O nosso primeiro encontro foi certamente inusitado. Eu, andando quieta na minha, de repente o vi lá, quieto na dele também. Ele me olhava, me encarava, me forçava de alguma forma a voltar para ele meu olhar, e eu, cada vez mais vermelha, esperava ouvir dele pelo menos um oi.

Mas ele continuou lá, inerte, calado, totalmente na dele. De repente por acidente o toquei. Como estava gelada suas mãos! Acredito que devia ser por causa desse frio do inverno rigoroso aqui em Sampa. Mas já que estávamos sós, olhei mais perto seus olhos, e não pude conter um grito abafado e estranho dentro de mim: seu olhar para o nada, me remetia, me revestia cada vez mais de certeza, de que conhecera o amor da minha vida!

O nome dele era João. João Almeida, com 24 anos fez com que o meu mundo nunca mais fosse o mesmo. Ele trabalhava no lugar onde eu adorava me ver perdida entre livros e mais livros aos final do dia. Confirmo que ele não foi o primeiro cara que me encantou - Luis Henrique, o garoto que arrasava corações entre as garotas da turma, me deixava sem jeito quando tínhamos que fazer respiração boca a boca de propósito cada vez que o horário acabava -mas como eu via João todos os dias pela manhã desde o ano de 2006, acabei me cativando com tudo aquilo que ele me ensinava de novo a cada dia.

Mas um dia, João de repente sumiu. Sem deixar lembranças, sem me avisar, ele simplesmente se foi. No dia em que minha última aula de anatomia chegou ao fim, tive a certeza de que conheci através de João, tudo o que nenhum outro homem irá me oferecer: quando o vi por dentro, conheci como bate o coração. Com atenção, resgatei em seu cérebro a possibilidade de como podem se estabelecer os mecanismos onde atua o pensamento cognitivo que muitos que amam não possuem o devido controle; através de "dois passos" pude comprovar através dele, que os olhos certamente são a janela mais bonita da alma...Eles pensam como o cérebro, e atuam nos transmitindo como ver oque pensamos! João foi incrível pra mim cara.Mas...nunca mais nos vimos desde esse dia que ele sumiu sem deixar rastros.

Tenho a certeza que em mim houve uma estranha sisestesia que fui acometida por ele desde o começo, e que nunca mais terei igual. Um cara como esse,  só se encontra uma vez na vida, geralmente no primeiro ano da faculdade, quando tudo é novo e encontra-se num enigmático estado puro de criação.

Bom, essa foi a história da minha primeira até a última aula de anatomia prática que tive com o clássico e apaixonante cadáver João que apesar de não ter vivo o seu coração, concerteza fez meu coração bater mais forte todos os dias pela minha profissão, que geralmente nomeiam com toda uma pompa, de medicina...mas para mim tudo o que ela nos acomete, vai além do que a profissão proporciona na prática, que seria simplesmente deixar as pessoas com saúde e borbulhando na alma o princípio clássico de cidadania social que é o respeito à humanidade, fragilizada pelo orgulho e preconceito humanos.