RECOMENDAÇÕES RECENTES DAS DIRETRIZES INTERNACIONAIS

Introdução

Devido a sua elevada prevalência, causas diversas e formas de manifestação clínica, o tratamento da fibrilação atrial na atualidade, apesar de ainda constituir um desafio para o cardiologista, vem se tornando mais racional nos últimos anos, graças ao descobrimento dos mecanismos de origem e manutenção, a partir dos estudos experimentais, e também de estudos clínicos controlados e com seguimento de longo prazo. Quanto ao antigo dilema, reverter ou não, ensaios clínicos concluídos recentemente demonstraram que, a prática de se realizar apenas o controle da freqüência ventricular, não parece ser inferior à conduta de reverter a fibrilação atrial e manter o ritmo normal com fármacos antiarrítmicos, no que diz respeito a mortalidade eacidente vascular cerebral, no entanto, apesar destes achados, os pacientes nos quais o ritmo sinusal é mantido, apresenta melhor qualidade de vida.

As publicações disponíveis sobre os mais diferentes aspectos envolvendo a fibrilação atrial, muitas vezes não permitem uma conclusão definitiva sobre a forma de abordar os pacientes, tornando necessária a elaboração de diretrizes para se tentar uniformizar a forma de tratamento, baseadas nas informações dos estudos mais relevantes na área, atualmente disponíveis. Nesta monografia serão apresentadas as recentes recomendações obtidas a partir das diretrizes americanas e européias para o tratamento de pacientes com fibrilação atrial (Fuster V et al. ACC/AHA/ESC 2006 Guidelines for the management of patients with atrial fibrillation. JACC 2006; 48:e149-246). Deve-se considerar inicialmente o tipo de fibrilação atrial no qual se encontra o paciente, pois a conduta difere naqueles com a forma aguda, crônica persistente ou crônica permanente.

Classificação da Fibrilação Atrial

Várias classificações foram propostas para a fibrilação atrial, algumas baseadas na forma de apresentação clínica, apresentação eletrocardiográfica, dos eletrogramas endocavitários ou ainda epicárdicos. A classificação de uma arritmia deve contemplar o máximo de informações para poder facilitar a escolha da melhor forma de tratar. A classificação atual recomendada é aquela que considera a forma de apresentação clínica e é a que se segue: a) primeira fibrilação atrial detectada (não significando necessariamente o primeiro episódio); b) forma paroxística (que se interrompe espontaneamente); c) forma persistente (que não se interrompe espontaneamente); d) forma permanente (aquela refratária às diferentes técnicas de cardioversão). As orientações que se seguem baseiam-se principalmente nessa classificação, que embora não atenda a todos os requisitos, parece ser a mais simples e objetiva.

Reversão ou não ao ritmo sinusal

O tratamento da fibrilação atrial sintomática pode variar de paciente para paciente. A reversão ao ritmo sinusal deve ser praticada, se possível, pelo menos uma vez em pacientes com fibrilação atrial. A decisão deverá ser baseada em critérios clínicos. Não há dúvidas de que a cardioversão deva ser realizada em caráter emergencial em pacientes nos quais a fibrilação atrial se manifesta com baixo débito cardíaco, em casos de colapso hemodinâmico e estiver agravando quadros de insuficiência cardíaca, ou for ainda causa de angina em pacientes coronariopatas.

Pacientes que se apresentam com quadros de fibrilação atrial aguda, têm a chance de reversão espontânea em 24 horas em até 85-90% dos casos. Não raramente, apenas o controle da freqüência ventricular para aliviar os sintomas pode ser suficiente nessa população. Um fármaco antiarrítimico pode ser indicado apenas para acelerar o processo de reversão, pois no seguimento clínico o restabelecimento do ritmo normal ocorre na maioria dos casos sem que nenhuma conduta mais agressiva seja necessária. Os estudos demonstram que em pacientes com fibrilação atrial aguda, após 24 horas o ritmo sinusal pode estar presente de maneira similar naqueles que receberam antiarrítmicos como também naqueles que receberam placebo. Menor probabilidade de reversão espontânea ocorre nos pacientes cuja duração supera as 48 horas, nos cardiopatas e naqueles com coronariopatia.

Em indivíduos jovens, sem cardiopatia, com fibrilação atrial paroxística recorrente, apenas o controle da freqüência ventricular pode ser uma conduta razoável, e a prevenção de recorrências com fármacos antiarrítmicos considerada naqueles sintomáticos. Nessa população, sempre considerar a opção da anticoagulação nos indivíduos de risco para tromboembolismo. A ablação com radiofreqüência, abordando as veias pulmonares, está indicada, em casos selecionados, quando a terapêutica antiarrítmica falha.

Pacientes sintomáticos que se apresentam pela primeira vez com a arritmia ou estão com fibrilação atrial com duração de várias semanas (fibrilação atrial persistente recorrente), devem ser submetidos a anticoagulação, receberem fármacos para o controle da freqüência cardíaca e, posteriormente, realizar a reversão ao ritmo sinusal, inicialmente com antiarrítmicos (cardioversão química) ou então através da cardioversão elétrica.

A conduta de se utilizar medicamentos antiarrítmicos precedendo a cardioversão elétrica já está bem estabelecida, porque pode causar o restabelecimento do ritmo sinusal em cerca de 40 a 50% dos casos ou então, aumentar a chance de manutenção deste após o choque. Apesar de mais simples e poder ser realizada ambulatorialmente, a cardioversão química é menos eficaz que a forma elétrica. O sucesso dessa abordagem é maior quando a fibrilação atrial tem duração de no máximo 7 dias (formas aguda de fibrilação atrial). Depois deste período as modificações estruturais e elétricas dos átrios reduzem a eficácia dos fármacos. Lembrar da possibilidade de efeitos pró-arrítmicos dos antiarrítmicos, além de sua interação com os anticoagulantes, que podem ter seus efeitos intensificados ou amenizados, dificultando o controle da anticoagulação precedendo a cardioversão. Não há qualquer estudo demonstrando que o risco de tromboembolismo seja diferente quer a cardioversão seja do tipo química ou elétrica.

Pacientes nos quais a fibrilação atrial é sintomática e o controle da freqüência cardíaca não alivia os sintomas, devem ser submetidos a cardioversão. Os idosos assintomáticos, quando a freqüência ventricular está bem controlada, podem se abster da cardioversão, particularmente naqueles com história de hipertensão arterial e doença cardíaca. Nesses casos, entretanto, a anticoagulação deve ser mantida.

Cardioversão Química

A cardioversão química da fibrilação atrial aguda (com duração menor que 7 dias) pode ser realizada inicialmente com fármacos antiarrítmicos do grupo IC, no Brasil representado pela propafenona. O esquema pill in the poket utiliza doses de 600 mg via oral (para indivíduos com mais de 70 Kg) ou de 450 mg via oral (para aqueles com menos de 70 Kg) que restabelece precocemente o ritmo sinusal em até 94% dos casos.Este esquema pode ser empregado fora do ambiente hospitalar somente quando fora testada sua eficácia e segurança, no mesmo paciente, previamente dentro do hospital. Este fármaco está contra-indicado em pacientes com disfunção ventricular, com insuficiência cardíaca aparente, naqueles com doença pulmonar obstrutiva crônica; pacientes com história de doença do nódulo sinusal, bradicardia e bloqueio atrioventricular do segundo grau; não devendo ser prescrito a pacientes com idade acima de 80 anos. Quando da sua administração, recomenda-se a utilização concomitante de beta-bloqueadores ou antagonista dos canais de cálcio para impedir elevações da freqüência ventricular caso a fibrilação atrial se transforme em flutter atrial.

A amiodarona é uma outra opção para a reversão química da fibnrilação atrial. Em pacientes internados, a dose oral recomendada é de 1,2 a 1,8 g fracionada em doses menores, até o total de 10 g, seguido de 200 a 400 mg ao dia (manutenção), ou então, na dose única de 30 mg/kg; em pacientes não internados recomenda-se a dose de 600 a 800 mg em doses fracionadas, até um total de 10 g, seguida de 200 a 400 mg (manutenção). Uma outra opção é a administração venosa, na dose de 5 a 7 mg/Kg por 30 a 60 minutos, seguida de 1,2 a 1,8 gramas por dia em infusão contínua ou em doses fracionadas, até um total de 10 g, seguida de 200 a 400 mg ao dia (dose de manutenção).

A quinidina deve ter seu uso limitado a casos selecionados devido ao risco de efeitos colaterais e pró-arrítmicos, que muitas vezes inviabilizam seu emprego. Já se demonstrou que o risco de óbito com este agente é duas vezes maior do que aqueles que receberam placebo. Caso se opte por sua utilização recomenda-se a internação do pacientes por pelo menos três dias. O sotalol não é um bom agente para a reversão química da fibrilação atrial devido às suas propriedades eletrofisiológicas. Este fármaco tem efeito freqüência dependente reverso, ou seja, tem melhor atuação em freqüências cardíacas mais lentas, fato que não acontece na fibrilação atrial pois a freqüência atrial é extremamente rápida.

Prevenção de Recorrências de Fibrilação Atrial

Esta talvez seja a etapa mais importante do tratamento de pacientes com fibrilação atrial após o restabelecimento do ritmo sinusal. È fundamental que um fármaco seja administrado pois, do contrário, a chance de recorrências é muito elevada. Aqui também se ressalta a importância da administração do antiarrítimico até mesmo previamente à cardioversão para se prevenir as recorrências imediatas após o choque. Vários fatores estão relacionados com a recorrência, desde o remodelamento elétrico atrial, responsável pela recorrência precoce, remodelamento histológico, responsável prelas recorrências tardias, além de influências autonômicas, insuficiência cardíaca (ingestão abusiva de sal e retenção hídrica), falta de medicação coadjuvante (diuréticos, inibidores de ECA), etc.

Na dependência da presença ou não de cardiopatia, hipertensão arterial ou coronariopatia, deve-se empregar um agente que apresente o perfil de maior eficácia, segurança e tolerabilidade. De maneira geral para os pacientes sem cardiopatia, fármacos do grupo IC, além do sotalol podem ser empregados com segurança, com baixo risco de efeitos pró-arritmicos. Por outro lado, pacientes com disfunção ventricular, insuficiência cardíaca, coronariopatas ou hipertensos com hipertrofia ventricular esquerda, a amiodarona ou, alternativamente em casos selecionados, a terapêutica não farmacológica empregando a ablação das veias pulmonares com cateter e radiofreqüência.