Soluço Spantosicus Strondus III era um garoto comum, aparentemente sem qualquer talento para liderar. A sua iniciação como um legítimo guerreiro viking é contada no livro “Como Treinar o seu Dragão”: o garoto precisava treinar o dragão mais feroz que fosse capaz de capturar. Em vez disso, Soluço se depara com um dragão pequeno, banguela e teimoso. Ao invés de desistir, o garoto consegue enxergar que, por traz de toda a arrogância ameaçadora daquele animal, havia um ser amedrontado, que buscava a própria sobrevivência. Soluço passa a entender as reações daquele animal, observando o seu potencial e desenvolvendo suas habilidades. O dragão deixa de ser seu inimigo e passa a ser seu maior aliado na busca de alcançar os objetivos da sua tribo.

O enredo infantil, aparentemente despretensioso de lições empresariais, possui orientações relevantes a serem consideradas no contexto organizacional no processo de desenvolvimento de competências. Pessoas são os agentes que dão vida à organização e o desenvolvimento de suas habilidades não envolve apenas a educação, mas também a conjuntura da ação ao vivenciar experiências pessoais e profissionais, mediadas por um processo de reflexão.

O contexto empresarial atual, marcado por um modelo de gestão por resultados, levou muitas organizações a criar a imagem de um “trabalhador ideal”, dotado de competências suficientes para promover a rentabilidade da empresa e garantir a sua empregabilidade, buscando sempre melhores desempenhos. Seria esse um profissional capaz de demonstrar força, coragem e determinação em tempo integral.

Essa realidade induz à valorização cada vez maior da dimensão “trabalho”, como se esse fosse o principal ou o único fator responsável pelo sucesso, em detrimento das dimensões inerentes a vida pessoal. Essa visão distorcida da realidade pode levar os profissionais a elevados níveis de ansiedade, por estarem mais suscetíveis a se sentir sufocados pela impossibilidade de cumprir obrigações com a família. A busca do autoconhecimento, o processo de reflexão sobre experiências vividas, as sensações, o medo, os traumas pessoais, o sofrimento não são abordados com frequência no discurso organizacional, embora tais fatores exerçam considerável influência nas atitudes de um profissional.

A família, o tempo, os conflitos, o equilíbrio, e as sensações são temas que integram a vida dos profissionais e não podem ser tratados de forma dissociada, mas integrada, complexa e multidimensional. Fatores diversos ao longo da vida influenciam nosso comportamento atual, nos levando a decisões e escolhas peculiares diante dos desafios apresentados. Na família desenvolvem-se valores preciosos tais como dignidade, caráter, honestidade e perseverança. Apoio e convivência e determinação, por exemplo, são vividos na escola, assim como vida em comunidade promove atitudes de liderança, relacionamento, comunicação e habilidades de trabalho em equipe. Dessa maneira, a formação profissional passa a fazer parte, também, do contexto social e familiar.

Períodos de rápidas e complexas mudanças geram uma grande demanda das habilidades dos indivíduos para aprender a encontrar o equilíbrio emocional. Um clima organizacional construtivo encoraja os indivíduos a ter atitudes positivas em relação ao seu desenvolvimento, a superar sua própria resistência à mudança, a entender suas próprias deficiências como aprendizes, e a ser mais abertos a experiências e prontos a aprender com elas. Por outro lado, um clima organizacional desfavorável pode limitar o desempenho dos colaboradores, dificultando a tomada de posturas criativas e inovadoras.

Tanto as organizações aprendem com as pessoas, como as pessoas aprendem com o conhecimento institucionalizado nas organizações. Essa visão indica que as organizações podem ajudar as pessoas a aprender uma nova concepção sobre o seu trabalho e o seu papel no contexto organizacional. Só que para isso deve haver uma mudança de foco. Da competição, quando as pessoas competem umas com as outras, para a competência, por meio da qual unem esforços, trabalham em conjunto visando aprender novos conhecimentos, e habilidades, descobrindo formas inéditas de pensar a vida organizacional.

As pessoas, assim como os dragões da estória de Soluço, não têm pontos fortes nem fracos, mas características. Quando nossas próprias características e as das pessoas com quem mantemos alguma relação, são reconhecidas, passamos a perceber que cada um é singular. O reconhecimento e o enfrentamento dessas características é que contribuirá para o desenvolvimento das habilidades, beneficiando todo o meio.

O estudo das emoções no ambiente de trabalho deve ser inserido não apenas na agenda das pesquisas acadêmicas, mas também nos debates entre gestores e colaboradores da própria empresa. O ato de entrar em contato com os próprios sentimentos torna as pessoas mais “ricas”, além de possibilitar viver de forma mais intensa a única coisa que se tem: “a vida”.

  

Para entender mais: Como os gerentes aprendem? / Anielson Barbosa da Silva – São Paulo: Saraiva, 2009.