Tres velhos amigos velhos
Publicado em 11 de dezembro de 2009 por Romano Dazzi
TRES VELHOS AMIGOS VELHOS
Não havia um dia, um assunto, uma ocasião, em que os três estivessem de acordo.
Um deles tinha sempre que discordar.
E os outros dois, naturalmente, davam em cima dele, com todas as armas.
Mas quem discordava não era sempre o mesmo, não. Cada vez era um diferente
- “Lembram-se daquele fusca verde, que tinha quando morava no Brás?” – perguntava o Felipe candidamente.
- “Azul!” – retrucavam o Francisco e o Carlos – “azul!”.
- Era verde, gente!
-Azul! Azul!
- Puxa, o carro era meu, eu que pagava as prestações, as taxas, as multas – e acham que não me lembro da cor do carro? Era verde!
E os outros, teimando: Azul!
Depois de quinze minutos de bate boca, tudo voltava à tranquilidade. Cada um ficava com a sua cor; mas o assunto não acabava aí; amarravam-no no dedinho, prontos a puxá-lo de volta, à primeira ocasião.
Três minutos depois, o Carlos puxava outra:
- Passei ontem naquela escola na esquina da Portugal com a Flórida...
E o Felipe: - Não tem escola nenhuma na esquina da Portugal com a Flórida!
- Tem, sim senhor! É uma escola estadual...
- Não tem não!
- Tem.
-Não tem.
- Tem.
E o Francisco:
- Só se for a traseira da escola; por onde saem os alunos da manhã, enquanto os da tarde entram pela Rua Pensilvânia...
- Estão enganados, os dois!
- Qual é! Você é que se engana!
- Macacos me mordam! Você não dá uma bola dentro, confunde e complica tudo e nós não temos nem o direito de por os pingos nos is !
O que ele tinha ido fazer, na tal escola, o que ele viu, o que queria comentar, não interessa mais. Ninguém quer saber; e nem ele quer contar...
Parece que as pessoas de terceira idade não se envolvem com muitos detalhes.
Querem é polemizar, brigar, impor o seu ponto de vista, afirmar-se, ganhar um ponto.
É um modo de se manter vivo, de continuar sentindo-se no domínio das coisas, de ter certeza que não perdeu nada da antiga capacidade de memória, de raciocínio, de acuidade mental, indispensável para que o homem se sinta tal e tenha orgulho de si mesmo.
Se os assuntos são mais modestos, menos importantes para a salvação do mundo, paciência. Mas enquanto os três amigos puderem bater-se na defesa de suas opiniões daquilo que lembrar – ou acham que lembram – e que sabem, estarão vivos, sem dúvida.
Com certeza, quando o primeiro – qualquer um deles - morrer, um acontecimento triste, mas tão inevitável quanto a chuva, os outros dois vão comentar baixinho, num canto qualquer do velório:
- “Que pena! Era um bom sujeito, um grande amigo, um companheiro excelente: mas como era teimoso! Nunca vi um cara com a cabeça tão dura quanto ele!!”
E com certeza nem se darão conta que, quando os três se reunirem novamente lá em cima, a briga diária vai continuar, com grande satisfação dos três...