TRANCAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL

 

ELINE LUQUE TEIXEIRA PAIM[1]

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Sumário: Introdução; 1. Do inquérito policial e da possibilidade de seu trancamento; 2. Do habeas corpus; Conclusão; Referências Bibliográficas.

Resumo: O presente artigo pretende analisar e apontar a os argumentos que embasam e tornam possível a aplicação do trancamento do inquérito policial. Apresentando conceitos chaves que permitem o entendimento satisfatório da temática. A apresentação de pareceres doutrinários, bem como a apresentação de transcrições de decisões proferidas por diferentes Tribunais brasileiros mostrarão a aplicabilidade e instrumento que permitem a aplicação do trancamento da investigação criminal.

Palavras-chave: Trancamento; Inquérito Policial; Habeas Corpus.

Introdução

O trancamento do inquérito policial é tema de incomensurável importância no ordenamento jurídico vigente, consistindo no cessar, com caráter de excepcionalidade, dos atos típicos do inquérito, através de acórdão proferido pelo Tribunal após a impetração de “habeas corpus”.

Antes de que se adentre no cerne da temática do presente artigo é vital que se esclareçam alguns conceitos essencialmente intrínsecos ao mesmo, como o conceito de inquérito policial, indiretamente disposto no artigo 4º do Código Processual Penal Brasileiro:

“Art. 4º A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria.”

Da leitura do supratranscrito artigo podemos concluir que o inquérito é, de maneira sintetizada, a peça investigatória produzida pela Polícia Judiciária intentando obter elementos formadores de convicção quanto à materialidade da infração penal executada, assim como os elementos de autoria, para futura instauração de ação penal pertinente.

Em suma, o inquérito visa investigar a ocorrência de infrações penais e a autoria do mesmo.

Diante do exposto é correto concluir que o inquérito policial possui a destinação de subsidiar futura propositura de ação penal.                      

1. Do inquérito policial e da possibilidade de seu trancamento

Como já exposto o inquérito policial é o conjunto de atos e procedimentos realizados pela Polícia Judiciária destinados a averiguação da materialidade e autoria de uma infração penal.

O objeto do inquérito policial é a notitia criminis, que consiste na comunicação da ocorrência à autoridade policial do ilícito penal, que, após os atos pertinentes a repassa ao Ministério Público, atribuindo a materialidade e autoria do mesmo.

Através da notitia criminis o inquérito policial finaliza subsidiar a instauração de uma ação penal ao seu titular, em casos de ação penal pública, o Ministério Público e, em casos de ação penal privado, ao ofendido.

Como leciona Feldens[2] a “finalidade de fornecer subsídios ao titular da ação penal denota o caráter instrumental do inquérito policial, que não tem por objetivo a conclusão do juízo de culpa, este a ser aferido em eventual e futura ação penal”.

Tendo em vista que, a instauração de um processo penal é onde culmina o inquérito policial, o mesmo deve atender a algumas condições gerais, tais como os indícios de materialidade e autoria. A presença de tais requisitos caracterizam a justa causa do inquérito policial.

Discorre, de maneira sucinta, Noronha[3] que “justa causa é o fato cuja ocorrência torna lícita a coação.”

Uma vez que, a justa causa é o que permite a instauração e prosseguimento do inquérito policial, a ausência da mesma é o requisito permissivo para o trancamento do mesmo.

Leciona sobre a temática Barbosa[4]:

“Apenas a flagrante, indiscutível e evidente falta de justa causa no envolvimento do suspeito no delito investigado, justifica o trancamento de inquérito policial, instaurado para a apuração de eventual ilícito penal a ele imputado. Na medida em que paire alguma procedência, ou mesmo a simples possibilidade de veracidade da imputação, a investigação se faz indispensável, cumprida as formalidades impostas pela lei processual, uma das quais é, exatamente, o indiciamento do apontado autor da infração investigada”.

Desta feita, podemos concluir que, apenas a nítida ausência da justa causa, caracterizando cristalinamente coação abusiva, permite o trancamento do inquérito policial.

Pertinente mostra-se acórdão proferido pelo desembargador Ítalo Fioravanti SaboMendes[5]:

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA NÃO DEMONSTRADA. ORDEM DENEGADA.

1. O trancamento de inquérito policial é medida excepcional, juridicamente possível apenas quando se constatar, de plano, de forma clara, incontroversa e sem a necessidade de dilação probatória, a atipicidade dos fatos sob apuração, a inexistência de indícios mínimos de autoria, ou, ainda, quando já estiver extinta a punibilidade do investigado. Precedente jurisprudencial do egrégio Supremo Tribunal Federal.

2. No caso em análise, não se vislumbra a presença de qualquer das hipóteses excepcionais que dão ensejo ao trancamento de inquérito policial por ausência de justa causa.

Como aponta Feldens[6], o trancamento do inquérito policial é medida com caráter de excepcionalidade, quando for nítida e inegável a ilegalidade e o abuso de poder dentro da investigação criminal.

                                

2. Do habeas corpus

            Conforme já exposto o trancamento do inquérito policial, excepcionalmente, pode ser frustrado, quando presentes abuso de autoridade e ausente a justa causa para o mesmo.

            A peça cabível para o trancamento da investigação criminal é o remédio constitucional, destinado a garantir a liberdade de trânsito, qual seja, o habeas corpus.

            Sendo previsto no artigo 5º, inciso LXVIII, da Carta Magna de 1988 e regulamentado pelos artigos 647 e 667 do Código de Processo Penal, o habeas corpus destina-se ao combate da violência e coação no direito de locomoção frente ao abuso de poder ou de ilegalidade.

            A utilização do remédio constitucional para o trancamento do inquérito policial frente à ausência de justa causa para o mesmo encontra respaldo no artigo 648, inciso I, do Código Processual Penal vigente.

            Límpida se torna na utilização do habeas corpus para a interrupção do inquérito policial em acórdão proferido pelo desembargador Raldênio Bonifácio Costa[7]:

HABEAS CORPUS. ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO.  INADMISSIBILIDADE.  CRIME DE PREVARICAÇÃO.  INQUÉRITO POLICIAL.  TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL  FALTA DE JUSTA CAUSA.  ORDEM CONCEDIDA.

I- Indefere-se o pedido de ingresso no writ, na qualidade de assistente do Ministério Público, feito pelo Sr. Edson Almeida Pedrosa, eis que em sede de habeas corpus, ação que não há acusação nem contraditório, não é possível a assistência; até por que no habeas corpus, o Ministério Público comparece obrigatoriamente não como agente de acusação, mas como fiscal da lei.

II- Precedentes citados do Eg. HC 11649/GO">STJ: HC 11649/GO (1999/0120089-0), Rel. Min. FONTES DE ALENCAR, DJU 28/05/2001 e AEDRHC 505/SP (1990/0000795-0), Rel. Min. ASSIS TOLEDO, DJU 17/09/1990.

III- Na análise dos elementos fáticos presentes nos autos, não há que se falar em possível prática do crime de prevaricação, uma vez que os impetrantes e ora pacientes não realizaram nenhum ato de ofício contra disposição expressa de lei, sobretudo diante das regras contidas na Lei n.º 8429/92, e nem mesmo atuaram a fim de satisfazer interesse ou sentimento pessoal.

IV- Ademais, ainda que assistisse razão ao Ministério Público Federal e o Processo Administrativo Disciplinar (PAD n.º estivesse eivado de irregularidades, não haveria qualquer possibilidade de se vislumbrar o cometimento de prevaricação por parte dos impetrantes, pois quase todas as supostas irregularidades citadas pelo Parquet Federal antecederam a designação dos impetrantes para constituírem a Comissão de Inquérito, não tendo, conseqüentemente, decorrido de condutas deles.

V- Como é sabido, o trancamento de inquérito policial por meio de habeas corpus, sob alegação de falta de justa causa só é viável, quando não há necessidade de aprofundar o exame da prova, e se estiver em evidência a falta de indícios de autoria e materialidade, atipicidade do fato ou extinção da punibilidade.

VI - ... cometido um fato aparentemente delituoso, deve o Estado instaurar um procedimento investigatório sobre sua ocorrência, preparatório da segunda fase da persecutio criminis (ação penal) e que lhe confira subsídios e supedâneo. Portanto, e em princípio, constrangimento ilegal algum pode ressumbrar do exercício de uma atividade estatal lícita. Somente quando a legalidade do procedimento estatal sobeje extrapassada pelo arbítrio ou quando se transluza flagrante e patente a atipia do fato que ao inquérito confere berço, é que o habeas corpus se assume como caminho defensório apto e idôneo para o trancamento da peça policial informativa. (PEDROSO, FERNANDO DE ALMEIDA, Processo Penal. O Direito de Defesa: Repercussão, Amplitude e Limites, Ed. Revista dos Tribunais, 3ª Edição, 2001, p.63) VII- Em faltando um mínimo de notícia de crime, a justificar a instauração do inquérito policial, é de se conceder a ordem de habeas corpus para determina-lhe o trancamento. (STJ 6ª Turma, HC 19118/RJ (2001/0149772-0), Rel. p/ Acórdão Min. HAMILTON CARVALHIDO, DJ DATA: 01/09/2003, PG: 00322) VIII Nesta direção, ante a ausência de justa causa, concede-se a ordem de habeas corpus.

            Sobre o cabimento do habeas corpus afirma Fernandes[8]:

“Consiste ainda o habeas corpus no instrumento hábil para ser trancado o inquérito policial e é admitido para impedir o indiciamento do investigado. O pedido do trancamento do inquérito policial é um meio relevante para a reação do imputado. Pode, para requerer o trancamento, sustentar que o fato não existiu, que é atípico, que não houve representação em inquérito por crime de ação penal pública condicionada, que faltou requerimento do ofendido para a instauração do inquérito em crime de ação penal privada, que não podia no caso ser atribuída a autoria ao investigado ou que se apurou não ser o indiciado autor do fato”.                 

                Resta clara a aplicabilidade do habeas corpus com intuito de interromper a investigação policial quando ausente a justa causa para o mesmo.

                                                                                 

Conclusão

Neste artigo, vimos que, embora em caráter de excepcionalidade, o trancamento do inquérito faz-se plenamente possível, desde que, configurado esteja o abuso de autoridade e a coação, resultando na inexistência de justa causa para a investigação.

O instrumento jurídico adequado para o trancamento do inquérito policial é o remédio constitucional do habeas corpus, regulamento pelo Código Processual Penal, conforme já confirmado por decisões exaradas pelos Tribunais brasileiros.

O trancamento do inquérito é permitido para que não se possa causar dano futuro gerado por investigação maculada por coação e abusos, visando garantir ao investigado o direito de locomoção constitucionalmente previsto.

 

 

Referências bibliográficas

BARBOSA, Manoel Mesquita. Inquérito policial. 7ª ed. rev. atual. São Paulo: Método, 2009, p. 42.

BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Pesquisa de Jurisprudência do TRF1. Jurisprudências sobre trancamento de inquérito policial. Disponível em: < http://trf-1.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23060273/habeas-corpus-hc-48760-ac-0048760-2920114010000-trf1>. Acesso em: 20 ago. 2014.

BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Pesquisa de Jurisprudência do TRF2. Jurisprudências sobre a impetração de habeas corpus para o trancamento de inquérito policial. Disponível em: < http://trf-2.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/865527/habeas-corpus-hc-2906-20020201043828-6?ref=home>. Acesso em: 20 ago. 2014.

FELDENS, Luciano; SCHMIDT, Andrei Zenkner. Investigação criminal e ação penal. 2ª ed. rev.amp. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p.14.

FELDENS, Luciano; SCHMIDT, Andrei Zenkner. Investigação criminal e ação penal. 2ª ed. rev.amp. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p.28.

FERNANDES, Antonio Scarance. Reação defensiva à imputação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.141.

NORONHA, Edgard Magalhães. Teoria e Prática do Habeas Corpus. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1982.



[1] Advogada, graduada em Direito pela Faculdade Municipal de Direito de Franca e pós-graduanda em Direito Contratual pelo Inage - USP Ribeirão Preto.

[2] FELDENS, Luciano; SCHMIDT, Andrei Zenkner. Investigação criminal e ação penal. 2ª ed. rev.amp. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p.14.

[3] NORONHA, Edgard Magalhães. Teoria e Prática do Habeas Corpus. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1982.

[4] BARBOSA, Manoel Mesquita. Inquérito policial. 7ª ed. rev. atual. São Paulo: Método, 2009, p. 42.

[5] BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região.Pesquisa de Jurisprudência do TRF1. Jurisprudências sobre trancamento de inquérito policial. Disponível em: < http://trf-1.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23060273/habeas-corpus-hc-48760-ac-0048760-2920114010000-trf1>. Acesso em: 20 ago. 2014.

[6]FELDENS, Luciano; SCHMIDT, Andrei Zenkner. Investigação criminal e ação penal. 2ª ed. rev.amp. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p.28.

[7]BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Pesquisa de Jurisprudência do TRF1. Jurisprudências sobre a impetração de habeas corpus para o trancamento de inquérito policial. Disponível em: <http://trf-2.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/865527/habeas-corpus-hc-2906-20020201043828-6?ref=home>. Acesso em: 20 ago. 2014.

[8]FERNANDES, Antonio Scarance. Reação defensiva à imputação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.141.