Espinosa inicia seu texto do Capítulo XX do seu Tratado, mostrando que não é tão fácil "mandar" nos ânimos como é "mandar" nas línguas.

Ainda no primeiro parágrafo, Espinosa mostra, que por mais que se queira, nem um homem pode se sujeitar por completo ao poder de outrem; por mais que esteja sujeito a outrem, isto não irá impedir de que 'tal' homem não raciocine da maneira que quiser, e sobre o que quiser. E, que por mais que algum "soberano" consiga subjugar seus súditos, a ponto de querer fazer com que os súditos admita segundo o querer do soberano o que é correto e o que é errado, não irá conseguir, tirar a liberdade dos súditos de pensar livremente e dar juízo de valor livremente sobre o que quiser e quando quiser. Espinosa usa como exemplo Moisés, que conquistou toda opinião do povo, mas "não por meio de astúcias mas pela divina virtude" - foi também cercado por problemas como - "boatos e sinistras interpretações". Ora se Moisés não conseguiu escapar de tais problemas "com a ajuda da virtude divina", como outros soberanos poderiam escapar? Espinosa mostra, que por maior que seja o poder daqueles que são considerados intérpretes do "direito e da piedade", estes não podem tirar, e nem evitar que os homens julguem as coisas segundo seu "modo de ser" e de ver as coisas.

Para Espinosa, nem um homem pode renunciar a sua liberdade de pensar sobre o que quiser, pois esta liberdade é um "direito" superior de natureza; não há como o homem renunciar a essa liberdade - liberdade está que faz o homem pensar e julgar como quiser. Para Espinosa, no Tratado (especificamente no capítulo XX), não deve haver um poder que negue aos homens o direito de dizer o que pensa e ensinar o que pensa quando quiser; na verdade, e ao contrário deve haver um poder que lhes garanta o direito de ensinar o que pensa. Ora, mesmo que haja um poder que subjugue os homens impedindo eles de muitas coisas de muitos crimes, não lhes impedira de cometer um crime que "lesa a majestade" por pensamento, ou por palavras: e para Espinosa essa é uma razão do 'porque' não se pode tirar toda liberdade do homem; poderá privar o homem de muitos atos, de muitos crimes, mas não de pensar como quiser, e julgar como quiser. Essa liberdade que se encontra lícita dentro de um Estado livre, deve ser concedida ao homem na medida que não lhe cause "prejuízo da paz social e do direito dos poderes dos soberanos". A liberdade de ensinar o que se pensa, e dizer o que se pensa, pode ser dado aos homens sempre na medida em que não tire a paz social. As bases do Estado, ou como Espinosa chama "os fundamentos do Estado" não é subjulgar as pessoas a força com a ajuda do medo, mas o "fundamento do Estado" é antes manter a liberdade de ensinar o que pensa e dizer o que pensa, e também, libertar os homens de todo medo. Nas palavras de Espinosa, [241] ..."é fazer com que a sua mente e o seu corpo exerçam em segurança as respectivas funções, que eles possam usar livremente a razão e que não se digladiem por ódio, cólera ou insídia, nem se manifestem intolerantes uns para com os outros. O verdadeiro fim do Estado é, portanto, a liberdade.". Logo para Espinosa, o fim e o fundamento do Estado é a Liberdade segundo a razão de dizer o que se pensa e ensinar o que se pensa, libertando os homens de todo medo.

Na base dos 'fundamentos do Estado' ? Estado que tem por fim a Liberdade ? fica claro em que medida pode cada um usufruir da 'liberdade de opinião' sem lesar o poder dos soberanos ? que é o mesmo poder que garante a liberdade.

Para Espinosa se se considera que a 'fidelidade' ao Estado é como a 'fidelidade' a Deus, e que está 'fidelidade' só pode ser demonstrada, só pode ser conhecida pelas obras, pelo amor para com o próximo, deve se deixar claro que a liberdade que o Estado oferece, ou deve oferecer, é a mesma liberdade de "filosofar que a fé oferece". Pela razão, no "Estado bom", deve ser permitida a liberdade de pensamento, pois afinal é um poder que não se pode negar, e que faz bem as ciências e as artes, que faz bem ao avanço das ciências. O avanço da ciência só pode ocorrer se a liberdade de "pensar" for estabelecida com êxito dentro de um Estado.

Boa parte dos homens, por pensar diferentemente um dos outros, não suportam que chamem 'delito' aquilo que ele chama 'piedade para com Deus', e se isso acontece, se isso ocorre de maneira que faça o seu pensamento ser diferente das leis estabelecidas fará com que ele não goste das leis, fazendo também com que tal homem as vezes se julgue poder ir contra ? com violência ? aos poderes estabelecidos dentro de um Estado, mas deverá ser mostrado a ele que não poderá agir assim por pensar diferente. Sendo que os homens livres devem sim pensar livremente, mas que as leis devem ser feitas para incentivar as "pessoas de bem" a pensar livremente, e não aceitar que os criminosas acabam com a paz social, fazendo com que ocorra graves riscos ao Estado. Por mais que se possa pensar que a liberdade de dizer o que se pensa e ensinar o que se pensa dentro de um Estado livre, pareça ser errônea por acarretar as vezes alguns inconvenientes, não deve se pensar assim, pois tal liberdade não traz consigo liberdade tal que não possa ser evitada pela autoridade dos poderes estabelecidos dentro de um Estado. Ora cada um renunciou o direito de agir como pensa dever agir, mas a liberdade aqui demonstrada é a liberdade de pensar e de dizer o que se pensa, assim como também ensinar o que se pensa; cada um tem o direito de pertencer a seita que se pertença, cada um tem o direito de pertencer a religião que se pertença, desde que não prejudique a ninguém dentro ou fora da sua mesma religião ou seita, e que aceite viver honestamente.

Em um Estado livre é lícito pensar o que se quiser, e dizer o que se pensa, pois ter liberdade para isso não é inconveniente porque não "lesa majestade" de nenhum poder, ou até porque tal liberdade não pode ser tirada de nenhum homem, pois enquanto algum homem for vivo irá pensar o que quiser pensar e irá julgar como quiser julgar; o fim do Estado é garantir essa liberdade e mantê-la pois não pode ser tirada, mantendo essa liberdade fazendo com que se tenha sempre a paz social e não lese o Estado. Nas Palavras de Espinosa, na Página 309 do Tratado Teológico Político, fica demonstrado no Capítulo XX, isto:

"I ? É impossível tirar aos homens a liberdade de dizerem o que pensam.

II ? Esta liberdade pode ser concedida aos indivíduos sem prejuízo do direito e da autoridade dos poderes soberanos, podendo cada um utilizá-la sem prejuízo ainda desse mesmo direito, desde que daí não retire pretexto para introduzir alterações na legislação do Estado ou para fazer algo que vá contra as leis estabelecidas.

III ? A mesma liberdade não representa nenhuma ameaça em relação a paz, nem acarreta inconvenientes que não possam facilmente neutralizar-se.

IV ? O mesmo se pode dizer em relação a piedade.

V ? As leis promulgadas sobre matérias de ordem especulativa são de todo inúteis.

VI ? Finalmente, a liberdade de opinião, não só pode ser concedida sem que a paz do Estado, a piedade e o direito dos poderes soberanos fiquem ameaçados, como inclusive o deve ser, se se quiser preservar tudo isso. Na verdade, onde quer que se tente retirá-la aos homens, onde quer que as opiniões dos dissidentes sejam levantadas a tribunal e não as intenções, quando só estas é que podem ser pecaminosas, aí, os castigos que se dão para servirem de exemplo, aos olhos dos homens de bem, parecem martírios, e aos outros, enfurecem-nos e induzem-nos mais a ter compaixão, senão mesmo vingar-se do que ficar com medo."...

Conclusão.

No capítulo XX do Tratado Teológico-Político, mostra-se que por mais que a liberdade de pensar e de dizer aquilo que se pensa possa trazer inconvenientes, não traz senão aqueles inconvenientes comuns que sempre ocorrem, e que tal liberdade não há como ser tirada do homem, a liberdade de pensar não pode ser tirada do homem; o fim do Estado é a liberdade, e o fundamento dele, é manter essa liberdade de pensar e de ensinar aquilo que se pensa. O Estado só deve subjulgar aqueles que acham que tem o direito de, com violência, tirar o direito do outrem, o direito de natureza, o direito superior de natureza, de pensar o que quiser, e dizer aquilo que pensa.

Bibliografia: Tratado Teológico-Político de Espinosa.