UM DOS MELHORES MOMENTOS EXPERIÊNCIAS VIVIDAS NA DOCÊNCIA: FORMAR CIDADÃOS CRÍTICOS

           Escrever não é uma tarefa fácil, exige toda uma organização, física, motora, sensorial, mental, tempo, conhecimentos sobre o assunto e conhecer a estrutura do texto, entre outros aspectos textuais. E é aí que surge o tal do “bicho papão" que causa tanto pânico, medo, impotência, insegurança, e outras sensações adversas a qualquer pessoa que queira explorar suas ideias e opiniões sobre determinado assunto e registrá-las na escrita.

          Diante da proposta da atividade discursiva fiquei por horas rascunhando, escrevendo, estudando, pesquisando, mas isso não era o suficiente para traduzir por completo o que eu queria expor, sempre ficavam lacunas as quais eu queria compartilhar. Decidi então vasculhar meu "baú de anotações" para elaborar o presente relato.

        Vasculhando meus guardados (ao longo desses vinte e oito anos de docência) a dúvida tornou-se maior, pois existem muitas atividades desenvolvidas em sala de aula: projetos, sequências didáticas, correções de avaliações diagnósticas, cópias de produções; que marcaram minha trajetória no magistério e o amor à docência no serviço público estadual, aos quais sinto imenso orgulho e prazer.

      Com tantas possibilidades em vista, optei por relatar uma experiência fantástica ao trabalhar (com uma turma de nono ano com competências e habilidades abaixo do básico) uma sequência didática onde o objetivo era transformar uma “notícia em artigo de opinião” partindo de recortes do gênero extraídos de revistas e jornais recentes.

        A ideia de utilização dos gêneros inseridos na esfera jornalística deu-se pelo fato de saber o quanto esses desempenham papel de relevância na formação da opinião pública, na circulação dos saberes e compartilhar informações diversas. Por isso, sempre procurei realizar atividades que possibilitassem ao aluno a organização do pensamento crítico por meio desses gêneros, a fim de que eles possam analisar a influência que a mídia exerce na sociedade.

          Para tal proposta defini os objetivos segundo o currículo e tracei as habilidades e competências as quais julguei de suma importância para tornar meus alunos aptos para ingressar no Ensino Médio Regular: confrontar diferentes impressões e interpretações sobre um tema ou uma situação dada; comparar impressões divergentes e interpretações diversas sobre as características discursivas referentes ao gênero artigo de opinião; reconhecer, numa situação discursiva, elementos que caracterizam a tipologia “argumentar” e do gênero artigo de opinião; desenvolver o processo de produção textual como um conjunto de ações interligadas; utilizar conhecimentos sobre a língua para elaborar textos argumentativos; identificar e diferenciar notícia de artigo de opinião.

          De acordo com Dolz e Schneuwly (2004), trabalhar com gêneros, requer a elaboração de um modelo didático do gênero a ser ensinado, construído a partir da análise das características comuns de um grupo de textos. Trabalhar na perspectiva de agrupamento de gêneros possibilita aos alunos o desenvolvimento de capacidades de linguagens globais como narrar, relatar, argumentar, expor e descrever ações.

        Para iniciar o diálogo com a classe, expus aos alunos a importância da aprendizagem da leitura e da escrita, pois aquele que não consegue desempenhar bem essas habilidades; estará assinando seu atestado de incompetência letrada e, consequentemente será mais um excluído na sociedade.

         Na sequência fiz a exposição do trabalho a ser desenvolvido, reforcei o motivo e os objetivos pelos quais iríamos construir aquela atividade, falei da importância da participação e o compromisso de todos.

        Entreguei-lhes uma xérox com todas as etapas que deveriam ser seguidas para atingirmos nossos objetivos explicando passo a passo cada uma delas. Esclareci medos e inseguranças da turma e procurei encorajá-los ao máximo, ilustrando uma passagem da função autor, utilizando como referência um fragmento de texto do mestre Foucault (1992) "O que é um autor?”.

            Apesar de não existir nada novo com relação à aprendizagem dos gêneros, pois disseram que já os conheciam, então resolvi levar para sala de aula várias revistas contendo notícias e artigos de opinião, coloquei as revistas sobre uma enorme mesa coberta por uma toalha improvisada com TNT e montada a partir do agrupamento com carteiras, fiz a disposição das revistas de forma colorida e harmônica para propiciar a curiosidade pela leitura e motivação à atividade planejada.

          Convidei-os a observação das revistas, somente a capa inicialmente, em seguida segundo a curiosidade deles deveriam escolher uma delas e levar para folhear e ler (silenciosamente) notícias e artigos de opinião.

       Finalizada a leitura solicitei que viessem pegar outras revistas para efetivamente selecionar o assunto sobre o qual eles queriam escrever. Propus novamente a leitura das revistas.  

      Após isso solicitei que escolhessem parceiros para discutirem sobre as escolhas feitas e assim, pudessem encontrar colegas que compartilhavam as mesmas afinidades de ideias.

      Posteriormente solicitei que os alunos (em duplas) identificassem e recortassem o gênero notícia e artigo de opinião colocando-os nas respectivas colunas, conforme o quadro (elaborado com papel pardo) afixado na lousa para esse fim.

      Muitos conseguiram identificar ambos os gêneros, outros somente o gênero notícia, os demais foram poucos que conseguiram distinguir os dois gêneros. Interpretando que era preciso ir além com as minhas explicações, isso não me aborreceu, ao contrário; serviu de norte para eu prosseguir com meus objetivos.

    Na perspectiva de uma melhor compreensão levei para sala de aula diversos recortes de textos contendo os gêneros em questão extraídos de jornais e colados em folha de papel sulfite branco, escolhendo de forma aleatória entreguei-os para cada aluno, todos receberam as duas versões dos gêneros. Solicitei para que fizessem a leitura silenciosamente.

          Enquanto isso; preparei o aparelho de retroprojetor, computador e os vídeos (previamente selecionados) contendo uma explanação, distinção, definição, e ilustração entre os gêneros.

           Depois solicitei para que eles guardassem sob as carteiras deles as folhas recebidas. Disse o que faríamos a seguir e utilizei mais esse recurso visual (vídeo) com o intuito de reforçar a aprendizagem.

         Terminada a apresentação reforcei mais claramente o assunto com exemplos do cotidiano da classe, contextualizando situações corriqueiras e ao mesmo tempo fazendo a transposição dos gêneros. Indaguei-os para saber se haviam entendido o que era um e outro gênero (suporte, local social, linguagem utilizada, os tempos verbais, a concordância, a construção dos parágrafos, quais elementos comuns e diferentes entre os gêneros, entre outros aspectos fundamentais para a produção). Refletindo sobre as respostas apresentadas observei que haviam compreendido, percebi que podia dar continuidade à proposta, e assim fiz.

           Para essa etapa entreguei-lhes nova folha de xérox contendo 10(dez) perguntas: 05 (cinco) objetivas e cinco (5) de múltiplas escolhas sobre ambos os gêneros. Solicitei a todos que lessem novamente os textos e respondessem as questões sobre os textos selecionados.

          Após as respostas serem corrigidas oralmente, procurei observar quais questões traziam mais dificuldades para eles e notei que a dificuldade gerava em torno da interpretação, pois nas questões objetivas não houve muitas dúvidas, porém nas de múltiplas escolhas, boa parte da turma acertou em média duas a três questões no máximo (eu esperava mais).

         Então decidi fazer uma atividade voltada só para a leitura e interpretação do enunciado das questões do SARESP. Diante do problema, novamente pensei em outra saída para fazê-los entender e praticar a interpretação de texto. Procurei estudar, e refletir ainda mais sobre como encontrar a solução. “(“...) é tomar uma posição própria a respeito das ideias enunciadas, é superar a estrita mensagem do texto, é ler nas entrelinhas, é forçar o autor a um diálogo, é explorar a fecundidade das ideias expostas, é cotejá-las com outros, é dialogar com o autor (...) SEVERINO, 2007, p. 94.

        Passamos a trabalhar a interpretação dos enunciados de cada questão de múltipla escolha e quando percebi que estavam prontos, apliquei a mesma avaliação, mas, não da mesma forma, utilizei uma linguagem diferente da inicial, e para minha surpresa; houve somente dois casos de erros, mas eram alunos não alfabetizados, e isso já era de se esperar (embora não aceitasse).

       Prosseguindo, dividi a sala de aula em grupos contendo seis alunos, em cada um deles, no total consegui seis grupos, depois aleatoriamente coloquei alguns recortes (retirados do quadro) e coloquei-os dentro de uma caixinha, esclareci novamente o porquê da atividade e como realizaríamos o “júri do contra” e do “a favor”, perguntei se haviam entendido, apesar de já terem efetuado as respostas por meio das questões objetivas, considerei necessário mais algumas explanações passo a passo de como funciona um debate.

      A tarefa era a seguinte: quando eu indicasse um grupo para apresentar seu representante, esse vinha à frente e retirava de dentro da caixinha o recorte de notícia a ser debatida pelos participantes.

       Esse representante fazia a leitura em voz alta e dirigia-se para o seu grupo para discutir com seus pares sobre os pontos favoráveis e contra aquela informação, ao mesmo tempo, os demais grupos ao tomarem conhecimento do assunto proposto, já iam se preparando para a discussão e redação do texto, conforme sua posição: favorável ou contra.

       Contemplando aquele cenário, (e já pensando no próximo passo) reportei-me a uma passagem do curso que muito me auxiliou; segundo Faraco, essa construção estética será guiada pelo princípio da exterioridade: o escritor se afasta de sua linguagem, para poder manipular a linguagem de forma deslocada.

     Esse exercício de afastamento, de trabalho com a linguagem como forma, resultará em um conteúdo esteticamente diferenciado. Estava muito curiosa e ansiosa para ver os resultados.

     Enquanto os alunos discutiam afixei no quadro um painel contendo a estrutura do texto dissertativo, quais eram as palavras que eles podiam usar para indicar o ponto de vista, como eles deveriam embasar a opinião e continuar o texto reforçando a tese sem perder a coesão e a coerência do texto, palavras que indicavam acréscimo, palavras que indicavam posição contrária, a importância do rascunho, da troca com os colegas antes de passar para o texto original, fiz a relação de conjunções que eles poderiam utilizar para apoiar sua posição, a necessidade de embasamento para comprovar as ideias apresentadas, o poder da persuasão, posturas adequadas ao debate, respeito às opiniões sem perder o foco do tema, pendurei um cartaz contendo os combinados (tempo de réplica e tréplica para cada grupo expor as opiniões, qualidade da linguagem utilizada no debate, nível de conhecimento sobre o assunto, etc.).

          Há estruturas que surgem das relações entre as frases, entre os parágrafos e, até, entre os textos que a gramática tradicional não dá conta e tais estruturas merecem abordagem no cotidiano escolar. Além disso, há o aspecto social da língua que, como organismo vivo e pulsante, se transforma a toda hora e relaciona os textos, literários ou não, com o momento de produção e de leitura. (PCESP, 2008, p. 44).

        Segundo Kleiman (2006, p. 25), “as nossas atividades são realizadas no mundo social, em situações concretas, e é através da linguagem, nas suas diferentes modalidades, que realizamos muitas das ações que nos interessam”.

       Partindo desse pressuposto, fomos colocar a os conhecimentos obtidos em prática efetiva, e não poderia ter sido melhor confesso que eu mesma não acreditei que pudesse ter dado tão certo, até os casos dos alunos “não alfabetizados”, conseguiram emitir opiniões convincentes, achei que foi mais interessante do que eu mesma pensava.

         Tudo aquilo foi êxtase para mim, pois podia ver nos olhos deles a vontade de dialogar tentando negociar e manter sua posição sobre as notícias apresentadas, inclusive disseram que foi uma das aulas mais interessantes que eles tinham tido.

         Enfim senti-me segura para iniciar a etapa final do trabalho: “A hora da produção textual”, momento pelo qual eu poderia comprovar na escrita se houve de fato a compreensão e distinção sobre a estrutura e os objetivos dos gêneros estudados.

            Para tanto, retomei com a classe as características do gênero, enfatizando o teor crítico e analítico do gênero, abordei em linhas gerais sobre a importância das idas e vindas do processo de escrita durante a produção textual, pois mesmo os grandes escritores, escrevem e reescrevem seus textos quantas vezes for preciso para que fiquem claro o que o autor quis expor em seu livro, pois esse recurso é um processo natural de construção e reconstrução que a linguagem escrita exige.

         Depois reforcei as características do gênero artigo de opinião, bem como; expliquei-lhes a postura que deviam tomar enquanto produtores do texto (função autor) e articulistas, tais como assinar o artigo, assumira autoria das opiniões emitidas, definir o público alvo, a impessoalidade, a linguagem adequada ao perfil do público leitor, o suporte (midiático, científico, esportivo, pedagógico, econômico, político, entre outros) em que o artigo seria veiculado.

         Não foi nada fácil, a cada dia que terminavam as aulas no nono ano “A e B”, eu estava esgotada, porque para auxiliar alguns alunos eu tive que sentar lado a lado para puxar as palavras que eles queriam utilizar, mas não sabiam como escrever, ou não sabiam como inserir as mesmas no texto, outras vezes não queriam continuar, pois estavam cansados da mesma atividade todos os dias, enfim eu tinha planejado um tempo de duração para um mês, no entanto essa SD durou cerca de um bimestre para a finalização de acordo com minhas expectativas. Procurei motivá-los alegando que o rascunho do texto e a escrita oficial do texto contavam nota para avaliação bimestral.

             Durante esse processo de envolvimento da atividade com a turma não pude abrir espaços para conversas paralelas, e não sabia que um dos alunos que estava no processo de recuperação curricular já estava lendo e escrevendo, mas para minha surpresa, ele sentou-se na cadeira que dispus ao meu lado para tirar dúvidas dos alunos, e solicitou a minha ajuda para concluir um raciocínio.

            Nem sei descrever o que passou pela minha mente, foram tantas sensações de frustações antes de ver o que havia escrito naquele caderno, mas quando ele abriu a página e eu vi o progresso que ele alcançara quase tive um surto de alegria, faltava tão pouco para que o texto dele ficasse perfeito, que bastaram poucas complementações, questões de ortografia (o uso de s, ss., repetição de palavras, algumas redundâncias e alguns vícios de linguagem, mas no geral o texto estava perfeito, compreensível, legível, coeso e coerente), ou seja, nós atingimos nossos objetivos.

          Concluindo: então me veio á memoria o caso do aluno que não era alfabetizado, mas na hora do debate soube efetuar sua argumentação de forma clara, concisa e convincente causando impacto e muito espanto de todos.

          De repente eu estava agora ali, diante dele, podendo confirmar que valeu a pena todo o esforço durante o bimestre. Para completar minha alegria e satisfação esse aluno agora já está escrevendo com muita desenvoltura e suas produções deixam claro que escrever é uma arte muito difícil, no entanto, podemos fazer dessa difícil arte, uma arte de aprendizagem contínua e ímpar.

REFERÊNCIAS:

BAKHTIN. M. Questões de literatura e de estética. São Paulo: Editora da UNESP, 1993.

COSTA VAL, M. G. “Texto e in textualidade”. In: Redação e textualidade. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

DOLZ, J. e SCHNEUWLY, B. Gêneros e progressão em expressão oral e escrita. Elementos para reflexões sobre uma experiência suíça (francófona). In “Gêneros Orais e escritos na escola”. Campinas (SP): Mercado de Letras; 2004.

ESTRELA, A.; SOUSA, O. "Competência textual à entrada no Ensino Superior". In: Rev. Est. Ling., Belo Horizonte, v. 19, n. 1, p. 247-267, Jan./jun. 2011.

FARACO, C. A. "Autor e autoria". In: BRAIT, B. (org.) Bakhtin: conceitos -chave. São Paulo: Contexto, 2010.

FOUCAULT, Michel. "O que é um autor". in: MOTTA, Manoel Barros (org.). Estética: literatura e pintura, música e cinema / Michel Foucault. Trad.: Inês Autran Dourado Barbosa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.

GERALDI, João Wanderley. Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes, 2013.

ORLANDI, E. Interpretação: autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. Campinas: Pontes, 2004.

KLEIMAN, A. B. Leitura e Prática Social no Desenvolvimento de Competências no Ensino Médio. In: BUZEN, C. & MENDONÇA, M. (orgs.) Português no Ensino Médio e Formação do Professor. São Paulo: Parábola, 2006. p. 23-36.

RIOLFI, C. et al. Ensino de Língua Portuguesa. São Paulo: Thomson Learning, 2008.

SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 23. ed. São Paulo: Cortez, 2007.

(PCESP, 2008, p. 44).

WEBGRAFIAS

Estudos no line- MGME - Aprofundamento de Conteúdos e Metodologias - Língua Portuguesa - 1a edição/2013 acesso set de 2013.

POSSENTI, S. Reescrita de textos: sugestões de trabalho. Brasília: MEC, 2008. Disponível em: http://www.iel.unicamp.br/cefiel/alfaletras/biblioteca_professor/arquivos/62Reescrita_de_texto.pdf. Acesso em: 16/09/2013/03h14hm.

Read more: http://atelierdeducadores.blogspot.com/2011/10/analise-textual-tematica-e.html#ixzz2ezr2hKJr acesso em 15/09/13/ ás 06h18min.