Treinando dragões: a influência dos fatores social e emocional no desempenho de profissionais
Publicado em 02 de maio de 2013 por Renata Cabral Coutinho de Oliveira Ribeiro
Soluço Spantosicus Strondus III era um garoto comum, aparentemente sem qualquer talento para liderar. A sua iniciação como um legítimo guerreiro viking é contada no livro “Como Treinar o seu Dragão”: o garoto precisava treinar o dragão mais feroz que fosse capaz de capturar. Em vez disso, Soluço se depara com um dragão pequeno, banguela e teimoso. Ao invés de desistir, o garoto consegue enxergar que, por traz de toda a arrogância ameaçadora daquele animal, havia um ser amedrontado, que buscava a própria sobrevivência. Soluço passa a entender as reações daquele animal, observando o seu potencial e desenvolvendo suas habilidades. O dragão deixa de ser seu inimigo e passa a ser seu maior aliado na busca de alcançar os objetivos da sua tribo.
O enredo infantil, aparentemente despretensioso de lições empresariais, possui orientações relevantes a serem consideradas no contexto organizacional no processo de desenvolvimento de competências. Pessoas são os agentes que dão vida à organização e o desenvolvimento de suas habilidades não envolve apenas a educação, mas também a conjuntura da ação ao vivenciar experiências pessoais e profissionais, mediadas por um processo de reflexão.
O contexto empresarial atual, marcado por um modelo de gestão por resultados, levou muitas organizações a criar a imagem de um “trabalhador ideal”, dotado de competências suficientes para promover a rentabilidade da empresa e garantir a sua empregabilidade, buscando sempre melhores desempenhos. Seria esse um profissional capaz de demonstrar força, coragem e determinação em tempo integral.
Essa realidade induz à valorização cada vez maior da dimensão “trabalho”, como se esse fosse o principal ou o único fator responsável pelo sucesso, em detrimento das dimensões inerentes a vida pessoal. Essa visão distorcida da realidade pode levar os profissionais a elevados níveis de ansiedade, por estarem mais suscetíveis a se sentir sufocados pela impossibilidade de cumprir obrigações com a família. A busca do autoconhecimento, o processo de reflexão sobre experiências vividas, as sensações, o medo, os traumas pessoais, o sofrimento não são abordados com frequência no discurso organizacional, embora tais fatores exerçam considerável influência nas atitudes de um profissional.
A família, o tempo, os conflitos, o equilíbrio, e as sensações são temas que integram a vida dos profissionais e não podem ser tratados de forma dissociada, mas integrada, complexa e multidimensional. Fatores diversos ao longo da vida influenciam nosso comportamento atual, nos levando a decisões e escolhas peculiares diante dos desafios apresentados. Na família desenvolvem-se valores preciosos tais como dignidade, caráter, honestidade e perseverança. Apoio e convivência e determinação, por exemplo, são vividos na escola, assim como vida em comunidade promove atitudes de liderança, relacionamento, comunicação e habilidades de trabalho em equipe. Dessa maneira, a formação profissional passa a fazer parte, também, do contexto social e familiar.
Períodos de rápidas e complexas mudanças geram uma grande demanda das habilidades dos indivíduos para aprender a encontrar o equilíbrio emocional. Um clima organizacional construtivo encoraja os indivíduos a ter atitudes positivas em relação ao seu desenvolvimento, a superar sua própria resistência à mudança, a entender suas próprias deficiências como aprendizes, e a ser mais abertos a experiências e prontos a aprender com elas. Por outro lado, um clima organizacional desfavorável pode limitar o desempenho dos colaboradores, dificultando a tomada de posturas criativas e inovadoras.
Tanto as organizações aprendem com as pessoas, como as pessoas aprendem com o conhecimento institucionalizado nas organizações. Essa visão indica que as organizações podem ajudar as pessoas a aprender uma nova concepção sobre o seu trabalho e o seu papel no contexto organizacional. Só que para isso deve haver uma mudança de foco. Da competição, quando as pessoas competem umas com as outras, para a competência, por meio da qual unem esforços, trabalham em conjunto visando aprender novos conhecimentos, e habilidades, descobrindo formas inéditas de pensar a vida organizacional.
As pessoas, assim como os dragões da estória de Soluço, não têm pontos fortes nem fracos, mas características. Quando nossas próprias características e as das pessoas com quem mantemos alguma relação, são reconhecidas, passamos a perceber que cada um é singular. O reconhecimento e o enfrentamento dessas características é que contribuirá para o desenvolvimento das habilidades, beneficiando todo o meio.
O estudo das emoções no ambiente de trabalho deve ser inserido não apenas na agenda das pesquisas acadêmicas, mas também nos debates entre gestores e colaboradores da própria empresa. O ato de entrar em contato com os próprios sentimentos torna as pessoas mais “ricas”, além de possibilitar viver de forma mais intensa a única coisa que se tem: “a vida”.
Para entender mais: Como os gerentes aprendem? / Anielson Barbosa da Silva – São Paulo: Saraiva, 2009.