Tropa de Elite e a influência da mídia na formação sócio-cultural

Kátia Angrezani

Em cartaz nos cinemas, no dia 12 de outubro de 2007 – mas, infelizmente, já acessível muito antes através da pirataria - o filme Tropa de Elite atraiu a atenção especial da mídia nos últimos dias. Chamou-me a atenção o fato de que, apesar da censura de 16 anos para esse filme, os adolescentes de 5ª a 8ª séries da escola onde trabalho já comentavam: "Tu já viu Tropa de Elite?". Aqueles a que assistiram recomendam aos que não viram, que ficam muito curiosos. Curiosidade essa que não dura muito, pois logo os colegas narram com detalhes cenas e frases do filme.

Impressionada com tanta movimentação dos alunos, passei a observar melhor qual a interpretação que estavam fazendo a respeito do filme, e como isso estaria afetando o seu cotidiano na escola.

Para o jornalista Marcelo Carneiro, o filme "(...) não concede válvulas de escape ao retratar como a criminalidade degradou o país de alto a baixo. O pesadelo real ganha ainda mais nitidez. A sociedade brasileira, pelo jeito, ansiava por esse tapa na cara dado pelo capitão Nascimento, (...)". (Veja, 2007, p.82.).

Em contrapartida, dois alunos da 6ª série que saíam da sala de aula para o recreio, como se estivessem marchando, com as mãos como se estivessem carregando armas em punho e cantando: "Homem de Preto o que você faz? Eu faço coisas que assustam o satanás. Homem de preto qual é a sua missão? Entrar pela favela e deixar corpos no chão". Umdeles, usando um moletom camuflado, e perguntei a ele o motivo de estar usando aquele tipo de roupa. A resposta foi: "Eu gosto".  Com um surpreendente brilho nos olhos, ele continuou cheio de orgulho: "Na minha família, meu avô e meu tio-avô são militares do Exército. Eu estou fazendo curso para entrar também. Quero ser do BOPE".

O que ocorre é que um típico adolescente, com idade inferior a 16 anos, dificilmente possui esse grau de discernimento frente aos tiros, sangue e cantos de guerra, acabando por não se dar conta das reais motivações retratadas no filme, detendo-se nas imagens "heróicas" do esquadrão que "entra pela favela pra deixar corpos no chão".

O fato de o pré-adolescente agir como um soldado, e sonhar com uma profissão como essa é perfeitamente normal. Segundo Tiba, 2005, p. 47, "Os onipotentes pubertários estão na fase do Deus Rebelde (...) ele ainda não se sente forte, mas tem que mostrar que é forte para sua auto-afirmação (...)". O problema é quando essa auto-afirmação ocorre por meios agressivos, conforme presenciei com adolescentes que haviam assistido ao filme.

Recebi o chamado de um dos adolescentes. Estava abaixado, queixando-se de dor, explicava-me que havia dito a um colega algo sobre o filme "Tropa de Elite" e, enquanto eu o ouvia, o colega aproximou-se novamente e o agrediu com um soco. Mais tarde, depois de acalmados os ânimos, perguntei ao aluno agredido o que ele havia dito para que o colega ficasse tão bravo e reagisse daquela forma. "Foi só arreganho. Eu estava brincando..." disse ele, e repetiu uma frase do filme Tropa de Elite que havia dito ao colega... "Eu subo nesta p... deste morro pra desfazer a m... que tu faz seu v..., maconheiro do c...".

Em meio a essa conversa, a namorada dele interferiu, comentando sobre a cena de que mais gostou no filme: "aquela que o capitão bota a cara do playboy em cima do cara morto e pergunta: quem foi que matou? Daí o playboy diz: Foi tu! E o capitão bate nele, e diz que foi ele, o playboy que matou o cara...muito bala!", outro aluno que estava ao lado, ouve e continua: "... e ainda tem aquela que eles pegam o cara, e põe o saco na cabeça para ele falar...".

"A violência no ambiente escolar se expressa de diferentes formas, desde a violência física até formas mais sutis como a violência simbólica, fenômeno que tem preocupado autoridades, professores, diretores, pais e os próprios alunos e a sociedade de um modo geral. A violação dos direitos humanos vem acontecendo inclusive no ambiente escolar". (COSTA e GOMES, 1999, p.159).

A sedução que a mídia exerce e a capacidade de imitação dos seus jovens espectadores formam uma "cumplicidade" que pode agir de forma negativa na sua formação cognitiva. Bombardeado por notícias violentas, atitudes agressivas, sem a devida orientação, o pré-adolescente acaba por absorver e transmitir essa violência, disseminando-a no grupo e afetando, negativamente, a formação da cultura social desses alunos.

"Os cérebros amadurecidos de pais deveriam tratar com especial carinho aqueles em amadurecimento, usando paciência para ouvi-los até o fim, procurando realmente entendê-los. No lugar de qualificá-los pejorativamente, e assim diminuir a auto-estima, melhor seria perguntar-lhes como irão resolver eventuais dificuldades, obstáculos e problemas que surgirem pela frente. Focalizando cada hipótese e raciocinando sobre ela é que o adolescente vai exercitando a prudência, a previdência, alternativas resolutivas e responsabilidades. É uma maneira de exercitar o amadurecimento". (TIBA, 2005, p.57).

Nossa sociedade vem sofrendo transformações significativas. A família, que é a principal responsável pela educação dos seus, vem aos poucos delegando esse papel para a escola. Porém nenhuma outra instituição que não a familiar, poderá substituir a educação da família, nem parece ser relevante que a escola seja a única a ensinar valores necessários para o desenvolvimento da criança, como o respeito pelo outro, a tolerância, a solidariedade, entre outros. Não se pode deixar nas mãos de uma instituição de ensino a responsabilidade pela formação do caráter e princípios básicos, que é de competência primária dos pais. Um pai que negligencia essa tarefa deixa o filho à própria sorte em meio a todos estes estímulos que podem afetar negativamente seu convívio com a sociedade.

"Percebe-se, nesse contexto atual da sociedade, a urgência de uma educação inclusiva voltada para uma cultura de paz na escola, pois esta constitui um dos principais espaços públicos de inserção do adolescente, tornando-se uma referência de conhecimento e valores nela propagados. Aos educadores cabe o enorme desafio de rastrear as cenas constitutivas da violência e os efeitos que são presenciados, para que sejam identificados os dispositivos de poder inerentes a elas e para que sejam construídas estratégias de superação da violência com ações voltadas para uma cultura de paz". (GROSSI, 2005, p.25).

Em meio a tudo isso, a violência continua existindo cada vez mais na população jovem, e a escola não pode ignorar que conflitos existam e, sendo assim, está adaptando-se como pode na formação dos seus alunos, pois é na escola que as crianças imitam os comportamentos que são por elas observados diariamente.

Tendo em vista o modo superficial com que o filme está sendo percebido por parte do público mais jovem, Tropa de Elite deveria ser trabalhado nas escolas, pois está denunciando a banalização da corrupção que temos em nosso país. O filme aproxima os atos do traficante, do policial, do político e do cidadão, dividindo a culpa e dificultando a associação maniqueísta direta do "mocinho" e do "bandido" e, nesse contexto, provoca uma reflexão sobre as nossas responsabilidades individuais.

As escolas poderiam trabalhar, a fim de proporcionar a reflexão não apenas sobre nossos direitos, mas também sobre os nossos deveres: o básico da cidadania. Além disso, o filme lança uma discussão através da violência e da droga, com alto teor pedagógico.

Consciente de que a violência é um fenômeno muito amplo e que está presente em variados contextos, resta dizer que a sociedade deveria mobilizar-se para a proteção dos cidadãos de amanhã, para que esses não tenham um futuro de privações, sofrimentos, e principalmente, sem projetos para as suas vidas.

Referências:

CARNEIRO, Marcelo – Revista Veja. Ed. Abril, Ed. 2030, ano 40, n° 41, outubro de 2007.

COSTA, Eloísa de Campos,  GOMES, Carlos Minayo. Superar a Cultura da Violência: Um Desafio para a Escola. Ed.Papirus, 1999.

GROSSI, Patrícia Krieger – Violência no Meio Escolar: A Inclusão Social Através da Educação para a Paz. Ed. Textos & Contextos, 2005.

TIBA, Içami – Adolescentes: Quem Ama, Educa! Ed. Integrare, 2005.