TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO: DA UNIDADE NACIONAL PARA A DIVISÃO NACIONAL
MARTINHO SOARES DOS SANTOS JÚNIOR

A proposta do trabalho é trazer uma linha de raciocínio para elucidação da história da polêmica ambiental relevante para a vida do semi-árido do Nordeste, mas que abrange uma polêmica comentada no Brasil com sua origem histórica desde a época de Dom Pedro II. Embora o período destacado seja 2004-até os dias atuais. Através de fontes oficiais, de palavras de especialistas, analogia e confrontação de argumentos de legisladores, governo e população e produções acadêmicas outras, compreender a polêmica. Se em cada microregião os recursos hídricos fossem bem geridos , haveria necessidade de um projeto tipo o da Transposição do São Francisco? Ou apenas um mal necessário diante do quadro precário das políticas públicas em relação aos recursos hídricos na História do Brasil? Este caso seria um exemplo intrísico do capitalismo consumista como causa de uma desenfreada devastação ambiental que não respeita o objetivo maior do denominado desenvolvimento sustentável? Ou verdadeira solução?












INTRODUÇÃO


Na elaboração de uma trilha para compreender a questão ambiental da chamada Transposição do Rio São Francisco, com os argumentos favoráveis e os desfavoráveis, as influências políticas e a mentalidade revelada na opinião pública, tudo comparando o projeto oficial com a observação de especialistas. Deste modo analisar uma parte dessa polêmica desde o tempo de D. Pedro II surge e ressurge na história do Brasil. A questão é saber da viabilidade do projeto, das questões políticas que tangem o assunto, da existência ou não da denominada indústria da seca.
A Bacia do São Francisco, da qual ele é o principal e onde há muitas quedas d´água, aproveitadas para gerar energia elétrica.
Várias usinas.As de Paulo Afonso, Sobradinho a de Xingó para o Nordeste, sendo a de Três Marias para parte da Região Sudeste.
O Rio São Francisco é o único rio perene que atravessa a região mais seca do Brasil, o semi-árido. Suas águas são para irrigação e no trecho mais plano do seu curso entre Pirapora(MG) e Juazeiro (BA) é feita a navegação.
O Velho Chico, como é chamado carinhosamente, foi descoberto em 4 de outubro de 1501, é o rio mais importante do Nordeste.Desde o período colonial é uma importante via de navegação e de ligação, o que lhe rendeu várias denominações, exemplos:
Nilo brasileiro, porque como o Nilo, atravessa uma região semi-árida;
Rio da Unidade Nacional, por ser um elo do sudeste com o nordeste do país;
Rio dos Currais, por ter servido de trilha para transporte e criação de gado na época colonial;
Opará, como os primeiros habitantes indígenas de região o chamavam e que significa Rio-Mar.
A idéia de transposição das águas desde a época de D. Pedro II, naquela época sendo vista como única solução para a seca do nordeste.Naquela época não havia recursos de engenharia. Ao longo do século XX, a transposição do São Francisco continuou a ser vista como única solução para o acesso a água no Nordeste.A discussão foi retomada em 1943 por Getúlio Vargas.O primeiro projeto consistente surgiu no governo João Batista de Oliveira Figueiredo após a maior estiagem da história (1979 ? 1983), executado pelo Departamento Nacional de Obras Contra a Seca.Em agosto de 1994, o presidente Itamar Franco enviou um Decreto ao Senado, declarando de interesse da união estudos sobre o potencial hídrico bacias das regiões Semi-Áridas dos Estados do Pernambuco, Ceará, rio Grande do Norte e Paraíba.
FHC assinou documento "compromisso pela Vida do São Francisco", propondo a revitalização do rio e a construção dos canais de transposição. Previa a transposição do Rio Tocantins para o Rio São Francisco.
Durante o primeiro mandato do presidente Lula, o governo federal contratou as empresas Ecology and Enviroment do Brasil, Agrar Consultoria e Estudos Técnicos e JP Meio Ambiente para reformularem e continuarem os estudos ambientais para fins de licenciamente do projeto pelo Ibama.
Estas empresas foram responsáveis pelos Estudos de Impacto Ambiental ? AIA e pelo Relatório de Impacto Ambiental (Rima). Apresentados em julho de 2004.
A primeira vez que se falou em utilizar-se das águas do Rio São Francisco para combater os efeitos da seca no sertão Nordestino foi em 1820 (D. João VI)
A partir de 1838, quando foi criado o IHGB, começam os estudos sobre essa região;
Em 1859, acontece a primeira missão formada por geólogos, botânicos, zoólogos, astrônomos e geógrafos, que elaborou o primeiro trabalho de reconhecimento
do norte do Nordeste, em 1859. Nesse estudo é apresentada a idéia da construção de um canal ligando o Rio São Francisco ao Rio Jaguaribe;
Entre 1877 e 1879, durante a grande seca que vitimou 1,7 milhão de pessoas de fome e de sede. O imperador D.Pedro II institui uma Comissão Imperial incumbida de minorar os efeitos da seca. Novamente, a idéia da construção do canal ligando o Rio Jaguaribe ao do Rio São Francisco reaparece;
Em 1909, foi criada a Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS), que reuniu especialistas estrangeiros para os primeiros estudos das águas subterrâneas do Nordeste ? alternativa mais viável naquele momento. Em 1913, a idéia da construção de um canal interligando o rio São Francisco ao rio Jaguaribe é de novo apresentada;

Em 1958, foi criada a Sudene. A idéia da transposição não é posta em prática por conta de não haver energia elétrica para acionar as bombas para transporte da água. Ainda nos anos 1980, o DNOCS elaborou um anteprojeto de integração de águas SF com as bacias do Semi-Árido Setentrional. A idéia era, então, captar 15% da vazão. Retomado e detalhado em 1994, a captação proposta é reduzida para 7,5% da vazão Sobradinho. ( Guimarães, 2008).
A questão suscitada aqui, nesse contexto histórico atual da modernidade tecnológica, é principalmente se existe de fato uma viabilidade que justifique a gama de investimentos que estão sendo canalizados para o polêmico projeto da chamada Transposição do Rio São Francisco. Mesmo com todo aparato tecnológico há especialistas no assunto que afirmam não haver resultados nem impactos positivos que compensem tudo o que pretendem somar para concretizar o projeto. Há aqueles que defendem, geralmente os políticos da região do semi-árido do Nordeste, mas mesmo entre estes há também os que não aprovam o projeto. O fato provoca reflexão quando observamos as populações ribeirinhas que vivem em precárias condições de abastecimento de água e de pobreza, até miséria.
Estatísticas mostram a pressão por água nas Áreas mais próximas do Rio São Francisco (GUIMARÃES: 2008).
Exemplo de um dos vários argumentos que desaprovam o projeto da transposição, segundo o engenheiro João Abner Guimarães, a água gasta para movimentar as turbinas de bombeamento da água transposta é de acordo com os cálculos em maior volume do que a água transposta.
Outra colocação aqui é o fato não de se posicionar contrário a uma atenuação do problema da seca no Nordeste, todavia buscar alternativas mais justificáveis até porque pela própria história da região sabemos da existência da denominada "indústria da seca", termo que faz referência a um exagero alardeado pelos próprios políticos em relação ao problema da seca, com a finalidade de obter verbas e benefícios em proveito próprio enquanto os mais afetados e carentes acabam por não ter acesso a eles. Ou seja, fabricam uma seca maior que a realidade para lucrarem particularmente e com seus poucos apadrinhados.
Ainda outra colocação é a de que deveria haver políticas públicas que atendessem no sentido não de eliminar a seca, visto que isso não é possível, entretanto, atenuar o problema tornando a convivência com ele bem menos sofrida. Isto seria realizável não fosse às querelas políticas interferirem no que seriam as soluções locais e livres da indústria da seca, aumentando os reservatórios de água e administrando para o bem coletivo e não de uma pequena minoria privilegiada, que faz uso de um recurso natural como instrumento de dominação e opressão.
Um conjunto de medidas são necessárias e viáveis economicamente e com critérios científicos e técnicos, não apenas uma conveniência e um projeto para servir a interesses de grupos que podemos constatar representam o que há de mais retrógado e arcaico em termos de práticas políticas, descendem das antigas oligarquias coronelísticas que se perpetuaram mesmo após o Governo de Getúlio ter afirmado combatê-las, na "Revolução de 30, enquanto ele próprio era descendente de oligarquia coronelística.
Apesar da indústria da seca se reproduzir neste episódio da história brasileira, encontramos depoimentos de pessoas que, mesmo pertencendo às elites políticas afirmam ser contrárias ao Projeto São Francisco porque estudaram o assunto e não perceberam resultados satisfatórios. É o caso de Tereza Collor, irmã do ex-Presidente Fernando Collor de Melo.Ela é formada em história e estuda também a polêmica do São Francisco, ao conceder entrevista no dia 12/07/2008 no programa Flash de Amaury Júnior na Rede TV.
A influência política interferindo de maneira negativa em questões ambientais é uma prática antiga e corriqueira na História do Brasil. Vejamos um exemplo em Warren Dean:
"... Um projeto de lei foi apressadamente introduzido na Assembléia Legislativa do estado pelo deputado Cunha Lima, que teria arrendado o pontal inteiro a particulares, sob a condição de que cada um conservaria, conforme a cobertura florestal de um quarto de sua áreas arrendada. Isso seria, conforme declarava cinicamente, uma garantia melhor para a floresta porque o estado era incompetente para proteger suas reservas..." (Dean, 1996:295)
A história se repete atualmente quando outro Cunha Lima, o governador Cássio Cunha Lima é favorável ao projeto São Francisco que incrementará o orçamento da Paraíba em 700 milhões de reais por ano segundo dados da própria Secretaria Estadual de Recursos Hídricos.
Outro aspecto curioso foi a forma de aprovação do Projeto São Francisco, ele foi aprovado por decreto e não por estudos realistas através de órgãos cuja finalidade é tratar desses assuntos, por exemplo a ANA ( Agência Nacional de Águas) que segundo o engenheiro João Abner Guimarães, não aprovaria tal projeto.
Portanto, a viabilidade técnica é referendada em muitas publicações , uma delas diz:
"A transposição do Velho Chico é um projeto politicamente inconseqüente, economicamente inviável, socialmente injusto e ecologicamente covarde. Bastaria uma dessas quatro condições ser verdadeira para justificar o abandono do projeto..."


O IBAMA ao fornecer dados, caiu em contradição, posicionou-se a favor mesmo fornecendo dados que reconhecem 70% de água será para a irrigação e 26% para o abastecimento de cidades, sendo a maior parte de água destinada para açudes onde se perde até 75% por evaporação; 20% dos solos que se deseja irrigar "têm limitações para uso agrícola" e 62% dos solos precisam de controle, por causa da forte tendência à erosão".
Em suma pode-se afirma que a grande finalidade da transposição é desenvolvimento para siderurgia, indústrias têxteis e fazendas de camarões "carcinicultura" tudo voltado para a exportação.
O que fez até agora o projeto ser aprovado foi um lobby incutido nos partidos políticos e na máquina governamental, uma nova roupagem pode-se dizer para a velha indústria da seca.
É também de uma continuidade negativa, pois uma minoria receberá água para hidro e agronegócio, de custo elevadísimo, levada a 700 km, subsidiada sempre.
O fato é que toda essa polêmica gera confusão que poderia ser evitada já que é observável a nível de localidades menores a falta de providência pelos poderes públicos no sentido de garantir o fornecimento de água em suas áreas. Só para citar um exmplo próximo, a barragem de Vaca Brava na cidade de Areia-Pb, foi construída em 1936 e até os dias atuais, apesar do aumento populacional e conseqüente aumento da demanda encontra-se não só sem ampliação, mas com acúmulo de lama que diminui sua capacidade hídrica.
A questão de haver água subterrânea poderia ser mais um fator de solução para evitar a transposição pois há bacias sedimentares estrategicamente distribuídas (Mapas Brasil.DNPM/1981: 2v.)
Tendo em vista todas essas colocações e outras mais, que não cabem aqui nesse trabalho, pode-se ter uma idéia de como o problema é ocultado da sociedade, por exemplo em discursos que falam com ênfase em "água de beber" para a população da região do semi-árido do Nordeste brasileiro, enquanto verifica-se a realidade contrária do projeto que atende aos interesses de grupos políticos que descendem dos antigos coronéis e privilégios minoritários para destinação de indústrias e produtos de exportação.


Considerações Finais
Primeiramente, observamos a medida em que aprofunda-se os conhecimentos de causa em relação as questões relativas ao tema da Transposição do Rio São Francisco, as idéias que as classes arraigadas ao poder político, tentam impregnar na mentalidade da população em geral, não resiste aos questionamentos de uma fundamentação científica e criteriosa e vão ficando sem argumentos. Com essa nova roupagem da denominada "indústria da seca" é onde os descendentes das antigas oligarquias-coronelísticas encontram forma de perpetuarem-se no poder mesmo que em uma fase dita democrática e na qual encontramos práticas antigas de dominação mais específicas do coronelismo, entretanto sobrevivem no regime democrático com os grupos políticos que encontraram maneiras de perpetuação de tais práticas.
A Maneira de conhecer os aspectos negativos e positivos para a elucidação da questão, assistindo palestra da UFCG com João Abner Guimarães e Flávio Lúcio, entrevistas com personalidades que estudam o assunto e leituras de diversas publicações sobre o tema foram suficientes para obter subsídios ao ponto de melhorar o conhecimento a respeito da questão, sem dúvida, uma questão de cidadania conhecer um projeto que terá um custo que como sempre será pago com o dinheiro dos impostos pagos pela população e não apenas pelos privilegiados pelo sistema do lobismo da indústria da seca.
O trabalho pode não ter abordado determinadas e não menos importantes minúcias, mais chegou ao objetivo de verificar a reprodução da indústria da seca no polêmico episódio da História Ambiental do Brasil, sem deixar de contar um pouco de sua trajetória até os dias atuais.








Referências Bibliográficas

DEAN,WARREN.A ferro e Fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica Brasileira. Cia das Letras, 1996.P 295.
GUIMARÃES JÚNIOR, J.A.Palestra Sobre Transposição do São Francisco.UFCG.07/072008
MOREIRA, FREI GILVANER.Transposição do rio São Francisco: inviável tecnicamente.Blog EcoDebate,2008. P3-4
SILVA, SEBASTIÃO MILTON PINHEIRO.A Distribuição Espacial das Reservas Hídricas Subterrâneas do Nordeste e a Transposição do rio São Francisco.Fundação Joaquim Nabuco, 2008.p2-3