Hoje eu quero contar a história de um homem pequeno, bem insignificante, não que ele tenha nascido de má família, nem também que não tenha tido acesso à boa educação, mas porque escolheu a mediocridade como estrada para conduzir sua vida. Vejam bem, casou-se esse homem, teve filhos, trabalhou em alguns ofícios, mas sempre dava um jeito de trapacear, sempre dava um jeito de ser o “espertalhão“ do meio, e fingia ser honesto, fingia ser um homem exemplar. Era também esse pequeno homem de uma grandíssima hipocrisia, sempre julgando as pessoas pelo mal que ele também cometia. Certa vez achou que deveria criticar os homens solteiros de família, emparvoecia-se e dizia: - Eu gosto de mulher, por isso sou casado, bem casado. Insatisfeito com os efeitos de seus xavecos repetia exaustivas vezes a mesma idiotice. O homem pequenino acreditava que convencia toda a família com seu discurso da caretice e da charlatanice. Um dos seus primos, que se dedicara mais aos estudos que aos prazeres já não aguentava mais passar alguns minutos perto de tão inconveniente companheiro, já lhe irritava o fato de ser forçado a ouvir tanta asneira (com o devido respeito aos asnos, só utilizei o termo porque é corriqueiro, mas o animal é mais inteligente, com certeza) resolveu pensar em uma replica para aquelas tão fatigantes prosas e esperou a oportunidade certa. Num encontro de família chega nosso personagem principal e já inicia sua alocução incomodativa procurando defeitos inexistentes nos parentes, criticando os sobrinhos, os irmãos, as cunhadas, a sogra, e ao mesmo tempo tentando estar por cima, posando de urubu. Seu primo “estudado” aguardava como uma prudente serpente a hora do bote. Até que o miúdo resolveu mais uma vez insultar os solteirões. O mais astuto dos solteirões então desatou a falar educada, mas incisivamente ao intolerante perseguidor da vida alheia: - Primo, você sempre elogia a si mesmo por sua inegável relação com a mulher da sua mocidade e usa isso como atestado de virilidade ou de caráter. Desculpe-me, mas hoje eu realmente vou te mostrar quem gosta de mulher nessa família. Miudinho, eu gosto mais que você, quer a prova? Nunca me casei com uma porque pretendia dar prazer a muitas, nunca me casei com uma para não enfurná-la em casa e afundá-la nos trabalhos domésticos a fim de satisfazer apenas os meus desejos. Amo as mulheres por isso mesmo as deixo livres para amarem a quem bem quiserem e da melhor forma que quiserem, gosto tanto de mulheres que nunca dou o título de “minha” a nenhuma, para que ela simplesmente seja dela mesma até o fim da sua vida, para que seja senhora do seu destino e a dona do próprio desejo. E você meu primo? Queixa-se de gostar tanto de mulher que nunca conseguiu ficar sem traí-las, gosta tanto de mulheres que escolheu uma para humilhar com um péssimo casamento permeado de adultério, gosta tanto de mulher que em quase trinta anos de casamento nunca se importou de perguntar a ela se sentia-se feliz ao seu lado, gosta tanto de mulher que fala nelas como um objeto, gosta tanto de mulher que as olha na intenção de precifica-las. És uma figura paradoxal meu primo, na verdade o que desejo de verdade é que um dia sejas mulher. O homem pequeno sentiu-se profundamente ofendido pois a sua ignorância já era tão enraizada que não tinha mais palavras, por sábias que fossem que o fizessem enxergar sua cegueira. O homem pequeno foi deitar naquele dia pensando nas palavras do primo, mesmo sem aceita-las de bom grado: - imagine bem, deixar mulher livre? Revirava na cama e pensava – perguntar a milha mulher se ela está feliz ao meu lado? Pra que isso? De que servem essas baboseiras? Do seu lado sua mulher também, que a tudo atentamente ouvira, fingia dormir, dura como uma pedra, com medo que ele desatasse a falar de forma pejorativa sobre o sermão do primo. O dia amanheceu e o homem pequeno olhou-se no espelho e apesar das olheiras enormes pela noite mal dormida ele resolveu crescer, escreveu uma carta a sua esposa e outra a sua família, pedindo perdão pelas suas inconveniências de suas conversas ofensivas, comprometendo-se a ser uma pessoa mais respeitadora das diferenças e mais compreensiva com as demais. Naquele dia a mulher do pequeno homem leu seu primeiro bilhete de amor, onde ele perguntava com emoção se ela estava feliz ao seu lado. Ela comovida tomou um pedacinho de papel e pôs no bolso do seu uniforme com a seguinte frase: AGORA SIM.