"O que caracteriza a Democracia é que nela todos participam do poder, gozam de direitos iguais, são igualmente cidadãos." Aristóteles

O presente artigo se pauta em uma abordagem a respeito do Estado de Direito e da forma de governo – democracia – à luz do filósofo de Estagira, mediante sua teoria das formas de governo, sobretudo no concernente ao governo constitucional. Diante da discussão acerca dos valores democráticos, da vivência de uma verdadeira democracia, dos elementos que afastam uma nação deste arcabouço ocorre a estruturação deste trabalho. Para isso, os teóricos clássicos desta seara assim como outros que não fazem parte dela, mas se igualam em importância, foram peremptórios para a elaboração deste com um intuito claramente interdisciplinar.

O sistema político hegemônico na atualidade é o democrático[1], que distingui-se, por exemplo, economicamente, desenvolvido e em desenvolvimento, destarte, estabelece-se como paradigmas para esta análise, Estados Unidos da América (EUA), União Européia (UE), Brasil e Venezuela, mas antes a conceituação de algumas formas de governo consoante Aristóteles é imprescindível:

• Governo Constitucional: a maioria dos cidadãos governa tendo em vista o bem comum, mas este é, essencialmente, o meio-termo[2] entre oligarquia e democracia, que se inclina a esta última. Esse mediano é a "classe média" preocupada com os interesses coletivos e capacitada a dar as classes extremas condições de permanecerem fiéis à coletividade;

• Democracia: visa apenas o interesse das massas. Os homens livres (maioria) exercem o poder; seu intento supremo é a liberdade3 e a sua justiça versa no consenso entre as classes;

• Oligarquia: em que os ricos (leia-se poder econômico), minoria, exercem o domínio, o qual é concentrado e despótico.

EUA e Brasil são democracias de caráter oligárquico, pelas características neo-imperialistase de controle por parte da elite que perpetua a estrutura de atraso educacional, corrupção edesigualdades sócio-econômicas, respectivamente.

A UE constitui um modelo democrático deveras avançado, marcado pela integração econômica, política e jurídica, mais que isso se enquadra dentro de uma tendência mundial na globalização econômica.

O país venezuelano em uma primeira observação se aproxima de uma tirania, no entanto, ao considerar o povo um tirano múltiplo, isto é, que a maioria tem o poder em suas mãos, não como indivíduos, mas coletivamente, a classificação de aprofundamento da democracia é mais apropriada, ademais, os conceitos dos críticos ao regime chavista de crise al interior da democracia e concentração de poder corroboraram a tese de aprofundamento já que neste desvio objetiva-se apenas o interesse das massas, a qual ele deu voz, conforme muitos blogues e habitantes da Venezuela.

Diante disso, questiona-se até que ponto liberdade, igualdade e os interesses do povo se confundem com os objetivos do governante. O pressuposto da boa-fé dos gestores proposto por Rawls (2000), as definições de sanção normalizadora (normalização das condutas), adestramento de almas (a vigilância substitui a violência) e biopoder (massificação dos indivíduos) de Foucault (POGREBINSCHI, 2004) e, por fim o questionamento de Bobbio (1997) "quem controla os controladores?" revelam uma face escondida do Estado Democrático de Direito, porquanto mesmo nos exemplos considerados mais próximos do ideal encontram-se implicitamente características da degeneração democrática. Conclui-se, portanto, que todos se enquadram em algum grau destes desvios, mais próximos ou mais distantes dos extremismos. Esta foi a justificativa para a criação de um limite, mesmo que tênue, entre estes extremos, o qual se materializa, na atualidade, pelos valores fundamentais da pessoa humana, poder estatal limitado e distribuído, hegemonia da vontade do povo, preservação da liberdade e igualdade de direitos.

Dentro de um esquema semelhante aos intervalos matemáticos em que 1 é o extremo (oligarquia), 2 o limite, (estado democrático de direito - governo constitucional) e 3 representa o ideal (democracia perfeita), determina-se que hoje se tem a situação A = (1;2), e a probabilidade de uma situação B = (1;2,5), assim, o complementar da interseção entre A e B (A ∩ B) é a proposta apresentada por meio dos argumentos descritos a posteriori.

Após o limite, na situação A, incluíam-se Estados de caráter oligárquico e outros que possuem uma exploração mais evidente e representam poucos benefícios aos primeiros que detêm o poder econômico e, por isso, dentro das condições atuais, permanecem após a demarcação fixada, enquanto por intermédio do avanço visto no complementar de A ∩ B estes últimos saem dessa faixa a fim de que sua adequação proporcione, em linhas gerais, aumento da qualidade de vida (mais que sobreviver é importante viver bem) da sua população mediante a:

• Compreensão de que não há uma regra válida para todas as democracias;

• Igualdade de possibilidades;

• Aceitação do conceito de liberdade, no qual o ser humano não seja visto isoladamente;

• Supremacia da vontade (formada e expressa livremente) do povo;

• Entendimento da democracia na esfera social, em que o indivíduo é considerado na multiplicidade de seu status;

• Renovação a partir da tolerância, não-violência, livre debate, mudança de atitude e da aceitação da condição de irmandade humana, relacionada ao destino comum;

• Estado que ofereça a base mais segura para liberdade e o meio mais profícuo de organizar esquemas de cooperação;

• Órgãos internacionais fortes jurídica, política e economicamente e autônomos para fazer frente ao poder econômico com o fim de reduzir pequenas benesses em favor da maximização do que denomina-se qualidade de vida, para a população.

Como foi explicitado devido aos elementos supracitados o limite constituído ampliar-se-á para que ocorra uma verdadeira reforma no establishment, a qual provoque a instituição daquilo que defini-se como um Estado Democrático de Direito para além do governo constitucional aristotélico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. Tradução por Almiro Piseita e Lenita M. R. Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 2000.



[1] Conceito moral, cuja prática possibilitará certa conciliação da pluralidade de elementos antagonistas existentes nas diversas sociedades, resultantes de uma atitude de recíproco respeito, equilibrada e otimista, capaz de nortear a comunicabilidade entre culturas, promovendo uma disponibilidade para o diálogo como via de ascensão à sociedade cosmopolita kantiana, em que os homens agiriam unicamente pela sua boa vontade e que perduraria sem conflitos interpessoais (ARAÚJO, 1994, p.132).

2 Em tudo que é contínuo e divisível pode-se tirar uma parte maior, menor ou igual e este é o meio-termo entre o excesso e a falta (ARISTÓTELES, 2008, p.47).

3 Consiste, sucintamente, na alternância de governos e na "justiça democrática", segundo a qual a maioria é soberana (ARISTÓTELES, 2006).