A inauguração do novo colisor de partículas (o LHC, em inglês “grande colisor de hádrons”) foi, para muitos cientistas, um marco na história da ciência. Isso porque o gigantismo do projeto (uma máquina com 27 quilômetros de extensão, com o custo de aproximadamente 10 bilhões de dólares, situado na fronteira entre a França e a Suíça) compara-se ao tamanho das expectativas que ele fomenta: especula-se que essa máquina pode nos ajudar a entender o processo através do qual o universo foi organizado da maneira como se apresenta hoje em dia, pois geraria, em muitíssimo pequena escala, níveis de energia semelhantes aos do momento do Big Bang, segundo pesquisadores da Organização Européia para a Pesquisa Nuclear (Cern), entidade que coordena o projeto. Em suma, ele tem tudo para revolucionar a maneira como nós compreendemos o universo e a nós mesmos, ratificando, retificando ou simplesmente contradizendo as teorias que hoje regem a mecânica quântica.

Um fato, contudo, chamou talvez até mais atenção que o próprio colisor: a inauguração desse equipamento estava ameaçada por ações impetradas tanto nos Estados Unidos quanto na Alemanha pela possibilidade de que tais experiências acabassem por criar buracos negros que supostamente poderiam engolir o planeta. A notícia e a preocupação se espalharam muito rapidamente, e nisso, nada há de novo. Aliás, é muito curioso observar como velhos temas do imaginário popular são recorrentes: o mundo não acabou no ano 1000; também não acabou pelas previsões que fanáticos atribuem a Nostradamus, assim como a Guerra Fria não explodiu o mundo. Desta vez, o colisor de partículas já funciona e nenhum buraco negro engoliu a terra... não que eu tenha percebido.       

Três lições podem ser extraídas desse episódio. A primeira delas é a constatação de que a distância que separa os especialistas em mecânica quântica do não-especialista é tão grande que possibilita um sem-número de interpretações superficiais e errôneas, pois assim como acontecia na década de 60 com o marxismo, é mais comum tratar-se de mecânica de partículas em botecos que em classes de universidades. A segunda lição é a de que essa distância entre o especialista e o senso comum suscita a possibilidade de conhecedores do assunto buscarem alguns minutos de fama e esquecerem da prudência e da seriedade que deve nortear a pesquisa científica. O melhor exemplo disso é o grupo autodenominado de “brights” (em inglês, brilhantes), que conta inclusive com ganhadores do prêmio Nobel, e que tem a pretensão esdrúxula de “provar que Deus não existe”, como se isso fosse passível de prova científica. A terceira lição é a de que o desenvolvimento técnico-científico contemporâneo não significa necessariamente que estejamos nos livrando de posturas mistificadoras e ingênuas. O efeito parece ser exatamente o contrário: a dissociação do senso comum gerada pela crescente especialização da ciência parece, por si mesma, se tratar de mais uma fonte de mitos. Mas calma, pois nem tudo está perdido, pois só em alguns meses o colisor de hádrons estará funcionando com sua capacidade total. Aí, quem sabe não surge um buraco negro...

Para os amigos e leitores mais apocalípticos, segue aqui um conselho: não se importem com a ineficácia (até agora, pelo menos) do colisor de partículas para destruir o mundo; afinal, nós não precisamos de muita ajuda para isso. Basta a morosidade e a indolência com que os governos tratam o problema da sustentabilidade dos recursos naturais para nos levar a isso. E, nesse caso, o fim não virá acompanhado de um grande triunfo da ciência. Será, ao contrário, muito menos heróico, mais triste, agonizante e vergonhoso.

 Jacintho Del Vecchio Junior E-mail: [email protected]

 Publicado originalmente no Jornal de Jundiaí em 18/09/2008