1.  1.  TRIBUNAL DO JÚRI 

 1.1.               Evolução Histórica no Brasil 

O instituto do tribunal do Júri no Brasil foi instituído ainda na época do império, quando o Brasil era colônia de Portugal, tendo sido criado por um decreto datado de 18 de junho de 1822, com a competência exclusiva de julgar crimes de imprensa.

Os conselhos tinham a composição de vinte e quatro cidadãos, sendo estes escolhidos entre os homens considerados bons, honrados, patriotas e inteligentes. Segundo o doutrinador Heráclito Antônio Mossin as decisões proferidas por este conselho só eram passíveis de mudanças pelo regente, pois este detinha o Poder Moderador, sendo percebível que nesse momento histórico ainda não se adotava o princípio da soberania dos veredictos.

Após a independência houve a necessidade de se criar uma Constituição, o que ocorreu em 1824, momento em que o Tribunal do Júri passou a ser considerado e tratado como órgão do Poder Judiciário, aumentando suas atribuições, passando a julgar causas cíveis e criminais, e tendo características próprias, dentre as quais se pode destacar a existência da divisão em Júri de acusação e Júri de sentença.

Com a entrada em vigor do Código de Processo Criminal do Império, em 1832, foi criado o conselho de jurados em cada termo judiciário, entretanto em 1841, com a criação da Lei n° 261, foi extinto o Júri de acusação, permanecendo apenas do Júri de sentença. Tal Lei originou, ainda, a previsão da aplicação da pena de morte, entretanto, para que tal acontecesse se fazia necessário que fosse observada a votação mínima de dois terços dos jurados, continuando a maioria absoluta para as outras matérias.

Durante todo período republicano as leis mantiveram a existência do Tribunal do Povo, colocando-o dentre os direitos e garantias individuais, momento em que foi promulgado o Decreto nº 848, em 1890, que, com a forte influência do tribunal norte americano, criou o Júri Federal. Com a inclusão entre os direitos e garantias individuais, o Júri passou a ser garantido constitucionalmente, o que impediu que leis pudessem modificar sua essência e, caso assim o fizessem, seriam consideradas inconstitucionais.

A Constituição de 1934 novamente inseriu o júri no capítulo referente ao Poder Judiciário, entretanto em 1937 instalou-se o Estado Novo, sendo considerada uma ditadura em moldes fascistas sendo outorgada uma nova Constituição para o Brasil, a qual não inclui o júri em nenhum de seus capítulos.

Como não foi inserido na Constituição foi necessária a regulamentação do Tribunal do Júri, o que foi feito através do Decreto-Lei nº. 127 de 1938, que estabeleceu a competência para julgar os crimes de homicídio, infanticídio, induzimento ou auxílio ao suicídio, duelo com resultado morte ou lesão seguida de morte, roubo seguido de morte e sua forma tentada. Foi estabelecido, ainda, que as decisões desta instituição não seriam soberanas, pois o tribunal de apelação teria o poder de modificar as decisões, podendo mudar, inclusive, a interpretação atribuída aos fatos.

Em 1941, entra em vigor o Código de Processo Penal Brasileiro através do Decreto-Lei nº 3.689, ainda em vigor, mas com algumas alterações. O referido diploma dispôs que os acusados teriam presunção de culpabilidade, ou seja, desde o momento que alguém fosse apontado como sujeito de uma ação delituosa era presumivelmente culpado, tendo que provar sua inocência através de sentença absolutória transitada em julgado.

Neste momento histórico, o acusado não era tratado objeto do processo, não sendo assegurado aos acusados as garantias mínimas de um processo legal, quando o procedimento era autoritário e inquisitorial. Dessa maneira muito comum era se obter confissões por meio de intimidações, presunções e torturas, pois o silêncio do réu, em seu interrogatório, era interpretado em seu prejuízo, e este só poderia ser feito pelo Juiz, sendo vedado as partes qualquer intervenção e caso o acusado não comparecesse para ser interrogado era possivelmente cabível a sua condução coercitiva.

Em 1946, com o fim da Segunda Guerra Mundial, o Brasil volta a democracia, sendo editada uma nova Constituição, a qual novamente inseriu a  instituição do júri no capítulo "Dos Direitos e Garantias Individuais", prescrevendo em seu texto a manutenção do Júri, com a disposição que lhe der a lei, determinando que seja ímpar o número de seus membros e garantido o sigilo das votações, a plenitude da defesa do réu e a soberania dos veredictos. Segundo Nucci (2008, p. 43):

 

A Constituição de 1946 ressuscitou o Tribunal Popular no seu texto, reinserindo-o no capítulo dos Direitos e Garantias individuais como se fosse uma autêntica bandeira na luta contra o autoritarismo, embora as razões desse retorno tivessem ocorrido, segundo narra Victor Nunes Leal, por conta do poder de pressão do coronelismo, interessado em garantir a subsistência de um órgão judiciário que pudesse absolver seus capangas.

 

Em 1964, com o estabelecimento do regime ditatorial militar, firmou-se um período considerado o mais violento e sombrio da história brasileira. Para garantir a soberania deste regime foi outorgada, em 1967, uma nova Constituição, a qual manteve a existência do júri, entretanto restringiu a sua competência, mantendo apenas a competência para julgar os crimes dolosos contra a vida com veredictos soberanos, entretanto, no ano seguinte, esta soberania fora retirada.

Novamente retornando ao Estado democrático de Direito, em 1988, foi promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil, que esta em vigor até hoje, a qual inseriu o Tribunal do Júri no título dos Direitos e Garantias fundamentais, em seu artigo 5º, inc. XXXVIII, reconhecendo a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos e d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

Grande relevância é dada a este magnífico órgão do Poder Judiciário consistindo, inicialmente, na possibilidade do ser humano julgar os seus “iguais” de acordo com a sua livre convicção, denotando, com isso, o seu caráter democrático. Assim sendo, segue a possibilidade destes juízes não julgarem vinculados somente à lei, vez que, estes proferem seus veredictos de acordo com a sua própria intuição e convencimento.

 

 1.2.    Princípios Constitucionais

 

O procedimento do Júri é regulamentado na forma da legislação ordinária, disposto no Código de Processo Penal entre os artigos 406 e 497. No entanto, como já foi dito, a instituição do júri pela Constituição Federal de 1988, estando entre os direitos e garantias fundamentais, sendo, sua essência e obrigatoriedade, constitucionais, contando com princípios aplicáveis exclusivamente a ele.

É inquestionável na aplicação da ciência jurídica a interpretação e importância dos princípios, haja vista estarem incorporados em nosso sistema jurídico, sendo considerados como base jurídica para a Constituição Federal o que possibilita a materialização da norma para todos os ramos do Direito.

O Tribunal do Júri deve ocorrer com o devido respeito a seus princípios institucionais estampados na Constituição, quais sejam, a plenitude de defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos e a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

 

          1.2.1 Plenitude de Defesa

 

O art. 5º da Constituição Federal de 1988 garante o devido processo legal, garantindo, aos acusados em geral, o contraditório e a ampla defesa, e aos acusados específicos do Tribunal do Júri a plenitude de defesa que características próprias, não podendo ser confundido com a ampla defesa.

A Plenitude de Defesa engloba situações ainda não abordadas, justamente por isso é tratada de maneira diferente, estabelecendo-se na realização de um Princípio. Neste sentido, o art. 497, inc. V, do CPP, ordena que, sendo o réu indefeso, cabe ao Juiz lhe nomear defensor, e, ainda complementa ao dizer que se for usada defesa tecnicamente incorreta, desidiosa ou insuficiente, o processo será invalidado, devendo ser outro defensor designado para refazê-la.

Desta forma, chega-se realmente a conclusão de que existe uma vinculação muito acentuada entre o princípio da Plenitude de Defesa e o Devido Processo Legal, sendo aquele, garantia constitucional inserida neste, igualmente aos princípios do Contraditório e da Ampla Defesa, e que muito além de dar segurança unicamente ao indivíduo acusado, e impossibilitar a injusta privação da sua liberdade, também o faz à coletividade, que de forma imparcial permite retirar da sociedade, sujeito incapaz de se estabelecer com as regras de convívio, por ela impostas.

 

1.2.1.1 Diferenças entre “Ampla Defesa” e “Plenitude de Defesa”

 

Como já foi dito anteriormente, não há confusão entre estes dois institutos, entretanto não é pacífico o entendimento que a Plenitude de Defesa é espécie do Princípio da Ampla Defesa, sendo certo apenas que ambos são institutos plenamente diferentes.

Primeiramente é necessário salientar que a própria nomenclatura escolhida para cada uma dessas garantias, já os distingue. Na primeira situação, a palavra “ampla” visivelmente garante ao acusado a capacidade de utilizar-se de todos os meios de defesa possíveis juridicamente, em qualquer tipo de processo o acusado tem o direito das defesas técnicas cabíveis, com ênfase ao processo comum, no qual o Juiz deverá nomear outro defensor ao réu que teve sua defesa indevida.

Diferentemente é a defesa exigida ao Júri, pois esta exige “plenitude”, ou seja, algo próximo à perfeição, isso porque uma decisão condenatória dos Jurados não poderá ser revista pelos Juízes de Direito, majorando a probabilidade de o réu ser condenado, caso não tenha a defesa adequada, e não de ser-lhe nomeado outro defensor, como no caso anterior.

Por esse motivo a “Plenitude de Defesa” poderá ser considerado subprincípio da “Ampla Defesa”, e neste caso, a mais perfeito interpretação a se fazer não é de que um é inferior ao outro, mas que um está contido no outro, pois ao réu do Tribunal do Júri também é assegurado a Ampla Defesa.

Ao passo em que ambos são previstos expressamente pela Constituição Federal, e por ser sabido que a referida Constituição não se utiliza de palavras ou expressões repetidas ou inúteis, fica impossível admitir que são Princípios iguais, apenas com nomenclaturas diversas.

Os Jurados que decidem o futuro do réu no Tribunal, normalmente, são escolhidos entre membros da própria sociedade em que o réu faz parte, portanto há importância de uma defesa mais contundente, em alguns momentos até oral ou vindo da própria pessoa do réu, porque seus julgadores, leigos juridicamente, terão sua decisão como soberana e inapreciável, posteriormente, por qualquer Tribunal.

 

1.2.2 Sigilo das Votações

 

É considerado fundamental ao Tribunal do júri, por trazer grande contribuição para o seu melhor procedimento e dar ênfase à sua importância Constitucional, entretanto é bastante discutido doutrinariamente.

O art. 485 do CPP traz dispositivo acerca desta garantia, fazendo referência a maneira de se proceder nas votações, expondo:

 

Art. 485. Não havendo dúvida a ser esclarecida, o juiz presidente, os jurados, o Ministério Público, o assistente, o querelante, o defensor do acusado, o escrivão e o oficial de justiça dirigir-se-ão à sala especial a fim de ser procedida a votação.

§ 1º Na falta de sala especial, o juiz presidente determinará que o público se retire, permanecendo somente as pessoas mencionadas no caput deste artigo.

§ 2º O juiz presidente advertirá as partes de que não será permitida qualquer intervenção que possa perturbar a livre manifestação do Conselho e fará retirar da sala quem se portar inconvenientemente.

 

Parte da doutrina diz que este princípio, ainda que garantido pela Constituição Federal, é contrario ao princípio da Publicidade, que é tratado na Constituição em seus artigos 5º, inc. LX e 93, inc. IX, em especial este último, ao tratar:

 

Artigo 5º, inciso LX: a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem;

Artigo 93, inciso IX: todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.

 

Evidente é que o próprio texto legal defende e ao mesmo tempo relativiza o Princípio da Publicidade, pois garante o direito dele ser restringido, em especial nos casos em que deva haver defesa a intimidade ou ao interesse social, sendo possivelmente notável que o Júri suporta ambos os requisitos.

Como podemos compreender com a explanação feita por Nucci (2008, p. 31) ao falar como a Votação Sigilosa deve ser feita, não infringindo o princípio da Publicidade:

 

Não se fala em sigilo do voto, entendido como a cédula individual colocada pelo jurado, contendo “sim” ou “não”, dentro da urna, mas em sigilo da votação, que é o ato de votar. Portanto, busca-se resguardar o momento do jurado apor o voto na urna – que é votar –, razão pela qual a sala especial é o lugar ideal para tanto. (grifo nosso)

 

Outra importa ressalva a ser feita é a de que os jurados, diferentemente do Juiz de Direito, apreciam segundo o critério da íntima convicção, e não o do livre convencimento motivado, que exige que o juiz fundamente todas as suas decisões, em especial para garantir o devido processo legal, entretanto a íntima convicção não exige qualquer manifestação dos jurados a respeito de sua decisão, pelo contrário, o ordenamento jurídico impede que esta motivação seja feita no júri, conforme dispõe o Código de Processo Penal, no parágrafo 1º do artigo 466, ao expor que “O juiz presidente também advertirá os jurados de que, uma vez sorteados, não poderão comunicar-se entre si e com outrem, nem manifestar sua opinião sobre o processo, sob pena de exclusão do Conselho e multa, na forma do § 2o do art. 436 deste Código.”

Esta regra expressa pelo legislador é de fácil entendimento, levando em conta que os Jurados, ao serem leigos, estão extremamente vulneráveis a influencias externas, ou seja, são mais influenciáveis por acontecimentos fora dos autos, ou por quaisquer outras impressões que o Juiz de Direito está mais preparado para desconsiderar, e caso não seja desconsiderado pelo Jurado, provavelmente prejudique o julgamento adequado e imparcial, neste sentido, confirma Hermínio Alberto Marques Porto, ao ser citado por Nucci (2008. p. 31):

 

Tais cautelas da lei visam assegurar aos jurados a livre formação de sua convicção e a livre manifestação de suas conclusões, afastando-se quaisquer circunstâncias que possam ser entendidas, pelos julgadores leigos, como fontes de constrangimento. Relevante é o interesse em resguardar a formação e a exteriorização da decisão.

 

Cabe, por fim, expor que com a reforma do atual Código de Processo Penal, pela Lei nº 11.689/08, ficou ainda mais intensa a garantia do Sigilo das Votações, especialmente no art. 489 ao trazer a seguinte redação: “as decisões do Tribunal do Júri serão tomadas por maioria de votos”, não sendo mais necessário a abertura de todas as cédulas de votação para se saber a decisão dos jurados.

 

1.2.3 Soberania dos veredictos

 

Esta garantia constitucional que recebe o Júri, também não está imune aos conflitos Doutrinários, a maior divergência se dá quanto ao real significado, e sua extensão, da expressão: Soberania, que por si só, traz, ainda que fora dos conceitos forenses, um significado de poder, de algo irreparável, acima de tudo.

Neste sentido, surge a imagem de que a decisão emanada no Tribunal do Júri, estaria impossibilitada de ser revista ou reformada por Tribunal qualquer, entretanto, se desta maneira acontecesse, eminentemente princípios aplicados no ordenamento jurídico, como o contraditório e a ampla defesa seriam violados, e tirariam assim a segurança jurídica do réu. Devendo, por estas razões, se fazer a relativização da Soberania, para melhor entendimento e aplicabilidade desta garantia, que é indispensável para a finalidade do Júri.

O Tribunal do Povo tem justamente a característica de ser a representação da democracia no Judiciário, sendo a possibilidade de uma pessoa ser julgada pelo povo que faz parte da mesma sociedade. Este julgamento, sem a necessidade de qualquer fundamentação, visto que os jurados são considerados, a priore, leigos juridicamente, não necessita que os mesmos tenham qualquer saber jurídico, necessitando apenas que entenda o caso e julgue por sua livre convicção, sendo exatamente esta a luz do instituto aqui estudado.

Por isso, é que a retificação da sentença proferida pelo Conselho de Sentença não deve jamais atingir o mérito, pois desta forma estaria indo contra todo o ideal e pretensão que deram origem ao Júri. É claro que erros devem ser sanados, e que, conforme forem suas consequências, a sentença pode inclusive ser anulada. E justamente para estes casos, é que a própria lei prevê os recursos cabíveis, ao ver:

 

Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias:

III - das decisões do Tribunal do Júri, quando:

a) ocorrer nulidade posterior à pronúncia;

b) for a sentença do juiz-presidente contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados;

c) houver erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de segurança;

d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos.

§ 1º Se a sentença do juiz-presidente for contrária à lei expressa ou divergir das respostas dos jurados aos quesitos, o tribunal ad quem fará a devida retificação.

§ 2º Interposta a apelação com fundamento no III, c, deste artigo, o tribunal ad quem, se Ihe der provimento, retificará a aplicação da pena ou da medida de segurança.

§ 3º Se a apelação se fundar no III, d, deste artigo, e o tribunal ad quem se convencer de que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos, dar-lhe-á provimento para sujeitar o réu a novo julgamento; não se admite, porém, pelo mesmo motivo, segunda apelação.

 

Como se vê a tese a ser abordada é a de que o mérito volte a ser julgado novamente em outro Tribunal do Júri, e não por Tribunal de Juízes de Direito. Caso os jurados dicidam manifestamente contrários à prova dos autos, normalmente se pensaria que outro Tribunal deveria reformar o mérito, sob o fundamento de este ser juridicamente mais preparado, entretanto isto não é admissível, pois nada garante que um outro Tribunal alcance a justiça perfeita, e caso julgasse novamente o mérito, tiraria toda a finalidade do Tribunal do Júri, assim como diz Nucci (2008, p. 33):

 

A Constituição Federal outorgou ao Tribunal Popular a última decisão  nos casos de crimes dolosos contra a vida. Ademais, quem pode garantir que, quando o tribunal togado der provimento a uma revisão criminal, absolvendo o réu, está realizando a autêntica justiça?...Portanto, pouco interessa o conhecimento jurídico de qualquer magistrado, mas o fato de que a vontade popular precisa ser acatada.

 

Assim, o Tribunal Superior ao analisar recurso contra decisão do Júri, não pode alterar o seu conteúdo de qualquer forma, não podendo afastar de qualificadoras ou reconhecer algum privilégio em segundo grau de jurisdição, já que tais objetos dizem respeito à figura típica, cuja soberania para análise é do colegiado popular.

Dessa forma é fácil se chegar a conclusão de que a relativização do termo Soberania é inevitável, pois, se de um lado, parece não seguir expressamente o significado do nome, nas situações em que outro Tribunal faz reparações à sentença proferida pelo Conselho de Sentença, por outro, fortalece seu conceito e materializa sua plenitude ao evitar que o mérito seja reavaliado.

 

1.2.4 Competência para julgar os crimes dolosos contra a vida

 

Aos crimes dolosos contra a vida, é garantido pela Constituição a competência do Júri, sendo impossível a qualquer lei ordinária suprimi-la, uma vez, que protegesse o valor constitucional supremo, a vida humana, de onde advêm todos os demais direitos de personalidade, indisponíveis ao ser humano. Aos crimes apontados nos artigos 121 a 127 do Código Penal Brasileiro, estando presente o chamado elemento subjetivo (dolo direto ou dolo eventual), tanto nas formas tentadas como consumadas, dizem respeito à competência mínima do Júri.

O artigo 74 do CPP traz uma reafirmação a competência constitucional do Júri:

 

Art. 74. A competência pela natureza da infração será regulada pelas leis de organização judiciária, salvo a competência privativa do Tribunal do Júri.

§ 4º Compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes previstos nos arts. 121, §§ 1º e 2º, 122, parágrafo único, 123, 124, 125, 126 e 127 do Código Penal, consumados ou tentados. (grifo nosso)

 

Em regra a lei ordinária é a competente para regular a competência em razão da matéria, contudo, em se tratando de crimes dolosos contra a vida, aquela não poderá fazer qualquer restrição, já que seu julgamento cabe exclusivamente ao Tribunal do Júri, conforme dispõe o texto legal acima descrito e o art. 5º, inciso XXXVIII, da CF.

Acentue-se que, ainda que não haja a possibilidade de restrição da competência do Júri, esta poderá ser estendida pela lei ordinária, conforme é possível se observa pela interpretação do dispositivo legal.

Apesar de ser permitido a expansão da competência do Júri há apenas uma disposição que prevê essa ampliação, encontra-se disposta no artigo 78, inc. I, do CPP, ao falar que havendo concurso entre crime doloso contra a vida e outro que seja de competência do juízo comum, ou de qualquer outro rito especial, prevalecerá a competência do Tribunal do Júri, ocorrendo o que é conhecido de atração dos crimes conexos.

Entretanto a amplitude da competência do Júri é relativizada, quando os crimes dolosos contra a vida são cometidos por pessoas que possuam foro por prerrogativa de função prevista na constituição, em que esta prevalecerá sobre a competência do Júri. Os crimes praticados por indivíduos com foro por prerrogativa de função que estão previsto diretamente na CF/88 são os previstos nos art. 29, inc. VIII; art. 96, inc. III; art. 102, inc. I, alíneas b e c; 105, inc. I, alínea a e art. 108, inc.I, alínea a; estas hipóteses são exceções.

Observe-se que a competência do Tribunal do Júri, não prevalecerá sobre a competência por foro de prerrogativa de função expressa na Constituição Federal, entretanto o júri prevalecerá quando a disposição sobre a prerrogativa de função estiver disposta apenas na Constituição Estadual.

Em razão da discussão que havia sobre essa matéria o STF editou a Súmula 721 com a seguinte redação: “a competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela Constituição Estadual”.

Importante se faz lembrar que esta não é a única exceção ao Tribunal do Júri. O art. 411, do CPP, dispõe sobre a chamada absolvição sumária, que tem a função de não levar o acusado ao julgamento no Tribunal do Júri, exigindo que no processo haja provas claras e indiscutíveis do cometimento do crime, e caso não as tenha deverá ser declarada, de forma antecipada, que o acusado não tem responsabilidade criminal a respeito do ocorrido. Isso só será possível quando houver circunstância que exclua ou isente o acusado da pena.

A CF expressamente afasta da competência do júri a análise dos fatos delituosos que atentam contra o direito à vida, previstos nos artigos 29, inc. III; 102, inc. I, alíneas b e c; 105, inc. I, alínea a e 125, § 4º. O art. 87 do CPP acrescenta que compete originariamente aos Tribunais dos Estados, processarem e julgarem, nos crimes comuns, as autoridades mencionadas naqueles artigos.

Os membros do Ministério Público possuem foro por prerrogativa de função em virtude da sua Lei Orgânica Nacional, que prevê em seu art. 40, inc. IV, que lhes é garantido, originariamente, o julgamento no Tribunal de Justiça do Estado.

Todas estas são exceções à regra da competência do Tribunal do Júri e, aos indivíduos que possuem foro por prerrogativa de função, é assegurado o julgamento nos locais que as leis lhe garantem, ainda que haja o cometimento de crime doloso contra a vida.

Deve ser esclarecido, ainda, que os crimes que possuem a qualificação o resultado morte, crimes preterdolosas (que quando resultam em morte são qualificados pelo resultado, mas não alteram sua natureza), como os previstos nos art. 157, § 3º, art. 158, §2º e 159, §3º, todos do CP, que não tem como objeto jurídico principal a vida, sendo esta atingida por uma mera ocasião, ou, em razão de outro crime objetivado, a competência é do juiz singular.