Tropas brasileiras no Líbano: a que preço?

                                                               (Jefté Brandão Januário) 

A ONU consultou o Brasil para ver a possibilidade de o país enviar uma força de paz para o Líbano.[1] Visto que está previsto a saída de uma boa parte de um contingente  brasileiro do Haiti, a ONU inquiriu ao Itamaraty a realocação desse batalhão para fazer parte da UNIFIL (Força Interina das Nações Unidas no Líbano). O Brasil já participa da UNIFIL desde 2011, mas não com tropas em solo libanês, mas liderando uma força naval com o objetivo de impedir que armas entrem no Líbano via mar. Essa Força Tarefa-Marítima (FTM) é composta por 250 homens do Brasil, liderando um grupo multinacional de oito navios, representado cinco países: três navios alemães, dois de Bangladesh; um da Grécia; um da Indonésia; e um da Turquia. Contando com a Fragata Liberal do Brasil, são nove navios ao total.

O Líbano é um país pequeno, de população estimada em 4 milhões de habitantes,[2] sendo que o Brasil possui 8 milhões de descendentes e imigrantes do Líbano. O Brasil é o país que mais tem libaneses fora do Líbano, e isso pesou para que a ONU convidasse o Brasil para envio de tropas para aquele país. A variedade étnica do Líbano é marcante.  A sua população é estimada em 60% muçulmanos (xiitas, sunitas, drusos e outros), 40% cristãos (maronitas, gregos-ortodoxos e outros), 1,3% outros.[3]

Nada está acertado para o envio de um batalhão brasileiro. O Exército faz seus cálculos para enviar essa força lá para o 1° semestre de 2015, após a Copa do Mundo. Caso isso venha a acontecer, não será a primeira vez que o Brasil enviará um contingente seu para manter a paz no Oriente Médio. Pouquíssimos sabem que no final década de 1950, o Brasil enviou um batalhão para manter a paz entre as fronteiras do Israel e Egito, após a guerra de Suez. Essa guerra ocorrida em 1956 envolveu a França, Inglaterra e Israel contra o Egito, após Sadat, presidente deste último país, nacionalizar o Canal de Suez que era a passagem vital do petróleo do Oriente Médio para o Ocidente. Após o armistício, a ONU resolveu criar uma força de paz e enviar para o Sinai, onde os capacetes azuis ficariam entre as forças de Israel e Egito, impedindo uma confrontação armada. O Brasil e a Colômbia foram os únicos países latino-americanos a participar desta missão[4].

O Brasil fez parte desse contingente multinacional de 1957 à 1967, quando Israel dá o ultimato para que todos os países que faziam parte da missão saísse do Sinai, para lutar com o Egito, no que seria conhecido como a Guerra dos Seis Dias. Depois desse episódio, o Brasil nunca mais colocaria os pés no Oriente Médio, enviando um batalhão de paz para aquela região. O que deve ficar claro para o Itamaraty e o alto comando militar brasileiro são os riscos de se enviar soldados para o Líbano. O Líbano, em comparação com o Haiti é, digamos assim, muito mais perigoso. Os soldados brasileiros não vão se deparar com gangues “pé de chinelo” em morros e favelas. O que há no Líbano são homens bem treinados, um verdadeiro exército, mas cada quais leais a suas respectivas facções ou etnias. Contra essas facções, nem mesmo o Exército Nacional do Líbano tem força para enfrentar. 

Cada facção tem sob seu poder as mais variadas armas. Eles possuem desde simples kalashnikovs, até artilharia antiaérea. Qualquer força que se interponha entre eles e seus inimigos (me refiro a uma etnia diferente ou até mesmo entre o seu maior inimigo que é Israel) corre o risco de se ver entre o fogo-cruzado. Os capacetes azuis não serviriam como árbitros caso se vissem entre uma situação dessas. O mais sensato seria se abrigar em algum lugar seguro, e torcer para não ser atingido. Digo isso, pois durante a guerra civil libanesa na década de 1980, integrantes das forças de paz foram assassinados sem nenhum escrúpulo, ou por uma facção ou por outra, e nada se pôde fazer para punir os assassinos.

Sobre os assassinatos cometidos contra os capacetes azuis na Guerra civil do Líbano, o jornalista Robert Fisk, no livro Pobre Nação - um relato dele dessa guerra visto in loco - fala das suspeitas do Comando da UNIFIL, que na época era chefiada pelo major-general Emmanuel Erskine, que essas mortes tinham o conhecimento dos chefes militares israelenses, que patrocinavam os seus aliados libaneses para “aniquilar” até mesmo quem estava lá para trazer a paz. Fisk escreveu: “E tinham suspeitas ainda mais sombrias, cuja gênese estava no assassinato, por homens de Haddad, de dois jovens soldados irlandeses da ONU em abril de 1980. Os soldados Derek Smallhorn, Thomas Barret e John O’Mahony estavam escoltando dois observadores da ONU, no dia 18 de abril, dentro do enclave de Haddad. Eles foram emboscados por pistoleiros cristãos e levados a Bent Jbail, onde Smallhorn e Barret foram espancados. O’Mahony foi alvejado nas costas, coxa e pé, mas conseguiu escapar. Um dos observadores da ONU -  um oficial do Exército americano - e um  correspondente da Associet Press que estava viajando com o grupo viram, mais tarde, Smallhorn e Barret, com rostos brancos de pânico, sendo jogados num carro e levadod para destino desconhecido. Cerca de uma hora mais tarde, os dois homens foram mortos com um tiro na nuca. Os assassinatos aconteceram dentro da zona de Haddad, numa área controlada pelos israelenses” (FISK, 2007. P. 220).

Fisk escreveu que “o papel da ONU não fora totalmente altruístico. As milícias de Haddad vinham prosseguindo com seus ataques às forças das Nações Unidas e em março de 1981 diversas bombas de artilharia foram disparadas contra uma posição nigeriana da ONU ao norte da área do batalhão irlandês, matando dois soldados nigerianos” (FISK, 2007, p. 273). Nenhuma força que diga que levará a paz para o Líbano será bem sucedida. A história do Líbano é repleto de fracassos de exércitos estrangeiros que entraram lá. Até mesmo o maior poder militar da região, Israel, sabe que não pode ficar lá por muito tempo, pois será sempre fustigada pelas facções que controlam cada parte do Líbano. É por isso que Israel financia grupos de sua confiança para lhe ajudar a impor os seus interesses na região, que é conter o “perigo terrorista”.

“Todas as forças que entraram no Líbano”, escreveu Fisk, “os palestinos, os líbios, os sírios, os iraquianos, até mesmo as Nações Unidas, viram-se atoladas em um pântano político e militar, humilhados diante dos inimigos” (FISK, 2007, p. 325).

Esse Haddad (na verdade o nome é Saad Haddad) de que tanto fala Robert Fisk, era um major do Exército regular do Líbano, que depois formou uma milícia própria chamada Exército do Sul do Líbano, patrocinada, uniformizada e armada por Israel para “aniquilar” os palestinos – representados pela OLP de Arafat -. Israel não era o único a apoiar aliados internos no Líbano. A Síria que manteve a sua presença no país por 29 anos, e que retirou os seus últimos soldados do Líbano em 2005,[5] apoiava os grupos muçulmanos com armamentos. Esses grupos também emboscavam os capacetes azuis. No final das contas, a UNIFIL mais se protegia, do que protegia a população civil, que não tinha nada em relação ao que se passava no seu país.

Em 2011, um carro levando seis soldados italianos foi alvo de uma emboscada, no qual quatro tiveram ferimentos leves, e dois tiveram ferimentos graves.[6] A UNIFIL tem um histórico muito infeliz na sua missão de paz no Líbano.

A situação do Líbano é tão delicada, que nem os norte americanos escaparam de serem alvos de uma das facções que brigavam durante a Guerra civil do Líbano na década de 80. Em um atentado ocorrido em 1983, foram mortos 240 marines. Esse é o maior número de soldados que morreram em um único dia no Líbano, e no mesmo lugar simultaneamente, ou seja, nas instalações do Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos em Beirute, capital libanesa, vítimas de um carro bomba.[7]

Porém, alguns podem argumentar o seguinte: “essa é a profissão do militar, e eles são pagos pra isso”. Sem dúvida. Os militares que participam de missão de paz, primeiro são voluntários. Depois passam por uma seleção, e por fim recebem o parecer onde dizem se estão ou não aptos para representar o país no exterior.  Contudo, uma missão fora do país não afeta somente os militares que nela participam e o governo em si. Uma ação militar, por mais simples que pareça, pode desencadear uma manifestação popular, dependendo do que aconteça com os soldados. Por exemplo, no Haiti, a população brasileira não saiu nas ruas para pedir o retorno dos seus soldados, quando  os dezoito militares morreram devido a uma tragédia natural[8], e não emboscados ou assassinados a sangue frio por uma gangue local de Cité Soleil ou Bel Air.

Mas o que aconteceria com a opinião pública se alguma coisa bem pior do que uma simples catástrofe afetasse os militares brasileiros no Líbano? As pessoas com certeza contestariam o envio dos soldados para o exterior. Os movimentos de esquerda (movimentos estudantis, sindicatos, imprensa) fariam o maior alarde contra a decisão do governo federal. Já os movimentos de direita, os conservadores, ficariam um pouco divididos. Uns concordando no envio de tropas, outros achando que é um desperdício de dinheiro, podendo esse dinheiro ser aplicado para combater o crime aqui mesmo no Brasil. Contudo, não é só temendo as manifestações populares que o governo não deva enviar seus soldados para fora.  O governo brasileiro deve se preservar ao máximo em ajudar, não só o Líbano, mas outros países, de uma maneira que tenha a mais absoluta certeza, de que manterá a integridade dos seus homens. Será que vale a pena conseguir uma cadeira permanente na ONU derramando sangue de seres humanos? Pois soldado também é gente.



[1] http://g1.globo.com/brasil/noticia/2013/03/onu-consulta-e-brasil-avalia-envio-de-tropas-para-missao-de-paz-no-libano.html

[2] http://www.itamaraty.gov.br/temas/temas-politicos-e-relacoes-bilaterais/oriente-medio/libano/pdf

[3] http://www.itamaraty.gov.br/temas/temas-politicos-e-relacoes-bilaterais/oriente-medio/libano/pdf (Fonte: Departamento de Estado dos Estados Unidos da América (estimativa 2006).

[4] http://www.batalhaosuez.com.br/Batsuez50anos.htm

[5] http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft2704200506.htm

[6] http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,explosao-deixa-seis-soldados-italianos-da-onu-feridos-no-libano,724949,0.htm

[7] SAID, Edward W. Cobrindo o Islã: como a mídia e os especialistas determinam nossa visão do resto do mundo. Rio de Janeiro: Ediouro, 2007.

[8] http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL1446517-5602,00-VEJA+LISTA+DE+BRASILEIROS+MORTOS+EM+TERREMOTO+NO+HAITI.html