ANTROPOLOGIA E DIREITOS HUMANOS: A mutilação genital feminina em face dos limites culturais[1]

 

                                                                               Bárbara Ruscelli Revil Torres Ferreira²

                                       Sumário: Introdução. 1 A universalidade dos direitos humanos  e a                       relação com a antropologia. 2 Cultura versus Direito: a tradição versus a lei 2.1 A mutilação genital feminina

 

RESUMO

O presente trabalho visa expor a relação entre a antropologia e os direitos humanos referente ao choque entre as culturas ocidentais e orientais, no caso específico concernente a mutilação genital feminina. Mostrando, nesse contexto, a idéia da universalidade dos direitos humanos e os limites a cultura.

                      

PALAVRAS-CHAVE

Universalidade dos direitos humanos; antropologia; diversidade cultural; mutilação genital feminina.

Introdução

Os direitos humanos se apresentam como um aglomerado de normas de direito internacional que encontram sua validade por meio de tratados/acordos internacionais. Devido ao seu caráter universal os direitos humanos devem ser obedecidos em todo o mundo, caso contrário, existem punições concernentes a qualquer que seja o ato de violação.

     Porém, seria fácil estabelecer um acordo universal sem barreiras ou conflitos se existisse uma cultura universal aceita e executada por todos, o que não acontece. Ou seja, como já exposto acima, em determinados territórios essa concepção de direitos humanos universais não se adéqua devido aos valores e cultura ali vigentes.

     Quanto a isso, a antropologia tem colaborado com a discussão sobre direitos humanos através da “desnaturalização da produção de certos direitos considerados universais, como o pressuposto de sujeitos livres e iguais do ideário liberal individualista, bem como examinando as restrições que regem as declarações de direitos humanos...”

     Apesar de haver diferenças culturais dentro de um mesmo país, a diversidade cultural aqui trabalhada será focada na “relação” Ocidente-Oriente. Isso por que no ocidente a prática da mutilação genital feminina é vista como um desrespeito ao decreto dos direitos humanos, enquanto que no oriente não. Dessa forma, há o choque de culturas, que resulta em questões não só culturais como também antropológicas, políticas (relações de poder), históricas (colonialismo, por exemplo), sociais, religiosas que buscam ser entendidas tanto pela antropologia quanto pacificadas/resolvidas pelas ONG’s.  

1 A universalidade dos Direitos Humanos e a relação com a Antropologia

O conceito de direitos humanos é pedra angular da humanidade. Tais direitos são concernentes a todas as pessoas igualmente e por isso diferem dos demais direitos previstos na Constituição, estes são direcionados para um grupo definido de indivíduos como, por exemplo, aos cidadãos brasileiros ou americanos.

Tal categoria (direitos humanos) é bastante debatida tanto no ambiente acadêmico quanto fora dele, e nesses espaços encontra diversas indagações e dilemas. Tal situação é decorrente da sua própria formação (como veremos a seguir) e não esquecendo também de sua execução, pois esta se encontra minada de interesses particulares, o que acaba por levar ao revés a proposta de direitos universalmente inalienáveis.

Terminada a Segunda Guerra Mundial (1948) os direitos humanos passam a ser alvo de debate por parte da comunidade internacional, pois essa temia novos ataques nazistas. Nesse sentido, a partir do acordo entre - principalmente duas grandes nações- Estados Unidos e Rússia, foi produzida e instituída uma Declaração Universal dos Direitos do Homem que explicitava os direitos civis e individuais do individuo.

Sobre tal situação Schuch (2009) esclarece que tal Declaração está recheada de questões e indagações, e que por assim dizer, o mesmo foi estatuído excluindo vários representantes nacionais, haja vista que eles não tiveram participação expressa no conteúdo da mesma. O que nos leva a conclusão de que tal acordo foi produzido à luz da cultura ocidental, excluindo, assim, os costumes e a própria cultura oriental.

Nesse contexto, Laura Nader (1999) apud Schuch (2009) faz um paralelo entre a noção de violação dos direitos humanos em duas culturas extremamente diferentes: a americana e a africana. Diante disso observou que, enquanto o implante de silicone é uma violação aos direitos humanos para as africanas, este é um fato típico entre as americanas. Já a remoção do clitóris que seria uma violação aos direitos humanos na concepção das americanas este é comum entre as africanas.

Assim, como pode viger uma Declaração de Direitos Humanos Universais em que a própria noção de universalidade não foi incluída? Como definir direitos humanos universais se há entre o ocidente e o oriente concepções diversas? Muitas são as respostas dadas a tais perguntas.

Como já disse o ministro de Relações Exteriores de Singapura na conferência de Viena sobre os direitos humanos em 1993- com absoluto apoio dos porta-vozes oficiais de diversos países asiáticos: "O reconhecimento universal do ideal dos direitos humanos pode ser nefasto se a universalidade é utilizada para contestar ou mascarar a realidade da diversidade."

Já Boaventura de Sousa Santos (2000) sugere uma “hermenêutica diatópica” enfatizando a idéia de que as culturas são incompletas. E, nesse sentido, se faz oportuno o olhar relativizador (olhar do outro) que corroborará a ideia de que estas realmente são incompletas. Portanto, a Antropologia ao estudar tal questão deve tratá-la como “instável”, pois a mesma está atrelada a relações de poder estabelecidas em determinado território.

E, assim, Kílvia Bernardes Cunha analisa que,

Por isso, não existe uma única metodologia que dê conta de um trabalho etnográfico. A metodologia na disciplina é constantemente construída assim como a própria Antropologia ou Antropologias é (são) renovada(s) a todo instante. Este é um traço da disciplina, antes tido como uma crise. O que é importante mesmo é a contribuição que o antropólogo pode dar ao estudo dos direitos humanos utilizando-se de seu instrumental teórico e metodológico para pensá-los, gerando novas apreciações. (...) Não me propus de forma alguma a escolher a “melhor forma” de pensar o trabalho do antropólogo e seu diálogo com os direitos humanos. (...) o contexto é que definirá os instrumentos e as reflexões epistemológicas suscitadas no campo que tanto contribuirão para o fazer antropológico. (grifo nosso) 

           

2 Cultura versus Direito: a tradição versus a lei

     A cultura é a identidade de um povo. O Direito são os interesses do povo a serem executados e resguardados pela autoridade competente. Tais concepções não existem por base em um conceito certamente definido, pois variam de acordo com determinado território. Assim, por vezes quando deslocados do seu devido contexto geram conflitos que podem tomar proporções maiores, vindo a interferir até mesmo em leis inseridas nesses territórios.

     As culturas orientais e ocidentais se apresentam em certos aspectos em sua total oposição. Seja pela escrita, pelo calendário, música, alimentação, vestimenta, religião. Por exemplo, enquanto que no ocidente a escritura forma a palavra letra por letra, no oriente se escreve palavra por palavra ou idéia por idéia. No ocidente reza-se para o exterior, pois Deus encontra-se nos céus, já no oriente reza-se para o interior, a fim de despertar o Deus que existe dentro do individuo.

Nesse sentido, fatos ou costumes que em uma região (devido às influências culturais) são perfeitamente executáveis em outros chega ser estranho e por vezes é tido como violação às leis postas e até mesmo aos direitos humanos universais. E, nesse contexto, percebemos o caso da mutilação genital feminina, que se mostra como um fato corriqueiro no oriente (Ásia, África, Oriente Médio), porém visto como uma violação dos direitos humanos por parte dos ocidentais.

     Dessa forma, percebemos que o caráter de universalidade dos direitos humanos cai por terra, no sentido que existem culturas e costumes diferentes. Assim, a tradição entra em conflito com a lei, pois – principalmente entre o oriente e o ocidente- existe um contraste enorme entre as culturas. Fato este que se pôde ser percebido e só veio a se intensificar com o decreto dos direitos humanos, tendo em vista o seu caráter universal,pois neste a cultura oriental é levada minimamente em consideração.

     Aqui a questão do etnocentrismo é bastante perceptível, haja vista que este remete a idéia da visão do outro a partir dos nossos valores e nossos modelos, é quando nós enxergamos o outro sob os nossos costumes. Somado a isso, percebemos também o eurocentrismo, em que a cultura européia “prepondera” sob as outras culturas, vistas por eles (europeus), em seu etnocentrismo, como inferiores. Dessa forma, na África essa visão eurocêntrica é associada a “visão salvadora” que a Europa exerce sobre esta, que apresenta, na verdade, um caráter manipulador. 

 2.1 A mutilação genital feminina

A antropologia e a etnografia se inserem no âmbito das disciplinas que mais tratam da diversidade humana, utilizando como artifício a dignidade entre as culturas e condutas diferentes das nossas. Assim, ao analisar a questões não habituais do nosso cotidiano, como a mutilação genital feminina, por se tratar de uma situação externa a nossa o antropólogo precisa trabalhar com o estranhamento.

Nesse sentido, a antropóloga Débora Diniz ao comentar sobre sua pesquisa feita sobre mutilação genital feminina relata que

... a mutilação genital feminina nos é uma questão externa, ou seja, não faz parte do nosso arsenal sócio-cultural, justifico a opção em termos metodológicos da própria antropologia. A estratégia do estranhamento, isto é, o distanciamento moral e cultural necessário que nos permite duvidar e analisar as outras culturas, um movimento difícil de ser executado quando o que está em questão são as nossas próprias crenças e valores socioculturais, permitiu-se lidar com as questões dos limites do relativismo e as fronteiras do relativismo metodológico e ideológico com mais propriedade.       

Antes de ter discordâncias acerca de tal ato ferir ou não os direitos humanos universais, a mutilação genital feminina apresenta divergências também lingüísticas. Nesse sentido, para os defensores do direito a cultura ela é vista como cirurgia/ritual  de iniciação, ao passo que para os defensores dos direitos humanos é um ritual de violência, designado mutilação.

A mutilação genital feminina, segundo a Amnistia Internacional (AI), é uma prática comum em vinte e nove países da África e três do próximo Oriente, assim como em comunidades de emigrantes espalhados pelo mundo. A MGF também é praticada em grupos indígenas na América Central e do Sul, como no Peru, porém existe pouca informação sobre eles.

 Por causa da imigração, países em que antes não se praticava a mutilação, apresentam agora setores da população que a exercem, incluindo, sobretudo países como Austrália, Canadá, Dinamarca, França, Itália, Holanda, Suécia, Reino Unido,  EUA. Hoje, existem 135 milhões de mulheres com os seus órgãos genitais mutilados e a cada ano mais dois milhões de mulheres passam por isso, ou seja, são executadas seis mil operações destas por dia, que corresponde a uma a cada quinze segundos.

Em certos países, o número de profissionais ligados à saúde que praticam a  circuncisão feminina aumenta paulatinamente. No Egito, por exemplo, resultados de um inquérito de 1995 apontam que 13% das mulheres foram circuncisadas por um desses profissionais. Em outros países essa prática é realizada por parteiras ou por mulheres idosas da comunidade (matronas), essas se utilizam de objetos cortantes, como lâminas ou pedaços de vidro para a mutilação genital.

As maneiras mais corriqueiras destes rituais se dirigem a amputação parcial ou total do clitóris e lábios menores, o que gera danos físicos gravíssimos e irreparáveis a tais mulheres, e por vezes as afeta também psicologicamente. É devido à rigidez e irreversibilidade da lesão causada no corpo da moça que tal procedimento é apontado como mutilação genital feminina, termo este presente integralmente nos documentos oficiais das conferências mundiais e da ONU.

 Segundo Mafalda dos Santos e Paulo César de Matos, nos países em que ocorre tal prática, ela vem a ser justifica segundo motivos

psico-sexuais: o clitóris é considerado um órgão agressivo; proteção da castidade; a crença de que uma mulher não mutilada não pode dar à luz; religiosos: são resultados da crença que é exigida pela fé islâmica (apesar de também ser praticada por católicos, protestantes, coptas, animistas e não crentes dos vários países em questão); sociológicos: são atos de iniciação e passagem para a idade adulta; higiênicos/saúde: porque os órgãos genitais femininos exteriores são “sujos”

Motivos esses, que apesar de no oriente serem por base culturais, são bastante criticados pelos grupos que combatem essa prática, enumerando assim além de razões físicas, de saúde, razões psicológicas. Razões essas decorrentes da brutalidade com que é praticado tal ato, pois são utilizados objetos de corte inapropriados como, por exemplo, faca, caco de vidro, ou navalha. Estes instrumentos são raramente esterilizados e anestesiados, sem contar que nos casos de infibulação, são utilizados pontos ou espinhos para que os lábios vaginais fiquem juntos, nessas condições as moças devem manter as pernas atadas durante quarenta dias. 

 De acordo com Camila Leporace os riscos são enormes

existem vários riscos, inclusive o de morte e o da transmissão da Aids. Para muitas, a dor nunca passa. A menstruação e o parto ficam ameaçados, as relações sexuais tornam-se dolorosas e o prazer sexual da mulher é tolhido. Infecções e todo tipo de problema na saúde sexual feminina estão relacionados à brutalidade da excisão, feita na maioria das vezes com instrumentos não-esterilizados e usados em várias meninas numa mesma ocasião, e sem anestesia.   

     Por outro lado, ainda que muitas destas sociedades saibam das conseqüências negativas da mutilação genital no alcance de prazer sexual nas mulheres, a preservação da virgindade não é o alvo em todas as ocasiões. Em países como o Egito, Somália e Sudão o sexo fora do casamento é inteiramente reprovável e a mutilação genital feminina serve para garantir isso. Já no Quênia, Uganda e países da África ocidental como a Serra Leoa, uma moça pode ter uma criança fora do casamento como prova da sua fertilidade, e só depois é praticada a mutilação genital com um conseguinte casamento.

Por ser uma característica cultural, as mulheres que não se submetem a MGF sofrem preconceito em sua comunidade. De acordo com isso a CARE, - organização com sede nos Estados Unidos com o escopo de resguardar os direitos humanos (principalmente femininos) – analisa que,

Não há muita opção para as mulheres que vivem nas comunidades em que é comum a mutilação genital. As meninas que decidem não se submeter à prática, mas continuam vivendo no mesmo grupo, enfrentam problemas de socialização, são hostilizadas e excluídas. Por isso a organização se propõe, inclusive, a dar apoio e proteção às famílias que se recusam a submeter suas meninas e mulheres à prática. 

Apesar de ser uma questão cultural, a mutilação é uma prática imposta e aceita mais pelos homens e pela família do que pela própria mulher. Esta só aceita por que é levada a acreditar que isso decorre da religião ou por que será “excluída” socialmente da sua comunidade. Já os homens além de impor tal prática defendendo a religião, a cultura e a questão do prazer, é presente aqui também relações econômicas entre as famílias, em que se paga mais pela mulher virgem e mutilada, a procura é maior, ela é mais valorizada na hora do casamento. O que não faz nenhum sentido, pois a mutilação além de tirar o prazer sexual da mulher depois de certo tempo instiga o marido a ter relações extraconjugais.  

A razão dos direitos humanos apresentarem controvérsias quanto a sua universalidade não serve de apoio a uma cultura em que a mulher é submetida à violência e tortura. Violência esta que não se apresenta como um fato passageiro, pelo contrário, deixa marcas tanto físicas e emocionais quanto psicológicas nas mulheres. Dessa forma, podemos observar tal sofrimento a partir de relatos de mulheres que já passaram por essa situação, como é o caso de Hannah Koroma da Serra Leoa,

... A dor era terrível e insuportável. Enquanto me debatia cortaram-me e perdi sangue. Todos os que fizeram parte da operação estavam meios bêbados. Outros estavam a dançar e a cantar, e ainda pior, estavam nus. Fui mutilada com um canivete rombo. Depois da operação, ninguém me podia ajudar a andar. O que me puseram na ferida cheirava mal e doía. Estes foram momentos terríveis para mim. Cada vez que queria urinar, era forçada a estar em pé. A urina espalhava-se pela ferida e causava de novo a dor inicial. Às vezes tinha de me forçar a não urinar, com medo da dor terrível. Não me anestesiaram durante a operação, nem me deram antibióticos contra infecções. Depois, tive uma hemorragia e fiquei anêmica. A culpa foi atribuída à feitiçaria. Sofri durante muito tempo de infecções vaginais agudas. (grifo nosso)

É devido a isso que a questão da mutilação genital feminina vem sendo alvo de análise por parte de uma série de antropólogos que visam entender os limites dos valores universais, da tortura e até mesmo da cultura. Para a maioria dos antropólogos a MGF se insere em uma questão cultural correspondente aos povos que a praticam, e estabelecer um sentido cultural a tal prática serve como meio para justificar moralmente para si e para a sociedade esse tipo de ritual.

O reconhecimento da diversidade cultural fez com que o relativismo cultural se consolidasse como fundamental na antropologia. No entanto, o enigma habita no que concerne ao relativismo como um sistema de idéias que busca explicar as diferenças, caracterizando-as como culturais, e admitindo assim valores culturais como válidos.  Nesse sentindo, sob a idéia da etnografia as mulheres que por questões culturais são mutiladas devem continuar a ser mutiladas. Segundo Débora Diniz isso parece ter sido um lapso disciplinar da antropologia:

Mas em alguma medida intencional, pois o motivo maior era o controle de qualquer forma de imperialismo ou de controle cultural. Como resultado, algumas das perguntas deixadas pelo relativismo cultural foi sobre quem teria a autoridade do tribunal de julgamento da diversidade (...). A antropologia mostra exatamente que esse tribunal não apenas inexiste como qualquer tentativa de constituí-lo está fadada ao fracasso. O tribunal do olho de deus, aquele localizado acima da contingência de cada crença será sempre um tribunal baseado em valores culturais de uma determinada cultura ou de um número reduzido de culturas. Qualquer julgamento que diga que a mutilação genital é um crime contra os direitos humanos das mulheres é, em alguma medida, é um julgamento baseado dentro de uma tradição de direitos, de liberdade, dentro de uma tradição especifica que não prevê a mutilação genital feminina 

Enfim, o que se observa é que o reconhecimento do potencial discurso dos direitos humanos cruza com a certeza de sua fragilidade, pois a diversidade quando “aglomerada” gera conflitos. Nesse sentido, é uma falácia sonhar com a resolução desses conflitos através apenas do diálogo, haja vista que os direitos humanos são uma construção que serve de alicerce para que um indivíduo não destrua outro, ou o coloque em condição extrema de submissão.

E é nesse contexto que Débora Diniz acredita que “como todas as crenças morais, a crença na dignidade do humano é uma fantasia, mas é a melhor fantasia que nós temos. Isso é uma construção, mas é a melhor construção que nós temos para a defesa do que nós consideramos como inalienável. (...)”  

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

     Os direitos humanos fundamentais- inalienáveis para alguns e parcialmente descartáveis para outros- se apresentam fundamentalmente em seu caráter universal inscrito em um mundo bastante diversificado. Diversificado no que concerne a enorme quantidade de culturas, e decorrente disso põe em cheque sua universalidade.

        Essa diversidade cultural resulta certamente em choques culturais, como é o caso da cultura ocidental conjugada a oriental. Em meio a tantos choques se insere a mutilação genital feminina, aceita pelos territórios praticantes -como Ásia, África e Oriente Médio- e defensores dos direitos culturais e de longe reprovável por defensores dos direitos humanos e por mais da maioria ocidental.

     Nesse contexto percebemos que o caráter universal é desvinculado dos direitos humanos. Por um lado, devemos considerar que os direitos humanos- apesar de ser uma construção do homem (e por isso apresenta contradições, conflitos... defeitos)- é pedra angular (em particular da mutilação) para impor limites biologicamente aceitos e até mesmo culturais.

Assim, esses se mostram como uma construção útil, pois resguardam direitos ditos inalienáveis. No caso específico colocar em risco a vida de uma pessoa e sendo isso justificado como cultural é um tanto quanto bizarro para a sociedade ocidental, pois chega ao ápice dos seus limites culturais aceitos por estes, e por isso fere aos direitos humanos fundamentais.

Por outro lado há a questão cultural desses povos adeptos da mutilação genital feminina, que ao analisarmos segundo a nossa visão, a nossa cultura (deixando, dessa forma, de lado o olhar relativizador, imprescindível nos estudos antropológicos) passamos a julgá-los com base em nossos juízos de valor e passamos a tê-lo como inferior culturalmente ou errado.

É certo que uma cultura não deve se sobrepor a outra/as, no sentido de entre essas não deve haver superioridade ou inferioridade, mas sim respeito. Nesse contexto, a recusa do relativismo cultural por parte da Declaração Universal dos Direitos Humanos permanece como um empecilho para a total corroboração de uma política de reconhecimento dos direitos fundamentados em instrumentos peculiares de certas culturas. O que só será resolvido por meio da criação e adoção de políticas culturais.

REFERÊNCIAS

Amnistia Internacional Secção Portuguesa; coord. Helder Vieira dos Santos, Mulheres e direitos humanos, Lisboa: A. I., S. P., 1995

CUNHA, Kilvia Bernardes. Ensaio: Antropologia e Direitos Humanos. Disponível em: <http://prticasdejustiaediversidadecultural.blogspot.com/2009/07/ensaio-antropologia-e-direitos-humanos.html>  Acesso em: 19.10.2010

DINIZ, Débora. Valores Universais, Direitos Culturais. In: Direitos Humanos, Temas e Perspectivas. Regina Novaes. (org) Rio de Janeiro: Mauad. 2001. Disponível em: < http://books.google.com.br/books?id=_urYp2zledgC&pg=PA57&lpg=PA57&dq=antropologia+e+direitos+humanos:direitos+culturais&source=bl&ots=HxzWem5zIz&sig=Qmayl-V5_y33Xp_Ieav1m36YLvg&hl=pt-BR&ei=u5m9TKHhC4acsQOz3q1K&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=7&ved=0CD4Q6AEwBg#v=onepage&q&f=false> Acesso em: 25.out.2010

DINIZ, Débora. A cirurgia de mutilação genital feminina. SérieAnis 11, Brasília, LetrasLivres, 1-3, junho, 2000.  Disponível em: < http://www.anis.org.br/serie/artigos/sa11%28diniz%29mutilacao.pdf> Acesso em: 25.out.2010

LEPORACE, Camila. Mutilação genital feminina. Disponível em: <http://www.brasilmedicina.com.br/noticias/_check_printnot.asp?Area=4&Cod=1303> Acesso em: 23. Out. 2010

LIMA, Roberto Kant. Antropologia e Direitos humanos 2. Disponível em: < http://www.dhnet.org.br/dados/livros/dh/livro_kant_de_lima_antropologia_direitos_humanos.pdf> Acesso em: 22.out.2010.

SCHUCH, Patrice. “Entre o real e o ideal: a Antropologia e a construção de enunciados sobre direitos humanos”. In: Práticas de justiça: antropologia dos modos de governo da infância e juventude no contexto pós-ECA. POA: Editora da UFRGS, 2009.

SOUZA SANTOS, Boaventura de. “Por uma concepção multicultural de Direitos Humanos”. In: FELDMAN-BIANCO, Bela (org.). Identidades, Estudos de Cultura e Poder. São Paulo: Hucitec, 2000.

PANIKKAR, R. “É a noção dos direitos humanos um conceito ocidental?”. Em Diógenes, v.5 Brasília: UNB, 1983

SANTOS, Mafalda Sofia Félix; MATOS, Paulo César Lino Belchior. Mutilação Genital Feminina. Disponível em: <http://www.cpihts.com/MGF/1_parte.htm> Acesso em: 23.Out.2010



[1]  Paper apresentado à disciplina de Antropologia, do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco (UNDB), para obtenção da segunda nota ministrada pela prof. Kátia Núbia.

² Aluna do 2° período do curso de Direito Vespertino da UNDB, [email protected].