I ? INTRODUÇÃO

Violada uma norma de Direito Privado, tem-se um fato imputável a alguém, que deve "responder" pelo dano causado a outrem, o que enseja a responsabilidade civil daquele sujeito de direito que é o responsável pela ocorrência do fato que originou o dano.
No âmbito do Estado de Direito, que hoje se faz presente em todos os Estados democráticos do mundo, onde o Estado é um sujeito de Direito, as pessoas jurídicas de Direito Público não podem ter um tratamento jurídico diferenciado nas relações extracontratuais com as pessoas jurídicas de Direito Privado.
Como afirma MELLO (2007), "a idéia de responsabilidade do Estado é uma conseqüência lógica inevitável da noção de Estado de Direito", pois o Poder Público deve submeter-se ao Direito, assim como todas as pessoas que pertencem ao Estado, se fazendo latente o princípio da equidade.
Pelo princípio maior da igualdade de todos perante a lei, cita o retrocitado autor, em que todos são juridicamente sujeitos de deveres e de direitos, não haveria lógica em se aceitar que o Estado, ao executar atividades em prol da sociedade, pudesse não reparar danos causados por seus agentes.
Também, um fundamento irrefutável da responsabilidade civil do Estado é visível no maior poder do Estado frente aos demais sujeitos sociais, como afirma CARVALHO FILHO (2007), é ele no campo jurídico, político e econômico, sem dúvida o mais poderoso.
Encontra-se o indivíduo e demais pessoas do Direito Privado em situação de desigualdade frente a este ente maior, que apesar de protegidos pelas normas jurídicas, não poderiam ter a obrigação de provar o direito à reparação dos danos causados pelos agentes públicos.
Por ser dotado de força desigual, o Estado, ainda segundo CARVALHO FILHO (2007), "teria que arcar com um risco natural decorrente de suas inúmeras atividades", quando se relaciona com outras pessoas, encontrando-se desse modo no dever de indenizar quem sofreu o dano, cabendo ao Estado fazer a prova em contrário.
O indivíduo que, a todo momento, é obrigado, mesmo contra a sua vontade, a conviver com as condutas dos agentes públicos, como parte mais fraca nesta relação, deve ser guarnecido contra eventuais danos que venha a sofrer pelo uso do aparato estatal, pois, não se pode esquecer, que a sociedade, por meio de suas contribuições, provê o sustento da Administração Pública.

II - DESENVOLVIMENTO

a. Irresponsabilidade civil do Estado
A irresponsabilidade do Estado face aos atos de seus agentes obteve destaque nos regimes absolutistas, por meio da teoria da não responsabilização do Estado, visto que era inadmissível a ideia de punição do rei, como um representante divino que era considerado, e porque não se admitia que o monarca pudesse cometer erros.
Os súditos, portanto, não poderiam ser responsabilizados por seus atos, por serem autênticos representantes da família real. Inglaterra e os Estados Unidos foram os últimos países a abandonarem a doutrina da não responsabilização, hoje totalmente superada nos países democráticos.
Importante se faz ressaltar as observações de MELLO (2007), segundo as quais o princípio da soberania absoluta do monarca, não representava completa desproteção dos administrados face à conduta unilateral do Estado.
Cita o mesmo autor que a responsabilização do Estado absolutista era admitida, quando prevista explicitamente por leis específicas, como na França, a responsabilidade por "danos oriundos de obras públicas, por disposição da Lei 28 pluvioso do Ano VIII".
Também nesta época, na França, diz o citado autor, era admitida a responsabilidade do funcionário quando o ato lesivo fosse relacionado a um comportamento pessoal desse funcionário.
A ressalva, porém, dessa situação, era que o pequeno patrimônio de que dispunha o funcionário do Estado, dificilmente era suficiente para cobrir os prejuízos sofridos pelos particulares, e, ainda, existia uma cláusula legal, a chamada "garantia administrativa dos funcionários", que, na maioria das vezes, anulava qualquer possibilidade de responsabilização dos súditos.
Esta garantia, segundo MELLO (2007), previa que os processos contra estes, perante os Tribunais Civis, dependessem de prévia autorização do Conselho de Estado francês, que mais das vezes não concedia esta autorização, e que disposições análogas se faziam presentes nas legislações da Alemanha.
No Brasil, esta teoria nunca foi aceita pela doutrina e pela jurisprudência, mesmo antes da codificação em nossa legislação da responsabilidade civil do Estado. MELLO (2007), cita Amaro Cavalcanti, Ministro do STF, que em 1904, antes da previsão da teoria da responsabilidade civil no Código Civil de 1916, já afirmava:

"(...) no Brasil nunca se ensinou ou prevaleceu a irresponsabilidade do Estado pelos atos lesivos dos seus representantes. Se não havia nem há uma disposição de lei geral, reconhecendo e firmando a doutrina da responsabilidade civil do Estado, nem por isso menos certo que essa responsabilidade se acha prevista e consignada em diversos artigos de leis e decretos particulares; e, a julgar pelo teor das suas decisões e dos numerosos julgados dos Tribunais de Justiça e das decisões do próprio Contencioso Administrativo, enquanto existiu, é de razão concluir que a teoria aceita no país tem sido sempre a do reconhecimento da aludida responsabilidade, ao menos em princípio; ainda que deixando juntamente largo espaço para freqüentes exceções, em vista dos fins e interesses superiores, que o Estado representa e tem por missão realizar em nome do bem comum."

Também Amauri Cavalcanti, segundo o mesmo autor, refere-se a diversas disposições normativas, anteriores ao Código Civil de 1916, que fazem menção à responsabilidade civil do Estado, como o Decreto 1930 de 1857, relativos aos danos causados por estradas de ferro; o Decreto 9417 de 1885, também tratando da matéria anterior, o Decreto 1663 de 1894, Art 552 e o Decreto 4053 de 1891, Art 538, concernentes à indenização por prejuízos decorrentes de colocação de linhas telegráficas; os Decretos 1692 de 1894, Art 8º e 2230 de 1896, Art 6º, que cuidavam da responsabilidade da União ligada aos serviços de Correios.

b. As teorias subjetivas e objetivas da responsabilização civil do Estado
Responsabilidade subjetiva seria a obrigação de alguém que praticou um ato lesivo contra uma pessoa, ato contrário ao Direito, por culpa ou dolo, de indenizá-la por lhe ter causado um dano, ou não ter impedido em virtude de uma obrigação legal a ocorrência do ato que causou um dano.
A teoria subjetiva da responsabilidade do Estado, presente no Código Civil brasileiro de 1916, está presente quando o Estado atua por meio de seus agentes, somente existindo obrigação de indenizar quando os agentes agem com culpa ou dolo, cabendo o ônus da prova unicamente ao particular.
Posteriormente, ainda na esfera das teorias subjetivas, surgiu a possibilidade do Estado ser condenado a indenizar o prejuízo do particular lesado, quando houvesse a culpa genérica do Poder Público, como define NASCIMENTO (2009), em conseqüência de danos causados pela Administração Pública, desde que comprovada a falha na prestação do serviço público.
O citado autor, ainda, comenta que esta teoria utiliza a culpa como requisito para a responsabilidade estatal, mas que não se trata de uma culpa com vontade do agente causador do dano, mas ligada a vontade do Estado, não devendo se entender que nesta teoria a vítima deverá comprovar dolo ou culpa do agente responsável.
Por esta teoria da culpa administrativa, o dever do Estado indenizar somente está presente quando comprovada a existência de falta do serviço. Não se tem a culpa subjetiva, mas a ocorrência da falta na prestação do serviço, falta objetivamente considerada, como especificam ALEXANDRINO e PAULO (2009).
Falam os referidos autores que:

"A tese subjacente é que somente o dano decorrente de irregularidade na execução da atividade administrativa ensejaria indenização ao particular, ou seja, exige-se também uma espécie de culpa, mas não culpa subjetiva do agente, e sim uma culpa especial da administração a qual se convencionou chamar culpa administrativa ou culpa anônima."

A culpa administrativa, embora tenha sido uma doutrina subjetiva, foi um importante marco na evolução da responsabilidade civil do Estado, para que, no caminho normal da democracia e do Estado de Direito, pudesse o Estado, como ente mais poderoso na sociedade, ser responsabilizado pelos seus atos frente ao particular.
Surge, então, a obrigação de o Estado reparar o particular pelos danos injustamente sofridos, independente de falta do serviço ou de culpa do agente público, por culpa ou dolo deste, que recebe o nome de teoria do risco administrativo.
A culpa da Administração Pública é presumida, segundo esta teoria objetiva do risco administrativo, existindo o fato do serviço, o dano ocasionado por este fato e o nexo de causalidade entre o fato e o dano ocorrido.
No risco administrativo, a administração somente não terá obrigação de indenizar, se comprovar que a culpa pela ocorrência do ato foi exclusiva do particular, ou ocorreu em virtude de força maior ou caso fortuito. Comprovada culpa concorrente, da administração e do particular, os dois responderão igualmente pelos prejuízos.
Diferença de remonta, entre esta teoria e as teorias subjetivas, é o ônus da prova, que caberá sempre a administração, estando o particular protegido do grande poder da máquina estatal, que deverá provar para se ver livre do prejuízo, que houve culpa exclusiva ou concorrente do particular na ocorrência do ato lesivo.
Muito bem observado por ALEXANDRINO e PAULO (2009), a teoria do risco administrativo não impõe ao Estado a absoluta obrigatoriedade de indenizar o particular lesado, apenas permitindo ao particular não ter que comprovar a culpa da administração para ser ressarcido pelo dano.
Ainda, tem-se a teoria do risco integral, segundo a qual o Estado teria a responsabilidade por qualquer ato danoso contra particular, desde que provado o nexo causal entre o ato e a consequente lesão, mesmo sendo a culpa do ato exclusiva do particular.
Obviamente, esta teoria não possui aplicabilidade, pois o Estado não tem capacidade de recursos para arcar com todos os prejuízos dos atos ocorridos contra particulares, o que certamente ocasionaria um prejuízo social muito grande, visto que este prejuízo estatal teria que ser repassado para a sociedade, que seria obrigada a pagar impostos exorbitantes para que fossem cobertos estes custos.
Segundo o professor CARVALHO FILHO (2007), "a teoria do risco integral é injusta, absurda e inadmissível no direito moderno", teoria que pela sua impropriedade nunca foi adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro

c. A responsabilidade civil do Estado no Código Civil
Por se tratar de responsabilidade de fato que pertence à esfera do Direito Privado, a responsabilidade extracontratual do Estado na seara cível, primeiramente encontrava-se regulada pela legislação cível.
O antigo Código Civil brasileiro de 1916, no seu Art 15, assim dizia:
"As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos de seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano".

Embora a definição apresentada por aquele diploma legal fosse deveras completa, pode-se observar que a responsabilidade a que ele se refere, não é a responsabilidade civil objetiva na sua essência, mas sim a responsabilidade civil subjetiva.
Nessa situação, tem que ser averiguada e comprovada a culpa do agente público, "procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei", para que se possa configurar a responsabilidade civil do ente estatal.
Como bem observa CARVALHO FILHO (2007), a citada norma exigia essa prova de culpa, que se configuraria por meio daqueles pressupostos, e, ainda, que a responsabilidade estatal não se caracterizaria diante de fatos lícitos, mas somente de fatos culposos.
Se alguém agisse contrariamente ao direito ou faltasse a dever legal, sua conduta seria necessariamente culposa, confirma CARVALHO FILHO (2007).
Pode-se concluir, que pela afirmação do retrocitado código, a responsabilidade civil do Estado encontra-se ligada ao ato culposo, responsabilidade subjetiva, e não ao fato lícito que a gerou, responsabilidade objetiva.
No Código Civil brasileiro vigente, encontra-se a seguinte disposição quanto ao referido instituto:

"As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo".

Desta forma, o novo Código Civil trouxe para legislação pátria a teoria da responsabilidade civil objetiva do Estado, não obstante, esta já fosse há muito tempo aceita na doutrina e na jurisprudência brasileiras.
Tem-se, assim, a transição na legislação brasileira da teoria subjetiva da culpa do agente para teoria objetiva na responsabilidade civil do Estado.
No entanto, observa MELLO (2007), o Código Civil não faz menção às pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, incorrendo numa impropriedade, ou mesmo omissão.
Para que haja a responsabilidade do ente público, bem observa o citado autor, não importa que a conduta que insejou o dano tenha sido cometida por um agente público, basta que este seja qualificado como agente público.
Isto quer dizer, que o agente causador do dano deve estar apto para praticar comportamentos imputáveis ao Estado ou a outras pessoas de Direito Público ou de Direito Privado prestadoras de serviços públicos, quando atuarem nesta qualidade.
Independente desta observação, o ônus da prova pelo fato cometido pelo agente não pertence mais ao particular, que independente da culpa do agente ou da administração, e da falta do serviço, tem direito a ser ressarcido pelo Estado, a não ser que este prove a culpa exclusiva do particular ou caso de força maior ou caso fortuito.

d. A responsabilidade civil do Estado na Constituição Federal do Brasil de 1988
1) Surgimento da teoria objetiva nas constituições brasileiras
A partir da Constituição Federal de 1946, foi introduzida constitucionalmente no Brasil a teoria da responsabilidade objetiva, com a responsabilização do Estado brasileiro por dano causado por seus agentes públicos, mesmo sem procedimento irregular por parte do agente e independente de haver culpa ou dolo deste, ou falta de serviço da administração.
Assim falava a Constituição Federal de 1946:

"As pessoas jurídicas de Direito Público Interno são civilmente responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros.
Parágrafo único. Caber-lhes-á ação regressiva contra os funcionários causadores dos danos, quando tiver havido culpa destes."

Esta previsão constitucional permaneceu nas constituições brasileiras seguintes com singelas alterações, que não afastaram do direito brasileiro a teoria da responsabilidade objetiva, que foi ratificada pela Constituição brasileira de 1988.
2) Aspectos gerais do Art 37, § 6º da Constituição de 1988
a) A Constituição Federal de 1988 estabelece no seu Art 37, § 6º:

"As pessoas jurídicas de Direito Público e as de Direito Privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa."

O citado artigo regula a responsabilidade civil do Estado sobre a abrangência da teoria objetiva, risco administrativo ou acidente administrativo, que já vinha sendo aplicada no direito constitucional brasileiro desde a Constituição Federal de 1946, no que concerne aos atos comissivos praticados pela Administração Pública por meio de seus agentes.
b) Agentes públicos e agentes privados
Comparando-se a redação do artigo da Constituição de 1946 que versa sobre a responsabilidade do Estado, que usa o termo "funcionário", com a redação da Constituição vigente, que se utiliza da palavra "agente", nota-se que a Constituição de 1988, busca dar maior amplitude para o conceito da pessoa que, representando o Estado, cometeu o ato lesivo.
Este agente, que, no texto legal, poderia ser melhor definido pelos termos agente público e agente privado, pois pode representar pessoas jurídicas de Direito Público e de Direito Privado prestadoras de serviço público, engloba todas as pessoas físicas que exercem atividades em nome do Estado.
Agente público não é unicamente o servidor empregado do ente estatal, como bem observa o ilustre CARVALHO FILHO (2007), mas é o agente político integrante dos três poderes constitucionais brasileiros, os agentes colaboradores sem remuneração, e todas aquelas pessoas que desempenham um serviço público em nome do Estado.
De outra forma, o agente privado tem que estar representando a pessoa jurídica de Direito Privado, isto é, atuando por esta pessoa jurídica na prestação de determinado serviço público, autorizado por um ente do Estado.
O agente público ou o agente privado deve estar "nessa qualidade", como destaca o Art 37, § 6º, prestando o serviço público, o que significa estar o agente no pleno exercício de suas funções ou procedendo como se estivesse exercendo-as.
Deve o terceiro lesado, ter o entendimento de que o agente, pelo seu comportamento ou pela sua aparência (como, por exemplo, o uso de uniforme), está desempenhando uma função pública, a ele atribuída ou delegada pelo Estado.
c) Definição de pessoa jurídica de Direito Público e de Direito Privado
No que tange à definição da pessoa jurídica de Direito Público e de Direito Privado, a doutrina brasileira majoritária, mencione-se DI PIETRO (2007), MELLO (2007), CARVALHO FILHO (2007), entende que o texto constitucional não deixou dúvidas ao se referir às pessoas jurídicas prestadoras de serviços públicos.
A Administração Direta, as autarquias, e as fundações públicas de direito público, independente das atividades que desempenham, estão neste universo citado acima. Inclui-se, também, neste conjunto, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as fundações públicas de direito privado que prestam serviço público.
Não pode se esquecer, as pessoas privadas delegatárias de serviços públicos, quais sejam as concessionárias e as permissionárias, não integrantes da administração pública, mas que prestam serviço público pelo Estado.
Diferentemente das pessoas jurídicas mencionadas, o Art 37, § 6º, não abarca as empresas públicas e sociedades de economia mista exploradoras de atividade econômica, pois estas pessoas respondem pelos danos causados a terceiros, regidas pelas legislações civil e comercial brasileiras, no que concordam ALEXANDRINO e PAULO (2009) e o douto MELLO (2007).
Cabe, ainda, importante observação sobre a abrangência da responsabilidade civil objetiva das concessionárias e permissionárias de serviço público, restrita aos usuários de seus serviços, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal.
Citada por ALEXANDRINO e PAULO (2009), a jurisprudência da egrégia corte, consoante o manifestado no julgamento do RE 262.651/SP (rel. Min. Carlos Velloso, 16-11-2004) considera que "(...)a responsabilidade objetiva das prestadoras de serviço público não se estende a terceiros não-usuários, já que somente o usuário é detentor de direito subjetivo de receber um serviço público ideal (...)".
Observam, ainda, os referidos autores, que o julgamento foi proferido pela Segunda Turma do STF e não pelo Plenário desta corte, e não houve unanimidade na referida votação.
Com opinião diversa do julgamento mencionado, CARVALHO FILHO (2007) traz dois argumentos importantes para análise da responsabilidade das concessionárias e permissionárias perante os terceiros não-usuários.
Constitucionalmente, menciona o autor, não há nenhuma diferenciação expressa literalmente no Art 37, § 6º, entre a responsabilidade objetiva das delegatárias do serviço público perante usuários ou não usuários dos seus serviços, e que se esta distinção não foi feita pela lei maior, não caberia ao intérprete fazê-lo.
Segundo, que não haveria lógica em se restringir a responsabilidade objetiva para as delegações de serviço público, cujas pessoas "atuam como se fosse o próprio Estado", e não estabelecer a mesma razão desta teoria para o próprio Estado, "admitindo-se só para o Estado sua aplicação a todos, inclusive terceiros".
Portanto, não há no Brasil, jurisprudência e doutrina formada quanto a responsabilidade objetiva das concessionárias e permissionárias, subsistindo a questão, ora levantada, de que ela deva ser restrita aos usuários de seus serviços ou extensiva a terceiros que venham a sofrer danos, decorrentes da prestação do serviço daquelas.
d) Direito de regresso contra o responsável que agiu com dolo ou culpa
Autoriza a Constituição Federal que o Estado, após já ter sido condenado a indenizar o particular, por responsabilidade civil objetiva, havendo dolo ou culpa do agente público (que o legislador resolveu por chamar de "responsável"), comprovado pelo Estado, exerça seu direito de regresso contra o agente causador do dano por meio de uma ação regressiva.
ALEXANDRINO e PAULO (2009) abordam a questão da ação regressiva com bastante precisão, pois observam que o texto constitucional não fala em ação regressiva como uma ação própria para o Estado atuar sobre o agente causador do dano, mas tão somente em direito de regresso.
Esclarecem, ainda, os citados autores, no que tange à ação regressiva:

"A Lei 4619 de 28-04-1965, explicita que o direito de ajuizar a ação regressiva nasce com o trânsito em julgado da decisão que condenar a pessoa jurídica administrativa a indenizar. Nos termos dessa lei, o ajuizamento da ação regressiva é obrigatório, e deve dar-se no prazo de sessenta dias a partir da data em que transitar em julgado a condenação imposta à Administração Pública. Essas disposições da Lei 4619/1965, segundo o entendimento de nossa doutrina, a nosso ver majoritário, foram recepcionadas pela Constituição de 1988, estando, portanto, em pleno vigor."

Discute a doutrina, se poderia o agente responsável pelo dano ser chamado ao processo pelo Estado, por meio da denunciação à lide, na mesma ação em que o Estado está sendo processado, com fundamento em sua responsabilidade civil objetiva, tendo em vista que o agente público possui uma responsabilidade civil subjetiva quanto ao dano.
ALEXANDRINO e PAULO (2009) entendem que isto não é possível, tendo como fundamento o acima exposto, de que a ação própria para que o Estado exerça este direito de regresso é a ação regressiva.
Também, fica claro, na visão destes autores, que como nessa primeira ação do particular contra o Estado seria discutida a existência de dolo ou culpa na atuação do agente, o particular sofreria um grande prejuízo, se o processo fosse retardado para que se discutisse, na mesma ação, eventual responsabilidade do agente perante a administração, a ser demonstrada pelo Estado, pois esta se trataria de responsabilidade subjetiva.
Da mesma forma, por este mesmo entendimento, o particular prejudicado somente poderia intentar uma ação contra o Estado para o seu ressarcimento, não havendo a faculdade de o particular mover a ação simultaneamente contra o ente estatal e o agente público.
Este é também o entendimento mais recente do STF, citado por ALEXANDRINO e PAULO (2009), quando julgou o RE 327904 de 15-08-2006 (relator Min. Carlos Brito, Primeira Turma, unânime), que afirmou na decisão que a pessoa lesada não poderia ajuizar a ação diretamente contra o agente do Estado, orientação esta reiterada na decisão do RE 344133/PE de 09-09-2008 (relator Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, unânime); apesar desta mesma corte ter afirmado, em julgamento antigo, no RE 90071/SC de 18-06-1980, pelo seu Tribunal Pleno, que o fato da mencionada ação configuraria hipótese de litisconsórcio facultativo.
3) Omissão do Poder Público, responsabilidade subjetiva e a teoria da culpa administrativa
A Constituição de 1988 no Art 37, § 6º trata de conduta comissiva dos agentes do Estado, resultando em dano, a ser ressarcido pelo Estado pela teoria da responsabilidade civil objetiva, mas a Constituição não fala em danos causados pela omissão dos entes estatais na prestação do serviço público.
Pelas construções da doutrina administrativista, cite-se MELLO (2007), CARVALHO FILHO (2007) e DI PIETRO (2007), a responsabilidade nesta situação teria que ser averiguada por meio da teoria da culpa administrativa, tendo que ser provada a falta de serviço por parte do Estado, pois o ônus da prova, de demonstrar o nexo causal entre o fato e o dano, seria do particular, para que houvesse o ressarcimento deste.
Tem que existir uma omissão culposa do Estado, afirmam os doutrinadores, que deixou de executar o serviço, seja por inexistência do serviço, deficiência do serviço ou atraso na prestação do serviço, com isto causando um consequente dano a um terceiro.
Entretanto, a culpa anônima não precisa ser individualizada, não precisando ser provada a negligência, imprudência ou imperícia de um agente específico da Administração Pública, sendo necessário apenas o nexo causal entre a omissão do Estado e o dano sofrido pela pessoa física.
É de relevo, finalizar este item com uma nota de NASCIMENTO (2009): "a responsabilidade subjetiva por omissão fundamenta-se no princípio constitucional da eficiência, segundo o qual a Administração Pública deve atuar com velocidade e qualidade, visando garantir satisfação do interesse público."
4) Análise do Art 21, inciso XXIII, alínea "d" da Constituição de 1988
Além do disposto no artigo 37, § 6º, a Constituição Federal vigente regula a responsabilidade civil do Estado no Art 21, inciso XXIII, alínea "d", segundo o qual, compete à União Federal explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer tipo, exercendo monopólio sobre pesquisa, lavra, enriquecimento e reprocessamento, industrialização e comercialização de minérios nucleares e derivados e denota que "a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa".
A grande questão da análise do Art 21 é saber se há uma responsabilidade civil objetiva do Estado, na concepção da teoria do risco administrativo, ou como defende DI PIETRO (2007), resta configurada a teoria do risco integral.
MELLO (2007) afirma tratar-se da teoria do risco administrativo, e justifica sua opinião, pela obrigação do lesado, no presente caso, ter que comprovar o fato, o dano e o nexo de causalidade entre o fato e o dano que sofreu.
Cita o mesmo autor, que a União ou outra pessoa da administração estão sujeitas ao dever de reparar os danos produzidos, sem que possam alegar em sua defesa que não houve culpa de seus agentes no desempenho da atividade, por qualquer tipo de dano no desempenho dessas atividades.
A posição do citado autor é muito lógica, pois se baseia num dos requisitos da teoria objetiva, qual seja o nexo causal entre o fato e o dano. Realmente, no Brasil, em se tratando da responsabilidade objetiva, o prejudicado deve demonstrar ser o dano decorrente do fato produzido pela administração pública.
Desta forma, discordando da opinião da ilustre DI PIETRO, concorda-se com a exposição de MELLO (2007), refutando-se, desta forma, a caracterização da teoria do risco integral no Art 21 da Constituição brasileira de 1988.
Pela mesma justificativa, entende-se que também não é válida esta teoria do risco integral para acidentes nucleares ocorridos em território brasileiro.


III ? CONCLUSÃO

Não é mais o Estado, como nos tempos das monarquias absolutistas, irresponsável pelos seus atos que causem danos aos particulares no âmbito do Direito Privado.
As legislações dos países evoluíram, acompanhando o fortalecimento do Estado de Direito, responsabilizando civilmente o Estado, quando lesado o particular por um agente público ou outro ente autorizado pelo Estado, no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las.
No Brasil, desde a Constituição de 1946, sob o manto da teoria do risco administrativo, os entes estatais podem ser responsabilizados objetivamente, tendo assegurado o direito de regresso contra os agentes que agiram com dolo ou culpa, desde que comprovado pelo Estado.
A Constituição Federal de 1988 trouxe uma grande inovação ao responsabilizar as concessionárias e permissionárias de serviço público pela teoria da responsabilidade civil objetiva.
A partir deste texto legal, agentes públicos e agentes privados que prestam serviço público em nome do Estado, mesmo não agindo com dolo ou culpa e não havendo falta de serviço por parte do Estado, quando por meio de um ato comissivo produzem um dano, o ato e o dano possuindo nexo de causalidade, ocasionam a responsabilidade civil do ente estatal, com ônus de prova para este.
De outra forma, entende-se que a legislação constitucional poderia também ter regulado a responsabilidade civil objetiva do Estado por atos omissivos, visto que a doutrina e a jurisprudência brasileiras já consagraram este tipo de responsabilidade.
O Supremo Tribunal Federal por meios de diversos julgados já confirmou este tipo de responsabilidade, cabendo ao particular nesta situação provar a "culpa administrativa" do Estado, este não prestando com eficácia determinado serviço.
Mas apesar dessa ressalva, pode-se concluir que o particular, no Brasil, está muito bem guarnecido pelo texto constitucional, contra lesões que possam decorrer do exercício do poder estatal, configurando-se, esta previsão legal, num grande instrumento para que seja preservada a equidade social.


IV - REFERÊNCIAS

ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 17ª edição. São Paulo: Método, 2009.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 17ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20ª edição. São Paulo: Atlas, 2007.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 23ª edição. São Paulo: Malheiros, 2007.

NASCIMENTO, Raphael Spyere do. Ensaio sobre Direito Administrativo. 2ª edição. Brasília: Vestcon, 2009.