COMENTÁRIO AO ACÓRDÃO PROLATADO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.080.719 - MG (2008/0179393-5) JULGADO EM 10 DE FEVEREIRO DE 2009 PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 
I. CONSIDERAÇÕES INICIAIS QUANTO À MATÉRIA EM DISCUSSÃO NO ACÓRDÃO COMENTADO
Por meio do presente estudo, pretende-se analisar acórdão prolatado em julgamento de recurso especial interposto por Rafael Costa de Toni contra acórdão proferido em ação por ele ajuizada em face da Volkswagen do Brasil Ltda.Referida ação objetivou rescindir o contrato de compra e venda de um caminhão, o reembolso pelos valores pagos, recompor as parcelas pagas a terceiro arrendador e obter compensação por danos morais. Em primeira instância, o MM. Juízo deferiu a inversão do ônus da prova em decisão interlocutória. Essa decisão, no entanto, foi reformada pelo acórdão prolatado Tribunal de Justiça do Estado que deu provimento ao agravo de instrumento, segue a ementa in verbis:
“Segundo o artigo 2° do CDC, consumidor é o destinatário final do produto ou serviço, não se enquadrando nesse conceito a pessoa física ou jurídica que adquire capital ou bem a ser utilizado em sua cadeia de produção, pois, nesse caso, evidente tratar-se de insumo e não bem de consumo. Não se aplicando ao caso concreto o disposto no CDC, indevida a inversão do ônus da prova”. (fl. 133)
Em apertada síntese, pode-se afirmar que o Tribunal de Justiça do Estado entendeu que o caminhoneiro não deve ser reconhecido como consumidor, por não ser o destinatário final econômico do produtoEsse acórdão foi reformado pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, que conheceu do Recurso Especial interposto por Rafael Costa de Toni e lhe deu provimento.O recurso especial pauta-se na controvérsia existente sobre a amplitude do conceito de consumidor para o fim de obter o benefício da inversão do ônus da prova.Especificamente, a hipótese cuida de um caminhoneiro que adquiriu caminhão para desenvolver a sua profissão de motorista realizando fretes.No v. acórdão a Sra. Ministra Relatora Nancy Andrighi delimita o conceito de consumidor interpretando o que vem a ser o destinatário final e a vulnerabilidade econômica e técnica para a inversão do ônus da prova.Neste contexto é importante analisarmos os possíveis conceitos de consumidor a partir do caput do artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor e a extensão da vulnerabilidade para a inversão do ônus da prova.Assim, da análise deste acórdão, delimitaremos os comentários ao presente acórdão em três questões importantes, são elas: a) Quais os possíveis conceitos de consumidor a partir do Código de Defesa do Consumidor?b) Quais os princípios processuais de origem constitucional aplicáveis a tutela do consumidor?c) Em que momento deve ser reconhecida a vulnerabilidade para a inversão do ônus da prova? 
II – INTRODUÇÃO
Todas as vezes que em que tratamos de temas afetos aos direitos transindividuais, precisamos antes relembrar sua evolução histórica. Logo, não poderia ser diferente com o estudo dos direitos básicos do consumidor no Código de Defesa do Consumidor.Assim, antes de adentrarmos no tema é necessário realizarmos uma pequena digressão a respeito da modificação do pensamento humano e da sociedade no decorrer dos séculos para entendermos como evoluímos até esse momento.O rompimento com as monarquias absolutistas e o novo ideal trazido pela revolução francesa e, logo depois, pela a americana, de que todos os homens eram iguais e livres, faz surgir uma visão individualista na sociedade que, com o passar do tempo, evolui para um liberalismo econômico e social. Tal ideologia permitiu pensar que as pessoas eram capazes de tutelar seus próprios interesses e, com isso, tinham condições de escolher com quem contratar, como contratar e o que contratar.Diante desse panorama histórico o direito civil clássico é fortalecido com o surgimento do Código Napoleônico e de outros diplomas que garantem o individualismo e sua força nas relações contratuais.No entanto, com a revolução industrial e a massificação da sociedade, os contratos individuais tornam-se demasiadamente perigosos, pois passam a ser instrumentos de poder e de controle. É no período pós Primeira Guerra Mundial que a sociedade de consumo sofreu a primeira grande modificação. O esfriamento da máquina de guerra fez com que o Estado diminuísse a atuação no setor econômico, abrindo espaço para o desenvolvimento das indústrias privadas, principalmente nos setores de engenharia e de consumo básico. Isto ocorre diante da necessidade de reconstrução dos países devastados pela guerra, bem como daqueles que de alguma forma participaram economicamente de sua manutenção. Esse processo tornou-se ainda mais intenso e evidente após a Segunda Guerra Mundial. O termino da guerra, aliado ao crescimento industrial e a expansão das rodovias e ferrovias americanas, que tornou o transporte mais rápido e eficiente, fez nascer um grande mercado consumidor tanto dos bens duráveis como dos não duráveis. O mundo de maneira geral experimenta um crescimento desordenado como forma de recuperação econômica.Surgem as grandes sociedades que exigem a padronização como método de controle.Na América Latina o fenômeno de consumo desenvolveu-se de maneira mais significativa com o termino das ditaduras totalitárias. Hoje, não com as características tão acentuadas quanto a dos países tidos como desenvolvidos, já experimentamos os efeitos da sociedade de consumo massificada.No Brasil, é no período pós-segunda guerra que os centros urbanos desenvolvem rapidamente e cria-se efetivamente uma sociedade de consumo massificada, mas que não têm ainda seus direitos efetivamente tutelados, a não ser por um sistema legal esparso e pouco eficaz.Apenas com a Constituição Federal de 1988 é que nasce uma efetiva preocupação com o direito do consumidor. Mesmo que diplomas anteriores tenham previsto a tutela de direitos consumeristas contra os abusos econômicos, não havia efetividade desse direito, mesmo as normas infraconstitucionais que tutelavam os direitos transindividuais eram tímidas se comparadas aos abusos cometidos contra os consumidores.Assim, com o advento da Lei Maior em 1988 o tema ganha efetivamente status constitucional, principalmente ao integrar o rol de direitos e garantias fundamentais (artigo 5°, XXXII) e ganhar característica de princípio norteador da ordem econômica (artigo 170, V), que tem por finalidade “assegurar a todos existência digna conforme os ditames da justiça social”, entre outros artigos esparsos no texto e o mandamento previsto nos Atos das Disposições Transitórias, que determina a criação de uma norma específica para proteger o consumidor. Sobre o tema convém destacar o entendimento de Cláudia Lima Marques_:“O direito do consumidor seria, assim, o conjunto de normas e princípios especiais que visam cumprir com esse triplo mandamento constitucional: 1) promover a defesa dos consumidores (art. 5°, XXXII, da Constituição Federal de 1988: “O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”); 2) de observar e assegurar como princípio geral da atividade econômica, como princípio imperativo da ordem econômica constitucional, a necessária “defesa” do sujeito de direitos “consumidor” (art. 170 da Constituição Federal de 1988: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observando os seguintes princípios: (...) V – defesa do consumidor; (...)”; e 3) de sistematizar e ordenar esta tutela especial infraconstitucionalmente através de um Código (microcodificação), que reúna e organize as normas tutelares, de direito privado e público, com base na idéia de proteção do sujeito de direitos (e não da relação de consumo ou do mercado de consumo), um código de proteção e defesa do “consumidor” (art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988: “O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor”.
Diante desse novo quadro, nasce o Código de Defesa do Consumidor, que introduz mudanças significativas na proteção do consumidor frente à sociedade de consumo.Dentre as mudanças introduzidas com o novo diploma temos artigos que preveem um mínimo de garantias aos consumidores, por meio de politicas nacionais, princípios norteadores e os denominados direitos básicos.Após a formação desse panorama geral, poderemos verificar com maior clareza os direitos previstos no Código de Defesa do Consumidor, mas não antes de passarmos pelos conceitos de consumidor e fornecedor.
III – POSSÍVEIS CONCEITOS DE CONSUMIDORMuito já foi discutido sobre o conceito jurídico de consumidor de modo a delinear a aplicação do Código de Defesa do Consumidor a determinadas relações de consumo, estudaremos brevemente o conceito de consumidor padrão e os consumidores equiparados
3.1 – Conceito de consumidor padrão:
A principal analise sobre o tema deve partir do conceito padrão estabelecido na própria legislação, e segundo o ditame do Código de Defesa do Consumidor:
Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Vislumbramos uma descrição ampla que abarcaria todos os tipos de relações de consumo. Assim, ficou a cargo da doutrina e da jurisprudência delimitar o tema e tornar mais claro o limite pretendido pelo legislador e principalmente dar contornos mais seguros ao assunto.Nesse contexto cabe ressaltar o comentário feito por José Geraldo Brito Filomeno_, um dos autores do anteprojeto, a respeito do conceito de consumidor trazido pelo Código, que acentua o seguinte:
“o conceito de consumidor adotado pelo Código foi exclusivamente de caráter econômico, ou seja, levando-se em consideração tão-somente o personagem que no mercado de consumo adquire bens ou então contrata a prestação de serviços, como destinatário final, pressupondo-se que assim age com vistas ao atendimento de uma necessidade própria e não para o desenvolvimento de uma outra atividade negocial.”
O referido autor esclarece mais adiante que foram retirados componentes sociológicos, psicológicos e filosóficos, pois o Direito precisa de explicações mais precisas e neste ponto cita Othon Sidou que delimita o consumidor como:
“qualquer pessoa, natural ou jurídica, que contrata para utilização, a aquisição de mercadoria ou a prestação de serviço, independentemente do modo de manifestação da vontade, isto é, sem forma especial, salvo quando a lei expressamente a exigir”.
Assim, percebemos que a definição apresentada pelo Código esposasse em uma posição jurídico-econômica. Nesse sentido a definição de José Geraldo Brito Filomeno de consumidor é: “qualquer pessoa física ou jurídica que, isolada ou coletivamente, contrate para consumo final, em benefício próprio ou de outrem, a aquisição ou a locação de bens, bem como a prestação de um serviço.”Muito já se questionou sobre a possibilidade da pessoa jurídica ser considerada consumidora, mas discussão mais asseverada sobre o tema será reservada para outra oportunidade uma vez que o caput do artigo 2° do Código de Defesa do Consumidor traz essa possibilidade e nas lições de Patrícia Caldeira_, a respeito do conceito padrão de consumidor, verificamos:
“qualquer pessoa – física ou jurídica- poderá se considerada consumidora e qualquer pessoa jurídica, seja ela uma microempresa familiar ou uma vultosa multinacional que produz refrigerante coca-cola e mesmo as pessoas jurídicas de direito público, desde que assuma a posição de destinatária final do produto ou serviço, isto é, não comercialize, revenda ou faça qualquer intermediação”
Assim, observamos que pela definição legal basta para caracterizar o consumidor que ele seja o destinatário final do produto e serviço, englobando tudo aquilo que é adquirido ou contratado para uso pessoal ou profissional, desde que não haja finalidade de revenda.
Os comentários tecidos a respeito do dispositivo legal não são suficientes para conceituar quem vem a ser consumidor é importante também realizar o mesmo questionamento que a autora a pouco citada faz: quem é o destinatário final?Para responder a essa questão precisamos observar as duas correntes doutrinarias que interpretam o caput do artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor de formas bem diversas, são elas a finalista e a maximalista.Segundo o entendimento da corrente finalista, que faz uma interpretação mais restrita, para ser destinatário final basta que a pessoa adquira e utilize o produto, seja para uso próprio ou de sua família. Nesse sentido não é possível adquiri-lo com o intento de recolocá-lo no mercado de consumo. Observamos que a corrente finalista exclui de pronto o profissional e a pessoa jurídica do conceito de consumidor.Uma interpretação mais “branda” dessa corrente permite considerar consumidor um profissional ou uma pequena empresa desde que os produtos adquiridos estejam fora de sua especialidade.Os defensores dessa corrente afirmam existe uma tutela especial dada aos consumidores pelo Código de Defesa do Consumidor em razão da vulnerabilidade do consumidor nas relações de consumo, afirmam por fim que o Código não pretende a proteção dos consumidores intermediários.Para a corrente finalista o conceito de consumidor deve ser restrito, abrangendo apenas a pessoa física ou jurídica que adquire o produto no mercado de consumo a fim de consumi-lo, observa-se uma interpretação econômica do tema, baseada em um destinatário final que consome o bem ou serviço sem possibilitar a revenda ou sua utilização como insumo para a atividade econômica.A interpretação dada pela corrente maximalista ao caput do artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor diz que a referida norma deve proteger toda a sociedade de consumo, ou seja, a norma protetiva deve alcançar todas as pessoas participantes da cadeia de consumo, não importando se o consumidor é uma pessoa, empresa ou profissional.Nesse sentido, basta que o consumidor seja destinatário fático do produto retirando o mesmo do mercado, razão pela qual não se investiga a destinação dada aos produtos. Verifica-se a flexibilização do entendimento de destinatário final esclarecendo que a utilização do bem em beneficio próprio já é suficiente, independentemente de ajudar a uma atividade profissional. Trata-se de conceito mais amplo e mais justo.Para a corrente maximalista o conceito de consumidor deve ser amplo de forma a garantir a efetiva proteção planejada pelo Código. Esse é o entendimento de Sergio Pinheiro Marçal_ que possui o seguinte entendimento:
“a interpretação maximalista mostrou ser na prática bem mais popular e despertou um certo apelo revolucionário que a nova legislação parecia oferecer. Essa teoria foi largamente invocada pelo Ministério Público, associações e demais órgãos de defesa do consumidor e encontrou grande receptividade no Poder Judiciário. Passou-se a visualizar relações de consumo a partir de conceitos que levassem a uma aplicação máxima do CDC, com interpretação de destinatário final de forma mais ampla possível”.
Uma vez que ambas as correntes são plenas o mais adequado a utilização de um pensamento ponderado ou mitigado dessas correntes. Sendo esse o entendimento utilizado na decisão em comento, bem como nas demais decisões do Superior Tribunal de Justiça. Além disso, para a formação do conceito do consumidor apreciou-se ainda a vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica para a aplicação do Código de Defesa do consumidor para determinadas relações.
3.2 – Ampliações do conceito de consumidor ou consumidores equiparados.
Trataremos agora dos outros três conceitos de consumidor encontradas no parágrafo único do artigo 2°, artigo 17 e artigo 29, todos da Lei 8078/90. Isso porque segundo Claudia Lima Marques_ o consumidor não é definido exclusivamente de modo individual, mas também sob um ponto de vista meta ou transindividual, ou seja, sob uma ótica coletiva.A referida autora vai além e diz:“O consumidor é uma definição também ampla em seu alcance material. No CDC, o consumidor não é uma definição meramente contratual (o adquirente), mas visa também proteger as vítimas dos atos ilícitos pré-contratuais, como publicidade enganosa, e das práticas comerciais abusivas, sejam ou não compradoras, sejam ou não destinatárias finais. Visa também defender toda uma coletividade vítima de publicidade ilícita, como publicidade abusiva ou violadora da igualdade de raças, de credo e de idades no mercado de consumo, assim como todas as vítimas do fato do produto e do serviço, isto é, dos acidentes de consumo, tenham ou não usado os produtos e serviços como destinatários finais. É uma definição para relações de consumo contratuais e extracontratuais, individuais ou coletivas.”Percebemos a respeito da colocação acima uma mudança no pensamento jurídico, pois deixamos de considerar o indivíduo para olhar a coletividade. Dentro desse panorama pertinente se faz a colocação de José Filomeno:“O que normalmente se observa no mercado de consumo é um consumidor às voltas com a aquisição de um produto defeituoso, por exemplo, ou então com a prestação de um serviço malfeito, abrindo-se-lhe um verdadeiro leque de opções para solucionar o impasse: (...)O parágrafo único do comentado artigo 2°, porém, trata não mais daquele determinado e individualmente considerado consumidor, mas sim de uma coletividade de consumidores, sobretudo quando indeterminados e que tenham intervindo em dada relação de consumo.”Diante dessa colocação iniciaremos pelo parágrafo único do artigo 2° do Código de Defesa do Consumidor, trata-se de uma definição mais genérica e abstrata, pois equipara ao consumidor toda a coletividade de pessoas ainda que indetermináveis. Segundo a professora Patrícia Caldeira_:“O ponto de partida da extensão do campo de aplicação do CDC é a observação de que muitas pessoas, mesmo não sendo consumidores stricto sensu podem ser atingidas ou prejudicadas pelas atividades dos fornecedores no mercado.”Como percebemos pela doutrina acima colacionada temos uma ampliação do conceito de consumidor, isso em razão da equiparação de uma coletividade ainda que indeterminada a consumidor, isso desde que haja participação na relação de consumo. Em razão desse posicionamento o legislador garante a coletividade a paridade de tratamento dado ao consumidor individual. Por fim, a esse respeito importante, mais uma vez atentar para as ponderações da já citada professora:“Como essa definição traz a restrição da participação na relação de consumo é preciso que haja a identificação dos sujeitos ameaçados de lesão ou lesados. Não se presta essa definição, portanto, à tutela de interesses difusos.”O artigo 17 equipara ao consumidor a vítima do acidente de consumo, que mesmo não tendo sido consumidora direta, foi atingida pelo evento danoso. Temos nesse artigo a terceira definição de consumidor, sendo que para ela pouco importa se o consumidor teve ou não participação na relação de consumo ou se o mesmo era destinatário final do produto ou serviço.O último conceito de consumidor está previsto no artigo 29, o consumidor, neste conceito, para receber a tutela do Estado deve estar em uma situação de passividade, pois bastará sua exposição a determinada situação para sua qualificação. Neste caso o consumidor de estar inserido em uma das situações descritas nos capítulos V e VI do Código.Para Patrícia Caldeira o artigo 29 apresenta um conceito difuso de consumidor, pois todas as pessoas são consumidoras diante da potencial exposição às práticas comerciais.
IV – PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS QUE ASSEGURAM A TUTELA JURISDICIONAL DO CONSUMIDOR.
Uma vez que já temos em mente, ainda que de forma sucinta, os possíveis conceitos de consumidor importante se faz saber quais os princípios a Constituição Federal elencou para a sua proteção processual.A ideia de existir uma base principiológica que garanta tal defesa parte justamente da inclusão do tema no rol de direitos e garantias constitucionais, mais precisamente no artigo 5º, XXXII da Constituição Federal. Essa inclusão permite aplicar os princípios da inafastabilidade da jurisdição, o devido processo legal, contraditório e ampla defesa, e do princípio infraconstitucional da facilitação da defesa do consumidor em juízo inclusive com a possibilidade de inversão do ônus da prova.Esses princípios englobam de forma mais adequada as garantias processuais dada aos consumidores.Esclarecemos que tais princípios decorrem do entendimento que o consumidor é a parte mais vulnerável da relação de consumo. Assim, antes de analisarmos os princípios supracitados abordaremos a vulnerabilidade do consumidor.
4.1 – Vulnerabilidade
Um dos traços mais importante a ser considerado na conceituação do consumidor é o seu reconhecimento como a parte mais fraca da relação de consumo isso pelo fato de não dispor de controle sobre os meios de produção em especial no sentido do que produzir e como produzir.O Prof. Marcelo Sodré_ considera que o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor “é a base para a existência do próprio direito do consumidor”. É importante frisarmos que em razão do reconhecimento dessa vulnerabilidade do consumidor que o Legislador Constituinte entendeu ser necessária a criação de uma norma especial, assim, o Código trouxe todo um aparato protetivo.O citado professor destaca diferentes aspectos da vulnerabilidade, aspectos esses que merecem comento. O primeiro deles é a vulnerabilidade econômica que ressalta a posição social privilegiada dos fornecedores em relação aos consumidores, fato que em muitas oportunidades inviabiliza a defesa do consumidor. O segundo é a vulnerabilidade nas informações e neste ponto é destacada a profissionalidade na produção do bem ou na prestação do serviço e do outro lado a falta de condições técnicas para a avaliar o produto e o serviço, fatos que de igual forma prejudicam a vontade e defesa do consumidor. Por fim, destaca-se a vulnerabilidade fática e nesse ponto o referido mestre destaca situações reais em que o consumidor não possui condições de negociação ou de escolha.Notadamente o reconhecimento da vulnerabilidade procura estabelecer o equilíbrio necessário nas relações consumeiristas entre as partes envolvidas (consumidor-fornecedor), pois se percebeu que o consumidor comum não possui condições de conhecer a concepção, o desenvolvimento e a tecnologia utilizada na produção dos produtos ou prestação de muitos serviços.
4.2 - Devido processo legal, ampla defesa e contraditório
Por uma questão de facilidade e até mesmo de decorrência iremos estudar conjuntamente os princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa por meio desses princípios são garantidos o regular andamento do processo.Devemos entender essa tríade como garantidora da igualdade entre os litigantes, da aplicação justa do direito, do respeito ao direito de defesa e do contraditório.O devido processo legal é aquele que confere aos litigantes todos os seus direitos, trazendo uma paridade de armas para o litígio. Segundo José Afonso da Silva "garante-se o processo - e quando se fala em 'processo', e não em simple procedimento, alude-se, sem dúvida, a formas instrumentais adequadas, a fim de que a prestação jurisdicional, quando entregue pelo Estado, dê a cada imo que é seu, segundo os imperativos da ordem jurídica. E isso envolve a garantia do contraditório, a amplitude de defesa, a isonomia processual e a bilateralidade dos atos procedimentais."
4.3 – Inafastabilidade do Poder Judiciário
O primeiro deles é a inafastabilidade da jurisdição e está indicado no artigo 5° XXXV, também denominado acesso à Justiça. Sobre esse princípio pertinente a consideração de Kazuo Watanabe_ que considera “a problemática do acesso á Justiça não pode ser estudada nos acanhados limites do acesso aos órgãos judiciais já existentes. Não se trata apenas de possibilitar o acesso á Justiça enquanto instituição estatal, e sim de viabilizar o acesso à ordem jurídica justa”.Diante dessa ponderação compete não apenas ao Poder Judiciário, mas a todos os poderes garantir meios para que o consumifor tenha efetivo acesso aos órgãos julgadores e que a prestação judicial seja efetivamente eficiente, ou seja, que o Judiciário dê uma resposta eficiente e adequada dentro do que lhe permite o aparato normativo existente.Tal afirmação encontra respaldo nas lições de Nelson Nery Junior_ que assevera que "pelo princípio constitucional do direito de ação, além do direito ao processo justo, todos têm o direito de obter do Poder Judiciário a tutela jurisdicional adequada."  Nesse sentido, percebemos como ditonacima, não ser suficiente apenas a resposta do Estado, mas sim a resposta que atenda à necessidade do jurisdicionado. Sendo que isso não implica em ganhar o processo, pois para isso outros fatores serão considerados, o que não implica em óbice ao acesso à justiça
V – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA
Inicialmente cumpre lembrar que a prova destina-se ao processo e será utilizada para formar o convencimento do juiz a respeito do litigio que lhe foi levado, de forma que permita a decisão da causa.Assim, o ônus da prova está intimamente ligado á faculdade das partes atuarem no processo trazendo elementos que formem a convicção do julgador. Esses elementos segundo Nelson e Rosa Nery são “meios processuais ou materiais considerados idôneos pelo ordenamento jurídico para demonstrar a verdade, ou não, da existência e a verificação de um fato jurídico.”O Código de Defesa do Consumidor apresenta a inversão do ônus da prova como uma possibilidade para a garantida do princípio da facilitação da defesa do consumidor em juízo. A inversão do ônus da prova se apresenta como direito básico do consumidor desde que presente os requisitos da verossimilhança ou da hipossuficiência.Observando as lições de Rizzatto Nunes a respeito da verossimilhança temos que embora o termo nos remeta a um conceito indeterminado, isso não impede sua aplicação, devendo o magistrado analisar a composição dos fatos narrados tanto na peça inaugural como na defesa e verificara se a referida composição se mostra plausível a razão humana, ou seja, se é verossímil, ou seja, possua aparência de ser verdadeira.A ideia pode ser complementada pela referencia que Bruno Freire e Silva faz a Barbosa Moreira “o juiz extrairá dos indícios, fatos alegados e provados no processo, dos quais se possa deduzir, com base no que ordinariamente acontece, a ocorrência de outro fato, este todavia, não provado. Em outras palavras: o juiz, a partir do indício, presumirá ter acontecido, também, o fato que constitui o thema probandum” A hipossuficiência do consumidor, não deve ser confundida com a falta de condições econômicas. Esclarecemos pra que não paire sobre a questão qualquer sombra de dúvida que hipossuficiência é a falta de conhecimento técnico ou cientifico especializado a respeito do produto ou serviço, ou ainda, a falta de informação necessária para que se usufrua o mesmo.Embora o Código apresente a partícula ‘ou’ entendemos que o requisito não é alternativo, mas cumulativo e nesse sentido devem ser aplicados cumulativamente.No tocante ao momento processual para a inversão do ônus da prova embora a corrente majoritária entenda que o momento adequado para a inversão é entre até o despacho saneador, justificando que caso o ônus fosse invertido apenas na sentença prejudicaria a defesa do fornecedor.Entendemos, no entanto, que a corrente minoritária adota a posição mais adequada, de inverter o ônus apenas no momento da sentença, isso porque o fornecedor é quem, via de regra, possui os conhecimentos técnicos a respeito do processo de fabricação do produto ou da prestação do serviço, e deve valer-se de todos os meios para provar que toda sua atuação foi adequada. No mais, é necessário esclarecer que a regra do Código é a responsabilidade objetiva, ou seja, independente da existência de culpa, ou seja, como bem lembra Nelson Nery “o fornecedor (CDC 3°) já sabe, de antemão, que tem que provar tudo o que estiver ao seu alcance e for de seu interesse nas lides de consumo. Não é pego de surpresa com a inversão na sentença”.Ademais, as provas produzidas no processo são o meio hábil para equilibrar a relação e dirimir qualquer tipo de controvérsia sobre as questões técnicas. No entanto, além das questões técnicas existe a hipossuficiência econômica e jurídica da parte em razão do custo das provas e da manutenção de profissional habilitado para defender o interesse do consumidor, também são causas que podem desequilibrar a defesa do consumidor em juízo, isso porque, na maioria das vezes, o fornecedor tem um poder econômico maior e torna-se um litigante especializado em defender seu produto ou serviço em juízo.Em razão dessas colocações tem se limitado a aplicação desse conceito para toda e qualquer pessoa jurídica, pois em muita das vezes os questionamentos são realizados entre empresas de grande porte que não são vulneráveis umas em relação às outras, fato que tende a afastar a aplicação do Código de Defesa do Consumidor a essas situações.Por outro lado, tem se reconhecido como consumidor a pessoa jurídica nas relações em que fica evidente a sujeição em razão da vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica, e a essa pessoa garantido a mais ampla aplicação de todo o arcabouço protetivo previsto no Código de Defesa do Consumidor, inclusive com a inversão do ônus da prova.Nesse sentido é absolutamente cabível a inversão do ônus da prova em razão da vulnerabilidade do consumidor face ao fornecedor, e não só por uma questão econômica, mas principalmente em razão de uma prova técnica de difícil produção.A inversão do ônus da prova visa à facilitação da defesa do consumidor, na verdade o termo mais adequado seria considerar que tal inversão procura restabelecer o equilíbrio dentro das relações de consumo, possibilitando maior igualdade entre o fornecedor e o consumidor.
VI – CONCLUSÕES
Especificamente em relação ao acórdão ora analisado, pode-se concluir que: 
a) pelas mesmas razões expostas pela Excelentíssima Ministra Relatora, entendemos que é necessária uma flexibilização do entendimento do conceito de consumidor para garantir a efetivação da tutela dos diretos do consumidor, não apenas aos consumidores pessoas físicas, mas também ao consumidor pessoa jurídica em especial quando o mesmo seja visivelmente vulnerável, diante as considerações e das premissas do Código.
b) a noção de destinatário final do bem ou produto deve ser adequada, ou seja, deve ser em determinados casos estendia para aquelas pessoas jurídicas que não recolocam o produto em circulação, mas ainda assim se utilizam dele na execução de sua finalidade.
c) observamos ainda que outras questões precisam ser consideradas, além da descrição padrão prevista no artigo 2° do Código, em especial a hipossuficiência do consumidor perante o fornecedor, não devendo essa ser restringida aos temos econômicos, mas principalmente os de ordem técnica, informacional, fática, jurídica e econômica.
d) para se admitir a inversão do ônus da prova necessita ser averiguada a vulnerabilidade técnica, informacional, econômica ou jurídica, e tal decisão deve pautar-se em critério claros para não gerar uma injustiça e um desequilíbrio na relação de consumo e na relação processual, não bastando, simplesmente, a alegação de verossimilhança.