Fui convidado para ser padrinho e, como se sabe, é solicitado que participamos daqueles cursos de batismo, um dia antes do batizado, propriamente dito.
O fato é que fiquei perplexo com o que ouvi na Igreja Santa Catarina, em São Leopoldo. Percebi que os palestrantes usavam um discurso dogmático sem ter conhecimento de cultura, processo histórico, nem visão crítica dos acontecimentos passados, talvez, também, isso nem seja o papel da igreja. Me recordo agora de uma expressão, que levavam os fiéis a entenderem que, após o nascimento de Jesus Cristo, o mundo estava disposto a melhorar e que, antes de sua existência, não há mínima importância, como se o mundo começasse naquele momento, não é toa que nosso calendário gregoriano vem com esse viés.
Minha crítica com essa visão, é que negar o passado antes de Cristo é desconsiderar mais de 99% da história humana e negligenciar a legitimidade das vidas de nossos antepassados que, muitas de suas crenças e valores, ecoam, até hoje, em nossas memórias. Evidentemente, se eu entro em uma igreja, eu não devo esperar um discurso histórico, mas o mínimo que eu peço é respeito por milhões de seres humanos que não conheceram e nem sequer ouviram falar de Cristo, respeito por suas religiões e seus modos de vida, que estavam longe de estar próximo de Satanás, apenas inseridas em outro tempo e outra lógica de mundo.
Um dos palestrantes do curso teve a infelicidade de mencionar sua insatisfação com nosso famoso Big Brother Brasil. Ele afirmou, dessa forma, que os participantes e os espectadores são "um bando de idiotas!" representando tudo que é de ruim para os seres humanos e que não é "coisa de Deus". Primeiramente, considerei incabível a realização desse tipo de comentário dentro de uma igreja e fora de propósito para um curso de batismo. Não estou defendendo o programa, mas ao meu ver, a importância do BBB se enquadra para entendermos o tipo de entrenimento que a massa brasileira do século XXI se diverte. Explicando melhor: se formos para Idade Antiga e queremos saber os que os gregos gostavam de fazer nas horas vagas, constatamos que se reuniam em teatros, por exemplo. Dessa forma, se algum historiador daqui uns 200 anos, se disponibilizar a realizar um estudo sobre o que os brasileiros do ano de 2010 gostavam de assistir ou se divertir, com certeza o nosso reality show estaria presente. Por isso, esse tipo de programa é crucial para entendermos a mentalidade da nossa nova geração de brasileiros. Reconheço a existência de críticas a programas como esse, mas devemos admitir que ele está inserido na estrutura de nossa cultura, assim como as novelas, por exemplo.
Nos direcionamos para a questão de serem chamados de idiotas quem assiste ou quem participa. Bom, provavelmente, se o filho dele fosse um participante, ele não mencionaria essa frase no curso. E ,em segundo lugar, eu ficaria profundamente chateado se Deus viesse nesse mundo e visse tantos problemas em nosso planeta, tanta coisa para resolver e entrasse na igreja e me dissesse : "Tu es um idiota por que assiste o BBB".
Acredito que, a representação de "ser cristão" atualmente não é mesma da época de Jesus, e é exatamente isso que esses palestrantes não compreendem, ou seja, não seremos menos cristãos por gostarmos de assistir futebol, BBB e a novela das 8, ao invés de estarmos fazendo o que os seguidores de Jesus em sua época faziam quando chegavam do trabalho. Devemos admitir que nossa época é outra, assim como não podemos deixar de ser considerados gaúchos porque não andamos pilchados e nem tomamos chimarrão todo dia, como os grandes estancieiros do século XVIII.
No entanto, gostei do discurso do padre, no outro dia, após o curso. Este sim possuía conhecimento sobre cultura e mudança de mentalidade. Ele admitiu que os leprosos, na época de Cristo, eram excluídos dos muros das cidades não por que essas pessoas não eram tementes a Cristo que, segundo a crença cristã curava os doentes, mas que, naquela época, a mentalidade dos homens se efetivava dessa forma. E se hoje nós não tratamos mais os leprosos dessa maneira e achamos que devem ser submetido a um tratamento médico, é por que a própria história da lepra possui um processo histórico intrínseco que nos leva hoje a ter esse tipo de opinião, que não era mesma para as pessoas que viviam a dois mil anos atrás.
Termino esse ensaio enfatizando para não desmerecermos quem não viveu na nossa época e quem não pensa como nós pensamos. O passado sem Cristo não é um passado inválido aliado ao Diabo, simplesmente, uma outra realidade que não deve ser julgada e sim compreendida.