1. INTRODUÇÃO

A transmissão das obrigações teve uma considerável e valiosa mudança de conceito em relação ao direito romano. Neste direito, era imputado um caráter individual e material à responsabilidade do devedor pela prestação. Logo, o princípio básico das relações obrigacionais era o da intransmissibilidade, já hoje, o princípio é absolutamente contrário, pois a transmissibilidade das obrigações é sancionada no Código Civil de 2002.

O atual princípio (da transmissibilidade das obrigações) é fruto de uma evolução social, onde a sociedade passou a considerar trocáveis os credores e devedores em sua pessoa, deixando intacta a relação obrigacional.

Nosso trabalho visa analisar os dispositivos relacionados à questão da transmissibilidade das obrigações, tanto na cessão de créditos (arts. 286 a 298 CC/2002), quando na cessão de débitos (arts. 299 a 303 CC/2002).

2. Cessão de Crédito.

2.1 Conceito.
É um negócio jurídico bilateral, oneroso ou gratuito, que consiste na transmissão total ou parcial do crédito de um credor (cedente) a um terceiro (cessionário), este que passa a ter o direito creditório daquele com todos seus acessórios e garantias, não sendo necessário o consentimento preliminar do devedor (cedido).

2.2 Espécies.
2.2.1 Onerosa ou Gratuita.
Será onerosa quando o cedente transmite o crédito ao cessionário por um valor menor que este segundo receberá do cedido. Ex: Rafael cede a Eric o crédito de R$500,00 que tem com Bruno, mas estabelece que receberá apenas R$300,00, com isso, Eric lucrará R$200,00 assim que for paga a totalidade da dívida pelo cedido.
Será gratuita quando o cedente receber do cessionário o valor exato que este receberia do cedido. Ex: Landualdo cede a Adriano o crédito de R$100,00 que tem com Diego, recebendo de Adriano o valor exato do crédito. Adriano receberá estes R$100,00 assim que for paga a totalidade de dívida pelo Diego.

2.2.2 Total ou parcial.
É total quando o cedente transfere todo o crédito ao cessionário. Ex: Mariana tem crédito de R$200,00 com Paula e cede o valor total do crédito para Marcos, que receberá de Paula assim que for paga totalmente a dívida.
É parcial quando o cedente transfere parte do crédito para um ou mais cessionários, tendo a possibilidade de permanecer ou não na relação obrigacional. Ex ¹: Dionísio tem crédito de R$100,00 com Ronaldo e cede para Marcelo metade do crédito. Quando for paga a totalidade da dívida, tanto Dionísio quanto Marcelo receberão R$50,00 de Ronaldo. Ex ²: José tem crédito de R$100,00 com Rui, cede para Fernando a metade do crédito e para Felipe a outra metade. Quando Rui pagar a totalidade da dívida, Felipe e Fernando receberão R$50,00 cada, estando José fora da relação obrigacional.

2.2.3 Convencional, legal ou judicial.
Será convencional quando houver livre e espontânea manifestação de vontade entre cedente e cessionário. Ex: Otacílio cede a Humberto, por consentimento das partes, o crédito de R$400,00 que tem com Alex, recebendo de Humberto o valor exato do crédito. Humberto receberá estes R$400,00 assim que for paga a totalidade de dívida pelo Alex.
Haverá uma cessão de crédito de espécie legal, quando a lei dispuser sobre tal. Também é imposta pela lei a cessão dos acessórios da dívida como garantias, juros e multas. Ex: O disposto nos arts. 287 e 346 CC/02
Será uma cessão de crédito da espécie judicial, quando advier de decisão de órgão judicante, como um juiz que determina a sentença em um caso concreto, explicando os motivos dela para resolver o litígio entre as partes. Carlos Alberto Gonçalves cita o seguinte exemplo: "a adjudicação, aos credores de um acervo, de sua dívida ativa" (GONÇALVES; 205)

2.2.4 Pro Soluto e Pro Solvendo.
Será Pro Soluto quando o cedente não se responsabilizar perante o cessionário, caso o cedido não tenha adimplência em relação ao pagamento total da dívida, ou seja, após a cedência de crédito do cedente ao cessionário, o primeiro se extingue da relação obrigacional. Ex: Renan cede a Breno o crédito de R$800,00 que tem com Alfredo. No dia do vencimento da dívida, se Alfredo não cumprir com o pagamento total, Renan não se responsabilizará por este ato, ficando a Breno a possibilidade de cobrar judicialmente o adimplemento de Alfredo.
Será Pro Solvendo quando o cedente se responsabilizar perante o cessionário, caso o cedido não tenha adimplência em relação ao pagamento total da dívida, ou seja, mesmo após cedência de crédito do cedente ao cessionário, o primeiro ainda sim permanecerá na relação obrigacional. Ex: Carolina cede a Rafaela o crédito de R$350,00 que tem com Vinícius. No dia do vencimento da dívida, se o cedido não cumprir com o pagamento total, Carolina se responsabiliza por este ato na mesma quantia que recebeu do cessionário somada com as despesas de cessão, juros e todos os acessórios possíveis.

2.3 Natureza Jurídica.
A cessão de créditos é um contrato especial, por isso considera-se um negócio jurídico. Sobre isso dispõe Sílvio Venosa que: "A natureza contratual do negócio é patente. É um contrato simplesmente consensual, mas por vezes a necessidade obrigará o escrito particular ou a forma pública. Há créditos incorporados a documentos, e sem eles torna-se impossível sua respectiva transferência. É, contudo, um contrato todo peculiar, tanto que fez bem o código em colocá-lo na parte geral das obrigações, pois se trata de forma genérica de alienação". (Art. 286 CC/2002).

2.4 Institutos Similares
2.4.1 Cessão e Novação.
A novação é caracterizada pela criação de uma nova obrigação (aliquid novi). Nas duas possibilidades de novação (objetiva e subjetiva) há uma extinção da dívida anterior, por causa da criação de um novo débito. Por outro lado, na cessão de crédito a dívida permanece a mesma, tendo apenas uma transmissão de crédito de um cedente para um cessionário.

2.4.2 Cessão e Sub-rogação.
Existem algumas características que diferenciam a cessão da sub-rogação, como: I) Na cessão de crédito, o cedente pode responder pela existência do crédito, no caso de cessão de crédito da espécie Pro Solvendo, enquanto na sub-rogação legal isso não pode ocorrer. É bom salientar, que a sub-rogação convencional é análoga à cessão de crédito, pois o tratamento dado pela lei é o mesmo para ambas (art. 348 CC/02). II) Na cessão de crédito, para que o cessionário seja reconhecido por terceiros, deve-se existir a notificação da cessão, por outro lado, o sub-rogado não necessita de notificação alguma. III) A cessão de crédito pode se dar por título gratuito, o que não pode ocorrer na sub-rogação.

2.5 Requisitos.
A respeito dos requisitos, dispõe Maria Helena Diniz que: "I) capacidade genérica para os atos comuns da vida civil e capacidade especial, reclamada para os atos de alienação, tanto do cedente quanto do cessionário. II) objeto lícito e possível, de modo que qualquer crédito poderá ser cedido, constante ou não de um título, esteja vencido ou por vencer, se a isso não se opuser (CC, art.286) a natureza da obrigação, a lei e a convenção com o devedor. III) forma legal (CC, arts. 288, 289, 290 e 292; lei n. 6.015/73, arts. 127, I, 129, n. 9)"
A cessão de crédito então, por ser um negócio jurídico, tem seus requisitos iguais aos do negócio (capacidade das partes, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei) estes que estão dispostos nas disposições gerais do Código Civil de 2002, mais precisamente no art. 104 CC/02.

2.6 Efeitos
2.6.1 Entre as partes contratantes.
Excetuando a possibilidade de uma transferência de crédito por força da lei, o cedente deve ser responsabilizado pelo crédito existente e, caso haja algo estipulado, pela solvência do devedor.
O cessionário guarda todos os direitos que o cedente que ele substituiu tinha, observando todos os acessórios, como multas, juros, vantagens e ônus, além disto, o cessionário corre o risco de o cedido ser insolvente.

2.6.2 Em relação ao devedor.
2.6.2.1 Antes da Notificação
Caso não haja uma notificação ao cedido de que o cessionário tomou o lugar do cedente, o devedor poderá pagar legítima e validamente a dívida ao credor originário, no caso, ao cedente, como se nem tivesse tido a cessão de crédito. Logo, caso o cedido solva a dívida com o cedente, o cessionário nada pode fazer em relação ao devedor não notificado, e sim, em relação ao cedente. Ex: arts. 292 e 298 CC/2002.

2.6.2.2 Após a Notificação.
Caso haja a notificação ao cedido de que um cessionário tomou o lugar do cedente, o devedor tem obrigação de solver a dívida com o cessionário que lhe apresentar, com o título da cessão, o da obrigação cedida. Ex: Arts. 291, 292 e 294 CC/2002.

3. Cessão de débito ou Assunção de dívida.

3.1 Conceito.
É um negócio jurídico bilateral que consiste na transferência de encargos obrigacionais de um devedor (cedido) a terceiro (assuntor ou cessionário), com expresso ou tácito consentimento do credor (cedente), sendo o assuntor o novo responsável pela dívida e todos seus acessórios, todavia o débito originário permanece inalterado.

3.2 Requisitos.
Para ser válida a cessão de débito, além de observar os pressupostos do negócio jurídico, devem ser observados alguns outros requisitos. Entre eles citamos:
a) A anuência expressa do credor.
b) Existência e validade da obrigação transferida.
c) A substituição do devedor, mantendo-se a relação jurídica originária.
d) A presença de uma relação jurídica obrigacional juridicamente válida, para assim pressupor existência.

3.3 Modos de Realização.
3.3.1 Expromissão.
Ocorre quando uma pessoa assume espontaneamente o débito de outra, ou seja, um terceiro (expromitente) assume a obrigação, sem depender do aval do devedor primitivo. A expromissão poderá ser: I) liberatória, quando há uma completa sucessão no débito, há a mudança do devedor pelo expromitente na relação obrigacional, deixando desobrigado o devedor primitivo , excetuando a possibilidade de o terceiro que assumiu a dívida ser insolvente e ignorado pelo credor. (art. 299, 2° parte CC/2002). II) Cumulativa, quando o expromitente assume o encargo obrigacional em conjunto com o devedor primitivo, passando a ser um devedor solidário, assim dando ao credor possibilidade de cobrar o pagamento de qualquer um deles. (art. 265 CC/2002).

3.3.2 Delegação.
Ocorre quando o devedor (delegante) transmite ao terceiro (delegado), com consentimento do credor (delegatário), o débito com este contraído. A delegação poderá ser: I) Privativa, se o devedor primário se desobrigar, deixando ao terceiro a responsabilidade pelo débito e sem obrigação de responder pela insolvência deste. II) Simples ou cumulativa, quando o delegado entra na obrigação em conjunto com o delegante, que dela não se extingue. Não havendo entre eles vinculo de solidariedade, logo o delegante não pode ser obrigado a pagar a dívida senão quando o delegado deixar de cumprir a obrigação que assumiu.

3.4 Efeitos
Se em uma cessão de débito, a dívida transferida permanecer a mesma, havendo apenas uma mudança de devedores, de um cedente para um assuntor (cessionário), sendo este que deve assumir as obrigações do devedor primário, temos que a cessão de débito pode produzir alguns efeitos como: I) Término de garantias e vantagens individuais do cedente, já que o assuntor não terá direito a garantias pessoais do mesmo. Ele poderá ter as exceções preexistentes à cessão de débito (pagamento, nulidade ou extinção da obrigação) ou algumas que decorrerem da relação jurídica após a cedência. II) As garantias especiais (aval, hipoteca de terceiro, fiança) da dívida são extintas (a não ser que haja consentimento para sua permanência), resistindo apenas às garantias reais (penhor, hipoteca). III) O devedor primitivo (cedente) é extinto da obrigação, a não ser que o assuntor, quando assumiu a dívida, era insolvente e o credor não tinha conhecimento. IV) Transferência do débito a terceiro, que se investirá na conditio debitoris V) Em caso de anulação na cessão de débito, e volta do devedor primário ao seu "posto", a dívida é restabelecida com todas as suas garantias.

4. Diferenças entre cessão de crédito e cessão de débito.
É proveitoso destacar a valiosa característica da cessão de crédito que a distingue da cessão de débito. Não é relevante, na cessão de crédito, o consentimento que implica aprovação do devedor. O débito do devedor não aumenta em razão da mudança de credor.
Dessa forma, entendemos que para o devedor não faz muita diferença se houver uma troca de credor, afinal no dia da quitação da dívida ele terá que cumprir sua obrigação. Por outro lado, para o credor faz uma diferença enorme a troca do devedor, pois este novo devedor pode ser insolvente, irresponsável ou agir de má-fé, assim não cumprindo sua obrigação. (arts. 299 e 391 CC/2002)

5. PARÁFRASE

Cessão de crédito é conceituada como um negócio jurídico bilateral, oneroso ou gratuito, que consiste na transmissão total ou parcial do crédito de um credor (cedente) a um terceiro (cessionário), este que passa a ter o direito creditório daquele com todos seus acessórios e garantias, não sendo necessário o consentimento preliminar do devedor (cedido).
Podem ser classificados em Onerosos ou gratuitos, total ou parcial, judicial, legal ou convencional e Pro soluto ou Pro Solvendo. Sua natureza jurídica é ser um contrato especial, logo um negócio jurídico.
Similares a esta cessão, porém, sem confundi-las a essa, temos a novação e a sub-rogação. A cessão de créditos necessita de alguns requisitos para ser válida e tem seus próprios efeitos, e podem ser classificados em: Entre as partes contratantes e em relação ao devedor, sendo que nesta última há uma classificação por tempo de notificação (Antes da notificação e Após a notificação do devedor).
Cessão de débito é conceituada como um negócio jurídico bilateral que consiste na transferência de encargos obrigacionais de um devedor (cedido) a terceiro (assuntor ou cessionário), com expresso ou tácito consentimento do credor (cedente), sendo o assuntor o novo responsável pela dívida e todos seus acessórios, todavia o débito originário permanece inalterado.
Ela necessita de alguns requisitos e pode se realizar de dois modos: por expromissão e por delegação e, assim como qualquer outro negócio jurídico, tem efeitos particulares.