INTRODUÇÃO 

A idéia do presente trabalho é proceder a uma nova leitura no que concerne à Transação Penal, tendo como pressuposto que o acordado no referido instituto representa uma pena diretamente não-coercitível e sem comprovação de culpabilidade. Contudo, uma pena legítima. O acordo é uma pena atribuída em face de uma acusação conhecida pelo autor do fato, pena que, apesar de carecer de um juízo de culpabilidade comprovado quanto à conduta do autor e o fato a ele imputado, é legítima, pois constitui uma pena consentida duplamente. O primeiro consentimento vem do Poder Constituinte Originário e o segundo consentimento é fornecido pelo próprio autor do fato, que poderia ter optado pela prova da sua não-culpabilidade, mas que opta por não prová-la e ver-se livre de um processo penal e de uma possível privação de sua liberdade.

Como ponto de partida da análise pretendida, é mister que se definam os pressupostos teóricos sobre os quais o estudo da Transação Penal se realizará.

Iniciando a fixação dos referidos fundamentos, necessita-se afirmar e reafirmar que o instituto da Transação Penal está inserido em um contexto próprio, ou seja, especial. Esse contexto próprio é o da Lei 9099/1995 que veio a instituir, em conformidade com o inciso X do artigo 24 e inciso I do artigo 98 ambos da Carta Magna, um procedimento processual pautado na Oralidade, Simplicidade, Informalidade, Economia Processual e Celeridade que, de certa forma, quebra com os procedimentos anteriormente regulados. Contudo, em momento algum, a criação deste novo procedimento por meio da instituição dos Juizados Criminais pretendeu postergar o nascimento do processo e/ou restringir o exercício do direito de ação.

Após tal afirmação, surge a necessidade de apontar em que momento a relação processual em sede de Juizados Especiais se inicia, ou seja, a partir de quando se considera proposta a ação. Nesse sentido, forçoso concluir que o direito de ação no JECRIM tem o seu exercício ainda na fase preliminar. A lavratura do termo circunstanciado pela autoridade policial não é e nunca será considerado o início do exercício do direito de ação. O exercício do direito de ação também no JECRIM se inicia quando a parte, seja o órgão ministerial ou o ofendido, atua de forma a dar conhecimento ao Poder Judiciário de sua pretensão face ao autor do fato. O Juiz terá conhecimento do fato na audiência preliminar, ou seja, quando da audiência preliminar, o direito de ação já estará sendo exercido, uma vez que o Poder Judiciário já terá notícia da vontade em se exercer o jus puniendi. Desta forma, a notícia que o Poder Judiciário terá, e a que neste momento se refere, variará conforme as peculiaridades burocráticas de cada JECRIM. Assim, a ação será considerada proposta no momento em que as partes surgirem frente ao Juiz na audiência preliminar ou quando o Ministério Público ou ou ofendido atue de forma que a vara do JECRIM registre e marque a audiência preliminar. Tendo por evidente esta idéia, ainda que a audiência preliminar sirva apenas para homologar uma composição civil dos danos na hipótese de o ofendido estar extraordinariamente legitimado, o direito de ação já estará sendo exercido desde o primeiro momento que o Poder Judiciário foi acionado. O direito de ação está em exercício ainda que só o Cartório da Vara tenha sido movimentado, logo o autor do fato é literalmente um réu, pois tem contra si a imputação de um fato criminoso.

Pode-se contestar o exposto, afirmando que no momento em que ocorre a audiência preliminar do JECRIM ainda não houve oferecimento da exordial, diferentemente do que ocorre no CPC, e, que o prosseguimento do entendimento acima acarretaria, inevitavelmente, na violação ao Due Process of Law, uma vez que falta ao autor do fato a imputação formal de uma conduta criminosa para que o mesmo possa ser considerado em julgamento. Contudo, tal refutação apresenta um equívoco. Equívoco este que é o de restringir o Princípio do Devido Processo Legal, pois tal entendimento tende a considerar apenas como Devido Processo Legal os procedimentos clássicos, ou seja, o processo que se inicia com o oferecimento da petição inicial formalmente constituída. O respeito ao due process of  law não é alcançado só desta forma, mas sim, por meio do respeito às regras pré-estabelecidas, ou seja, juízo previamente competente, imparcial, respeito à ampla defesa e o contraditório no curso processual, dentre outras garantias.

A Lei 9099/95 respeita todas estas garantias, só que ela institui um procedimento próprio, ou seja, quebra com o procedimento tradicional, o que não significa qualquer violação ao devido processo e nem que este novo procedimento obrigue a que se inverta a lógica dos institutos para que se mantenha um conceito estrito do devido processo legal. O conceito estrito do devido processo legal não é aplicável ao procedimento estabelecido para o JECRIM, mas sim o due process of law entendido de forma mais apliada, ou seja, no caso em questão o aludido instituto impõe que a acusação formal se dê posteriormente ao início do exercício do direito de ação. Esta mudança de posições criada pela Lei 9099/95 teve o intuito de beneficiar e vem beneficiando os autores do fato, ou seja, a parte mais fraca nesta relação processual, logo parece não haver grandes razões para se manter filiado a um conceito estrito de devido processo legal, e para salvar o novo sistema optar-se por dizer que antes da acusação formal ainda não há processo, pois o direito de ação não fora exercido. Não parece razoável tal defesa.

Adotando-se o posicionamento aqui defendido, pode-se afirmar com tranqüilidade que a Transação Penal não é uma ação, pois esta última já está sendo exercida antes mesmo da propositura daquela, e sim que a Transação é uma fase do procedimento no curso do processo desenvolvido no JECRIM, ou seja, a Transação é uma etapa do procedimento da Lei 9099/95. Processo este que se iniciou antes da Transação Penal e só concluirá posteriormente ao oferecimento desta, seja com o cumprimento do acordado e a posterior declaração judicial de extinção da punibilidade ou em razão do trânsito em julgado de sentença absolutória ou condenatória decorrida da propositura de denúncia em virtude da frustração da Transação Penal.

Com base no exposto, a proposta de Transação, quando do preenchimento de todos os seus requisitos, será uma condição de admissibilidade da denúncia/queixa, restando assim superada a questão da natureza jurídica da proposta de Transação Penal. Em não havendo a proposta, a acusação formal também não poderá ser oferecida, e, se oferecida, não poderá ser aceita, sob pena, agora sim, de violação do devido processo legal. Ou seja, há um réu sem uma acusação formal, mas tem-se um réu com uma acusação, sendo que a constatação do exercício do poder punitivo do Estado é inequívoca.

Superado este ponto, parte-se para a análise da natureza jurídica da decisão judicial que referenda a Transação Penal. Este tópico na atualidade não encontra nenhum porto seguro e as três posições que mais vêm predominando na doutrina são as de que se está de frente a uma sentença declaratória, declaratória constitutiva ou condenatória.

Entretanto, não parece ser correto afirmar que se trata de uma sentença, pois a decisão que referenda a Transação Penal não põe termo ao processo. Esse continuará e só será extinto quando for proferida a sentença declaratória da extinção da punibilidade do autor do fato após o cumprimento da Transação ou então com o trânsito em julgado de eventual sentença condenatória ou absolutória, isto depois de fracassada a fase da Transação Penal. Isso posto, a decisão judicial que referenda a Transação Penal é uma decisão interlocutória, uma vez que o processo permanece em aberto, não obstante sua marcha estar suspensa, ou seja, esperando o cumprimento ou não do acordo transacionado para então poder seguir adiante, seja para que se ofereça a denúncia/queixa ou para que se profira a sentença declaratória da extinção da punibilidade.

Quanto à natureza do conteúdo desta decisão interlocutória, pode-se afirmar que ela é efetivamente declaratória, pois esta decisão declara que o autor do fato preencheu os requisitos, o Ministério Público ofereceu a Transação Penal, o autor do fato aceitou a transação penal e finalmente que o conteúdo desta Transação está em conformidade com a lei. Esta decisão não é constitutiva, pois não houve a constituição de nova situação jurídica, uma vez que o autor do fato já possuía o direito à Transação, antes mesmo à proposta, tendo em vista o devido processo legal, como já exposto anteriormente. Esta decisão também não é condenatória porque ela efetivamente não goza de força coercitiva. A Lei 9099/95 nada fala especificamente do descumprimento da Transação, pois supõe integralmente a idéia do acordo; logo se uma das partes não cumpriu o acordo, a outra também não deverá cumprir.

Aplica-se no caso a except io non adimplet i cont ractus e apenas isto, e como consequência do fracasso no cumprimento do acordo só restará o prosseguimento do processo, ou seja, resta apenas retomar a marcha.

No que concerne à decisão judicial que não homologa a Transação, tendo em vista todo o exposto, resta claro que esta decisão também se trata de uma decisão interlocutória. Quanto ao poder de o Juiz influir no conteúdo da Transação, apenas o parágrafo primeiro do artigo 76 da Lei 9099/95 o autoriza a executar tal alteração quando se tratar de multa e tal alteração poderá apenas ser uma redução no valor da multa, nunca uma majoração e esta redução poderá ser no máximo de 50% sobre o valor acordado. Em todos os outros casos, o juiz se limitará a verificar a legalidade do conteúdo da Transação, sob pena de se estar violando o princípio acusatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1. JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS

 

Um marco na reformulação do direito penal pátrio foi a criação dos Juizados Especiais Criminais (artigo 60 e seguintes da Lei 9099, de 26/09/1995), inspirado na política de despenalização e descarcerização para os crimes de menor potencial ofensivo.

Assim, os Juizados Especiais Criminais vieram como resposta ao anseio ou necessidade de reestruturar as categorias do processo criminal clássico para a efetividade da tutela dos conflitos, visando dar celeridade aos feitos criminais e possibilitar a reparação dos danos causados às vítimas.

 

A existência dos JEC´s pressupõe a moderna conceituação de institutos da ação e do processo penais, necessária para compatibilizar-se à necessária proporcionalidade com a atividade policial, ministerial e judicial, com o bem jurídico violado[1].

 

Incontestáveis são as palavras de Cândido Rangel Dinamarco em sua obra AINSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO, conforme podemos ver no texto transcrito abaixo:

 

A tutela constitucional do processo tem o significado e escopo de assegurar a conformação dos institutos do direito processual e o seu funcionamento aos princípios que descendem da própria ordem constitucional. No campo do processo civil, vê-se a garantia da inafastabilidade da tutela jurisdicional; no do penal, o da ampla defesa, sendo rigorosamente indispensável a celebração do processo, como condição para a imposição da pena (nulla poena sine judicio); todo processo há de ser feito em contraditório, respeitada a igualdade entre as partes perante o juiz natural e observadas as garantias inerentes à cláusula due process of law. O processualismo moderno adquiriu a consciência de que, como instrumento a serviço da ordem constitucional, o processo precisa refletir as bases do regime democrático, nela proclamados; ele é, por assim dizer, o microcosmos democrático do Estado-de-Direito, com as conotações da liberdade, igualdade e participação (contraditório), em clima de legalidade e responsabilidade. A evolução do sistema de garantias constitucionais dos princípios e da organização judiciária, a partir do conhecido artigo 39 da Magna Charta Libertatum (João Sem-Terra, 1215) e através dos aprimoramentos creditados à Constituições, bills ou rights, tribunais e doutrinadores, vai caminhando nos tempos atuais para a conscientização generalizada entre os usuários dos mecanismos processuais[2].

 

Vê-se, pois, de onde surgiram os Juizados Especiais. São rebentos dessa nova era, desse novo pensamento em torno do processo, como uma alternativa à sistemática do direito processual penal brasileiro.

E é sob essa ótica, da instrumentalidade, das garantias constitucionais do devido processo legal e seus consectários, do acesso à Justiça, que devemos encarar o estudo dos Juizados Especiais Criminais, sempre tentando otimizar as normas processuais encetadas na lei 9099/95, buscando constantemente interpretá-las, alcançando seus fins, a sua utilidade, a sua praticidade.

Mantendo-se fiel aos princípios e à filosofia da Lei 9099/95, o legislador, na regulamentação dos Juizados Especiais Criminais, orientou-se também pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, dando grande ênfase à conciliação, priorizando interesses como a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação da pena não-privativa de liberdade.

Com isso, passou-se a admitir a composição civil (art. 74), a transação penal (art. 76), a suspensão condicional do processo (sursis processual – art. 89) e a representação do ofendido nos crimes de lesão corporal leve e lesão culposa (art. 88).

No artigo 61 da Lei nº 9099/95, temos que infrações de menor potencial ofensivo são todas as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos.

A posição jurídica do sujeito ativo é sui generis, pois não é a de denunciado, quando se tem um oferecimento de denúncia, não é a de acusado ou réu, quando há o recebimento da denúncia, não é de suspeito, investigado ou indiciado, enquanto não se está na fase de inquérito policial, mas tão-somente “autor do fato”, denominação dada pela lei ao protagonista da lavratura do termo circunstanciado pela autoridade policial.

Portanto, ao receber o termo circunstanciado no Juizado Especial, o juiz designa a audiência preliminar do art. 72 da Lei nº 9099/95, ocasião em que se tenta a composição civil dos danos sofridos pela vítima. Se esta não ocorre ou não é juridicamente possível, é que se abre ensejo à oferta da transação penal pelo Ministério Público.

Havendo a composição na ação penal pública condicionada ou na ação penal privada, a homologação do acordo civil acarreta a renúncia ao direito de representação ou de queixa, respectivamente, e leva à extinção da punibilidade do autor do fato, não se dando ensejo à transação penal.

Dos novos institutos introduzidos pelos Juizados Especiais, interessa-nos tecer considerações neste trabalho a respeito da transação penal, haja vista as implicações legais e constitucionais que se afiguram.

O art. 76 da Lei 9099/95 (“Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.”), permite que, antes do oferecimento da denúncia, portanto, na fase administrativa ou pré-processual, o Ministério Público proponha um acordo, transacionando o direito de punir do Estado com o direito à liberdade do “autor do fato”, desde que presentes os pressupostos objetivos e subjetivos previstos na lei para a oferta.

Primeiramente, é preciso assinalar que a transação penal não se confunde com o instituto homônimo do direito civil, mas tem com ele certas afinidades, a exemplo da bilateralidade, da liberdade de transacionar ou não e da existência de concessões recíprocas.

A transação penal, prevista nos artigos 72 e 76 da Lei 9099/95, tanto se aplica aos delitos submetidos aos Juizados Federais quanto aos sujeitos à competência dos Juizados Estaduais.

Um traço lhe é comum: a existência de proposta do Ministério Público. Não se concebe uma transação, essencialmente bilateral, sem a participação do órgão do Ministério Público, que é titular privativo da ação penal (art. 129, I, CF).

Houve um tempo em que se ouviu falar em transações ex-officio, de iniciativa de juízes ou mediante provocação da defesa, sem oitiva do Ministério Público. No entanto, o STF, tanto para a transação penal quanto para a suspensão condicional do processo, vem declarando que as propostas são exclusivas do Parquet, e não direitos públicos subjetivos dos acusados.

Mas se o crime ou a contravenção for de ação penal pública incondicionada, ou, ainda, se a ação for condicionada e tiver havido representação (por não ter sido alcançada ou desejada a composição civil), o Ministério Público poderá propor a transação penal. Antes, porém, deverá observar se o caso não é de arquivamento direto do termo ou do inquérito por prescrição, por exemplo, pois então não será possível a transação penal nem a ação penal.

Aceita a proposta pela parte e seu defensor, é submetida à apreciação judicial para o acolhimento (§§ 3º e 4º), se for o caso, e aplicação da pena restritiva de direitos ou pena pecuniária (multa), nos exatos termos do dispositivo legal acima citado, cabendo apelação dessa sentença (§ 5º do artigo 76).

A transação só será possível se forem atendidos os requisitos do art. 76, § 2º, da Lei 9099/95. Feita a proposta, ela é submetida à aceitação bilateral pelo autor do fato e pela defesa técnica. Se aceita por ambos, o juiz verificará se estão presentes os seus requisitos objetivos e subjetivos e aplicará a pena não privativa de liberdade discriminada na proposta.

Em situação algum poderá ser transacionada pena privativa de liberdade. A aceitação é benéfica para o autor do fato, pois não haverá anotação para efeito de reincidência. O registro da transação impede apenas nova transação em até cinco anos. Além disso, a aceitação não permite a execução civil da sentença para efeito reparação de dano. À vítima permanece aberta a via da ação civil ex delicto do CPP.

Da sentença que homologar a transação penal cabe apelação à turma recursal estadual ou federal no prazo de dez dias, ao passo que, da decisão que a rejeitar, cabe mandado de segurança pelo Ministério Público e habeas corpus pelo autor do fato, ou ainda correição parcial, conforme o caso.

Como instituto despenalizador e descarcerizador, que se presta mesmo a evitar o processo penal, só iniciado com a denúncia, a transação penal é inovação fundamental na ordem jurídica de um Estado que se declara democrático, pois possibilita realizar os princípios da intervenção necessária (minima non curat praetor), evitando seguir-se a carcomida máxima nec delicta maneant impunita, tão cara aos Estados totalitários.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

2. O QUE É TRANSAÇÃO PENAL?

 

Iniciamos o estudo propriamente dito pela indagação: “o que é transação penal?”

Para que possamos estudar o instituto da transação penal, necessário no é  recorrermos, primeiramente, ao significado da palavra “transação”.

É sabido que os termos não têm apenas um significado, mas uma gama de possíveis significados, o que não inviabiliza a idéia da legalidade, mas tão somente aprimora o trabalho do intérprete, que deve buscar o significado condizente com a opção político-constitucional do país, ou com princípios constitucionais, entre outros instrumentos hábeis a escolher quais significados possíveis dentro do contexto do ordenamento, visto enquanto sistema. Assim, vale buscar, em primeiro lugar, o significado comum do termo nos dicionários consagrados.

O Dicionário Aurélio o compreende como:

 

  1. O ato ou efeito de transigir. 2. Combinação, convênio, ajuste. 3. Operação Comercial. 4. Jur. Ato jurídico que dirime operações litigiosas ou duvidosas mediante concessões recíprocas das partes interessadas, composição.

 

O significado em nada difere do chamado técnico do termo, trazido entre outros por Grinover, Magalhães e Araújo Cintra, na Teoria Geral do Processo:

 

São três as formas de autocomposição (as quais, de certa maneira, sobrevivem até hoje com referência aos interesses disponíveis): a) desistência (renúncia à pretensão); b) submissão (renúncia à resistência oferecida à pretensão); c) transação (concessões recíprocas)[3].

 

Também “A conciliação pode ser extraprocessual ou (...) endoprocessual. Em ambos os casos, visa a induzir as próprias pessoas em conflito a ditar a solução para sua pendência. O conciliador visa obter uma transação entre as partes (mútuas concessões) ou à submissão de um à pretensão do outro (...)[4]”

A espécie de autocomposição autorizada pela Constituição não foi a renúncia ou a submissão, mas apenas a transação, ou seja, aquela forma de consenso que obriga concessões recíprocas. Se não há concessão de ambas as partes, não há transação.

Outra forma de autocomposição seria inconstitucional, sendo, aliás, também ilegal, pois contrária ao espírito da própria lei, nos dizeres de Grinover:

 

A lei dos Juizados Especiais (Lei 9099/95) também admite, para composição civil dos danos, as três formas de autocomposição (art. 74); mas, para a autocomposição penal só admitiu a transação art. 76)[5].

 

É impossível ampliar o significado do termo transação sem subverter a clara idéia da Constituição. Não existe transação lato sensu, ou forma de interpretar extensivamente, permitindo a ausência de concessões recíprocas, instituto que tolhe garantias processuais ao indivíduo. Não há possível compreensão do termo constitucional que não implique nas referidas concessões, e não é possível desrespeitar os marcos de possíveis significados da norma constitucional. Ou há transação com concessões recíprocas, ou a solução é inconstitucional.

Já que, de um lado, o cidadão dispõe-se de parcelar de sua liberdade que só poderia ser atingida com a certeza de culpa, o Estado, de outro, deve ceder no que toca a espécie e a quantidade de sanção buscada na ação penal.

Se não for dessa forma, não há real transação, mas sim outras formas de autocomposição não permitidas pela Constituição.

O legislador pátrio instituiu a transação penal, tida como verdadeiro mitigador do princípio da obrigatoriedade da ação penal, visando permitir a realização de política criminal mais eficaz.

O objetivo maio da transação penal é a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade.

 

 






3. CARACTERÍSTICAS E REQUISITOS DA TRANSAÇÃO PENAL

 

Podemos considerar que o instituto da transação penal possui quatro características, sendo elas:

a)      Personalíssima;

b)      Voluntária;

c)      Formal;

d)     Tecnicamente assistida.

 

Personalíssima por ser um ato exclusivo do autor do fato, ou seja, mesmo que tenha delegado poderes a um Advogado para representá-lo em audiência, não poderá o causídico aceitar as condições da transação. Deverá o autor do fato se manifestar pela possibilidade de aceitar ou não as restrições de sua liberdade que impõe o ato de transacionar.

Voluntária, pois, ante a proposta do órgão ministerial, o autor do fato terá uma livre escolha, de aceitar ou não a referida benesse oferecida pela lei. De maior relevância que o autor do fato saiba dos efeitos da opção em aceitar a transação, como a obrigação de cumprir a sanção imposta, seja a pena de multa ou prestação de serviços à comunidade, e principalmente abrir mãos de seus direitos fundamentais como a presunção da inocência.

Com efeito, a transação é um ato formal que deve constar na ata da audiência, e em nada fere o princípio da oralidade ou informalidade, muito pelo contrário, é uma garantia do acordo de vontade, entre a proposta oferecida pelo Ministério Público e a aceitação do autor do fato. Tudo deve ficar formalizado nos autos do processo.

Pode o autor do fato conversar reservadamente com seu advogado, para tirar dúvidas sobre a proposta oferecida pelo Parquet, mas, como garantia própria ao autor do fato, é imprescindível que tudo o que for mencionado na transação consta na assentada da audiência, como, por exemplo, o prazo para cumprimento, ou valores a serem depositados, os lugares para prestar a pena imposta, entre outras peculiaridades.

É fundamental que o autor do fato seja tecnicamente assistido. Com a finalidade de não violar o princípio da ampla defesa, é necessário que o autor do fato esteja orientado por um advogado, para que seja esclarecido dos benefícios e das conseqüências de aceitar uma transação penal.

A nosso sentir, essa aceitação imediata de uma transação penal pelo autor do fato somente terá valor com um defensor constituído, pois o autor do fato é leigo no que se refere ao Direito e não poderá aceitar a proposição sem ter profissional a esclarecer sobre as vantagens e desvantagens de aceitar a propositura do instituto despenalizador.

Os requisitos de admissibilidade da transação penal são de natureza penal e processual penal, podendo ainda serem positivos e negativos.

Comentando sobre o instituto leciona Juarez Cirino dos Santos:

 

Os requisitos positivos da transação penal têm por objetivo a extensão da pena privativa de liberdade cominada ao crime e a natureza da ação penal, assim definidos:

a)             Pena máxima cominada de até 2 (dois) anos de privação de liberdade;

b)            Crime de ação penal pública condicionada ou incondicionada[6].

 

Assim, o requisito de pena máxima cominada até 2 (dois) anos de privação de liberdade define os crimes de menor potencial ofensivo de competência dos Juizados Especiais Criminais, conforme dispõe o art. 61 da Lei 9099/95. Importante lembrar, desde que não haja previsão legal de procedimento especial.

O outro requisito positivo trata da natureza da ação, ou seja, deverá tratar-se de crime de ação pública incondicionada ou condicionada à representação da vítima ou de seu representante legal.

Os requisitos negativos estão expressamente definidos na Lei 9099/95, ou seja, existindo qualquer um deles, determina-se a exclusão da transação com a imediata propositura de ação penal por parte do Ministério Público nos crimes de ação penal pública incondicionada. Caso seja crime de ação penal pública condicionada e a vítima tenha representado no prazo de 6 meses, ainda deverá ser observado, no caso em concreto, se o crime não está prescrito.

Pois bem, os requisitos negativos, as causas impeditivas para não ser aplicada a benesse ao autor do fato, estão elencados nos três incisos do § 2º do art. 76.

Tendo como o primeiro aspecto que o autor do fato não tenha sido condenado por prática de crime com aplicação de pena privativa de liberdade.

Importante esclarecer, que a lei se refere a crime, seja ele doloso ou culposo, não constando como causa impeditiva uma condenação anterior por contravenção penal.

Quanto à sentença definitiva, a expressão deve ser entendida como sentença condenatória que não pode ser modificada, ou seja, que não caiba recurso e que a condenação seja privativa de liberdade, pois, se for substituída a pena privativa de liberdade aplicada por pena restritiva de direitos, não exclui a possibilidade da transação.

O segundo aspecto trata-se de que o autor do fato não tenha sido beneficiado pelo instituto da transação penal nos últimos cinco anos. Prazo similar ao que dispõe o art. 64, inciso I, do Código repressivo, sendo uma espécie de tempo definido pelo legislador como prazo de prescrição da reincidência criminal.

O terceiro e último aspecto cuida-se de uma causa impeditiva de natureza subjetiva, possibilitando certa discricionariedade por parte do Promotor de Justiça no oferecimento ou não da transação penal que avaliará os antecedentes, a conduta social e a personalidade do autor do fato, como também os motivos e as circunstâncias do fato delituoso.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

4. NATUREZA JURÍDICA DA TRANSAÇÃO PENAL

 

Ao introduzir um novo instituto jurídico em matéria de direito penal e processo penal, a Lei 9099 de 26 de setembro de 1995 foi bastante clara ao prever que se tratava de um procedimento de natureza consensual.

Segundo a mencionada norma legal, numa fase pré-processual, o Ministério Público, autor exclusivo da Ação Penal Pública Incondicionada, observando a existência de pressupostos objetivos e subjetivos, “transaciona” o jus puniendi do Estado com o direito de liberdade do suposto autor de um fato delituoso.

Caracteriza-se, assim, um procedimento bastante diferente dos demais existentes à época da referida lei, e que, portanto, trouxe consigo novos debates acerca do processo e julgamento de infrações que produzem uma menor conseqüência no meio social.

A transação penal possui natureza dupla. Ao mesmo tempo em que é um instituto de Direito Processual Penal, uma vez que por meio dela se compõe a lide subjacente, é também um instituto de direito material, visto que o ajuste entre as partes, homologado pelo juiz, implica a extinção da punibilidade do fato típico e antijurídico, não se admitindo mais sua discussão.

Discute-se na doutrina e jurisprudência, se a transação penal constitui uma faculdade do Ministério Público ou um direito subjetivo do autor do fato, quando presentes os requisitos específicos para sua aplicação.

O instituto da transação penal trata-se de direito subjetivo do infrator. Só este pode dele dispor, aceitando ou não a proposta transacional, desde que presentes requisitos exigidos pela lei.

Ainda dentro do mesmo preceito legal, há a previsão de que a proposta do Parquet feita ao sujeito passivo e aceita por este e seu defensor deverá ser apreciada para posterior acolhimento, ou não, pelo magistrado, o qual irá rejeitá-la se for injusta, ilegal ou desarrazoada.

Sendo aceita a proposição, será aplicada uma pena restritiva de direitos ou pena pecuniária, cabendo apelação dessa sentença, nos exatos termos do art. 76 da referida lei.





5. NATUREZA JURÍDICA DA SENTENÇA – CONTROVÉRSIAS

 

 

Sobre o tema, podemos destacar duas correntes doutrinárias. Entende uma delas que o ato decisório prolatado pelo juízo especial não é condenatório, pois apenas homologa a transação penal, enquanto a outra afirma que é uma decisão homologatória de natureza condenatória imprópria, uma vez que  aplica a pena, mas não produz os normais efeitos de uma sentença de mérito resultante de um processo ordinário, no qual são observados todos os princípios norteadores deste ramos do direito público.

Defendendo a primeira idéia, Grinover afirma que:

 

Trata-se de sentença nem condenatória absolutória, mas simplesmente de sentença homologatória de transação penal (...)[7].

 

Nessa fase, embora realizada e juízo, ainda encontram-se presentes as características de um procedimento administrativo policial, no qual não existe acusação nem processo, e muito menos é sabido se o acusado será absolvido ou condenado.

Determinados estudiosos do assunto afirmam que, no instituto da transação penal, ocorre assunção de culpa por parte do suposto autor do fato “delituoso”, e, que por isso, não há desrespeito ao contraditório e à ampla defesa, que, antes de serem elevados à categoria de constitucionais, são princípios gerais de direito, e que dizem respeito ao jus libertatis, bem jurídico inerente a qualquer indivíduo pertencente a um verdadeiro Estado Democrático de Direito.

Ora, importante lembrarmos que não é possível dispor do que é indisponível, tais como os princípios inerentes ao due process of law. Até porque os mesmos são um dos sustentáculos do Estado Democrático de Direito, então dispensá-los é ferir totalmente o texto da Carta Magna.

Outrossim, fazer uma interpretação meramente literal do princípio do devido processo legal, alegando que o procedimento da transação penal não se inclui dentro do processo penal acusatório puramente dito, é ir de encontro antes de tudo, aos direitos humanos, ou melhor ainda, é afrontar os princípios gerais de direito.

Neste norte, o art. XI, nº 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, garante que:

 

Todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público, no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.

 

Por fim, enquanto uma premente e sensata reformulação do instituto em comento não se faz, entendemos que a decisão judicial da qual nos referimos, possui um caráter eminentemente homologatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

6. CONSIDERAÇÕES SOBRE A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA TRANSAÇÃO PENAL

 

Até hoje o instituto da transação penal, previsto no art. 98, inciso I, da Constituição da República e no art. 76 da Lei 9099/95, tem provocado grandes divergências na doutrina e na jurisprudência, tanto acerca de sua constitucionalidade, quanto da sua eficácia como instrumento despenalizador, eis que violaria princípios fundamentais como o devido processo legal e que distribuiria penas em escala industrial, massificando não um benefício, mas sim sanções penais.

A transação penal tem assento constitucional, sem dúvida alguma, conforme está exposto no artigo 98, inciso I, da Constituição da república de 1988. Para alguns, isso bastaria para que se afastasse qualquer suspeita acerca da constitucionalidade do instituto.

Porém, a Constituição da República não especificou como e quando seria a transação penal aplicada nos casos concretos. Quem o fez foi a lei 9099/95. Tal diploma legal, em seu art. 76, previu a aplicação da transação penal antes mesmo de iniciado o processo (no entendimento tradicional).

Ora, o problema todo está aí, no momento da homologação da transação penal, pois o autor do fato (réu, sem eufemismos desnecessários) tem de optar pela diminuição de seus direitos ou enfrentar o processo, sem que tenha sido ouvido ou que tenha produzido qualquer tipo de prova em sentido contrário ao que está narrado no Termo Circunstanciado de Ocorrência.

Vamos examinar a situação fática na qual o autor do fato chega à audiência preliminar.

Em geral, a qualidade de auto do fato ou vítima, no Termo Circunstanciado de Ocorrência, deve-se, principalmente, ao fato de quem chegou em primeiro lugar na Delegacia de Polícia. Muitas vezes, o real agressor consta como vítima, pois teve a oportunidade de narrar sua versão ao Delegado de Polícia antes que a pessoa efetivamente agredida.

Pois bem. Nesse quadro, ao chegar à audiência preliminar, diante de um juiz e de um membro do Ministério Público, o autor do fato é perguntado se deseja aceitar a transação penal, sendo avisado de todas as conseqüências (não aceitação de culpa, não gera reincidência, não traz os efeitos normais de uma sentença condenatória, etc.), recebendo uma pena restritiva de direito, ou se vai “enfrentar” o processo, neste último caso, quase como se fosse enfrentar o Juiz e o Ministério Público, tal é o inconveniente indisfarçável gerado por quem não aceita a “benéfica” proposta.

A Constituição da República, em nenhuma hipótese, autorizou o legislador a dispensar o devido processo legal, com ampla defesa e contraditório, quando da previsão da aplicação da transação penal.

Voltemos à audiência preliminar. Naquele momento, não há qualquer tipo de investigação realizada, carecendo a defesa de elementos para bem aferir se a transação penal seria realmente um benefício. Devemos lembrar que o processo penal pode resultar numa absolvição, inclusive por inexistência de suporte fático.

A solução “consensual” para o problema não satisfaz. Costuma-se dizer que há uma troca de concessões entre o autor do fato e o Ministério Público. O autor do fato declinaria de seu direito de ter um contraditório e uma ampla defesa e o Ministério Público abriria mão da aplicação de uma pena privativa de liberdade.

Outros problemas de constitucionalidade ainda poderiam ser apontados, na forma pela qual a transação é apresentada pela lei 9099/95, como, por exemplo, a existência de pena sem processo, pois a transação penal é homologada antes do oferecimento da denúncia. Podemos, no entanto, englobar também esse problema na nítida violação ao devido processo legal, ampliando este conceito.

Uma posição doutrinária interessante é a que considera a proposta de transação penal como uma modalidade de exercício da ação penal condenatória. De fato, a lei nº 9099/95, ao dispor que “não sendo caso de arquivamento” (art. 76, da lei 9099/95) é que haverá a proposta de transação penal, revela a verdadeira natureza de tal proposta, que, sem dúvida alguma, traz os elementos integrantes de uma acusação: imputação de um fato tido por delituoso e um pedido de condenação.

No entanto, esta proposta doutrinária somente pode afastar o problema da aplicação da pena sem processo, pois, havendo, exercício da ação penal, o processo teria seu início e o procedimento seria aquele previsto pela legislação.

A nosso sentir, somente há uma forma de aplicar a transação penal sem produzir agressão ao devido processo legal. Tendo-se em conta a garantia da ampla defesa e do contraditório e a previsão constitucional da transação penal, a mais viável maneira de garantir eficácia às duas disposições constitucionais é o uso da técnica de interpretação conforme a Constituição da República.

Após analisar o papel do Ministério Público e do Magistrado, cabe estudar a atuação da defesa. A forma consensual, aceitação da pena em conjunto pelo suposto autor do fato e sua defesa técnica, importa no exercício possível da defesa no momento da negociação sobre a proposta. Percebe-se o quão encolhidas foram as possibilidades do indivíduo, sendo que, à evidência, deve ser compreendida a possibilidade de ação do apontado autor do fato ao máximo, quer influenciando na proposta final, quer na possibilidade de pleitear o controle jurisdicional (premissa do Estado Democrático de Direito – primazia do indivíduo – balança de garantias). Aqui vale realçar a posição do advogado, que deve exigir que a proposta de transação se revista de legalidade, proporcionalidade e, principalmente, constitucionalidade.

Não é aceitável que o advogado não possa agir, com os conhecimentos e responsabilidades próprias da profissão, na real defesa dos direitos garantidos ao cidadão, restando relegado a segundo plano, apenas escolhendo, sem possibilidades de controle, aquilo que é trazido pelos representantes do Estado-Acusação.

Acreditando que a proposta não é inferior à pena que seria aplicada, cabe ao defensor exigir que o magistrado faça o controle de constitucionalidade da transação, trazendo a força da sanção no limite necessário pela concessão estatal. O defensor deve ter oportunidade de se manifestar acerca da proposta, e é preciso assegurar que sua manifestação fique registrada nos autos, bastando para tanto que sejam transcritas as ponderações verbais feitas em audiência. Não se fala aqui em prazo para oferecimento de alegações, o que feriria o espírito de celeridade e informalidade da lei, mas simplesmente a compatibilização do instituto com a garantia da ampla defesa e da inafastabilidade da jurisdição. Ainda que por via verbal, a defesa deve ter garantido o direito de protestar contra a proposta abusiva e inconstitucional, e tal pleito deve ser apreciado pelo Poder Judiciário.

Resta, por fim, discutir acerca da possibilidade recursal, ou seja, do mais acentuado e importante papel do advogado na defesa dos interesses do cidadão na referida conciliação. A lei 9099/95 traz a previsão de possibilidade de impugnação da decisão que homologa a transação penal. A hipótese compreendida pela doutrina seria aquela em que o magistrado, à revelia do tratado pelas partes, fixa outros termos que não os transacionados no momento da homologação, ou, ainda, quando a parte fizer prova de vício de vontade.

Percebe-se o quão raquítica se mostra a possibilidade recursal para a doutrina. Mirabete acrescenta mais uma hipótese: “Também cabe o recurso quando, aceita a propsota pelo agente, com ela não concordou seu advogado ou vice-versa”. Por tal entendimento, o advogado poderia usar do subterfúgio da discordância acerca da aceitação para conseguir o recurso e o efetivo controle da legalidade/constitucionalidade pela instância superior. Ainda que aberta tal possibilidade, entendemos que é pouco, mormente porque lastreada em técnica divorciada dos princípios da lealdade e de garantia do processo penal, como se o cidadão precisasse de subterfúgios ou mentiras para garantir seus direitos constitucionais.

O controle jurisdicional de primeiro grau deve ser possível também em grau de recurso, pelo colegiado, na mesma extensão. Se é dever do juiz regular a legalidade/constitucionalidade do acordo, deve ser possível submeter tal controle, quando parte se sentir ofendida em seus interesses, também ao órgão com competência recursal. Se a parte concorda com a não realização do processo (nolo contendere), mas entende ilegal, desproporcional e/ou inconstitucional o quantum ou a espécie de proposta feita pelo Ministério Público, a despeito da concordância/controle do juiz singular deve ser possível o recurso, para que seja providenciado novo controle jurisdicional. Frente à diminuição de garantias da pena sem processo, é o mínimo que se pode pleitear frente ao Estado.

A transação penal, dessa forma, somente seria constitucional se, e somente se, fosse aplicada ao final do procedimento estipulado pela lei nº 9099/95.

Com a proposta de transação penal sendo feita ao final do procedimento previsto na lei nº 9099/95, estar-se-ia garantindo o contraditório e a ampla defesa ao autor do fato.

Nesse caso, após as alegações finais orais, o autor do fato poderia analisar o conjunto probatório produzido e, aí sim, verdadeiramente optar pela aceitação da proposta de transação penal, obtendo alguns efetivos benefícios.

Todavia, se o autor do fato, ao analisar o conjunto probatório, juntamente como seu advogado, sentir que não há espaço para a prolação de uma sentença condenatória, eis que conseguiu contrastar a acusação, poderá, então, optar pela sentença, sendo-lhe a absolvição muito mais benéfica que a transação penal, por óbvio.

A escolha do autor do fato, na nossa posição, seria realizada sem o temor de enfrentar um “processo criminal”, proporcionando-se a um verdadeiro réu o exercício do contraditório e da ampla defesa.

A celeridade processual, fundamento para a fragilização de tantas garantias conquistadas a duras penas pela civilização, estaria mantida, pois a audiência, nesse caso, seria uma.

A alternativa despenalizadora não exclui garantias, podendo apenas se compatibilizar com elas. As garantias da legalidade, do devido processo legal, da presunção de inocência, como tantas outras que formam o cabedal de instrumentos próprios ao indivíduo para que se livre da opressão estatal (ou das maiorias) e que foram construídas pelas conquistas históricas globais e reafirmadas na Constituição Cidadã devem ser consideradas limites e vetores interpretativos a este novo instrumento limitador do Poder Estatal. Outra visão é subverter a razão de ser da transação penal. Ela não se justifica pelo utilitarismo da velocidade na prestação do serviço, nem pela pequenez da infração que não merece intervenção penal. Para o primeiro argumento, jamais a ineficiência do aparelho estatal poderia redundar no reconhecimento da diminuição de garantias, sob pena de nova roupagem para as razões de Estado, próprias da ditadura. Para o segundo, se a infração não merece a atenção do Estado, deve descriminalizada, banida do mundo penal, e não simplesmente oferecer possibilidade alternativa de controle.

Eis a nossa primeira premissa: A solução consensual dos conflitos penais só pode ser vista como instrumento que busca dirimir a força da intervenção penal, ou seja, é instrumento (definitivo ou de transição) para uma menor ingerência estatal na esfera de direitos do indivíduo. Assim, como instrumento que agrega novos limites ao Poder Estatal, não tem como missão excepcionar outros já consagrados e intangíveis.

A leitura da transação penal deve respeitar os antigos direitos e garantias individuais, sob pena de subversão de seu contexto político-constitucional.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

7. O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA

 

O princípio da presunção da inocência, também conhecido pela doutrina como situação jurídica de inocência, estado de inocência, ou ainda, como princípio da não-culpabilidade é conseqüência direta do princípio do devido processo legal.

Como bem diz Fernando da Costa Tourinho Filho:

 

Este princípio nada mais representa que o coroamento do due process of law. É um ato de fé no valor ético da pessoa, próprio de toda sociedade livre. Assenta no reconhecimento dos princípios do direito natural como fundamento da sociedade, princípios que, aliados à soberania do povo e ao culto da liberdade, constituem os elementos essenciais da democracia[8].

 

Podemos afirmar que, em especial nos crimes de menor potencial ofensivo, onde é instaurado um Termo Circunstanciado, em nenhum momento, o autor do fato deve sofrer restrições pessoais fundadas exclusivamente numa provável condenação por uma conduta considerada criminosa pelo ordenamento jurídico. Seja na Delegacia de Polícia com a instauração do Termo Circunstanciado ou na audiência conciliatória ou posteriormente. Assim, pelo teor das provas, a obrigação de demonstrar ao magistrado a existência de umfato delituoso e a autoria deverá cair sobre quem alegar a acusação, seja o Ministério Público na ação pública incondicionada ou condicionada à representação da vítima ou do querelante na ação privada.

Sobre a origem, assim como sua necessidade Paulo Rangel declara:

 

O princípio da presunção de inocência tem seu marco principal no final do século XVIII, em pleno iluminismo, quando na Europa Continental, surgiu a necessidade de se insurgir contra o sistema processual pena inquisitório, de base romano-canônica, que vigia desde o século XII. Nesse período e sistema de se proteger o cidadão do arbítrio do Estado que, a qualquer preço, queria sua condenação, presumindo-o, como regra, culpado[9].

 

Com o ato de vir à luz a Revolução Francesa, nasceu o Diploma da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão no ano de 1789, estabelecendo no art. 9º[10] o princípio em comento.

Posteriormente, por força da resolução nº 217 A da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, que cabe apontar, assinada pelo nosso país na mesma data; assim o princípio da presunção de inocência foi consignado na Declaração Universal dos Direitos Humanos no artigo XI, assegurando a qualquer acusado o tratamento a sua dignidade humana e por que não, o respeito a sua liberdade de locomoção.

Tratando de garantias fundamentais, não poderia ser diferente, nossa Carta Política de 1988 consagrou o princípio no art. 5º, inciso LVII[11], nota-se que nela não se “presume” a inocência de uma pessoa que sofre uma acusação, mas declara que o acusado é inocente durante o desenvolvimento processual até a sentença final.

Havendo uma acusação, o princípio da inocência possui notável relevância na atuação da defesa, pois haverá o confronto do status libertatis e ius puniendi, como ensina Eugênio Pacelli de Oliveira:

 

À defesa restaria apenas a demonstração da eventual presença de fato caracterizadora de excludente de ilicitude e culpabilidade, cuja presença fosse por ela alegada. No que se refere às regras de tratamento, o estado de inocência encontra efetiva aplicabilidade, sobretudo, no campo da prisão provisória, isto é, na custódia anterior ao trânsito em julgado e no instituto a que se convencionou chamar “Liberdade Provisória”. Ali, como se verá, o princípio exerce função relevantíssima, ao exigir que toda privação de liberdade antes do trânsito em julgado deva ostentar natureza cautelar, com a imposição de ordem judicial devidamente motivada. Em uma palavra, o estado de inocência (não presunção) proíbe a antecipação dos resultados finais do processo, isto é, a prisão, quando não fundada em razões de extrema necessidade, ligada à tutela da efetividade do processo e/ou da própria realização da jurisdição penal[12].

 

Portanto, conforme Paulo de Tarso Brandão, a persecução criminal possui um constrangimento ao indivíduo mesmo que a Magna Carta consagre o princípio da presunção da inocência, do qual extraímos:

 

Esta é uma triste realidade. A transformação da atividade processual em penal, que gera o que se poderia chamar de punição processual e dá oportunidade à ocorrência dos presos sem condenação, faz com que o processo penal deixe de ser um instrumento de garantia individual para se constituir em evidente constrangimento ilegal[13].

 

Denota-se, em razão do princípio da inocência, este, norma constitucional, que não deve pairar dúvidas na aplicação da lei processual penal, no que tange ao direito fundamental do indivíduo de ser considerado não culpado até o trânsito em julgado da sentença condenatória, principalmente nos crime de competência do Juizado Especial Criminal em razão de ter cunho de justiça consensual e não repressiva.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

8. TRANSAÇÃO PENAL E A NÃO IMPLICAÇÃO DE RECONHECIMENTO DA CULPA PELO AUTOR DO FATO

 

Um dos princípios que regem a Ação Penal Pública é o da Obrigatoriedade. De acordo com esse princípio, o Ministério Público, que é o dominus litis, está obrigado a oferecer a denúncia, isto é, não pode fazer um juízo de oportunidade ou conveniência no ato de oferecimento da denúncia. Se presentes todos os requisitos, deve denunciar.

Não obstante, referido princípio vem sofrendo uma mitigação. Com o advento da Lei 9099/95, que criou os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, surgiu o instituto jurídico da transação penal que está regulamentado em seu artigo 76.

A essa mitigação dá-se o nome de discricionariedade regrada, que é regulada pela Lei e submetida ao controle jurisdicional. Daí infere-se que há um espaço para a autonomia da vontade das partes, porém sob um controle do Poder Judiciário.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 98, inciso I, estabelecida, de lege ferenda, a criação desse instituto, que surgiu com a Lei 9099/95, como uma solução despenalizadora.

Dessa forma, nenhuma conduta deixou de ser crime. Apenas àquelas condutas que possuem uma menor ofensividade à sociedade não serão aplicadas as penas privativas de liberdade, e sim, penas alternativas mais condizentes com a infração cometida.

As vantagens da transação penal são inquestionáveis, porque além de trazer maiores benefícios para a vítima e desvencilhar o acusado das malhas de um processo penal moroso, também é uma forma mais econômica e célere de prestação jurisdicional, que desafoga o Poder Judiciário.

A transação penal é uma possibilidade que tem o representante do Ministério Público, nos crimes de ação penal pública incondicionada ou condicionada à representação, em transacionar com o autor do fato delituoso.

Nos casos em que é cabível, que são nas infrações penais de menor potencial ofensivo e nas contravenções penais, é permitido ao Promotor de Justiça, antes de oferecer a denúncia, propor a transação penal (devem estar presentes os requisitos objetivos e subjetivos exigidos pelo artigo 76 da Lei 9099/95). Consiste tal instituto na aplicação imediata das penas restritivas de direito em de multa.

A Lei 9099/95, com a criação da transação penal, favorece a conciliação e reserva pouco espaço para o “plea bargainig” (barganha penal) e o “guilty pela” (assumo a culpa).

Isso quer dizer que, ao aceitar a proposta feita pelo representante do Ministério Público, o autor do fato está evitando as delongas e o desgaste que um processo criminal pode acarretar.

Porém, a transação penal vem sendo criticada por alguns autores no que concerne à sua constitucionalidade. Um dos argumentos é que, ao aceitar a proposta do Ministério Público, o autor do fato está assumindo a sua culpa, e dessa forma, há violação do princípio constitucional da presunção de inocência, inscrito no art. 5º, inciso LVII da Constituição Federal.

Em conformidade com essa posição está Cezar Roberto Bittencourt, que argumenta da seguinte forma:

 

A presunção de inocência é iuris tantum, ou seja, diante de prova em contrário, ele cede. A aceitação da transação penal pelo autor do fato seria uma prova que derrubaria essa presunção de inocência, e como resposta penal o acusado receberia uma sanção penal, que, no caso em tela, seria a aplicação imediata da pena alternativa. Além disso, em conformidade com o princípio nulla poena sine culpa, se o acusado aceita uma pena, mesmo que seja ela uma pena não privativa de liberdade, ele está assumindo a sua culpa[14].

 

São oferecidas ao autor do fato possibilidades que somente ele, a depender de sua exclusiva vontade, poderá decidir qual o melhor caminho a trilhar. Ou seja, por estar enquadrado em uma situação, que, devido a sua menor ofensividade à sociedade, o Estado lhe oferece uma chance de escolher se prefere responder a um processo e percorrer de todas as formas a prova de sua inocência, mesmo que isso signifique em uma longa espera ( e mesmo assim correr o risco de não obter uma sentença a seu favor, pois os homens falham, e a justiça é composta por homens), ou obter, através da transação penal sua “absolvição”, cumprindo, apenas, algumas condições exigidas, além de livrar-se rapidamente das malhas de um processo criminal.

A aceitação da transação penal não tem efeitos penais. Comprova-se tal afirmação, pois ao aceitar a proposta do Ministério Público, e cumprir as condições por ele impostas, o nome do acusado não vai para o rol dos culpados. Se for condenado por outro delito, não será considerado reincidente, e a sentença que homologa a transação penal não servirá para fins de antecedentes criminais. O registro dessa sentença possui o único objetivo de impedir nova concessão do benefício para as mesmas pessoas nos próximos cinco anos. Dessa forma, não tem as características do “plea bargainig”, ou do “guilty pela” norte-americano, mas sim do nolo contendere, não quero litigar., ou seja, o acusado não contesta, preferindo o consenso ao invés do conflito.

Da mesma forma, a sentença que homologa a transação penal não produz efeitos civis, ou seja, não acarreta responsabilidade civil para o autor do fato.

O autor do fato submete-se, voluntariamente, a uma sanção penal, e como afirma Ada Pellegrini Grinover essa atitude é uma técnica de defesa. E por inserir-se no âmbito da defesa é que não viola o princípio constitucional da presunção da inocência. O acusado aceita a pena alternativa para defender-se de um processo criminal demorado, que poderá condená-lo de forma injusta, e também para se ver livre da consumição que o mesmo irá lhe trazer. O Estado lhe oferece uma outra alternativa, que não seja responder um processo criminal, e sim, submeter-se, de maneira voluntária, a uma sanção penal, sob determinada condições e que lhe traga consideráveis benefícios.

É inquestionável a inovação que a Lei 9099/95 trouxe para a justiça criminal. A instituição da transação penal ocasionou uma série de benefícios ao sistema penal, que são de suma importância para a consecução dos fins que se pretende alcançar, como uma justiça rápida e eficaz.

Além disso, surgiu uma maior preocupação com a vítima, que sequer tinha espaço no processo criminal e que, nesse procedimento, o tratamento dado a ela corresponde aos anseios da vitimologia.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

9. CONCLUSÃO

 

Com efeito, não restam dúvidas de que o advento da Lei 9099/95, em nosso ordenamento jurídico, com especial destaque à matéria criminal, foi uma evolução no direito processual penal. Pela simplicidade que oferece a referida lei, como também pelos institutos inseridos em seu bojo.

Ocorre que, por outro prisma, na sua aplicação, quando indagamos o instituto da transação penal em face do princípio da inocência, questionamos a forma de ser aplicado, ou melhor, como ocorre o instituto da transação.

Há de se considerar um forte argumento para sua não aplicação. A propósito, não se poderia cominar uma pena de multa ou restritiva de direitos ao autor do fato sem um processo, ou seja, antes de este exercer o seu direito ao contraditório e à ampla defesa.

Exemplificando, nos crimes de ação pública incondicionada, como os previstos nos artigos 329 (resistência), 330 (desobediência) e 331 (desacato), todos do Código Penal, os quais acontecem de forma unilateral, e que, em muitos casos, o autor do fato possui uma versão de que não é ele o autor do delito, e sim o policial militar ou policial civil é que agiu com abuso de poder.

Outra crítica que fazemos é o oferecimento da transação penal sem um advogado para fazer a defesa técnica do autor do fato, este sem nenhuma condição de avaliar se é viável transacionar sobre um crime que não teve a oportunidade de contradizer o que lhe foi imputado.

Outra questão a ser suscitada é a falta de preparo dos advogados dativos nomeados. Por serem nomeados, em muitos casos surgem advogados que não labutam na matéria criminal e, assim, desconhecem os institutos do Juizado Especial Criminal, ocasionando uma solução menos favorável ao autor do fato.

Por fim, com a transação penal, adotou-se o princípio da discricionariedade regrada, com a mitigação do princípio da obrigatoriedade do oferecimento da denúncia por parte do Ministério Público. Com isso, consideramos que o instituto da transação penal é uma das formas de despenalizar sem descriminalizar diversos tipos penais.

No entanto, no oferecimento da transação, os direitos e garantias fundamentais do cidadão considerado como autor do fato devem sobrepor a qualquer circunstância, sob pena de nulidade do ato, que deve obedecer ao devido processo legal.

Por derradeiro, a proposta de transação penal deve ser aceita pelo autor do fato após este ter analisado no caso em concreto com seu advogado, as vantagens e desvantagens para transacionar, pois as garantias fundamentais não disponíveis.

Diga-se, também, que, em muitos casos, é mais conveniente não aceitar a transação, pois poderá ocorrer o instituto da prescrição até a sentença penal, podendo, ainda, ser oferecida a suspensão condicional do processo, ou, por fim, o autor do fato poderá exercer o contraditório e a ampla defesa e demonstrar que não cometeu nenhum delito, sendo, ao final, absolvido da imputação.

Desde 1977, Miguel Reale Jr, em suas obras, sustenta a inconstitucionalidade do instituto da transação penal. Vinte anos mais tarde, já na vigência da atual Carta Magna, publicou um artigo, cujo título é: “pena sem processo”, mostrando exatamente que os princípios informadores do processo penal, melhor dizendo, do processo justo, são claramente violados neste instituto.

O que na verdade ocorre é que na transação penal tem-se mais ou menos aquilo existente no inquérito policial, no caso do termo circunstanciado. Daí, podemos chegar à conclusão de que o imputado, indevidamente, abre mão do devido processo legal, num Estado que tenta amenizar os problemas da criminalidade, passando por cima de princípios básicos como o da segurança jurídica, da legalidade, da proporcionalidade e razoabilidade.

Afirmamos alhures que o sujeito passivo na transação penal, regrada pela Lei 9099/95, não pode figurar enquanto denunciado ou réu, a uma, porque não há oferecimento da denúncia por parte do Ministério Público, a duas, porque não existe um procedimento administrativo policial.

Diante de tudo o que foi exposto, entendemos ser imperioso que o instituto da transação penal passe a ser proposto após a denúncia. Aí sim, ter-se-ia, como quer a maioria dos processualistas e legalistas, o início de um devido processo legal, com todas as suas características e princípios constitucionais basilares, para só então ser realizada a proposta transacional.

Desta feita, tal proposição ocorreria num momento totalmente adequado, pois continuaria sendo realizada pelo Estado, através do Ministério Público, autoridade competente para proceder a persecutio criminis in judicio contra o suposto autor do fato, sem que se desaparecessem os princípios inspiradores deste método consensual de resolver conflitos de interesses públicos.

Por outro lado, é cediço que o indivíduo não é obrigado a transigir. Porém, o fazendo terá mais uma oportunidade de provar sua inocência, de maneira simples e breve, sem ter que passar por todos os transtornos de um processo moroso e complicado, bastando que, logo após a exordial acusatória, em um momento sem grandes obstáculos ou empecilhos, o Ministério Público faça a proposta, dando a oportunidade de o acusado apresentar, de plano e se possível, provas concretas de sua não participação no fato delituoso. Não demonstrando esta e aceitando o acusado alternativamente a proposta, aí sim, o juiz analisaria a proposição do Parquet, podendo homologá-la.

Portanto, dentro desta nova ótica, teríamos realmente um instituto coerente e inovador, pois abarcaria a idéia de juízo conciliador e de processo célere, e idôneo para os crimes de menor repercussão no seio social, sem, todavia, macular os princípios gerais de direitos.

Outrossim, olhando para a transação penal como um procedimento instaurado após o processo-crime acusatório e, de acordo com o art. 5º da CF/1988, veremos o princípio da inocência presumida também claramente respeitado.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

 

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[1] NASSIF, Aramis. Juizados especiais criminais: breve avaliação. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 41, 1 maio 2000 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/1115>.

[2] DINAMARCO, Cândido. A instrumentalidade do processo. P 25-26.

 

[3] GRINOVER, Ada Pelegrini. ARAÚJO CINTRA, Antonio Carlos; DINAMARCO, Candido Rangel. Teoria Geral do Processo. 14ª edição. São Paulo: Malheiros. 1998. P. 21.

 

[4] idem.

 

[5] GRINOVER, Ada Pelegrini. ARAÚJO CINTRA, Antonio Carlos; DINAMARCO, Candido Rangel. Teoria Geral do Processo. 14ª edição. São Paulo: Malheiros. 1998. P. 21.

[6] SANTOS, Juarez Cirino dos. Código Penal: parte gral. P. 628

[7] GRINOVER, Ada Pelegrini [et al.] Juizados Especiais Criminais – Comentários à Lei 9099 de 26.09.1995. 3 ed. Ver. E atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000

 

[8] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Criminais – Editora Saraiva.

 

[9] RANGEL, Paulo. 2004, pág. 23.

 

[10] Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei.

 

[11] Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

 

[12] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. 2004, pag. 27.

 

[13] BRANDÃO, Paulo de Tarso. Considerações sobre as formas de alternativa ao processo

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