxiliar professores e alunos na execução dos trabalhos transdisciplinares, desde reuniões entre docentes/discentes, o direcionamento para os professores avaliarem e orientarem os alunos, até a consolidação do produto final.

Diretrizes para a construção do trabalho transdisciplinar

Para apresentar o modelo ideal tem-se, primeiramente, como diretriz primordial, a ligação de teoria (universidade) e prática (contexto para além do âmbito acadêmico) através de:
a) temas e metodologias utilizados no trabalho transdisciplinar devem levar estudantes e professores a sair da universidade quando da realização do trabalho. Ou seja, as teorias estudadas precisam fazer sentido para a experiência de vida de professores e estudantes também fora da academia (sala de aula, textos acadêmicos, seminários, provas, relatórios de trabalho, etc).
b) ampliar o olhar no sentindo de não restringir "estudantes" e "professores" apenas a esses papéis específicos, já que o contexto de vida destes não se reduz a academia, e quando vistos dessa forma, perdem sua complexidade.
c) textos lidos em sala de aula precisam fazer sentindo no universo para além do ambiente universitário. Dessa maneira, professores e alunos têm a possibilidade de enxergarem a si mesmos, bem como a realidade que os cercam. Diante dos três desdobramentos citados, tem-se que:

(...) estamos dizendo que a escola deve trabalhar, além dos conhecimentos científicos e culturais tradicionais, conteúdos contextualizados na vida comunitária e cotidiana das pessoas, em suas relações locais e concretas. Em outras palavras: a escola deve incorporar, também, a cultura popular e promover uma aproximação entre os saberes da realidade vivenciada pelos estudantes em seu dia-a-dia e os conhecimentos científicos e de outras realidades culturais, como forma de enriquecimento da própria experiência (ARAÚJO, 2003, p.34).

Há que se pensar nos desdobramentos como bases para se construir o trabalho transdisciplinar no ICSA de forma a alcançar sua solidez. A diretriz apresentada anteriormente (teoria ? universidade/ prática ? ambiente além da academia) não exclui a teoria/prática já presentes nas disciplinas. A transdisciplinaridade "é a compreensão do mundo presente, para qual um dos imperativos é a unidade do conhecimento" (NICOLESCU, 2000, p. 10-11 apud VIEIRA; MAIA, 2009, p.3). Nesse sentido, o trabalho transdisciplinar não se concretiza apenas quando da teoria/prática que já está presente nas disciplinas. Como a própria definição de Basarab Nicolescu acerca da transdisciplinaridade, a atividade didática requer também que alunos e professores reconheçam o mundo que os envolve juntamente com conhecimentos científicos apreendidos pelos mesmos. Segundo ARAÚJO (2003) a atividade transdisciplinar permite que os sujeitos percebam seus próprios conflitos, bem como de outras pessoas que os cercam.

Depois de tecer algumas considerações sobre a diretriz que se pretende seguir para que o trabalho transdisciplinar no ICSA, desde sua iniciação, carregue esse direcionamento, abordaremos questões que vão ao encontro da prática tendo como base estudos sobre a pedagogia de projetos. Ou seja, as reuniões que serão feitas entre docentes, posteriormente, a orientação de professores para com os alunos. Outro aspecto se refere à avaliação, ao aproveitamento de pontos e resultados finais. Todas essas características serão aprofundadas sobre a ótica dos limites/obstáculos, bem como os ideais para que ajam redes entre os participantes (aluno/professor) e seus objetos de pesquisa.

Os encontros entre professores devem acontecer antes do início do semestre, nesse momento o cronograma de reuniões, tema a ser desenvolvido, metodologia, bem como o dia da apresentação final, precisam ser definidos (claro que essas datas estão sujeitas a modificações). Essa socialização permite ao tutor, aquele(s) que está à frente do trabalho, explicar aos outros docentes a importância da transdisciplinaridade na universidade. Além disso, o mentor deve também esclarecer que o trabalho transdisciplinar não irá sobrepor a(s) disciplina(s) específica(s), ou seja, a atividade não é nada mais que uma tarefa arte cultural distinta de outros trabalhos tradicionais realizados. Outro fator está na explanação de um dos vários limites, e talvez seja o principal, cujo trabalho não atinja resultados satisfatórios: a autoridade dos professores frente a outro(s) colega(s), além do enraizamento diante dos conhecimentos específicos de cada um. Em suma, esse primeiro contato é essencial, pois a atividade depende do diálogo e reflexão entre os professores para que de fato o trabalho transdisciplinar dê o primeiro passo.


Já as orientações dos professores com os alunos, primeiramente, precisam ser feitas em conjunto com todos os docentes que estão participando do trabalho. Quando apenas um professor orienta alguma equipe, o sentido transdisciplinar se quebra, pois os alunos vão ter apenas uma visão, ou seja, uma orientação compartimentada. E mais, a autoridade exercida do docente pode ser maior, porque o professor está diante somente de alunos. Quando estes se encontram diante de outros docentes, a situação se torna menos fragmentada e imperial. Dessa forma, tem-se uma reflexão compartilhada (debate) e um confronto de idéias. No entanto, quando se pensa nas orientações conjuntas, a dificuldade está na disponibilidade de horários dos professores. Afirma Ventura (2002) que o envolvimento de vários professores orientando os alunos, ajudaria o trabalho a ter resultados satisfatórios. O ideal pretendido aqui, para se ter uma orientação adequada, e principalmente, que aja uma troca entre docentes/discentes, é encontrar situações-problemas, observar/auxiliar o que limita os alunos a dar continuidade nas tarefas, sem, contudo, resolver o problema para eles. As teorias dadas em sala de aula, no momento do encontro, precisam ser retomadas para que o próprio docente tenha a percepção se os alunos estão se embasando em algo que de sustentação na relação com o tema escolhido. Segundo Ventura (2002) é imprescindível que os professores: crie juntamente com os alunos problemáticas a serem discutidas, pois essa situação faz com que outras ações possam ser realizadas e negociadas entre os alunos.
Além disso, permite uma aprendizagem e esforço das equipes quando estas estão de frente a um enigma. Realize um contrato pedagógico com os alunos, reuniões regulares (para analisar como o trabalho está se desenvolvendo) e de encorajamento (quando os alunos perderem o ânimo por causa de algum problema). Por último, cuide para que se tenha uma boa relação do projeto com outros que estão sendo realizados.
Assim como toda tarefa/projeto que envolve vários participantes, as equipes necessitam negociar atuações, achar situações-problemas: tanto para a equipe de professores - a relação com eles mesmos e com os alunos, e ainda, os grupos dos próprios discentes. Ventura discorre que:

Chamamos de "projeto" a uma ação negociada entre os membros de uma equipe, e entre a equipe e a rede de construção de conhecimento da qual ela faz parte, ação esta que se concretiza na realização de uma obra ou na fabricação de um produto inovador. Ao mesmo tempo em que esta ação transforma o meio, ela transforma também as representações e as identidades dos membros da rede produzindo nele novas competências, através da resolução dos problemas encontrados (VENTURA, 2002, p.39).

Em relação à avaliação da atividade transdisciplinar (como docentes devem avaliar o aluno) esse deve ser o momento dos alunos resgatarem as teorias e conceitos utilizados na sala de aula relacionando-os com o tema definido, na forma de argüição/debate entre os professores e grupos de estudantes. A participação diferenciada de estudantes e professores no desenvolvimento dos trabalhos, assim como a autoridade dos docentes é um dos limites que envolvem o percurso do trabalho até a apresentação final. Como o professor irá perder a solidez e mergulhar na liquidez dinâmica da transdisciplinaridade? Será que isso acontece ou a avaliação é feita isoladamente, sem um salto para fora de sua própria disciplina? De acordo com Humberto Maturana:

(...) a transdisciplinaridade é uma abordagem na qual temos liberdade de olhar do outro lado sem sermos acusados de estarmos pisando onde não devemos e sem temermos ser acusados de estarmos pisando onde não devemos. Nesse sentido, tem a ver com a reflexão e liberdade de reflexão, pois nos permite olhar de um lado, olhar de outro, e relacionar esses dois campos ou aceitar a legitimidade de sua separação. (...) depois podemos olhá-los, relacioná-los ou mantê-los separados, conforme for o nosso entendimento (MATURANA, 2000, p.110).

É dessa maneira que a avaliação ao longo do trabalho dever ser feita pelos professores: adentrar em campos não exclusivos, manter um diálogo com os alunos, relacionar sua própria disciplina e outras não específicas, no sentido de transcender o conhecimento, ou seja, seria uma "avaliação coletiva". Para Fonseca, Moura e Ventura (2004) a avaliação somativa (aquela realizada somente ao final do trabalho, quando da apresentação do produto) não é utilizada nos projetos, uma vez que os mesmos devem ser avaliados no seu decorrer, não somente no momento da apresentação pública. Além disso, a auto-avaliação de alunos, seus respectivos grupos, bem como os professores-orientadores é inerente para gerar a eficácia do trabalho. Se essa autocrítica é realizada pelos participantes, o trabalho se torna palpável, no sentido de um reconhecimento não superficial, mas sim, complexo. Em outras palavras, a reflexão de si mesmos permite identificar erros e acertos, uma vez que esse julgamento abre espaço para um debate maior entre professores/alunos.
Os pontos distribuídos aos alunos não devem prejudicar a avaliação. O ideal seria que a nota dada ao discente não sobreponha à experiência de realização do trabalho, nem à avaliação dos conteúdos disciplinares de cada disciplina. Além disso, a atividade arte cultural não poderá valer mais pontos do que qualquer outra tarefa disciplinar. O intuito do trabalho transdisciplinar não se encontra na pontuação dada aos alunos, e sim, que estes obtenham um conhecimento amplo (relação existente entre as disciplinas, temas, e ainda, a vida cotidiana), reflitam sobre as várias realidades envoltas, percebam qual lugar ocupam dentro da universidade e fora dela.

Considerações finais

O ideal de resultado (apresentação pública do produto construído pelos alunos) da atividade artística cultural tem como objetivo o atravessamento dos universos tanto acadêmicos quanto cotidianos de alunos e professores. Além disso, que todos os participantes sintam a existência de um espaço além dos conteúdos disciplinares. Para se fazer uma atividade didática transdisciplinar que englobe todos os direcionamentos abordados acima, é necessário que o modelo ideal se fixe no Instituto de Ciências Sociais e Aplicadas. Essa solidez não quer dizer que esse será "o modelo", mas que este sofrerá modificações no sentindo da liquidez, assim como o trabalho transdisciplinar o é.

Referências bibliográficas
ARAÚJO, Ulisses F. Temas transversais e a estratégia de projetos. São Paulo: Moderna, 2003.
VENTURA, Paulo C. S. Por uma pedagogia de projetos: uma síntese introdutória. Educ. Tecnol., Belo Horizonte, v.7, n.1, p.36-41, jan./jun. 2002.
VIEIRA, Ubiratan V.; Maia, Marta R. ONG?s e barroco: temas transversais na realização de atividades didáticas transdisciplinares no curso de Comunicação Social, Jornalismo, da UFOP. Artigo apresentado no II Memorial do Instituto de Ciências Humanas e Sociais. Mariana, Minas Gerais, 2009.
MATURANA, Humberto. "Transdisciplinaridade e cognição". In Educação e transdisciplinaridade, Brasília: UNESCO/Ed. CETRANS, 2000.
FONSECA, Nelita A.; MOURA, Dácio G.; VENTURA, Paulo C. S. Os projetos de trabalho e suas possibilidades na aprendizagem significativa: relato de uma experiência. Educ. Tecnol., Belo Horizonte, v.9, n.1, p.13-20, jan./jun. 2004