TRATAMENTO DIFERENCIADO DADO AO PORTE DE DROGAS PARA USO PESSOAL: uma análise acerca da (des) penalização e (des) criminalização da conduta inserta no art. 28 da Lei 11.343/2006¹

 

Larissa Oliveira Coelho²

Socorro Almeida de Carvalho³

 

Sumário:Introdução; 1 Conceitos preliminares; 2 Análise do art. 1º do DL 3.914/41; 3 Distinção entre os artigos 28 e o artigo 33 da Lei 11.343/2006; 4 Natureza jurídica do artigo 28 da Lei de Drogas; 4.1 Discussão acerca da (des)criminalização e da (des)penalização da conduta inserta no art. 28 da Lei 11.343/2006; Conclusão; Referências.

 

RESUMO

O presente trabalho tem por finalidade trazer a discussão acerca da natureza jurídica do artigo 28 da Lei nº 11.343/2006, tendo em vista o tratamento diferenciado dado ao porte de drogas para uso pessoal, em comparação às penas previstas no artigo 33 da mesma Lei. De acordo com a análise das diferentes correntes que tratam sobre a natureza jurídica do artigo 28 da Lei de Drogas, que consideram a conduta tratar-se de um crime, infração penal sui generis ou ser fato atípico, e da discussão acerca da despenalização e da descriminalização dessa conduta, assim como, de qual tem sido a corrente que tem prevalecido, pretende-se apresentar os argumentos que sustentam cada uma das principais correntes, partindo-se da análise do artigo 1º do Decreto-Lei 3.914/41.

Palavras-chave: Natureza jurídica; Artigo 28; Lei nº 11.343/2006; Despenalização; Descriminalização.

INTRODUÇÃO

A partir de conceitos do Direito Penal, do que seja crime, infrações penais e infrações administrativas, e da análise do art. 1º do DL 3.914/41 (Lei de Introdução ao Código Penal e à Lei de Contravenções Penais) poderá se discutir se a conduta da redação do artigo 28 da Lei de Drogas seria óbice a que a Lei 11.343/06 possa criar crime sem a imposição de pena de reclusão ou detenção.

A discussão acerca da natureza jurídica do art. 28 da Lei de Drogas se dá por tal artigo receber por título ‘Dos Crimes e das Penas’, e prever tão-somente penas-alternativas para o agente que porta drogas para consumo pessoal. No artigo 33, por sua vez, que vem sob tópico ‘Dos crimes’, há previsão de pena de reclusão de cinco a quinze anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos dias-multa).

Além disso, se determinará se em tal conduta há a despenalização e descriminalização, levando em consideração, posicionamentos do STF e de renomados doutrinadores e pesquisadores sobre o assunto, dentre eles, Luiz Flavio Gomes, Alice Bianchini, Rogério Sanches Cunha e William Terra de Oliveira.

Dessa forma, se constatam divergências quanto à conduta inserta no artigo 28 da referida Lei fazer, ou não, parte do Direito Penal, e quanto a ser classificada, ou não, como crime. Além disso, se discute se há a despenalização ou descriminalização, de acordo com diferentes correntes, a fim de, com a análise de tais posicionamentos, que ainda não trazem um resultado preciso para o tema, analisar o que quis o legislador ao prever tal conduta.

  1. 1.      Conceitos preliminares

Antes de se analisar as diferentes correntes que explicam a natureza jurídica do artigo 28 da Lei de Drogas, é preciso trazer, primeiramente, algumas definições sobre o que são crimes, infrações penais e infrações administrativas. Cleber Masson, ao tratar sobre o conceito de crime, (MASSON, 2012, p.169-177), traz que, muitas vezes, o conceito de crime é dado de forma vaga, porém, devem ser considerados, na realidade, três aspectos.

O primeiro aspecto do crime a ser considerado é o material ou substancial. Segundo esse critério, deve ser considerada a relevância do mal produzido aos bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal, sendo assim, crime seria toda ação ou omissão humana que lesem ou exponham a perigo de lesão referidos bens jurídicos. A importância, portanto, seria a de direcionar o legislador a tipificar condutas como infrações penais, apenas quando estas trouxessem dano ou perigo a bens jurídicos penalmente relevantes, legitimando o Direito Penal em um Estado Democrático de Direito.

O segundo critério para definir crime é o legal. Segundo este critério, será crime aquilo que o legislador forneceu no art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal (Decreto-Lei 3.914, de 9 de dezembro de 1941), no qual, vem expresso que:

Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou de ambas, alternativa ou cumulativamente.

Aqui, não serão tratadas as diferenças entre Crime e Contravenção Penal, mas, é oportuno já, se tratar sobre a infração penal. Esta, no Direito Penal brasileiro, é fracionada em duas espécies: crime ou delito e contravenção penal. Infrações penais são, portanto, gênero, dos quais são espécie os crimes, sinônimo de delitos, e as contravenções penais. Assim, os três aspectos sobre os quais se poderá conceituar infração penal são formal, que considera um tipo penal incriminador, sob ameaça de sanção penal; material, comportamento humano não desejado que acarrete lesão ou traga perigo a determinado bem jurídico tutelado pelo direito penal, sendo, também, cabível sanção penal; e, conceito analítico, que considera os elementos do crime, típico, ilícito, culpável.

O último critério de crime a ser considerado é o analítico. Segundo este, também chamado de formal ou dogmático, os elementos do crime que irão definir se a conduta configura, ou não, crime. A posição predominante quanto aos elementos que compõem a estrutura do crime é de que ele se trata se fato típico, ilícito e culpável, adotando posição tripartida, porém, há quem adote uma teoria quadripartida, que consideraria, também, a punibilidade.

É importante, ainda, conceituar a infração administrativa. Elas se tratam de condutas que contrariam preceitos normativos, sendo cometidas voluntariamente, culminando na ingerência do Estado na vida do particular, que pode ser tanto pessoa física quanto jurídica, com objetivo de proteger interesses sociais, por meio da aplicação de sanções de cunho administrativo. Cabe ainda frisar que essas sanções são restritivas de direito, e não restritivas de liberdade. (RAMOS, Patrícia apud ANDRADE, Kátia.)

Além disso, também é importante conceituar despenalização e descriminalização, pois, esses conceitos serão utilizados com o objetivo de classificação da conduta mencionada, e tem sido, muitas vezes, utilizadas de forma equivocada, como sinônimos, o que alerta o jurista Carlos Pinto de Abreu ao TSF. Enquanto a descriminalização consiste na retirada de determinado comportamento do rol dos crimes tipificados no Código Penal, a despenalização seria a transformação daquela conduta ilícita em lícita, ou seja, esta seria muito mais abrangente, e, não necessariamente, trataria de uma situação tipificada como crime.

  1. 2.      Análise do art. 1º do DL 3.914/41

 

Como mencionado anteriormente, o art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal (Decreto-Lei 3.914, de 9 de dezembro de 1941), que versa sobre matéria penal e foi recepcionadana Constituição Federal de 1988, traz a distinção entre crime e contravenção penal. Assim, cabe a discussão sobre se esse art.1º da LICP seria óbice à estipulação de crime sem aplicação de penas de detenção e reclusão, como acontece na Lei de Drogas, conforme voto do Ministro relator Sepúlveda Pertence, tendo em vista que o conceito de crime pressupõe que haja ou reclusão ou detenção.

É oportuno levantar que a Lei de Introdução do Código Penal (LICP) passou a viger em 1º de janeiro de 1942, época de período autoritário no Brasil, do Estado Novo, compreendido dos anos de 1937 a 1945.A nova Lei de Drogas, no entanto, se confronta com a LICP, pois, por não prever pena de reclusão nem detenção, não seria, portanto, considerada crime. O §6º do artigo 28, por outro lado, prevê aplicação de multa como forma de se cumprir medidas educativas. O artigo 28, assim, poderia ser considerado contravenção penal, e a discussão será justamente a respeito de ser contravenção penal, crime, ou haver descriminalização ou despenalização da conduta.

Em comparação às penas previstas na LICP, importante destacar as penas previstas pelo Código Penal. O artigo 32 classifica as penas em três formas: privativas de liberdade, restritivas de direitos e multa. No artigo 43 do CP, encontra-se a previsão das penas restritivas de direitos, podendo ser, inclusive, a prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas.

No artigo 28 da Lei 11.343/06 é possível visualizar que, dentre as medidas educativas presentes no dispositivo, encontram-se as penas restritivas de direitos, qual seja, a prestação de serviços à comunidade, como consta no inciso II. Nesse sentido, a Nova Lei de Drogas estaria em consonância com o Código Penal, e, ainda, pode-se afirmar que a LICP encontra-se em conformidade com os princípios constitucionais.

É possível fazer tal afirmação, pois, o artigo 5º, inciso XLVI, da CF/88 apresenta penas que se aplicam ao princípio da individualização da pena, qual seja, privação ou restrição de liberdade, perda de bens, multa, prestação social alternativa e suspensão ou interdição de direitos aos infratores da lei penal. O artigo 28 da Lei de Drogas, como já sustentado anteriormente, prevê, dentre as penas, a prestação de serviços à comunidade. Assim, segundo esse ponto de vista, a posse de drogas prevista no artigo 28 seria considerada crime.

Além dessa previsão constitucional, cabe destacar que no artigo 5°, XLVI, a CF/88 adotou a expressão "adotará entre outras as seguintes penas". Nesse sentido, a Constituição permitia que o legislador pudesse prever outras formas de penas, obedecidos os limites presentes no artigo 5º da CF, inciso XLVII, que trata das hipóteses de morte, com algumas exceções; de caráter perpétuo; de trabalhos forçados; de banimento; e cruéis.A partir dessa faculdade concedida ao legislador, a Lei 11.343/06 adotou, além da pena já mencionada, também, duas outras, as quais denominou de “medidas educativas” por ter como objetivo a prevenção, com caráter educacional.

  1. 3.       Distinção entre os artigos 28 e o artigo 33 da Lei 11.343/2006.

A temática da natureza jurídica do art.28 da Lei de Drogas é importante, pois, esse artigo recebe por título ‘Dos Crimes e das Penas’, e prevê somente penas-alternativas para o agente que porta drogas para consumo pessoal. No artigo 33, por sua vez, que vem sob título ‘Dos crimes’, há previsão de pena de reclusão de cinco a quinze anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos dias-multa). Nesse sentido, pretende-se diferenciar as condutas previstas nos artigos 28 e 33, caput, para verificar se a não previsão de pena de reclusão e detenção no artigo 28 da Lei 11.343/2006 implica na sua descriminalização e despenalização.

O artigo 28 da Lei de Drogas diz respeito ao crime de porte de drogas para uso próprio. Ele prevê que haverá punição para aquele que, a título de dolo, adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo a droga. Caso ela já tenha sido usada, não será hipótese de nenhum desses núcleos do tipo, mas sim, fato atípico, por desaparecer a materialidade delitiva. Nesse artigo, as penas restritivas de direitos são as principais, e, haverá prescrição do crime em dois anos, tanto em caso de ser punitiva quanto executória, o que vem previsto no artigo 30 da Lei de Drogas.

O crime de tráfico de drogas, por sua vez, que vem expresso no artigo 33 da Lei, possui 18 núcleos do tipo, sendo crime de ação múltipla ou de conteúdo variado. Se o sujeito ativo praticar mais de um núcleo no mesmo contexto fático, o crime continua sendo único. O juiz é que vai considerar a pluralidade de núcleos na fixação da pena. Todavia, faltando proximidade entre as condutas, haverá concurso de crimes.

O agente deve praticar as condutas, necessariamente, com a ausência de autorização ou com desvio de autorização, mesmo que esta tenha sido concedida de modo regular, sendo esses os elementos normativos que caracterizam a ilicitude da conduta. A quantidade de droga não é condição para diferenciar o crime do porte para uso próprio, art. 28, do crime de tráfico de drogas, art.33, mas sim, os requisitos da quantidade e natureza da substância ou do produto apreendido, o local e as condições em que se desenvolveu a ação criminosa, as circunstâncias da prisão, a conduta, a qualificação e os antecedentes do agente.

Esse crime do artigo 33 requer que o agente tenha agido com dolo, ou seja, que tenha conhecimento de que a substância que mantêm em depósito se trata de uma droga proibida, sendo, também, caracterizado como crime formal, pois, para que se consume, independe da obtenção dos lucros, bastando a prática de qualquer um dos núcleos, havendo crimes que são permanentes, ou seja, se prolongam no tempo, como o de guardar, manter em depósito e trazer consigo. Nestes casos, a qualquer momento cabe flagrante, pois, a prescrição só começa a ser contada depois de cessada a permanência.

Dentre os bens jurídicos tutelados, o primário é a saúde pública, e o secundário, a saúde individual de pessoas que integram a sociedade. Como sujeito ativo do tráfico, trata-se de crime comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa, porém, no núcleo prescrever, trata-se de crime próprio, só podendo ser praticado por médico ou dentista. Os sujeitos passivos são, primeiramente, a sociedade, e de forma secundária, alguém prejudicado com a ação do agente.

O objeto material no crime previsto no artigo 33 é a própria droga, e prevalece entendimento de que o tráfico é crime de perigo abstrato, ou seja, o perigo que decorre desse tipo de comportamento é presumido em lei. Em comparação ao crime de porte de drogas para consumo pessoal, o STF admitiu o princípio da insignificância, porém, no de tráfico de drogas, não, pois não se trataria apenas do usuário.

 

  1. 4.      Natureza jurídica do artigo 28 da Lei de Drogas:

Em relação à natureza jurídica do artigo 28 da Lei de Drogas, cabe apresentar as suas três principais correntes, tendo em vista que ainda não há um resultado preciso para o tema. Enquanto para duas delas não se classifica a conduta do porte de drogas para uso próprio como crime, mas sim, como fato atípico ou infração penal sui generis, para outra corrente, tal conduta é classificada como crime. Assim, serão analisados os argumentos para cada um desses posicionamentos, princípios que possam sustentar, assim como qual a posição adotada pelo STF e qual posicionamento tem prevalecido.

Primeiramente, será tratado sobre a corrente que classifica a natureza jurídica do artigo 28 da Lei de Drogas como crime. Para o Ministro Sepúlveda Pertence, esse artigo faz parte do Direito Penal e é “crime”, o que também sustentam Vicente Greco Filho e João Daniel Rassi. (GRECO, Vicente; RASSI, João, 2007, p.43). Além disso, esta é a posição amplamente dominante, e a qual Cleber Masson também se filia. (MASSON, 2012, p.173).

Os fundamentos para isso seriam de que o capítulo que se refere ao art. 28 é intitulado como “Dos Crimes”; o § 4º desse artigo trata sobre reincidência, o que já remete ao fato da conduta tipificada ser crime; o artigo 30 da Lei de Drogas traz que “prescrevem em 2 (dois) anos a imposição e a execução das penas, observado, no tocante à interrupção do prazo, o disposto nos arts. 107 e seguintes do Código Penal”, ou seja, fala em prescrição, o que só poderia ser previsto por crimes ou contravenções penais; e, além disso, o artigo 5º, inciso XLVI admite outras penas, além das de reclusão ou detenção.

Segundo decisão do Supremo Tribunal Federal, ao analisar a natureza jurídica do art.28 da Lei 11.343/2006 (posse de drogas para consumo pessoal), a conduta deve ser enquadrada como crime, justificando-se pelos argumentos já apresentados anteriormente, quando se tratou da primeira corrente. Além desses, cumpre apresentar, também, como fundamentação, como vem na Lei 11.343/06, Título III, Capítulo III, arts. 27 e 30, que:

O art. 1º da LICP - que se limita a estabelecer um critério que permite distinguir quando se está diante de um crime ou de uma contravenção - não obsta a que lei ordinária superveniente adote outros critérios gerais de distinção, ou estabeleça para determinado crime - como o fez o art. 28 da L. 11.343/06 - pena diversa da privação ou restrição da liberdade, a qual constitui somente uma das opções constitucionais passíveis de adoção pela lei incriminadora (CF/88, art. 5º, XLVI e XLVII).

Para a segunda corrente, não seria crime, mas sim, infração penal sui generi, como sustentam Luiz Flávio Gomes, Alice Bianchini, Rogério Sanches Cunha e William Terra de Oliveira (GOMES, Luís Flávio; BIANCHINI, Alice; CUNHA, Rogério Sanches; OLIVEIRA, William, p.126, 2006). Os fundamentos são os de que o nome do capítulo nem sempre equivale ao conteúdo de que trata; reincidência estaria sendo apresentado enquanto uma repetição de fato; ilícitos civis, administrativos e atos infracionais também prescrevem; e, por se diferenciar as penas previstas para crime e contravenção penal, pois, enquanto para a primeira haveria pena de reclusão e detenção, na segunda, é previsto prisão simples, como traz o artigo 48, §2º, no Capítulo III da Lei de Drogas, tratando sobre Procedimento Penal:

§ 2o Tratando-se da conduta prevista no art. 28 desta Lei, não se imporá prisão em flagrante, devendo o autor do fato ser imediatamente encaminhado ao juízo competente ou, na falta deste, assumir o compromisso de a ele comparecer, lavrando-se termo circunstanciado e providenciando-se as requisições dos exames e perícias necessários.

Por fim, para a terceira corrente, a conduta prevista no artigo 28 da Lei de Drogas, não seria considerada crime, mas sim, fato atípico. Isso se justifica, pois, a Lei 11.343/06 trata sobre medida educativa, e não sobre medidas punitivas; a desobediência da “pena” não acarreta em nenhuma consequência penal; segundo princípio da intervenção mínima, Direito Penal só deve ser aplicado como último recurso, tendo em vista que o que se pretende punir é a conduta e não o indivíduo, quando se tratar de resoluções que afetem os bens jurídicos mais importantes; e, no caso do porte de drogas para consumo pessoal, a saúde individual é um bem jurídico disponível, logo, a conduta não deve ser tida como crime.

4.1.      Discussão acerca da (des) criminalização e da (des) penalização da conduta inserta no art. 28 da Lei 11.343/2006

Em relação à natureza jurídica do artigo 28 da Lei de Drogas foram defendidas diferentes correntes. Para o Ministro Sepúlveda Pertence, esse artigo faz parte do Direito Penal e é “crime”; para Luiz Flávio Gomes, pertence ao Direito Penal, mas não é “crime”, e sim, uma infração penal sui generis; e, para Alice Bianchini, não faz parte do Direito Penal, mas sim, uma infração do Direito judicial sancionador, tanto quando a sanção alternativa é fixada em transação penal quanto quando imposta em sentença final. Daí podem ser feitas algumas conclusões acerca da (des) criminalização e da (des) penalização da conduta inserta no art. 28 da Lei 11.343/2006.

Para o Ministro Sepúlveda Pertence, houve mera despenalização, não se podendo falar em abolitio criminis. A 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário 430.105 QO/RJ, em 13.02.2007, com argumentos apresentados pelo relator Ministro Sepúlveda Pertence, trouxe que:

Considerou-se que a conduta antes descrita neste artigo continua sendo crime sob a égide da lei nova, tendo ocorrido, isto sim, uma despenalização, cuja característica marcante seria a exclusão de penas privativas de liberdade como sanção principal ou substitutiva da infração penal. Afastou-se, também, o entendimento de parte da doutrina de que o fato, agora, constituir-se-ia infração penal sui generis, pois esta posição acarretaria sérias consequências, tais como a impossibilidade de a conduta ser enquadrada como ato infracional, já que não seria nem crime nem contravenção penal, e a dificuldade na definição do seu regime jurídico. Ademais, rejeitou-se o argumento de que o art.1º do DL 3.914/41 (Lei de Introdução ao Código Penal e à Lei de Contravenções Penais) seria óbice a que a nova lei criasse crime sem a imposição de pena de reclusão ou de detenção, uma vez que essa disposição apenas estabelece critério para a distinção entre crime e contravenção, o que não impediria que lei ordinária superveniente adotasse requisitos gerais da diferenciação ou escolhesse para determinado delito pena diversa da privação ou restrição de liberdade. Aduziu-se ainda, que, embora os termos da Nova Lei de Tóxicos não sejam inequívocos, não se poderia partir da premissa de mero equívoco na colocação das infrações relativas ao usuário em capítulo chamado “Dos Crimes e das Penas”. Por outro lado, salientou-se a previsão, como regra geral, do rito processual estabelecido pela Lei 0.099/95.

Para Luiz Flavio Gomes houve descriminalização formal e ao mesmo tempo despenalização, mas não abolitio criminis. Assim, acabou tanto o caráter da posse de droga para consumo pessoal como conduta criminosa, como a pena de prisão imposta ao usuário de droga, não sendo mais o fato punido com reclusão ou detenção, como previsto no artigo 1º da LICP, nem como infração administrativa, tendo em vista que as sanções cominadas devem ser aplicadas pelo juiz dos juizados criminais. Nesse sentido, resta afirmar que, por a conduta de portar drogas para uso próprio continuar sendo penalmente punível, se encontraria diante de uma infração penal sui generis.

Por fim, Alice Bianchini entende que teria ocorrido descriminalização substancial, ou seja, abolitio criminis. Os argumentos para sustentar essa posição são os de que, embora o artigo 28 da Lei de Drogas encontrar-se inserido no capítulo “Dos crimes e das penas”, na mesma Lei, há dispositivos que se referem a medidas educativas; duas das consequências previstas no artigo 28 têm natureza meramente educativa, ou, educativa e repressiva; nenhuma das consequências, quando em razão de transação penal, gera consequência relacionada com Direito penal; a realização de uma transação penal, ao se tratar da conduta do artigo 28 da Lei de Drogas não impede que outra seja realizada dentro do lapso de cinco anos; as medidas impostas não se enquadram na estrutura e sistematização do Direito penal; ouvidos o Ministério Público e o defensor, essas medidas podem ser, a qualquer momento, substituídas; a natureza jurídica da sentença condenatória produz efeitos típicos do Direito judicial sancionador, e não consequências penais, entre outros argumentos.

CONCLUSÃO

Embora haja uma corrente doutrinária que sustente haver a descriminalização na conduta prevista no artigo 28 da Lei 11.343/06, capitaneada por Luiz Flávio Gomes, o entendimento que prevalece acerca da natureza jurídica do artigo 28, da posse de drogas para consumo próprio, é de ser crime. Assim, não haveria descriminalização, sendo esse argumento refutado pelo fato de o artigo 1º da LICP ser de frágil sustentação, pois, este artigo apresenta a diferença entre as penas de crimes e contravenções penais como único critério diferenciador.

No entanto, além da LICP, o próprio Código Penal, em sua parte geral, reformada em 1984, apresentou outras penas, além das de reclusão, detenção, prisão simples e multa, pois, considerou que além das penas privativas de liberdade, haviam também as penas restritivas de direitos, incluindo-se nelas a prestação de serviços à comunidade, pena esta, também cominada para aqueles que portam drogas para consumo pessoal, previsto no art. 28, II, e § 6º, II, da Lei 11.343/06.Além disso, a Constituição da República autoriza o legislador infraconstitucional à criação de outras penas, conforme previsto no art. 5º, inc. XLVI, a expressão "adotará entre outras as seguintes penas", e, também, pelo procedimento que recebe e por o legislador ter optado dar penas mais brandas, por se referir a medidas educativas.

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