Tributação Indireta no Direito Brasileiro

 

Renan Augusto de Morais Carvalho, Acadêmico de Direito.

Sumário: 1- Conceitos iniciais – Tributos Indiretos, contribuinte de direito, contribuinte de fato e a repercussão econômica; 2- Tributação indireta e a injustiça fiscal; 3- Tributação Indireta e o princípio da transparência.

 

1- Conceitos iniciais – Tributos Indiretos, contribuinte de direito, contribuinte de fato e a repercussão econômica.

O Estado brasileiro é financiado, principalmente, pelos tributos cobrados da sociedade, previstos no sistema tributário, o qual define por meio de princípios e regras quais tributos serão cobrados, quanto, como e de quem. Além de prever tributos, a Constituição Federal institui certos princípios que são verdadeiras garantias para o contribuinte, usualmente denominados pela doutrina como limitações constitucionais ao poder de tributar.

A definição de tributo tem sede legal e está disposto no artigo 3º do Código Tributário Nacional:

Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

Os chamados tributos indiretos constituem a maior parte da arrecadação tributária brasileira, mas o que vem a ser essa classificação e qual a sua importância prática?

Para Alexandre (2013, p. 72), quanto ao critério de possibilidade de repercussão do encargo econômico-financeiro, os tributos podem ser classificados em diretos e indiretos.

São indiretos os tributos que, em virtude de sua configuração jurídica, permitem translação do seu encargo econômico-financeiro para uma pessoa diferente daquela definida em lei como sujeito passivo.

(...)

São diretos os tributos que não permitem tal translação, de forma que a pessoa definida em lei como sujeito passivo é a mesma que sofre o impacto econômico-financeiro do tributo.

Segundo o grande tributarista Hugo de Brito Machado: “a doutrina predominante aponta como característica dos tributos indiretos o serem esses tributos legalmente devidos por um sujeito, enquanto economicamente são suportados por outro.”

A explicação mais comumente encontrada nos manuais de direito tributário é a de que o tributo se caracteriza por ser legalmente devido por um sujeito, mas economicamente ser suportado por outro. Daí chamar-se o primeiro de contribuinte de direito, e o segundo, contribuinte de fato (Segundo, 2013, p. 13).

Cintra (2013, p. 105-106) aponta os parâmetros utilizados pela jurisprudência pátria para tipificar os impostos indiretos:

a)          Critério da repercussão ou translação econômica;

b)          Critério que leva em conta o conteúdo do fato gerador do tributo, admitindo, assim, que tributos indiretos seriam os que oneram relações, operações ou negócios em que há dois sujeitos envolvidos, e cujo valor da exação admite ser repassado por um dos sujeitos da relação ao outro, mediante a explícita inclusão no respectivo preço.

Na tributação indireta, ocorre a chamada translação ou repercussão econômica, uma vez que o contribuinte de direito tem a obrigação legal de recolher os tributos junto ao fisco, mas embute no preço da mercadoria ou do serviço esse ônus, o qual é repassado para o contribuinte de fato. Na realidade, mesmo sem ter nenhuma relação jurídica com o fisco o contribuinte de fato acaba arcando com o ônus do tributo.

Dentro desse quadro, é com muita simplicidade que se diz, por exemplo, que os impostos que incidem sobre o consumo seriam indiretos, ao passo que aqueles que oneram o patrimônio e a renda seriam diretos. O ICMS, v.g., é pago pelo vendedor de um produto (contribuinte de direito), mas na prática, seria suportado pelo comprador (contribuinte de fato), sendo pelo primeiro embutido no preço e repassado ao segundo. O Imposto de Renda, a seu turno, é pago pelo beneficiário dos rendimentos, que efetivamente suporta o ônus do tributo, reunindo-se assim, na mesma pessoa, as figuras do contribuinte de direito e do contribuinte de fato. (Segundo, 2013, p. 13)

Segundo Baleeiro (1990, p. 153), “repercussão, ou translação, palavra esta última preferida pelos italianos, é o fenômeno pelo qual o contribuinte paga o imposto, mas liberta-se do sacrifício, transferindo-o a terceiros, no todo ou em parte”. É uma consequência natural da atividade empresarial, pois o empresário visa sempre ao lucro, e dessa forma procura fazer com que as receitas superem as despesas.

Esse fenômeno tem grande importância na seara jurídica, já que os tributos indiretos têm institutos próprios relacionados à repercussão econômica, como a não cumulatividade nas cadeias de ICMS, a seletividade (variação das alíquotas do ICMS e IPI de acordo com a essencialidade do produto) e a “polêmica” repetição de indébito dos tributos indiretos, visando proteger os contribuintes.

No entanto, a classificação dos tributos em diretos e indiretos, sofre críticas da doutrina. Alguns autores sustentam que todo tributo pode ter seu ônus transferido pelo contribuinte a um terceiro dependendo das circunstâncias, como por exemplo, o IPTU que embora seja devido pelo proprietário, pode ser transferido deste para o inquilino, não obstante seja classificado como tributo direto.

Além disso, boa parte da doutrina entende que nem sempre o tributo indireto tem seu ônus repassado para o consumidor. Machado (2013, p. 184-185) afirma que essa transferência do ônus está sujeita a lei da oferta e da procura, isto é, só será possível quando as condições do mercado a permitirem: é, portanto, um conceito econômico e não jurídico.

Há casos em que mercadorias, sob influência das condições do mercado, são vendidas a preço de custo, ou até por preço menor que o custo, o que implica que o sujeito passivo da obrigação tributária, o comerciante, não transferiu para o comprador o ônus do ICMS.

A repercussão econômica, portanto é a regra da tributação indireta, mas tal fato deve ser analisado no caso concreto, pois nem sempre um tributo indireto tem seu ônus efetivamente repassado aos consumidores (contribuintes de fato).

2- Tributação indireta e a injustiça fiscal

No Brasil, os chamados tributos indiretos são responsáveis pela maior parte da arrecadação para financiar a prestação dos serviços públicos e as demais atividades do Estado. No entanto, é questionável o sistema de tributação brasileiro, quando comparado com o dos Estados Unidos e de alguns países europeus.

A tributação no Brasil incide de maneira mais gravosa sobre o consumo e prestação de serviços, quando, na verdade, deveria incidir sobre a renda, para que pudessem ser atendidos os princípios constitucionais da isonomia e da capacidade contributiva. Essa política fiscal implica o baixo poder de consumo do brasileiro, já que a alta carga tributária (tributos indiretos) tem como consequência natural o elevado preço dos produtos no mercado local.

Os tributos indiretos caracterizam-se pela transferência do ônus econômico ao contribuinte de fato, que é o consumidor. Dessa forma, é gritante a falha do sistema tributário brasileiro ao prever a incidência de muitos tributos indiretos sobre as relações de consumo, pois de tal fato decorre o aumento do desastroso problema da desigualdade social, uma vez que são os pobres que mais sofrem com a elevada carga tributária indireta, a qual incide igualmente sobre todos os consumidores.

Para Segundo (2013, p. 68-69) o Sistema Tributário Brasileiro “é bastante regressivo e, com isso, não realiza a igualdade no momento da arrecadação”.

Em relação a regressividade da tributação indireta, desenvolve o autor:

Os tributos sobre o patrimônio e a renda, como é o caso do imposto de renda e do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, por exemplo, comportam o estabelecimento de alíquotas progressivas e podem, com isso, realizar uma tributação materialmente igual, embora, especialmente em relação ao imposto de renda, isso não venha acontecendo com a intensidade que poderia sê-lo.

Já os tributos que oneram o consumo, por sua própria natureza, são regressivos, pois mesmo o cidadão com rendimentos abaixo dos limites de isenção, fixados em atenção ao chamado mínimo existencial, empregará sua renda no consumo de mercadorias e serviços necessários á sua sobrevivência. E, nesse momento, terá a sua renda atingida, sob o prisma econômico pela tributação. Quanto maior o rendimento do contribuinte, menor será o percentual dele que precisará, necessariamente, ser empregado no consumo, pelo que se diz que tanto maior o rendimento, menor o peso, sobre ele, dos impostos incidentes sobre o consumo.

Por conta disso, os produtos encontrados no Brasil são bem mais caros que os dos países europeus, pois estes, apesar de tributarem a renda com alíquotas superiores a 50%, relativizam na tributação indireta, atribuindo a seus produtos um preço justo, de forma a aumentar o poder de consumo do cidadão proporcionando desenvolvimento socioeconômico de sua população.

Uma menor e mais transparente tributação do consumo, aliada a uma maior tributação do patrimônio e da renda, poderia tornar a tributação no Brasil mais igualitária, do ponto de vista material. Restaria, em seguida, aplicar os recursos assim obtidos em favor daqueles desprovidos de oportunidades. (Segundo, 2013, p. 70)

3- Tributação Indireta e o princípio da transparência.

 

O desenvolvimento econômico, político e cultural de uma sociedade é caracterizado por grandes transformações as quais devem ser acompanhadas pelo Direito. Como as relações econômicas e comerciais estão cada vez mais complexas, é necessário que a tributação dessas relações seja esclarecida, pois a grande maioria da nossa população desconhece a sua função social de contribuinte e de financiador do Estado, o que os faz pensar que a cobrança desses tributos é abusiva, não havendo retorno à sociedade, por conta dos graves problemas sociais e dos altíssimos índices de corrupção de políticos e de autoridades da administração pública.

De fato, há uma evidente injustiça fiscal no Brasil, uma vez que a carga tributária é elevadíssima e o retorno à sociedade em forma de investimentos de interesse público é bastante ineficiente, se comparado com outros países. Além disso, durante muito tempo, a divulgação da carga tributária incidente sobre os produtos não era acessível aos consumidores, o que justificava a justa indignação do contribuinte brasileiro.

Muitos estudiosos se propuseram a estudar o tema da transparência na tributação, surgindo doutrinas, como a da Cidadania Fiscal baseada na ética da relação tributária entre Fisco e contribuinte.

 A Cidadania Fiscal constitui o dever do cidadão de contribuir, e, em contrapartida, tem o Estado o dever de administrar bem os recursos obtidos por meio da tributação, tendo também a obrigação de esclarecer os principais aspectos referentes à tributação, por meio de uma política de educação tributária.

Em virtude da promulgação da Constituição de 1988, os princípios da informação e da defesa do consumidor foram elevados ao status de garantias fundamentais de todo cidadão.

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.

XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor.

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

[...]

§ 5º - A lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços.

A doutrina constitucionalista é unânime quanto ao reconhecimento da necessidade de se produzirem normas que garantam aos brasileiros o acesso à informação de uma maneira ampla e eficiente. É unânime também o entendimento de que existe uma injustiça fiscal de grandes proporções no Brasil. Em que pese a carga tributária ser elevadíssima, não se tem uma contraprestação eficiente por parte do Estado, que sequer oferece as condições mínimas necessárias para uma existência digna. O Brasil se encontra entre os países com a maior carga tributária, entretanto, em países com carga tributária alta espera-se uma retribuição positiva por parte do Estado. A população brasileira é vítima de uma grande injustiça, já que tem pouco retorno dos impostos.

Os chamados impostos indiretos constituem a maior parte da arrecadação tributária brasileira. No entanto, pouca ou nenhuma informação da incidência tributária nos produtos de consumo chega ao cidadão comum.

Ao ser comparado com o sistema de outros países, percebe-se o quanto o sistema tributário brasileiro é falho, com relação, não só à carga tributária, mas também quanto ao quesito transparência. A verdade é que muitos não sabem quanto pagam, ou sequer sabem que pagam tributos na compra de produtos em um supermercado.

Muitos contribuintes realizam o seu planejamento tributário levando em consideração apenas os tributos considerados diretos, como Imposto de Renda - IR, IPTU e IPVA, e acabam não levando em conta os tributos indiretos, os quais incidem sobre o consumo e serviços, por causa da falta de informação acerca da incidência desses tributos.

Com o objetivo de fazer com que os consumidores de mercadorias e serviços tomem conhecimento do montante de tributos que incidem sobre tais bens prevê a Constituição que “a lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços”. (Art. 150, § 5º).

Nas relações jurídicas de consumo, o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078) trouxe a previsão expressa do princípio da informação e da transparência quanto a tributação incidente sobre os produtos (Art. 6º, III), mas foi somente com a Lei 12.741/2012 que veio a regulamentação do art. 150, § 5º da CF, estabelecendo que em notas e cupons fiscais ou em locais visíveis nos estabelecimentos comerciais, deverão ser disponibilizadas as informações sobre o percentual ou o valor dos tributos incidentes sobre o preço do bem ou serviço que está sendo comercializado.

Afirma Kalume (2014, p. 255):

A Lei Federal nº 12.741, de 8 de dezembro de 2012, determina que deve constar, dos documentos fiscais ou equivalentes, a informação do valor aproximado correspondente à totalidade dos tributos federais, estaduais e municipais, cuja incidência influi na formação dos respectivos preços de venda. A regra se aplica ao ICMS, ISS, IPI, IOF, PIS/Pasep, Cofins e Cide (serão informados ainda os valores referentes ao imposto de importação, PIS/Pasep/Importação, na hipótese de produtos cujos insumos ou componentes sejam oriundos de operações de comércio exterior e representam percentual superior a vinte por cento do preço de venda).

A nova Lei foi uma grande conquista do contribuinte brasileiro, pois consagra os princípios da publicidade e da transparência, tendo por isso propiciado benefícios econômicos, sociais e políticos para a sociedade.

O acesso a informação do quantum dos tributos que incide sobre o valor das mercadorias e serviços possibilita ao contribuinte fazer um melhor planejamento orçamentário, como também permite que seja realizado o controle do preço dos produtos.

A publicidade possibilita que o cidadão se conscientize da sua função de financiador do Estado e que, a partir disso possa cobrar uma melhor qualidade na prestação dos serviços públicos.

 

REFERÊNCIAS

 

ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 7. ed. Rio de Janeiro: Método, 2013, p. 72.

 

BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 153.

 

CINTRA, Carlos César de Sousa, Tributação Indireta no Direito Brasileiro, São Paulo, Malheiros Editores, 2013, p. 105-106

 

KALUME, Célio Lopes. ICMS: didático. 2. ed. Belo Horizonte: del Rey, 2014, p. 255.

 

MACHADO, Hugo de Brito et al (Org.). Tributação Indireta no Direito Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2013.

 

SEGUNDO, Hugo de Brito Machado. Repetição do Tributo Indireto: incoerências e contradições. São Paulo: Malheiros, 2011.