UM ESTUDO SOBRE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER E POLÍTICAS PÚBLICAS

 

 

RESUMO

 

 

O presente artigo aborda a violência doméstica contra a mulher e políticas públicas, definindo a violência como uso da força física, psicológica ou intelectual para obrigar outra pessoa a fazer algo que não está com vontade; é constranger, é tolher a liberdade, é incomodar, é impedir a uma pessoa de manifestar seu desejo e sua vontade, sob pena de viver gravemente ameaçada ou até mesmo ser espancada, lesionada ou morta. É um meio de coagir, de submeter outrem ao seu domínio, é uma violação dos direitos essenciais do ser humano. A violência contra a mulher é um problema mundial ligado ao poder, privilégios e controle masculino. Atinge as mulheres independentemente de idade, cor, etnia, religião, nacionalidade, opção sexual ou condição social. O efeito é, sobretudo, social, pois afeta o bem-estar, a segurança, as possibilidades de educação e desenvolvimento pessoal e a autoestima das mulheres. Historicamente, à violência doméstica e sexual somam-se outras formas de violação dos direitos das mulheres: da diferença de remuneração em relação aos homens à injusta distribuição de renda; do tratamento desumano que recebem nos serviços de saúde ao assédio sexual no local de trabalho. Essas discriminações e sua invisibilidade agravam os efeitos da violência física, sexual e psicológica contra a mulher. A Conferência das Nações Unidas sobre Direitos Humanos (Viena, 1993) reconheceu formalmente a violência contra as mulheres como uma violação aos direitos humanos. Desde então, os governos dos países-membros da ONU e as organizações da sociedade civil têm trabalhado para a eliminação desse tipo de violência, que já é reconhecida também como um grave problema de saúde pública.

Palavras-chave: Violência doméstica; mulher; políticas-públicas. 

 

1 INTRODUÇÃO

 

A história da mulher possui vértices de submissão e dominação pelo homem. Nos primeiros anos de sua vida, a mulher era dominada pelo pai e depois do casamento pelo marido. O homem sempre foi tido como ser superior e cabia a ele, portanto, exercer a autoridade; assim o fundamento escolhido para justificar a repressão da mulher era a superioridade masculina (MARARO apud BORIN, 2007).

As organizações da Antiguidade no que se refere à política e cultura são Egito, Grécia e Roma. Homens e Mulheres possuíam suas respectivas funções sociais com responsabilidades distintas, como acontece atualmente.

Na Grécia Antiga, a mulher era considerada inferior, marginalizada e perigosa. Isso era representado por meio dos mitos, como o de Pandora que revelava a mulher como responsável por espalhar todos os males do mundo Patti (apud BORIN, 2007). As mulheres gregas tinham como funções tanto a maternidade quanto aos deveres do matrimônio, assim, a  vida das gregas estava inteiramente definida pelos papéis de esposa e mãe. Em razão disso, as mulheres viviam confinadas a maior parte do tempo em casa e só saiam para fazer compras acompanhadas por uma escrava, por ocasião das festas das cidades ou por certos acontecimentos familiares (ZAIDMAN apud BORIN, 2007).     

Aos homens gregos cabiam as atividades  mais nobres, como filosofia, política e artes. A mulher era excluida desse mundo do pensamento e do conhecimento, tão valorizado pela civilização grega, tendo, assim, seu horizonte limitado, pois a ela ficava restrito o trabalho pesado enquanto o homem era responsável pelo trabalho intelectual (ARANHA apud BORIN, 2007)

Em Roma a vida da mulher era semelhante à da mulher grega, sua vida se limitava a casa (PATTI apud BORIN, 2007). Conforme Patti apud Borin (2007, p. 31), “alguns historiadores descrevem que a família romana estava submetida a um patriarcado com valores morais e civis rígidos. Assim, a mulher ficou submetida a estes valores, mesmo as que tinham melhores condições sócio-econômicas”.

A partir do século XII, as épocas da Idade Média, do Renascimento e da Revolução Industrial trouxeram profundas modificações referentes ao papel desempenhado pela mulher, desde perseguições e extermínios à figura feminina até a sua inclusão no mercado de trabalho, ocupando lugares, antes, estritamente masculino. (BORIN, 2007).

Um momento marcante do início do séclo XX para a história da mulher foi quando 150 operárias americanas foram queimadas vivas no interior de uma fábrica em Nova York, trancadas por seus patrões, por estarem fazendo manifestações de greve, no dia 8 de março de 1908. Esse dia ficou consagrado como o Dia Internacional da Mulher que é comemorado até os dias atuais (AZEVEDO apud BORIN, 2007).

 

1.1 Movimento Feminista no Brasil e a violência contra a mulher

 

O Movimento Feminista surgiu no século XIX, na época da Revolução Fancesa, como forma de reconhecer e superar as relações assimétricas entre os gêneros, na luta pela igualdade entre os sexos, liberdade de expressão, de pensamento e direito à cidadania feminina (SAGIM, 2004).

Segundo Alves, Pitanguy (2002) apud Borin (2007),

 

o feminismo busca repensar e recriar a identidade de sexo sob uma ótica em que o indivíduo, seja ele homem ou mulher, não tenha que adaptar-se a modelos hierarquizados, e onde as qualidades femininas ou masculins sejam atributos do ser humano em sua globalidade.

 

Esse movimento buscou “dar às mulheres um lugar na história, de preferência escrito por elas mesmas, tirando-as do anonimato e invisibilidade” (SAGIM, 2004, p. 11) e acabou influenciando o pensamento de algumas mulheres do mundo, inclusive no Brasil.

O Movimento Feminista surgiu no Brasil em meados do século XIX, por volta de 1850, quando um pequeno grupo de manifestantes declarou insatisfação com os papéis tradicionais atribuídos pelos homens às mulheres, idealizando o fim da dominação masculina e da estrutura patriarcal.

Porém, o feminismo tornou-se visível, no Brasil, apenas no início do século XX, quando iniciou sua luta pelo direito ao voto feminino. Em 1910, as mulheres iniciaram sua luta e a vitória aconteceu somente em 1932. A aceitação do voto feminino foi uma grande conquista do direito eleitoral e representou um avanço nas lutas feministas, mesmo sabendo-se que nesse período o voto era facultativo, votava aquela que se interessava pela política e pelos negócios públicos Saporeti (1985, apud BORIN, 2007).

Após adquirirem o direito ao voto, as mulheres obtiveram outras conquistas, como: ingressar nas instituições escolares e participar do mercado de trabalho sem a necessidade da autorização do marido. Adquiriram também direitos como: licença-maternidade de quatro meses, creches, obtenção da guarda do filho em caso de separação, apososentadoria integral com trinta anos de serviço, entre outros (SILVA, 1992; PINTO, 2003 apud  BORIN, 2007, p. 40).

A luta continuou para que outras metas fossem alcançadas, principalmente, com relação à violência doméstica, pois, as mulheres perceberam que denunciar, tornar pública as violências de que eram vítimas não era vergonha, mas ao contrário, era luta pela sua dignidade (VERARDO, 2007b).

Assim, em 1960, o Movimento Feminista rompeu o silêncio e passou a denunciar o espancamento  das mulheres (AZEVEDO, 1985; HEISE; PITANGUY, GERMAN; 1984, SAFFIOTI, ALMEIDA, 1995; STARK; FLITCRAFT, 1996 apud BORIN, 2007, p. 41) que começava a ser percebido como um problema social tanto pelas proporções quantitativas quanto pela gravidade de suas consequências Azevedo (1985, apud BORIN, 2007 p. 41).

Com isso,

a opinião pública foi sendo sensibilizada para a questão, que vinha sendo tratada apenas sob a ótica das relações interpessoais. Assim, um fenômeno que era considerado como um componente natural decorrente das relações pessoais e que, desta forma, era remetida à dinâminca do mundo doméstico – o domínio do privado – passa a ser publicizado, assumindo uma conotação política (SILVA, 1992, apud BORIN, 2007, p. 41).

 

O Movimento Feminista brasileiro foi responsável por tornar público a violência contra a mulher, principalmente a violência sexual e a doméstica. Tal mobilização se deu em função da brutalidade da violência conjugal e da impunidade dos agressores (D’OLIVEIRA apud SOUSA, ADESSE, BORIN, 2007), assim, as mulheres reclamavam por medidas e soluções, uma vez que o crime passional não era punido (AZEVEDO, 1985, apud BORIN, 2007, p. 41).

As feministas reivindicavam abrigo, assistência jurídica especial à população feminina e atendimento policial, pois acreditavam que o Estado é quem deveria promover as políticas públicas e a assistência aos cidadãos (PAVEZ, 1997). Com isso, o movimento de mulheres iniciou parcerias com o Estado no sentido da implementação de políticas públicas na tentativa de prevenir a violência contra a mulher (SCHRAIBER, D’OLIVEIRA, 2007).

No início da década de 1980, surgiu o SOS-MULHER[1], uma entidade autônoma que era voltada ao atendimento jurídico, social e psicológico de mulheres vítimas de violência. Esse serviço era mantido voluntariamente pelas feministas que apesar das dificuldades e precariedades institucionais (VERARDO apud SOUZA, ADESSE, 2004), “tiveram seu objetivo cumprido: a violência contra a mulher, na sua forma mais conhecida, a violência conjugal, era agora uma questão pública” (SCHRAIBER, D’OLIVEIRA, 2007). Além de antender a mulher, o SOS-Mulher realizava grupos de reflexões e debates junto à opinião pública sobre a questão da violência Teles (1993, apud BORIN, 2007, p. 42).

Devido às reivindicações do movimento feminista, foi criado em 1985, inicialmente em São Paulo, a Delegacia de Defesa da Mulher[2] (DDM) Silva (1992, apud BORIN, 2007, p. 42). Assim, a década de 1980 foi marcada pela possibilidade da mulher recorrer a uma delegacia para denunciar a violência sofrida em casa (PINHEIRO, 2000). Considerada como desvio da normalidade social, e não mais uma norma aceita socialmente, a violência doméstica começa a ser interpretada como um crime e, como tal, enquadra-se na lei, sendo possível de responsbilização e punição (SCHRAIBER, D’OLIVEIRA, 2007).

Conforme Grossi (apud MAZONI, 2007), com a transição das entidades SOS-Mulher para as Delegacias  de Defesa da Mulher altera-se o caráter dos atendimentos, de militante para profissional. Com isso, o primeiro passo, a partir do momento da criação da DDM, foi o de colocar profissionais especializados no atendimento direto às mulheres em situação de violência (MAZONI, 2007).

Segundo Pavez (1997, apud Borin, 2007) em 1986, foi criado o Centro de Orientação Jurídica (COJE) para orientar juridicamente a mulher, informá-la sobre seus direitos e encaminhá-la ao local competente para tomar a medida legal, além de dar assistência psicológica. E, posteriormente, foi criado o Centro de Convivência de Mulheres Vítimas de Violência Doméstica (COMVIDA), primeiro abrigo do país com a função de abrigar as mulheres, em situação de risco de vida, em local sigiloso.

Desta forma, o SOS-Mulher, a DDM, o COJE e o COMVIDA são espaços diferenciados conquistados pelas mulheres para se lidar com a questão da violência sofrida por elas, que antes era tratada no âmbito do privado-doméstico (MAZONI, 2007).

Além dos abrigos e serviços de atendimento às mulheres vítimas de violência, a luta passou a ter como objetivo, alterações na legislação, visando ao término da impunidade, para que as mulheres pudessem ter proteção após a denúncia e os agressores serem presos. As mulheres, vítimas de violência doméstica, teriam garantias legais do direito de continuarem em suas casas e acesso a programas que as ajudassem no seu sustento e no de seus filho (BORIN, 2007).

No entanto, havia muitas dificuldades ao se tentar aplicar uma lei contra a violência na esfera das relações conjugais e familiares (SCHRAIBER, D’OLIVEIRA, 2007). Por isso, agressões cometidas por pessoas próximas das mulheres vítimas, principalmente, por seus parceiros precisavam de uma lei específica. Assim, em 7 de agosto de 1996, foi sancionada pelo Presidente da República Luiz Inácio Lua da Silva, uma lei que visa a proteger as vítimas da violência doméstica, chamada Lei Maria da Panha[3].

A lei trouxe algumas vantagens, em que “suas medidas correspondem às necessidades reais para garantir a integridade física, psicológica e patrimonial da vítima e de seus dependentes” (ALVES, 2006). Mas essa lei não trouxe soluções aos grande problema social, pois, de acordo com Cabette (2006), a lei não previne e não repreende a violência doméstica. Para o autor, a lei não resolve o problema da violência, pois ela não está diretamente relacionada com o modelo de sociedade ao qual estamos inseridos.

O problema está na medida em que, a lei obdece a todos os princípios constitucionais vigentes, e a Lei Maria da Penha acabou por não mudar na prática o que ocorria antes da sua promulgação. Ao oferecer representação contra seu agressor, a vítima continua à mercê do mesmo, tendo em vista que no momento em que a mulher prestar queixa de agressão será lavrado um Boletim de Ocorrência – B.O, para posteriormente dar início ao Inquérito Policial, sem prisão imediata do agressor. Portanto, a intenção da nova lei, de encarcerar imediatamente o agressor  e tirá-lo do convívio de sua família, evitando assim novas agressões, não atingiu seu objetivo. Na realidade, ao representar contra seu parceiro, a mulher não tem a garantia proposta pela lei, de que não sofrerá mais agressões por parte deste, pois, o que acontece na maioria das vezes, e a ocorrência de nova agressão em face da denúncia realizada pela mulher na DDM[4].

        

2 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER

 

O enigma das relações abusivas e o porquê as mulheres permanecem nelas, começa com a longa jornada do aprendizado do que é ser mulher na nossa cultura, que ocorre com o processo de socialização[5]. A sociedade expõe homens e mulheres, garotas e garotos a diferentes expectativas como forma de aprendizado de sua identidade de gênero. A cultura permite e encoraja a agressão masculina, mas a monitora (BARNETT apud BORIN, 2007). 

A construção social da posição submissa da mulher feminina fez com que o homem desfrutasse de uma posição de poder em relação à mesma, agravando, com isso, a violência. Nesse sentido trataremos o que caracteriza a violência doméstica, que tem como agressor o marido, companheiro ou parceiro, descreveremos os tipos de agressões sofridas por elas, o porquê da mulher, geralmente, não denuncia esse agressor, como o governo lida com essa questão social e quais políticas de prevenção à violência ele promove para solucionar ou amenizar esse problema (BORIN, 2007).

 

2.1 Violência doméstica

           

Azevedo e Guerra (2000) e Chaui (1984) apud Borin (2007, p. 45) afirmam que a violência é a imposição da força e a considera sob dois ângulos: a violência com a finalidade de dominação/exploração, superior/inferior, como resultado de uma assimetria na relação hierárquica e o tratamento do ser humano não como sujeito, mas como coisa, caracterizado pela inércia, pela passividade e pelo silêncio, quando a fala e atividade de outrem são anuladas. “Assim, tanto num caso quanto no outro, estamos diante de uma relação de poder, caracterizada num pólo pela dominação e no outro pela coisificação” (AZEVEDO, GUERRA, 2000 apud BORIN, 2007, p. 46).

Tanto para Arent (1973) quanto para Azevedo (1985), Saffioti (1998, Romanelli (1995), Azevedo e Guerra (2000), Johnson e Ferraro (2001) apud Borin (2007, p. 46), a violência é uma questão de poder que está legitimado pela cultura, em que o mais forte se sente no direito de subjulgar o mais fraco, como se fosse uma justiça natural. Para Barnett (2000) apud Borin (2007), o poder não está na natureza humana, mas em um comportamento apreendido e incorporado por várias gerações que fucionam como ação disciplinar.

Acreditamos que a violência é um fenômeno constante no universo das relações e entre as suas formas mais malvadas, encotramos a violência doméstica.

Violência doméstica é qualquer ato que resulte em sofrimento, danos físicos, sexuais e psicológicos, inclusive coerção e privação da liberdade (DAY et al. (2003) e a Organização das Nações Unidas – ONU apud BORIN, 2007).

Segundo Amaral (2002 apud Borin 2007), esse tipo de violência ocorre mais frequentemente no espaço privado do que no público porque é no lar que quase sempre não é observada por alguém. Para Heise, Ellsberg e Gottermoeller (1999), ocorre no ambiente privado por ser o local em que a mulher apresenta maior vulnerabilidade, sobretudo, a agressão que é cometida pelos parceiros. Já para Pavez (1997) citado por Borin (2007), ocorre no lar pela legitimidade social que lhe é conferida.

A violência doméstica é uma das formas mais vulgar de manifestação de violência e, no entanto, uma das mais invisíveis, geralmente, fica restrita ao lar e aos seus moradores que, por muitas vezes, vulgarizam e naturalizam o fenômeno. Tavares (2002), Habermas (1980),  Bourdieu (1995) apud Borin (2007) afirmam que a violência é estrutural pelo fato da nossa sociedade ser marcada por profundas desigualdades na distribuição de riqueza social.

De acordo com Roque e Ferriari (2002), “a pobreza em si não explica a violência, sendo certo, no entanto, que o pauperismo crescente da população (...) segrega e coloca à margem um número sempre maior de pessoas (...) numa economia desempregadora, seletiva e excludente (...)”.

Marinheiro (2003) afirma que a violência ocorre em todas as classes sociais, mas é mais visível naquela em que há desestruturação familiar, miséria e pobreza, fatores que favorecem os comportamentos agressivos. Conforme Heise, Ellsberg e Gottemoeller (1999), as mulheres que vivem na probreza têm maior probabilidade de serem vítimas de violência do que as mulheres de condição econômica mais elevada.

Para Furniss (1993) e  Gabel (1997) citados por Borin (2007), a violência doméstica costuma ser equivocadamente associada à pobreza. Buckley (2000) apud Borin (2007) afirma que “esse tipo de violência é uma praga que se espalha pelo mundo, sem circunstâncias definidas, sem distinção de classe econômica, idade e raça”. Para o autor, a realidade nos mostra que países ricos e famílias mais privilegiadas socioeconômicas experimentam o problema tão seriamente quanto os países pobres e as famílias menos privilegiadas. Esse tipo de violência é um fenômeno mundial que não respeita fronteiras de classe social, raça, etnia, religião, idade e grau de escolaridade (PINHEIRO, 2000 apud BORIN, 2007) é um finômeno democraticamente distribuído (SAFFIOTI; ALMEIDA, (1995) apud BORIN, 2007).

Pinheiro (2000) e Caisque e Furegato (2006) apud Borin (2007, p.47), a violência é uma questão que está entranhada nas práticas culturais em todas as sociedades, independente do nível de renda ou de educação formal submetida a uma contínua revisão na medida em que os valores e as normais sociais evoluem. “A determinação da violência diz respeito a um imbricamento de fatores históricos, contextuais, estruturais e interpessoais” (GUIMARÃES et al, 2006).

A violência doméstica contra a mulher possui variados tipos de manifestações e consequências que estão relacionados com a forma em que a mulher é agredida. Podemos diferenciar, de acordo com Azevedo (1985) apud Borin (2007, p. 48), há três tipos de manifestações de violência doméstica contra a mulher: a física, a psicológica e a sexual, os quais debateremos a seguir. Porém, é importante enfatizarmos que, apesar da divisão didática que os autores, geralmente, fazem, as formas de violência doméstica não são excludentes e, na prática, apresentam-se sobrepostas, com um ou mais tipos de violências verificadas em um mesmo caso (NEVES apud BORIN, 2007).

Manuais de identificação da violência doméstica são elaborados com o objetivo de instruir os profissionais da área para que as intervenções feitas com as vítimas sejam precisas e adequadas, e que possam ainda atuar como forma de prevenção a essa questão social (SALBER; TALIAFERRO, 1994 apud BORIN, 2007).

É muito importante que o profissional da saúde implique a mulher agredida nas decisões que ela deve tomar referente ao seu relacionamento abusivo, pois podemos enquanto mediadores institucionais tomar a frente da situação sem percebermos e assim, isentar a mulher de decidir e de se responsabilizar pela denúncia, por exemplo, ou até pelo retorno ao lar.

 

2.1.1 Violência física

 

De acordo com Casique e Furegato (2006) apud  Borin (2007),

 

a violência física é entendida como toda ação que implica o uso da força contra a mulher em qualquer circunstância, podendo manifestar-se por pancadas, chutes, beliscões, mordidas, lançamento de objetos, empurões, bofetadas, surras, lesões com arma branca, arranhões, socos na boca, feridas, queimaduras, fraturas, lesões abdominais e qualquer outro ato que atente contra a integridade física, produzindo marcas ou não no corpo.

 

A violência física consiste na ação de agredir provocando desde pequenas lesões até traumatismo grave, levando, às vezes, até a morte. Day at al. (2003) afirmam que “na sua forma mais grave, a violência leva à morte da mulher. Sabe-se que de 40 a 70% dos homicídios femininos, no mundo, são cometidos por parceiros íntimos.” Os autores ainda complementam que o maior risco de ser a mulher assassinada pelo marido dá-se após a separação.

Daslandes (1999) apud Borin (2007, p. 48), em uma pesquisa com 72 mulheres que sofreram violência doméstica, as agressões físicas atingiram, sobretudo, a face e a cabeça em 27 casos, em 21 casos atingiram o braço e a mão porque as mulheres colocaram a mão para proteger a face, em 10 casos atingiram o corpo inteiro, em 4 casos foram no tórax e os outros 4, nos membros interiores. O uso da força é o meio mais empregado pelos agressões em 70% das agressões, seguido de 21% em que foi usado algum tipo de instrumento, como pau, barra de ferro e porrete. A região dos olhos e da mandibula foram as mais atingidas, sendo necessário o atendimento por ortopedistas, dentistas e oftalmologistas.

Um dos motivos da ocorrência da violência física é o rompimento da relação hierárquica estabelecida entre os gêneros, pois “na medida em que o poder é essencialmente masculino e a virilidade é afetada, frequentemente, pelo uso da força, estão reunidas nas mãos dos homens as condições básicas para o exercício da violência” (SAFFIOTI, 1998, p. 57).

Após a mulher sofre a agressão física ou sexual, geralmente, procura por profissionais da área de saúde em busca do tratamento das lesões corporais e das sequelas psicológicas (RICHARDSON, FEDER, 1995; BEWLEY, MEZEY, 1997; HALL, LYNCH, 1997, apud BORIN, 2007).

Dentre os quadros orgânicos resultantes das agressões encontram-se lesões de variados tipos, distúrbios gastrintertinais, fibromialgia[6], aborto espotâneo e morte (DAY at al., 2003).

 

2.1.2 Violência psicológica

 

A violência psicológica ou agressão emocional pode ser tão ou mais prejudicial que a física (HEISE, 1994 apud BORIN, 2007), sendo caracterizada, de acordo com Azevedo (1995) apud Borin (2007), por recriminações constantes como: desvalorização profissional, rejeição, depreciação, discriminação, humilhação, desrespeito e punições exageradas.

Wynter apud (CASIQUE; FUREGATO, 2006) classificou as diversas manifestações da violência psicológica:

- Abuso verbal: rebaixar, insultar, ridicularizar, humilhar, utilizar jogos mentais e ironias para confundir;

- Intimidação:  assustar com olhares, gestos ou gritos, jogar objetos ou destroçar a propriedade;

- Ameaças: de ferir, matar, suicidar-se, levar consigo as crianças;

- Isolamento: controle abusivo da vida do outro por meio da vigilância de seus atos e movimentos, escuta de suas conversas, impedimento de cultivar amizadas;

- Desprezo: tratar o outro como inferior, tomar as decisões importantes sem consultar o outro;

- Abuso econômico: controle abusivo das finanças, impor recompensas ou castigos monetários, impedir a mulher de trabalhar embora seja necessário para a manutenção da família.

Para Day at al. (2003)  apud  Borin (2007), esse tipo de violência deixa sequelas mais graves do que as físicas, porque “destrói a auto-estima, expondo-a a um risco mais elevado de sofrer problemas mentais, como depressão, fobia, estresse pós-traumático, tendência ao suicídio e consumo abusivo de álcool e drogas”. Casique e Furegato (2006) apud Borin (2007) citam outras consequências para a saúde da mulher como: ansiedade, distúrbio da alimentação e do sono, sentimentos de vergonha e culpa, síndrome do pânico, inatividade física, baixa auto-estima, tabagismo, comportamento sexual inseguro e autoflagelação.

Na pesquisa realizada por Kronbauer e Meneguel (2005)  apud Borin (2007) com 251 mulheres em uma unidade de saúde em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, foi observada a prevalência de violência psicológica em 55% dos casos, 139 mulheres relataram ter sofrido pelo menos algum episódio de insulto, humilhação, intimidação ou ameaças por parte do companheiro.

Segundo Kaukinen (2004) citado por Borin (2007), o que pode favorecer a probalidade do abuso psicológico é a incompatibilidade do nível econômico dos parceiros, pois quanto maior o nível educacional deles, menor o risco de sofrer tanto a violência física como a psicológica.

Giffin (1994) apud Borin (2007) concluiu em seus estudos que diferenças profissionais e educacionais entre casais aumentam o risco das agressões físicas e psicológicas. Anderson (1997) afirma que, nos Estados Unidos, um maior nível econômico e de status da mulher em relação ao seu parceiro aumenta o risco do parceiro cometer homicídio.

Uma das formas de violência psicológica, a agressão verbal, é de acordo com Oliveira, Barsted e Paiva (1984) apud  Borin (2007), algo corriqueiro, um ripo de ocorrência que a polícia não registra e que não desperta interesse das pessoas agredidas em denunciarem o agressor. De acordo com Barnett (2000), estudos mostram que a polícia, na maioria das vezes, ignora chamadas referentes à violência doméstica. 

Segundo Ballone (2002) apud Borin (2007), a violência psicológica tem como objetivo “mobilizar emocionalmente o outro para satisfazer  necessidade do agressor de atenção, carinho e de importância”.

Barnett (2000) apud Borin (2007), os homens  agressores têm dificuldades de reconhecer o abuso verbal e psicológico como uma violência. Eles não pensam no medo que eles promovem com suas ações e acham esse tipo de comportamento o mais difícil de mudar. Conforme a autora, muitos dos trabalhos realizados com esses agressores ficam em torno deles poderem reconhecer essas formar de intimidação como um abuso, da mesma forma que a violência física é reconhecida.

Neves (2004) acredita que a violência psicológica é a que mais acontece, apesar da violência física ser mais facilmente reconhecida, pois muitas mulheres ainda não sabem identificar quando são vítimas desse tipo de violência, ao contrário das marcas no corpo que a violência física deixa.

Percebemos que tanto o homem quanto a mulher apresenta dificuldades em distinguir a violência psicológica em meio à convivência familiar, o que nos sugere a implementação de projetos educativos à comunidade para que ela aprenda a se relacionar, evitando esse tipo de agressão e também a identificá-la, caso seja necessário, a fim de se proteger.

 

 

2.1.3 Violência sexual

 

Segundo o Instituto Patrícia Galvão (2007) apud Borin (2007), violência sexual é:

 

“toda ação que obriga uma pessoa a manter contato sexual com outro pelo uso da força, intimidação, chantagem, suborno, manipulação, ameaça ou  qualquer outro mecanismo que anule ou limite a vontade pessoal. Considera-se como violência sexual também o fato de o agressor obrigar a vítima a realizar alguns desses atos com terceiros”.

 

O ato sexual é visto como um dever conjugal em que a mulher tem a obrigação de ter relações sexuais com o companheiro quando por ele solicitado, persuadindo-a ao sexo independente de sua vontade, caracterizando uma opressão de gênero, oriunda do poder patriarcal, em que a mulher é tratada como objeto de desejo masculino (SAFFIOTI, 1994; CAVALCANTI, ZUCCO, SILVA, 2007; OLIVEIRA, 2007). Esse entendimento favorece a violência sexual no casamento como algo “natural” e, consequentemente, “normal”, o que configura o uso “legítimo” da autoridade marital. Em razão disso, as mulhere não relatam esse tipo de violência sofrida por sentirem vergonha. Com isso, as mulheres agridem a si próprias permitindo o ato sem vontade porque aprenderam que esta é a sua obrigação (SAFFIOTI, 1987 apud BORIN, 2007).

De acordo com a pesquisa realizada por Kronbauer e Meneguel (2005) apud Borin (2007) na unidade de saúde do Rio Grande do Sul, referente à violência sexual, verificou-se que em 9% dos casos, as mulheres já foram forçadas a práticas sexuais humilhantes ou ainda a estupros.

Outro aspecto que devemos destacar é o mito que enfatiza que o desejo sexual masculino é uma necessidade “natural” e, portanto, inevitável (ROCHEFORT, 1978; CAPLAN, 1987; JACKSON, 1987 apud BORIN 2007). Nesse entendimento, a idéia de que os homens têm um impulso sexual insaciável e maior torna-se um argumento usado para legitimar a violência sexual contra a mulher e também como justificativa para não responsabilizar o homem por tal ato (BIRKE, 1986 apud BORIN, 2007).

Para Giffin (1994) apud Borin (2007), essas diferenças entre a sexualidade masculina e a feminina garantem a hierárquia entre os gêneros em que o homem é o ser ativo e a mulher é o ser passivo, sendo negado à mulher o seu direito de decidir sobre o seu corpo e sobre sua sexualidade permanecendo, assim, os ideais de sujeito versus objeto. Conforme o autor, a violência sexual objetifica e denigre as mulheres.

Além disso, existe a concepção de que a mulher é, geralmete, a resposável pela violência sexual por ser considerada sedutora e provocante, “constantemente tentando os homens a desviarem do caminho da razão e da moralidade” (SEIDLER, 1987 apud BORIN, 2007, p. 54).

A mulher quando sofre esse tipo de violência deve denunciar o agressor, mas, geralmente, esconde tal ato para que a sociedade não estigmatize e para não ficar desmoralizada publicamente (VERARDO, 2007b apud BORIN, 2007).

 

2.2 Por que a vítima não denuncia o agressor?

 

A partir do momento em que a mulher sofre a primeira violência, ela precisa denunciar o agressor, pois “o registro de uma queixa constitui a primeira evidência em caso de agressão contra a mulher” (AZEVEDO, 1985, p. 33). Para Bucley (2000) apud Borin (2007), ao tomar a iniciativa de denunciar, a mulher está evitando a reincidência do quadro e um possível agravamento das consequências. Assim, com a denúncia feita, a violênia deixa de ser um fenômeno doméstico, algumas vezes invisível, para ser uma questão pública (Silva, 1992) apud Borin (2007).

De acordo com Scharaiber, D’Oliveira (2007), a Delegacia da Mulher é o recurso legítimo para o enfrentamento do problema pela sociedade, defendendo os direios das mulheres e buscando a mediação do conflito privado.

Quando as mulheres sofrem qualquer tipo de violência doméstica, elas devem denunciar o agressor, mas nem sempre isso acontece. A pesquisa do Núcleo de Opinião Pública nos mostra que os casos de denúncia pública são raros, ocorrendo principalmente diante de ameaça à integridade física por armas de fogo 31%, agressão física com marcas, fraturas ou cortes 21% e ameaças de agressão à própria mulher ou aos filhos 19%. O órgão público mais utilizado para denúncias é a delegacia de polícia. A Delegacia da Mulher é mais utilizada nos casos de agressão física com marcas, fraturas ou cortes, mas ainda assim, lamentavelmente, por um pequeno índice de mulheres 5% (FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 2001) apud (BORIN, 2007, p. 55). 

As mulheres que denunciam o marido querem, realmente, resolver a situação, pois chegam a um ponto em que não podem mais tolerar o tratamento recebido (VERARDO, 2007a). Em razão disso, após a denúncia, muitas mulheres temem em não voltarem para casa que, de acordo com Bukley (2000), Barnett (2000) é, na verdade, a primeira iniciativa que deve ser tomada pela vítima após sofrer uma agressão, evitando a reincidência do quadro e um possível agravamento das cosequências.  Por isso as mulheres tomam a iniciativa de morar na casa de algum parente ou vizinho ou vão procurar um abrigo específico para mulheres, vítimas de violência doméstica, mas, infelizmente, eles não se encontram em todas as localidades e os que funcionam estão sempre lotados. (SILVA, 1992) apud  (BORIN, 2007). Conforme Barnett (2000), as mulheres agredidas encontram pouco suporte institucional ao deixarem uma relação abusiva e muitas delas não sabem a existência de abrigos para as que estão em situação de risco.

Buckley (2000) e Almeida (1998) afirmam que após a saída de casa o perigo da violência ser maior em alguns casos. Isso justifica o estudo de Warrington (2002) que trata da vida discreta e restrita que as vítimas levam após se separarem dos maridos/companheiros e se refugiarem em abrigos ou se mudarem para uma nova casa em lugar diferente.

Algumas mulheres denunciam o marido porque esperam que a polícia dê uma advertência para que ele pare com a agressão, pois apenas querem cessar a violência para voltar a viver sossegados como faziam até o momento em que a harmonia familiar foi rompida (MARINHEIRO, 2003). Assim, “a propria agressão física pode não ser o principal problema para algumas delas, já que a perturbação da ordem familiar que ela indica pode ser bem mais importante” (SCHARAIBER, D’OLIVEIRA, 2007).

Apesar das mulheres terem conquistado o espaço público para denunciarem os agressores, muitas ainda desconhecem os seus direitos legais. Em alguns casos, as mulheres denunciam o marido e/ou companheiros, depois se arrependem e retiram a queixa porque percebem “nas queixas uma situação mais social ou psicológica, desqualificando-as como crime” (SCARAIBER, D’OLIVEIRA, 2007) ou por temerem prepresálias do marido, perda econômica e a posse dos filhos (RICHARDSON, FEDER, 1995 apud BORI, 2007).

De acordo com Scharaiber e D’Oliveira (2007), a retirada da queixa não é percebida pelas mulheres como contraditória ao movimento que as levou a registrá-la como crime passível de punição. Brandão (1996) apud Borin (2007) ressalta que a retirada da queixa é fruto da “falta de consciência” das mulheres em relação aos seus direitos e de sua cidadania.

Um dos motivos que a mulher ainda vivencia a violência dentro de casa é porque precisa se preparar efetivamente, preparar as condições de segurança e a autosuficiência material, pois por falta de recursos financeiros, de um lugar para se refugiar e pela esperança de que o marido mude é que ela ainda mantém esse vículo (CARDOSO, 1997; SOARES, 1999 apud BORIN, 2007). Muitas pesquisas indicam uma dependência econômica que dificulta que a mulher deixe seu parceiro agressor. Em duas pesquisas com moradoras de abrigos, a probabilidade das mulheres ficarem nos relacionamentos abusivos era bem maior naquelas em que o parceiro era o único que obtinha alguma renda (BARNET, 2000 apud BORIN, 2007).

Segundo estudo realizado por Gondolf (1999) apud Borin (2007) com 141 moradoras de abrigos, pesquisas mostraram que a maioria das mulheres necessitava de bens materiais e serviços  (84%), suporte social (79%), educação (71%), atenção à saúde (70%), assistência jurídica (62%), emprego (62%), transporte (58%) e serviço creche (57%). Com isso, é provável que muitas mulheres agredidas que decidem retornar para seus parceiros agressivos percebam que as alternativas dentro do casamento são mais compensadoras, e o preço é menor do que as alternativas fora do casamento.

Barnett (2000) apud Borin (2007) identificou que os princípios morais são uma das razões para a permanência da mulher no lar abusivo. Conforme a autora, algumas mulheres preocupam-se com a imagem negativa de ser divórciada e com o estigma social associado às divórciadas.

Algumas mulheres escondem que sofrem violência doméstica por sentirem medo, o que as impedem de se protegerem dos agressores que por sua vez aguentam ser maltratadas durante anos sem nada dizerem, mantendo o ciclo da violência impune (SILVA, 1992 apud Borin, 2007). Há também as que sentem vergonha porque sofrem a violência por pessoas de sua confiança e que estão dividindo parte de sua vida (MAZONI, 2007).

A mulher ao não denunciar o marido e/ou companheiro contribui para a conspiração do silêncio que sutilmente dá suporte à opressão feminina, tornando-se cúmplice da violência (AZEVEDO, 1995 apud BORIN, 2007). E, consequentemente, contribui para perpetuar esse tipo de situação (VERARDO, 2007a). Apesar da violência doméstica acontecer em todas as camadas sociais é nas populares que se torna pública decorrente das denúncias realizadas na delegacia, pois nas camadas altas da sociedade, as mulheres mantêm o anonimato e procuram atendimentos particulares (SILVA, 1992 apud BORIN, 2007).

 

2.3 Violência doméstica contra a mulher e políticas públicas

 

Os índices de violência doméstica contra a mulher preocupam especialitas de várias áreas em todo o mundo, pois a mulher agredida, além de necessitar de socorro como assistência médica, psicológica e jurídica, provoca também um déficit no sistema econômico, devido,  entre outros fatores, por faltarem ao emprego, queda na produtividade e desistência de cargos (BUCKLEY, 2000 apud BORIN, 2007).

Em 1995, o U.S. Merit Systems Protection Board estimou um custo  dos abusos sexuais para o governo dos Estados Unidos da ordem de 327 milhões de dólares, ao longo de dois anos quando o estudo foi feito (1992 a 1994), apenas em transferências de empregos, licenças médicas e quedas dos níveis de produção individual e grupal (MILLER; CHEN, 2004 apud BORIN, 2007).

No Canadá, há uma número significativo de mulheres agredidas por seus parceiros. Mais da metadade das mulheres que foram assassinadas pelos seus companheiros já havia prestado queixas de violência nas delegacias, numa média de 35 vezes. Todo ano, mais de 90.000 mulheres e crianças canadenses são admitidas em abrigos destinados a mulheres violentadas (COLLEMAN, 1999 apud BORIN, 2007).

No Brasil, a violência contra a mulher é um preocupante fator social, sendo apontada pela Anistia Internacional como um dos graves problemas de Direitos Humanos (NAÇÕES UNIDAS, 2004 apud BORIN, 2007).

Saffiotti (1998) citado por Borin (2007, p. 61) buscou traçar um panorama da violência doméstica no Brasil, a partir do estudo de 170.000 Boletins de Ocorrência registrados em todas as Delegacias de Defesa da Mulher (DDM) de 22 capitais. Os resultados mostraram que 81,5% dos casos referem-se a lesões corporais  dolosas; metade das mulheres tem entre 30 e 40 anos e 30% das mulheres têm entre 20 e 30 anos; 50% dos casos, o casal tem entre 10 e 20 anos de convivência, e em 40% entre 1 e 10 anos, e que depois da queixa, 60% dos casais permanecem juntos.

A violência doméstica física é duas vezes maior para a mulher do que para o homem (32% para 10%), e isso sinaliza uma intensa cronificação da violência de gênero em um número significativo de casos como, por exemplo, na faixa etária de 18 a 29 anos, em que a agressão física é acitosamente frequente. As estatísticas revelaram que os conhecidos são mais perigosos que os estranhos e que a mulher é a vítima preferida dos agressores familiares, além de ser justamente essa agressão que recebe menos atenção da sociedade (SAFFIOTI; MUÑOZ-VARGAS, 1994 apud BORIN, 2007). Com isso, Pavez (1997) apud Borin (2007) aponta que a violência doméstica é uma “questão de políticas públicas, de direitos humanos, sociais e de saúde”.

As políticas públicas e serviços de atendimento às mulheres em situação de violência, como abrigos, Delegacias de Defesa de Mulher, Organizações Não-Governamentais (ONGs) começaram a ser importantes no Brasil em decorrência das pressões desenvolvidas pelo Movimento Feminista.

As Delegacias de Defesa da Mulher e as casas-abrigo disseminaram-se por todo o país, sendo que no Estado de São Paulo foram instituídas 133 DDMs; na capital paulista são 29; e em todo o Brasil são aproximadamente 400, nos quais relevantes estudos são realizados para o aprimoramento dos atendimentos às vítimas e atualização dos dados da situação de violência no país (SAFFIOTI; MUÑOZ-VARGAS, 1994 apud BORIN, 2007).

Essas delegacias significam um avanço importante da sociedade, não apenas enquanto consquista de um espaço para tornar visível o fenômeno da violência no país, mas, principalmente, pela possibilidade dessas mulheres serem atendidas por advogados, psicólogos, assistentes sociais e de obterem informações e orientações para que tenham melhores condições de buscar soluções adequadas para seus problemas.

A casa-abrigo foi criada para proteger a vida da mulher, interromper o ciclo de violência para dar condições de vida a ela e aos filhos, propiciar orientação jurídica, social e psicológica, atendimento à saúde e dar às crianças um espaço  socioeducativo. Apesar de ser um local para a mulher se abrigar e se proteger contra o agressor, não deixa de ser um sofrimento, pois ela precisa sair do seu meio e se adaptar em outro, mesmo que provisoriamente (RECHTMAN, PHEBO, 2006 apud BORIN, 2007). Gondolf (1999) citado por Borin (2007) descrobriu que 24% das mulheres abrigadas planejam voltar  para seus lares e 7% encontram-se indecisas.

As Organizações Não-Governamentais (ONGs) são entidades criadas para atenderem à violência contra a mulher com a finalidade de que as mulheres conheçam seus direitos por meio dos atendimentos (DINIZ, 2007). Para os agressores, algumas casas-abrigo realizam trabalhos de encaminhamento à clínica psicológica, serviços de Núcleo de Apoio à Família ou para tratamentos específicos, como os de álcool, drogas, entre outros. Normalmente, a política pública defende a mulher, deixando o agressor à parte de todo o tratamento, mas é extremamente necessário dar respaldo a ele, visando a tratar o cerne do problema que gerou a violência (JAIME, 2006).

O relacionamento abusivo tem como causas o efeito dos estereótipos e papéis impostos pela sociedade e a desigualdade de poder entre homens e mulheres dentro de casa e no seu relacionamento. A agressão acontece, pois de alguma forma a sociedade consente (BARNET, 2000).  

 

3 CONSIDEREAÇÕES FINAIS E IMPLICAÇÕES SOCIAIS

 

A vulgarização da violência doméstica mais as inferências que ela provoca na mulher como depressão, idéia suicida, inclusive, a possibilidade da ocorrência de um homicídio por parte do agressor, faz-nos pensar sobre a necessidade dela ser reconhecida tão logo aconteça com alguém, para que uma intervenção possa ser feita.

Com isso, a maior preocupação sobre o fênomeno da violência doméstica que aflige  as famílias da sociedade atual é com relação as suas formas de prevenção. Divulgar o que é a violência doméstica e como proceder, caso isso acorra, é garantir que a comunidade esteja atenta ao problema e saiba se defender em caso de necessidade.

Porém, não adianta saber onde buscar ajuda se as Instituições e os profissionais das áreas pertinentes ao problema não estiverem preparados para uma intervenção adequada e de qualidade.

Assim, o presente trabalho aponta algumas implicações sociais: A sociedade precisa mudar não somente a forma de litigar com a cultura machista ainda em vigor, mas também a forma como trata suas mulheres. A violência doméstica contra a mulher, é parte de uma luta maior que visa banir o preconceito contra a mulher, sobretudo, com a da mulher negra que é a mais atingida;

As pessoas precisam aprender a reconhecer a violência doméstica e suas variadas manifestações, como a física, a psicológica e a sexual, para buscarem ajuda e saberem como agir se algo lhes ocorrer;

A educação da comunidade é a peça principal de qualquer programa de prevenção. Evidências mostram que uma palestra de vinte minutos realizada em uma universidade sobre violência doméstica conseguiu provocar mudanças em algumas pessoas (BARNETT apud BORIN, 2007);

A importância de treinamento específico para a polícia, tem papel crucial na interrupção do ciclo da violência, no momento em que atende uma chamada. Aperfeiçoar sua intervenção em casos desse tipo e suscitar uma melhor compreensão com relação ao contexto psicosocial do problema pode impulsionar um atendimento de maior qualidade e precisão.

Os trabalhadores sociais também devem receber treinamento, a fim de direcioná-los no atendimento de mulheres e crianças agredidas para que possam vê-los como clientes que precisam de proteção;

Os treinamentos ou palestras executados devem sensibilizar o público-alvo para as consequências familiares que a violência doméstica traz. Incluir uma mulher maltratada/agredida e uma criança para dar testemunho no treinamento aumenta a empatia dos ouvintes com relação ao problema, de acordo com Wuest apud Borin (2007), é uma estratégia eficiente para atingir o coração de quem escuta;

Novas pesquisas nessa área precisam ser realizadas, principalmente, no Brasil, com o objetivo de nos esclarecer sobre a dificuldade da mulher agredida em abandonar o parceiro agressor, para podermos aperfeiçoar as técnicas profissionais, qualquer que seja a área de atuação (psicólogos, médicos, advogados, pedagogos, administradores, assistestes sociais), na busca de ajudá-las da forma mais eficiente possível.  

A inovação das psicoterapias para esse tipo de caso é de fundamental importância para que todos os aspectos da vida da mulher, proveniente da agressão ou precursores dessa, possam ser trabalhados de maneira que ela vivencie uma estabilidade psicológica.

A ética deve estar presente no cotidiano de todos os profissionais que trabalham com casos de violência doméstica, independentemente se a pessoa for a vítima ou a agressora.

Sugerimos a criação de manuais de atendimento e orientação às vítimas para sustentar o trabalho dos profissionais da área.

A luta acontece na direção da libertação da mulher, assim como a do homem, pois os dois sofrem pressões para desempanharem papeis estereótipados pela sociedade, poderemos viver nossas individualidades de forma plena, com isso aprendemos a conviver em relações de troca e harmonia.

Assim, cremos que este estudo possa suscitar discussões acerca da violência doméstica contra a mulher, sobre as políticas públicas promovidas pelo governo, sobretudo, no aspecto da saúde, que possam ficar questões a serem dissecadas e disperte em outros indivíduos o ansio de estudarem o tema e de contribuírem com essa luta social que é de todos nós.

 

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[1] O SOS-Mulher foi o primeiro grupo de combate à violência contra a mulher, criado em 10 de outubro de 1980 (BETTO, 2007). O primeiro foi em São Paulo, logo em seguida em Campinas e no Rio de Janeiro (DINIZ, 2007).

[2] O Brasil foi o primeiro país no mundo a criar a Delegacia de Defesa da Mulher (SCHRAIBER, D’OLIVEIRA, 2007).

[3] Em 29 de maio de 1983, a biofarmacêutica Maria da Penha Maia foi vítima de violência praticada pelo seu ex-marido, que disparou contra ela durante o sono, deixando-a paraplégica. Após a saída do hospital, sofreu o segundo atentado em que o marido tentou eletrocutá-la enquanto tomava banho. Transcorreram dezenove anos e seis meses entre a violência e a prisão do criminoso (ALVES, 2006). Esse caso chegou à Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), que acatou, pela primeira vez, a denuncia de um crime de violência doméstica. Em razão disso, surgiu uma lei contra a violência doméstica como forma de prevenir, punir e erradicar a violência doméstica (CONFEDERAÇÃO..., 2007).  

[4] Informações, citadas por um advogado da área penal e professor universitário (apud BORIN, 2007, p. 44)

[5] Socialização é um processo em que o indivíduo aprende a ser um membro da sociedade (BARNETT apud BORIN, 2007, p. 45).

[6] Fibromialgia (latim fibra, -ae, fibra +mialgia) s.f. Med. Doença crônica que se caracteriza sobretudo por fadiga contínua, dores generalizadas, alterações de sono e perturbações cognitiva. http://www.priberam.pt/dlpo/dfault.aspx?pal=fibromialgia. 29/11/2010 às 16h00min.