O filme Tropa de elite (2007) chamou à atenção da população ao tratar da segurança pública, ao discutir a corrupção na Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ). A conhecida cena da “guerra de cadáveres”, em que os policiais levam os cadáveres da área de um batalhão para outro para não prejudicar as “estatísticas do seu batalhão” e a cena em que o personagem Matias, o policial honesto, faz corretamente as estatísticas do batalhão e é repreendido pelo comandante do mesmo, por gerar “estatísticas ruins” para o batalhão, ao relacionar corretamente os homicídios. Todos devem se lembrar: “morte no mar é afogamento! Você é legista por um acaso?”

Não que a população já não soubesse de muitas das situações apresentadas no filme, mas ao exibir por dentro da polícia a corrupção, sua lógica de funcionamento, o seu cotidiano, o filme chocou a população e se transformou, não apenas por isso, numa das maiores bilheterias da história do cinema nacional.

    E se tivéssemos um “Tropa de elite”, mas em vez de abordar a PMERJ, abordasse a Secretaria de Estado de Educação do Rio de janeiro (SEEDUC/RJ)? Seria muito diferente? Creio que não!

    Em 2010 o Rio de Janeiro, o segundo estado mais rico da federação, que sediará em sua capital, os jogos Olímpicos de 2016, amargava a penúltima posição no ranking do IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) entre todos os estados da federação.

    Para sair dessa situação constrangedora, em 2011 o Governador Sérgio Cabral, nomeia o economista Wilson Risolia, para comandar a Secretaria de Educação. Este então lança um plano de metas, com a intenção de colocar o Rio de Janeiro no “top 5” do ranking do IDEB até 2014, ou seja em apenas 3 anos, visto que o IDEB publicado em 2014 é referente ao ano de 2013. Ousado esse Secretário não é? Vejamos que fórmula milagrosa ele usou.

    Entre as metas estão diminuir drasticamente a reprovação e a evasão escolar. De que forma fazer isso? Prometendo premiar os professores e as direções das escolas que conseguirem bater as metas com a promessa de até 3 salários-base extras (14º, 15º e 16º salários, que apenas 10% das escolas ganharam em 2012, sendo que mais de 60% destes ganharam apenas o 14º salário), e colocando o cargo dos diretores em risco caso as escolas não batam metas de produtividade, que como disse acima, incluem redução drástica da reprovação e da evasão escolar.

    Os Diretores das escolas, obviamente desejam manter o seu cargo e os professores (a profissão de nível superior com menor remuneração média do Brasil) desejam ganhar esse bônus. Qual o resultado? A implantação disfarçado da aprovação automática.

    De acordo com relato de colegas de várias escolas e do que observo em meu próprio CIEP, da noite para o dia a reprovação caiu drasticamente nas escolas estaduais. Alunos analfabetos funcionais, outros que não freqüentam nem 30% das aulas, e tantos outros sem nenhuma condição de aprendizado são aprovados. As direções das escolas constrangem os professores a “baterem as metas”, e impõem punições aos professores que reprovam alunos, como obrigá-los a preencher um relatório para cada aluno reprovado, explicando o porquê reprovou, o que o aluno não aprendeu e como pretende recuperar esse aluno.

    Os alunos, ao perceberem que a aprovação é na prática automática, não se empenham em estudar, pois sabem que serão aprovados. As escolas então ficam mais vazias, o interesse nas aulas diminui e o nível de aprendizado cai mais ainda. Muitos alunos dizem para seus próprios professores: “Estudar pra quê? Vou passar mesmo!”.

        No entanto nem tudo foi perfeito para a SEEDUC, pois como os professores são constrangidos a aprovar os alunos, eles lançam frequentemente notas “5,0” ou “10,0”, por exemplo, para toda uma turma, de modo a aprovar todos e assim não ser punido e quem sabe ganhar o bônus. No entanto, a Secretaria de Educação está enviando fiscais às escolas para verificar “inconsistências” nas notas, pois, se 70% dos alunos tiverem notas iguais, abaixo de “5,0” ou acima da “7,0” é considerado inconsistente pela SEEDUC, ou seja, a SEEDUC obriga que as notas sejam variadas. Ex.: 5,0; 5,5; 6,0; 6,5; 7,0, etc.

    A Secretaria de Educação quer que aprovemos ao máximo, para gerar ótimas estatísticas educacionais, mesmo que isso signifique dar diplomas de ensino médio a analfabetos funcionais, mas parece que a Secretaria quer que seja de forma disfarçada, que seja bem feito, talvez para não chamar a atenção para a política de aprovação automática velada, com notas “5,0” para 90% dos alunos por exemplo.

   Então, para concluir, me pergunto: qual a diferença entre um PM ser obrigado pelo comandante a jogar um cadáver na área de outro batalhão para melhorar as estatísticas de seu batalhão e um professor ser obrigado pela direção de sua escola ou fiscal da SEEDUC a aprovar um analfabeto funcional para melhorar a estatística da SEEDUC? Qual a diferença entre registrar uma morte no mar com vários tiros como “afogamento”, e mudar a nota da maioria dos alunos pra cima, para aprová-los, se ambos estão igualmente gerando estatísticas falsas? Os policiais do “Tropa de elite” não são mais corruptos do que estamos sendo obrigados a ser.

    Onde fica a autonomia pedagógica do professor? Onde fica a educação de qualidade, que nós somos capazes de fornecer se tivermos salários decentes, condições de trabalho e autonomia? Onde fica a educação numa perspectiva emancipadora? Que tipo de cidadãos estamos formando? Para quê sociedade? Vale a reflexão.

    Mas o pior é que essa política nefasta para a educação está tendo sucesso político. Segundo notícia veiculada no sítio da SEEDUC/RJ no dia 14/08/2012, “A rede estadual do Rio de Janeiro subiu, em apenas dois anos, 11 posições no ranking do IDEB, saindo da 26ª para a 15ª colocação no Ensino Médio e o Secretário Wilson Risolia, foi agraciado com o prêmio educador do ano 2012, pela Academia Brasileira de Educação.

    Quem é professor da SEEDUC, sabem bem como são produzidas estas estatísticas...