UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL
ENSINO À DISTÂNCIA
CURSO DE PEDAGOGIA









ANÁLISE DO LIVRO
UM MENINO DE OLHO NO MUNDO












Autor: Sebastião Camilo Borges




LAGOA DA PRATA MG
2009









I

INTRODUÇÃO






Celso Antunes afirma que "a mente humana, finalmente, foi aberta e o que hoje se conhece, ainda que imensamente distante do que sobre esse assunto se conhecerá dentro de dez anos, já nos permite intervir de forma positiva, com limitada segurança, afirmar que as inteligências estimulam-se, que as memórias respondem positivamente ao treinamento sistemático e que a linguagem que se desenvolve pode ser admiravelmente beneficiada com alguns poucos minutos de extrema dedicação e interesse. Não mais vivemos a era da espera. Com tudo que a ciência conhece, podemos transformar pela educação e pela serenidade do desenvolvimento de projetos as linhas de um caráter. Se o adulto que a criança virá um dia a ser será simpático ou antipático, terá ou não muitas amizades e será esperto ou dinâmico, depende bem menos das faculdades mentais inatas e mais, muito mais, da maneira como, através da educação, será transformado".
Na história deste personagem, Joseph Sadler, Jr., está representada a história de pessoas que nascem em um lar sadio e organizado, dentro de parâmetros sociais adequados e que tem o seu desenvolvimento de acordo com o que poderíamos chamar de "caminho normal" de crescimento humano. A maioria de nós se deliciou com o colo materno, descobrimos um mundo de novidades ao nosso redor, de pessoas e objetos que constituem o "universo" infantil. Brincamos com nossos pais, com nossos irmãos, com outras crianças, e aprendemos nestas brincadeiras muitas regras e conceitos que nos acompanharão pelo resto da vida. Viver é um aprendizado constante.











II

DESENVOLVIMENTO

A epistemologia genética de Piaget e a sua Teoria do Conhecimento prescrevem o desenvolvimento humano como um processo de interação permanente de "esquemas" orgânicos com o meio de interação do organismo. É através da ação da criança sobre este meio ou objeto que nasce o conhecimento. Portanto, quanto mais intensa essa ação mais forte se torna a "assimilação", ou seja, a incorporação de novos elementos ou conceitos estranhos ao organismo. O resultado desta ação do sujeito sobre os objetos, e a modificação que o sujeito experimenta em função da aquisição de novos conhecimentos chama-se acomodação. Esse processo complexo de assimilação e acomodação resulta em adaptação.
Uma criança não pode chegar a conhecer senão aqueles objetos que é capaz de assimilar à esquemas anteriores. Esses esquemas são, no começo do desenvolvimento, esquemas de ação elementares, que irão enriquecendo-se e tornando-se complexos à medida que o conhecimento prossegue, proporcionando assim novos instrumentos de assimilação. (Ferreiro, 2001)
De acordo com Regina Orth de Aragão, psicanalista e coordenadora do Centro Integrado de Desenvolvimento Infantil(Cindi), Brasília(DF), "Freud apontou os primeiros anos da infância, até os cinco anos, como decisivos na constituição do psiquismo do sujeito. Uma das razões dessa vulnerabilidade liga-se à descoberta de que esses anos correspondem ao primeiro surgimento da sexualidade, e, por outro lado, ao fato de que as impressões desse período incidem sobre um ego imaturo e frágil", e atuam como traumas. (Freud 1927-1973). Ele considerou também que a dificuldade da infância reside no fato de a criança, num curto espaço de tempo, ter de assimilar os resultados de uma evolução cultural que se estende por milhares de anos, incluindo a aquisição do controle das pulsões e a adaptação à sociedade.
Em Piaget encontramos a explicação para o desenvolvimento do ser humano como um processo constante de aprendizagem, construído pelas interações com os objetos. Este desenvolvimento se dá por estágios, segundo Piaget, e que são sucessivos: estágio sensório motor (0-2 anos), pré-operatório (2-7 anos), operatório concreto (7-11, 12 anos) e operatório formal (12 anos em diante).
No início da vida do bebê "não existe, certamente, nenhuma diferenciação entre o eu e o mundo exterior, isto é, as impressões vividas e percebidas não são relacionadas nem à consciência pessoal sentida como o "eu" nem a objetos concebidos como exteriores. São simplesmente dados em um bloco indissociado [...] a consciência começa por um egocentrismo inconsciente e integral... " (Piaget, 1964, p.19).
Nos primeiros meses de vida a criança chora e este choro é interpretado pela mãe ou pelo pai como um chamado ou uma necessidade do bebê que necessitada de atendimento. Os pais aparecem sempre que ela emite este comportamento, e assim, descobre que pode controlar certas situações. Na história de nosso personagem Josehp Jr., esta situação é muito bem ilustrada. É importante que nesta fase a criança seja estimulada a reconhecer e interagir com diferentes objetos do seu entorno.

Assim gradualmente, a criança irá conquistar alguns comportamentos que lhe permitam dar uma organização à realidade pela conquista da permanência substancial dos quadros sensoriais, que será obtida pela aquisição de noção de permanência dos objetos em torno dos nove meses de idade e que permitirá à criança a concepção de um mundo estável onde a existência dos objetos é independente de sua percepção imediata. (Rappaport, Teorias do Desenvolvimento, 1981, p. 67)
Nesta fase a criança procura objetos escondidos e manifesta curiosidade em deixar objetos caírem no chão, para observar a queda. Começam também a explorar os ambientes, subir em objetos, revirar caixas, etc. Já são capazes de reconhecer as relações de causalidade, objetivando causas para os acontecimentos e a percepção do tempo. Assim, o indivíduo está, paulatinamente, trabalhando na formação da noção do eu e na diferenciação dos objetos. Ela é sempre o centro de referência em relação à realidade que a cerca. Percebe como ela é pequena em relação aos adultos como em algumas cenas descritas pelo personagem do livro em questão.
Ao final deste período a criança, apesar de se manter bastante egocêntrica e autocentralizada já se encontra bem mais adaptada à realidade.
Terá conseguido atingir uma forma de equilíbrio, isto é, terá desenvolvido recursos pessoais para resolver uma série de situações através de uma inteligência explícita, ou sensória motora. (Rappaport, Teorias do Desenvolvimento, 1981, p.68)
A psicanálise descreve o momento do nascimento como um momento angustiante, ou seja, o bebê, ao sair do útero materno e sofrer o corte do cordão umbilical, "bloqueia-se o afluxo do oxigênio materno". Ele sente a carência e precisa respirar, para sobreviver.
É preciso reagir, inspirar, introjetar o mundo externo. Ou se recebe o externo, ou se deixa de viver. A angústia de respirar é a perda do paraíso bíblico e o início da conquista do pão com o suor do próprio rosto. Perdido o útero, a criança terá de enfrentar o mundo. Construirá progressivamente suas relações afetivas e intelectuais, até que ela própria se torne progenitora. Está estabelecida a luta pela perpetuação da vida, finalidade última da própria vida. [...]. Respirar marca o ponto inicial da independência humana. Várias etapas se sucederão até a plena aquisição de sua identidade. (Rocha Fiori, Wagner da, Teorias do Desenvolvimento, 1981, p.35)
As etapas iniciais de vida do bebê caracterizam-se como Fase Oral, numa visão psicanalítica. A criança sente prazer. "É pela boca que começará a provar e a conhecer o mundo" (Rocha Fiori, 1981). Sua primeira descoberta será o seio materno. Ele é o primeiro objeto de ligação infantil. Será o depositário de amor e ódio. Esta é a fonte do desenvolvimento afetivo da criança nos primeiros períodos de vida. Estas ligações emocionais da criança começam com o amor que ela dirige ao seio e "posteriormente o afeto reconhecerá a mãe, o pai, as outras pessoas e objetos do mundo" (Rocha Fiori, 1981).
Encerrando a fase de bebê, no final dos dois anos de vida, a criança começa a desenvolver as noções de tempo, espaço e causalidade, e, com o surgimento da função simbólica (representar uma coisa por outra ? símbolo), passa a interagir com o meio de outra forma.
O estágio seguinte é marcado, principalmente, pelo aparecimento da linguagem, oral. Isto lhe permitirá a formar esquemas simbólicos. O raciocínio é marcado pelo egocentrismo e possui uma lógica do "particular para o particular".
O alcance do pensamento irá aumentar, obviamente, mas lenta e gradualmente, e assim a criança continuará bastante egocêntrica e presa em suas ações. Por exemplo, quando os pais de Joseph tentam introduzir uma amiga, ele rejeita. Não quer que ninguém invada o seu mundo. Tudo gira em torno de si mesmo.

Egocêntrica, pois devido à ausência de esquemas conceituais e de lógica, o pensamento será caracterizado por uma tendência lúdica, por uma mistura de realidade e fantasia, o que determinará uma percepção muito distorcida da realidade. E esta distorção se dará justamente em função destas limitações (Rappaport, 1981, p.68)
No livro Um menino de olho no mundo, registramos algumas cenas que ilustram esta afirmação: Quando a mãe fica grávida, ou o quadro em que o personagem Joseph Sadler, diz: "Eu nem sempre entendia o que os adultos diziam", referindo-se à frase "George explodiu quando viu a conta de telefone", para ele George explodia de verdade. Os sonhos noturnos também são manifestações concretas de fantasias. A criança acorda chorando, com medo. Para ela é como se fosse realidade. "O sonho é um bom exemplo do simbolismo inconsciente. Alem de concretizar imagens, o sonho é um fenômeno normal e universal. É também um bom exemplo de formação de sintomas" (Rocha Fiori, 1981, p. 48).
O egocentrismo se caracteriza, basicamente, por uma visão da realidade que parte do próprio eu, isto é, a criança não concebe um mundo, uma situação d qual não faça parte, confunde-se com objetos, pessoas, no sentido de atribuir a eles seus próprios pensamentos, sentimentos, etc. Assim a criança dará explicações animísticas (atribuir característica humanas a animais, plantas, etc.) Este egocentrismo é tão marcante que se manifestará em todas as áreas de atuação da criança, ou seja, intelectual, social, de linguagem.(Rappaport, 1981, p.68, 69)
Em uma abordagem de psicanálise, no início do segundo ano de vida, a libido passa da organização oral para a anal. No segundo e terceiro anos de vida, dá-se a maturação do controle muscular na criança, isto é, dá-se a organização psicomotora de base. É o período que se inicia o andar, o falar e em que se estabelece o controle de esfíncteres.
Dentre os produtos que a criança elabora, as fezes assumem um lugar central na fantasia infantil. São objetos que vêm de dentro do próprio corpo, que são de certa forma partes da própria criança. São objetos que geram prazer ao serem produzidos. Durante o treino de esfíncteres, as fezes são dadas aos pais como recompensas ou prendas. Se o ambiente é hostil são recusadas. [...]. Quando o desenvolvimento é normal, ou seja, quando a criança ama e sente que é amada pelos pais, cada elemento que a criança produz é sentido como bom e valorizado. O sentimento básico que fica estabelecido a levará em todas as etapas posteriores da vida a sentir que ela é adequada e que seus produtos são bons; portando estará sempre livre e estimulada a produzir. (Rocha Fiori, Wagner da, Teorias do Desenvolvimento, 1981, p.39, 40)
Por volta dos três anos de idade, a libido inicia nova organização. A erotização passa a ser dirigida para os genitais, desenvolve-se o interesse infantil por eles. Surge a preocupação com as diferenças sexuais entre meninos e meninas. Este complexo desenvolvimento da sexualidade, que não vem ao caso de ser discutida aqui, culmina na elaboração de comportamentos afetivos e relacionamentos amorosos seguros.
Passados os primeiros anos de vida a criança entra em uma fase em que o declínio do egocentrismo se estende à linguagem, que se torna mais socializada, e a criança será capaz de levar em conta o ponto de vista do outro. É o período das operações concretas que vai dos 7 aos 11-12 anos, de acordo com as proposições piagetianas de desenvolvimento. É uma fase que, normalmente, se intensifica a vivência escolar, e com o "mundo dos adultos". O pensamento lúdico será substituído por uma atitude crítica sobre a realidade. Ela sente a necessidade de explicar logicamente suas idéias e ações.
A capacidade, agora adquirida, de formação de esquemas conceituais, de esquemas mentais verdadeiros, a realidade passará a ser estruturada pela razão e não mais pela assimilação egocêntrica, como ocorria na fase anterior.
Isto levará ao desenvolvimento de uma interação social mais genuína e mais efetiva tanto com seus pares como com os próprios adultos.
Pela flexibilidade mental que está agora adquirindo passará a entender regras de jogos e isto modificará em parte as brincadeiras preferidas, pois na idade pré-escolar, em função das limitações já citadas, estes jogos não eram compreendidos pela criança.
Nas cenas finais do livro, quando o pai sai com o filho para passear ou lhe tentar ensinar regras de "beisebol". Ou mesmo no seu "papo" com Alice. Vê-se claramente o desenvolvimento da razão e da interiorização de regras sociais.


III

CONCLUSÃO



Encerrando esta pequena análise gostaria de fechar com estas palavras da psicóloga Clara Regina Rappaport, embora já amplamente citada, descreve com muita sabedoria esta passagem de um ser humano desorganizado para um ser que se organiza e se forma.
"Assim, vemos uma criança que caminha lenta, mas decisivamente, de um estado de indiferenciação, de desorganização do pensamento e de autocentralização, para uma compreensão lógica e adequada da realidade que lhe permite o perceber-se como um indivíduo entre outros, como um elemento do universo que pouco a pouco passa a estruturar-se pela razão".










Referências Bibliográficas:
RAPPAPORT, Clara Regina, Teorias do desenvolvimento, Vol. 1, 1981, E.P.U.
ROCHA FIRORI, wagner da, Teorias do desenvolvimento, Vol. 1, 1981, E.P.U.
DE PAULA, Ercília Maria; MENDONÇA, Fernando Wolff, Psicologia do desenvolvimento, 2007, IESDE BRASIL.
ARAGÃO, Regina Orht de, Em Aberto, Brasília, v.18 n. 73, p. 70-77, julho,2001.