A expressa dicção do artigo 76 da Lei 9099/95 autoriza o oferecimento da proposta de transação penal ao autor de fato processado através de ação penal pública, seja condicionada ou incondicionada:

Artigo 76. "Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificadas na proposta."

Como se vê, a redação do citado dispositivo legal excluiu, ao menos literalmente, a possibilidade de transação penal nos crimes de ação penal privada. Segundo se extrai da lição do professor Geraldo Prado[1]:

Quando a confere ao particular a legitimidade para o exercício da ação penal, o faz na condição de substituto processual do Estado, que é o titular da pretensão punitiva. Como se sabe, na legitimação extraordinária, o substituto não tem poderes para transacionar com os direitos do substituído. Portanto, o querelante só poderia oferecer transação penal quando houvesse autorização legal...

E a Lei 9099/95 não confere ao autor da ação de iniciativa privada autorização para transacionar, obstaculizando-se, assim, de forma intransponível, essa possibilidade.

Não obstante, constitui verdadeiro contrassenso que delitos de menor potencial ofensivo, cujo trâmite obedece aos princípios da celeridade, da economia processual e da informalidade sejam alijados da possibilidade de transação penal em virtude de ser o titular da ação penal o particular.

Na verdade, essa é a única diferença entre crimes de menor potencial ofensivo de ação penal de iniciativa privada e os de ação pública, cujas titularidades pertencem ao Ministério Público. Nesse ponto, tratar-se delitos de idêntica potencialidade lesiva, facultando-se a alguns a possibilidade da transação penal e a outros não, constitui distorção que atenta, inclusive, contra o princípio da igualdade, na medida em que autores de fatos que se subsumem ao gênero menor potencialidade lesiva são processualmente tratados de forma diversa.

Permitir-se, também, o oferecimento de proposta de transação penal pelo Ministério Público não resolveria o imbróglio, uma vez que o direito de ação, nesses crimes, pertence ao ofendido.

Surgiu, assim, na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, alternativa intermediária, no sentido de que é possível o oferecimento do benefício da transação penal pelo Ministério Público em crimes de iniciativa privativa do ofendido, quando, preenchidos os requisitos legais, o querelante ratificar essa proposta.

Vale dizer que a concordância do querelante deve ser, em regra, expressa, mas o seu silêncio deverá valer como autorização tácita. Não se permitirá a transação, assim, apenas se o ofendido manifestar-se expressamente contra a medida.

Esse é o teor do acórdão no RHC 8123/AP, de 16/06/1999, relatado pelo Ministro Fernando Gonçalves, da 6ª Turma do STJ:

"RHC. Juizados Especiais Criminais. Competência. Crimes de Difamação. Ação Penal de iniciativa privada. Proposta de transação. Ministério Público. Possibilidade. 1. A teor do disposto nos artigos 519 usque, do Código de Processo Penal, o crime de difamação, d artigo 139 do Código Penal, para o qual não está previsto procedimento especial, submete-se à competência dos Juizados Especiais Criminais. 2. Na ação de iniciativa privada, desde que não haja formal oposição do querelante, o Ministério Público poderá validamente, formular proposta de transação penal que, uma vez aceita, pelo querelado e homologada pelo Juiz, é definitiva e irretratável...".

Insta salientar, que, a partir desse leading case passou-se a admitir nos Tribunais a possibilidade de o Ministério Público oferecer a proposta mediante ratificação do querelante[2].

A questão ainda não está pacificada na doutrina e na jurisprudência, mas a solução apresentada no referido acórdão se alinha aos princípios norteadores da Lei dos Juizados Especiais e resguarda a isonomia que deve existir entre os processamentos dos crimes de menor potencial ofensivo, garantindo ao querelado a possibilidade de aceitar o benefício da transação penal nos mesmos moldes que o autor de delitos de ação de iniciativa pública.

É nesse sentido que o Juiz, ao receber a inicial da queixa-crime processada pelo Juizado Especial Criminal, deve, após a audiência de tentativa de conciliação, não sendo esta possível, encaminhar os autos ao Parquet para que este ofereça a transação penal, que deverá ser referendada pelo querelante. No caso de rejeição da proposta pelo ofendido, o processamento seguirá o curso normal do rito previsto no Juizado Especial Criminal.



[1] Prado, Geraldo e Grandinetti, Luís Gustavo, Lei dos Juizados Especiais Criminais, Lúmen Júris, Rio de Janeiro, 3ª edição: p.139.

[2] HC 8480 de 21/10/1999, STJ; HC 840.156/00 STJ; TJRJ, enunciado Consolidado 35 do Aviso 03/2002 – DO 18/01/2002; XI Conclusão da Comissão Nacional da Escola da Magistratura Nacional.