“Twittando” literatura: um quanto de microconto nas mídias sociais1 

Tércio de Abreu Paparoto2

RESUMO

O presente artigo apresenta um panorama acerca das produções textuais sob diálogo criativo com as mídias sociais, notadamente de valor literário como os contos, tendo a ferramenta Twitter como instrumento de veiculação, de incentivo e de socialização.

 

PALAVRAS-CHAVE: Mídias Sociais – Twitter – Literatura – Criação Literária – Contos

 

 1Artigo desenvolvido sob o tema central de pesquisa – “Mídias Sociais: Tendências e Desafios da Comunicação em Rede”-, fazendo parte de grupo de trabalho das Faculdades Anhanguera-SP, financiado pela FUNADESP-2012/2013

2 Doutor em Literaturas Africanas de Língua Portuguesa (USP), Professor e Pesquisador ;  Anhanguera Educacional e FUNADESP-Fundação Nacional de Desenvolvimento do Ensino Superior Particular – E-mail: [email protected]

Introdução_____________________________________________________________

 

            Não é de hoje que ferramentas tecnológicas como o Twitter emolduram o moderno cenário do cotidiano como mais uma das diversas faces possibilitadoras da criação.

            Muitas das denominadas “mídias sociais” extrapolaram determinados valores de usos, permitindo que muito dos seus visitantes estabelecessem relações para além da forma de uma simples página que se estrutura, comumente, em perfil pessoal, acompanhada de um punhado de mensagens e/ou imagens (neste caso, fotos e vídeos).

            Com a chegada do Twitter, o conceito de escrita nas redes mudou muito. Sabe-se que, apesar do exíguo espaço que essa ferramenta oferece – o dos desafiadores 140 caracteres – muito se tem pensado – no que diz respeito à criação -, sobre as diversas possibilidades de produção artística nesses limites.

            E, com os novos horizontes para se estabelecer o processo de criação, surgiram também possibilidades novas no campo pedagógico. Educadores, professores e coordenadores pedagógicos viram na ferramenta um instrumento mágico para estimular o aprendizado de nosso idioma bem como o de articular esse aprendizado por meio de processos criativos, que não só atraiam os estudantes, mas que dê a eles a oportunidade de exercitarem as habilidades linguísticas.

            Além dessa construção de um novo perfil pedagógico para o aprendizado da Língua Portuguesa, pela via da produção textual que associa as bases curriculares com os caminhos da criatividade, é importante frisar o papel fundamental que o Twitter vem exercendo nos segmentos interessados em Literatura- e de qualidade – diga-se. Grupos de interesse comum, assim como autores-produtores solitários, hospedam-se nessa plataforma entendendo-a como uma nova tendência do processo de comunicação, instigados pelo desafio da síntese da ideia.

            Como se verá adiante, muitas experiências escolares, muitos concursos literários, festivais e eventos que façam uso da produção textual, já são uma realidade via Twitter, como é o caso da acadêmica Daniele Freitas, que foi finalista do evento “TOC 140 – Poesia no Twitter”, evento este que integrou a Festa Literária de Pernambuco em 2011, para citar um entre vários exemplos.

            Para que organizemos a leitura deste artigo, ressaltemos a necessidade de se apresentar, ainda que de forma breve, um panorama histórico dessa tão dinâmica mídia, bem como algumas de suas características mais comuns. Em seguida, apresentar-se-á uma reflexão bastante ampla sobre a natureza do gênero literário conhecido como “conto” e como ele pode se “hospedar” (e ser compreendido) numa realidade tão exígua que configura o espaço da postagem do Twitter. Sequenciaremos com as produções criadoras e criativas nas teclas de escritores “solitários” ou organizados em comunidades afins e, por último, os interessantes reflexos pedagógicos que essas manifestações têm gerado.

2. Twitter: breve histórico e caracterização__________________________________

            Embora “entrando para o clube” das mídias sociais, o Twitter não pode ser considerado como mais uma ferramenta que surgiu no mundo virtual. Já completando cinco anos de história, ela surge com uma pergunta logo em sua primeira página: What’s happening, isto é, há de início um processo de interatividade (e instantaneidade) com o usuário, perguntando-lhe o que ele está fazendo exatamente naquele momento. Mais: sua resposta tem que ser estruturada no famoso (reduzido) espaço de 140 caracteres.

            Entretanto, enganam-se os que pensam que o Twitter  tem somente a finalidade de registrar o que se passa com seu usuário “para que outros fiquem sabendo”. Seria muita ingenuidade, para não dizer limitação, pensar que uma ferramenta como esta viria à luz só com a finalidade de se moldar a um “diário instantâneo” por meio do qual são registrados tão-somente acontecimentos dispersos e sem profundidade. Ele surgiu com a ideia de ser um blog – ou melhor -, um microblog, pelo qual se apresenta uma quantidade inimaginável de textos configurados em vários gêneros. Bilhetes, recados, registros de ordem diversa, máximas, ditados populares, citações, pensamentos vários, textos de natureza poética e, sobretudo, contos – sim, contos! (ou micro-contos)-, são realidade no ínfimo espaço desafiador do pensamento. O interessante é que este microblog – por meio de suas várias utilidades – permite que seus usuários “sigam” outros “fontes” de informação e, em contrapartida, sejam também “seguidos”, ou seja, trata-se de uma nova forma de “compartilhamento fiel” às novidades que transitam de forma instantânea pela rede. Com as novas tecnologias, essa nova realidade de “compartilhamento” torna-se ainda mais stand-by com a presença dos smartphones, soando como uma espécie de ode ao real-time das atualizações que essa mídia permite.

            O Twitter veio à luz em 2006, criado por Jack Dorsey, Evan Willians e Biz Stone, após estes dois últimos saírem da gigante Google. A ideia inicial era a de que fosse uma espécie de veículo de troca de status. Inicialmente denominado de “Status”, a ferramenta nasceria com a intenção de troca de mensagens rápidas e instantâneas, como os sms dos telefones celulares, sendo o usuário avisado por uma espécie de twich – um sinal vibrante. Embora esta palavra inglesa já se assemelhasse ao nome atual do microblog, ainda não agradaria seus idealizadores.

Entretanto, a palavra não agradou, pois não mostrava exatamente o que era o serviço. Ao buscar nomes parecidos no dicionário, Dorsey e os outros encontraram a palavra twitter, que em inglês tem dois significados: “uma pequena explosão de informações inconsequentes” e “pios de pássaros”. Ambos combinavam perfeitamente com o conceito. (TECNOMUNDO: 2012, p.1)

 

            Em 2007, essa ferramenta toma forma final. E sua consagração viria com o evento South by Southwest (SXSW), evento este que reúne novos talentos no campo da imagem e som. Nele, fora colocada uma tela de 60 polegadas no centro do evento que acompanhava as mensagens trocadas por meio da nova revelação – o Twitter. O interessante é que todos se comunicassem em tempo real por meio de mensagens curtas.

            A ideia fortificou-se e a realidade das mensagens curtas, sucintas, agradou o gosto dos milhares de novos usuários. O que poderia parecer algo “incômodo” pela estrutura restrita para o registro de mensagem, tornou-se uma paixão. Paixão pela funcionalidade, paixão pela instantaneidade, paixão pela simultaneidade, paixão pelo desafio. Sim, desafio para uma nova feição do processo comunicacional. É importante ressaltar que seus criadores conseguiram manter a fidelidade às concepções iniciais – a de troca de mensagens curtas, como os SMS’s -, proporcionando uma maior agilidade e rapidez no compartilhamento de informação.

3. O “conto”: um gênero para as mídias sociais?_____________________________

            Não se pretende neste artigo tomá-lo, em sua maior parte, para uma reflexão mais profunda sobre gêneros literários, sobretudo no que diz respeito à complexidade inerente ao conto. Tampouco se quer aqui pousar nas aras acadêmicas concernentes às áreas das Letras. De todo o modo, entende-se prudente e reto esmiuçar, ainda que de maneira breve, um pouco da reflexão que se faz sobre a “forma” literária denominada “conto”. O intento deste texto é pensar como se processam os mecanismos comunicacionais utilizando-se as mídias sociais. A criação/criatividade literária, sem dúvida, é pauta nessa discussão e, por isso, faz-se necessário tanger conceitos que se somam ao fulcro deste artigo.

            Anteriormente se disse aqui que o dinamismo que alinhava o processo comunicacional no Twitter é entendido como um grande desafio. Pensado como ferramenta para contatos imediatos, essa mídia agregou outras possibilidades de interação/integração, permitindo uso mais abrangente, coincidentemente aquele de caráter criativo, como a “escrita” de valor para além da significação imediata, objetiva, isto é, uma escrita com multi-siginificação.

            Se escrever no Twitter já é uma forma desafiadora de se expressar, imagine-se construir um texto entendido como “conto”, de natureza nada simples, sob as fronteiras dessa plataforma midiática. Como pensar em formas comunicacionais dessa natureza, “podando” ao extremo elementos compreendidos como singulares para a nitidez dos contornos literários entendidos como...conto?

            Para aproximarmos um pouco o leitor leigo das reflexões que se tem sobre o gênero em questão, apresentar-se-ão aqui dois pensamentos que podem nos dar uma ideia do que pode caracterizar um conto. Um deles, de forma mais didática e abrangente, tenta “imediatizar” sua compreensão. Já outro, de modo pouco mais maduro, reporta-se numa ponderação mais zelosa.  

            Didaticamente, o conto parece ser um gênero mais “simples” porque se pauta por um único conflito, uma única trama, ao contrário de outras formas literárias, como o romance, que pode trazer uma “malha” de elementos conflitantes em seu enredo. É como se alimentasse por meio de uma única “célula dramática”. A questão temporal da narrativa não leva muito em conta referentes passados ou do futuro, e sim o pulsar do presente, do momento. O espaço do fio narrativo, dá-se como um funil, é único, como que proporcionando um movimentar das ideias nos limites do seu “turbilhão”, portanto é mais restrito. Pela natureza dessa dinâmica, tenta-se levar ao leitor numa única impressão sobre o desenrolar dos fatos. Em resumo muito imediato – diga-se-, ele traz, em sua estrutura, os seguintes elementos: uma ação, um lugar, um tempo, um “tom”, que é o efeito dramático que o produtor do texto traz a partir de suas habilidades linguísticas. De forma breve, apresentemos tão-somente um recorte para exemplificação. Para tanto, citamos o conto de Mário de Andrade, cujo título é “O poço”. Nele, encontramos um parâmetro para solidificar as informações anteriores e, principalmente, nosso tema. Trata-se de um fazendeiro – Joaquim Prestes – dono de poder político e de índole autoritária, que decide construir um pomposo pesqueiro em suas terras. Manda erguer, também, uma grande e elegante casa e, quando tudo está pronto, intenta abrir um poço. Para a empreitada, reúne seis de seus vários empregados que, devido a época – era julho e estava muito frio-, não gostam de ideia, com medo de contraírem maleita. E tal tarefa não era em nada exemplo de salubridade. Pois bem. O fio narrativo gira em torno do momento em que o patrão, numa de suas intervenções ditatoriais, resolve observar o serviço e, descuidado, deixa cair no buraco do poço a caneta tinteiro, que repousava em um dos bolsos de sua camisa. Em tempo: o conto tem sua “coluna cervical” na relação ditatorial do patrão-mandão com seus subordinados, obrigando-os a pegar o objeto– de todo o modo e sem condições mínimas de segurança e de saúde, já que se tratava de lugar úmido, escuro e frio-, estúpida e insistentemente.

                        O grande desafio do escritor é passar uma impressão de “universalidade” de significações/simbologias a partir de uma única situação, conforme exposto anteriormente, isto é, uma ação: a busca da caneta no poço; um lugar: o buraco do futuro poço; um tempo: momento presente, a referencialidade do mês de julho e um tom: as significações que emanam da ação principal, tais como a relação ideológico-dialética indireta entre patrão/empregado, o significado de “poço”, como metáfora da condição humana por causa da busca de um objeto (que, diga-se, ele possuía em grande quantidade), a evolução da linguagem no desfiar da narrativa etc. Vejamos um trecho do interessante texto de Mário de Andrade:

Ali pelas onze horas da manhã o velho Joaquim Prestes chegou no pesqueiro. Embora fizesse força em se mostrar amável por causa da visita convidada para a pescaria, vinha mal-humorado daquelas cinco léguas cabritando na estrada péssima. Alias o fazendeiro era de pouco riso mesmo, já endurecido pelos setenta e cinco anos que o mumificavam naquele esqueleto agudo e taciturno [...] Essa é boa!... Eu é que não posso ficar sem minha caneta-tinteiro! Agora vocês hão de ter paciência, mas ficar sem minha caneta é que eu não posso! têm que descer lá dentro buscar! Chame os outros, Albino! E depressa! que com o barro revolvido como está, a caneta vai afundando!! (ANDRADE: p. 40-55)

 

                Pelo trecho, posiciona-se o leitor num único espaço – pesqueiro/poço-, e, como um “epicentro”, deriva-se, por um fio tensor, uma conjugação de personagens e ações que edificarão a trama central, no caso a busca insana por uma caneta e, por ela, a construção habilidosa do leitor que poderá alinhavar ilações diversas por meio de ícones que o escritor cria.

            Contudo, alguns pensadores da criação literária alertam para a necessidade de se ponderar sobre a essência do(s) significado(s) de conto. José J. Veiga, no site www.diaadiadaeducacao.pr.gov.br, afirma que uma definição do gênero conto ainda não foi encontrada e que isso não afeta a qualidade de sua produção. Diz ele que

[...] a definição definitiva do que seja conto ainda não foi encontrada – e parece-me que jamais será. Mas terá importância essa falta de uma definição abrangente? Acho que não tem nenhuma - porque conto é uma criação de mil faces e mais algumas: portanto, é mesmo indefinível, e assim deve continuar. Essa diversidade incapturável é justamente o que faz do conto um desafio a quem escreve ficção. Por isso é que o conto, quero dizer, o bom conto, está sempre sendo reinventado e constantemente exasperado a quem tenta defini-lo. (VEIGA: 2002)

                Vale ressaltar nesse pensamento de J. Veiga o valor de “desafio” – termo por aqui bastante respeitado- que tem a produção escrita que se pretende do gênero conto. Alfredo Bosi, em suas belíssimas intervenções sobre o fazer/pensar literário, contribui com esse cuidado no trato da conceituação de gêneros. Diz o professor Bosi:

O conto cumpre a seu modo o destino da ficção contemporânea. Posto entre as exigências da narração realista, os apelos da fantasia e as seduções do jogo verbal, ele tem assumido formas de surpreendente variedade. Ora é quase-documento folclórico, ora quase-crônica da vida urbana, ora quase-drama do cotidiano burguês, ora quase-poema do imaginário às voltas, ora, enfim, grafia brilhante e preciosa voltada às festas da linguagem. (BOSI: 2006, p. 39)

            Ainda no vão dos pensamentos de Bosi, O conto brasileiro contemporâneo, reforça o poderio que tem tal gênero em condensar numa pequena extensão a complexidade que tem o caminhar ficcional típico de outros tão “maiores” gêneros, como a novela e o romance, por exemplo.

"[...] já desnorteou mais de um teórico da literatura ansioso por encaixar a forma- no interior de um quadro fixo de gênero. Na verdade, se comparada à novela e ao romance, a narrativa curta condensa e potencia no seu espaço todas as possibilidades da ficção.(BOSI: 2002, p. 34)

            Outra grande (e histórica) referência das letras de língua portuguesa é Afrânio Coutinho que nos empresta suas palavras, retiradas de sua Enciclopédia da Literatura Brasileira,  para encerrarmos este item. Diz Coutinho que “O contista oferece uma amostra através de um episódio, um flagrante, ou um instantâneo, um momento singular e representativo”.

Portanto, com a proliferação das mídias sociais na rede, ofertando possibilidades as mais variadas para se estabelecer conexões diversas de comunicação, deflagram-se inúmeras formas de registro – notadamente o verbal -, que, instigado por um universo criador, coloca como senha o desafio da criação literária em curto espaço físico. Quem o enfrentará?

3. 140 caracteres: entre a síntese e a sugestão________________________________

            A grande questão que aqui nos vem é: há possibilidade de se conjugar a complexidade da natureza de um conto com a “raquítica” soma de 140 caracteres? Como falar em “conto” numa mídia como o Twitter? Mais: como falar em “microconto” se o conto já é, por si só, uma “estrutura reduzida”?

            Tais indagações, somadas, chegam a um resultado final: o desafio. Embora aqui presente algumas vezes, a expressão, com sua instigante significação, propiciou o aparecimento de “tuitteiros” que, por meio de concursos e outros eventos, como o da Academia Brasileira de Letras, em 2010, puseram todo o poder criativo para funcionar.

            Mas por que a palavra “microconto”? Poderia se falar, então, em algo ainda menor, como “nanocontos”? Assim como já refletimos acima sobre a dificuldade de se definir o gênero conto, com essas outras terminologias não poderia ser diferente. Mini, micro ou nano são prefixos que podem muito bem gerar algumas discussões. Assim, já se falou em 50 caracteres para os nanocontos, até 150 para os microcontos e uma página para os minicontos. Mas é de bom senso não se entender o gênero – levando-se em conta sobretudo os padrões oferecidos pelas mídias sociais -, sob um parâmetro que leva em consideração o número de caracteres. Fiquemos com Mário de Andrade que afirmava que “conto será sempre aquilo que seu autor batizou de conto”. É mais fácil, pois.

            Apesar de nosso eixo temático versar sobre a produção literária em algumas plataformas como o Twitter, muito antes do aparecimento da internet já se falava na possibilidade de se escrever algo tão sucinto como os microcontos. Há registro de fábulas chinesas curtíssimas consideradas como microcontos. Um pouco mais adiante, em 1959, o guatemalteco Augusto Monterroso produziria um dos primeiros textos literários de nossa era considerado como microconto, e que, curiosamente,  possui uma única frase: “Cuando despertó, el dinosaurio todavía estaba allí” (quando acordou, o dinossauro ainda estava lá). Há outros registros de autores que se aventuraram na escrita sucinta, tais como Franz Kafka e Ernest Hemingway, entre outros.

            O curitibano Dalton Trevisan foi, sem dúvida, o marco inicial deste (possível) gênero. Em 1994, viria à luz, pela Editora Record, seu livro Ah, é?, que traria em suas páginas uma espécie de “revolução pela concisão”. Por exemplo: “Só de vê-la — ó doçura do quindim se derretendo sem morder — o arrepio lancinante no céu da boca.” (texto 4, p. 13). Ou este outro exemplo:

Domingo inteiro em pijama, coça o umbigo. Diverte-se com os pequenos anúncios. Em sossego na poltrona, entende as borbulhas do gelo no copo de bebida. Uma velhice tranqüila, regando suas malvas à janela, em manga de camisa. Única dúvida: ganhará o concurso de palavras cruzadas? (TREVISAN: 1994, p.13-14)

           

            Muitas outras iniciativas que alvejavam essa questão dos textos curtíssimos se tornariam realidade, como em 2004, com a organização de Marcelino Freire. Os cem menores contos brasileiros do século, publicado pela Ateliê Editorial,  reuniria um número de autores brasileiros para criarem textos com até 50 caracteres. Portanto, a produção de textos concisos já instigava muitos “aventureiros das letras” muito antes do surgimento das instigantes mídias.

            De todo o modo, não se deve fugir das questões apresentadas acima. O que levar em conta, basicamente, para se entender uma postagem no Twitter como microconto? O elemento-chave aqui é a sugestão, isto é, o dizer implícito no curto fio tensor da narrativa. A concisão (concentração) máxima de significações em pouquíssimas palavras – como nos exemplos citados-, permite entender o texto como uma ferramenta poderosa de simbologias. Não se trata de afirmar tão-somente que pela “ausência” de uma composição mais longa tem-se o significado. Não. Mas justamente a beleza da ideia encontra-se na conjugação ausência/concisão desta estrutura verbal escrita que, diga-se, é o grande cerne do microconto, não só pelas poucas palavras, mas na condução delas por meio da inteligência do uso dos sinais gráficos, como a sutil marcação do ritmo pela pontuação, por exemplo.

            E, consoante a isso, deve se ressaltar o maior dos aspectos que vai além da escolha “cirúrgica” das palavras: o valor narrativo que elas têm que proporcionar, pois não haverá conto, tampouco microconto, se não houver narratividade. É preciso que haja uma história, é preciso contar uma história. E é aí que a maestria do texto –pela nuvem inebriante da sugestão- tem que casar o imediato do texto com o alcance imaginativo do leitor.

4. Os “seguidores da sugestão”____________________________________________

            Nessa perspectiva, amealhou-se um número considerável desses “escritores da concisão” e, a partir deles, uma rede de seguidores que entenderam a ideia como algo muito interessante. E, nesse ímpeto de se aventurar em um gênero literário com certas tons de complexidade – como o conto -, muitos autores e organizadores dessas produções multiplicam-se a cada dia.

            Alguns perfis destacam-se nos cento e quarenta caracteres como o @Literaturaemfoco (grupo de análise de textos literários, inclusive no Twitter), @semruido (do Coletivo sem Ruído), @microcontos (perfil organizado por Carlos Seabra), @marcelinofreire (organizado por Marcelino Freire), @tfmorales (organizado de Tiago Moralles), entre outros.

            É fato que, inicialmente, não se pensava possível o registro de textos com o lastro dos contos nem mesmo próximo da ideia deles. A natureza complexa da composição que pontua essa forma literária não se caracterizaria numa plataforma virtual com o perfil do Twitter, que reserva espaço ínfimo para textos que se pretendem maiores e mais amplos.

           

           

BIBLIOGRAFIA

ANDRADE, Mário de. Contos Novos. São Paulo: Melhoramentos, 1986.

BOSI, Afredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 2006.

___________ O conto brasileiro contemporâneo. São Paulo: Cultrix, 2002.

COUTINHO, Afrânio (org.). Enciclopédia de Literatura Brasileira. Rio de Janeiro: Fundação de Assistência ao Estudante, 1985, p.58.

TREVISAN, Dalton. Ah, é?. Rio de Janeiro: Record, 1994, p. 13-14.

VEIGA, José J. Entrevista ao site www.diaadiadaeducação.pr.gov.br. abril de 2002.

www.tecnomundo.com.br, 2012, p.1.