UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

VAGNER RAMOS DE FREITAS

TRADUÇÃO LITERAL:

POSSÍVEL ORIGEM DO "GERUNDISMO"

MARIANA

2008

VAGNER RAMOS DE FREITAS

TRADUÇÃO LITERAL:

Possível Origem do "Gerundismo"

Monografia apresentada ao Departamento de Letras do Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal de Ouro Preto, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Tradução.

Orientadora: Glória Guiné de Mello

MARIANA

2008

RESUMO

Através dos tempos, o modo com que falamos é modificado. Isso porque a língua é considerada viva, e muda consideravelmente com o passar dos anos. A algumas dessas mudanças, estudamos com o nome de fenômeno lingüístico.

Os neologismos contribuem para essa mudança. Novas palavras ou expressões, sejam criadas pelos falantes ou trazidas de outras línguas.

Através de traduções de manuais técnicos, foi criada uma nova expressão, não comum na Língua Portuguesa para expressar ações futuras. Ao traduzir as expressões do tempo verbal Future Continuous, característico da Língua Inglesa, formado pela estrutura "will + be + verbo no gerúndio (ing)", resultou na construção incomum no portugês "verbo ir + verbo estar + gerúndio" caracterizando o fenômeno lingüístico chamado de "gerundísmo".

Por ser um fenômeno muito recente, ainda não existem estudos mais aprofundados, nem teorias mais fundamentadas a respeito. Este trabalho pretende dar um passo em relação a uma pesquisa orientada, discutindo o seu suposto surgimento, as ocorrências em manuais técnicos e as opiniões de alguns escritores e professores sobre tal fenômeno.

Palavras-Chave: Tradução Literal, Manuais Técnicos, Fenômenos Lingüísticos, Neologismo, "Gerundismo"

ABSTRACT

The manner which we speak always changes trough the History. This happens because language is considered alive and change with passing years. For many changes like that, we study with the name "Linguistic Phenomena".

The neologisms contribute to this change. New words or phrases, created by speakers or brought by translations from other languages.

Through translations of technical manuals, a new expression, not common in the Portuguese language, has been created to express future actions. Translating terms of English Language characteristic verbal tense Future Continuous,formed by the structure "will be + verb in the gerund (ing)". It resulted in the Portuguese uncommon construction "verb + verb to be + gerund" characterizing the linguistic phenomenon called "gerundive".

There are no more in-depth studies, neither theories based on the subject because it's a very recent phenomenon. This paper aims to take a step towards an investigation about it, discussing his supposed appearance. It occurrences in technical manuals and the views of some writers and teachers about this phenomenon.

Key words: Literal Translation, Technical Manuals, Linguistic Phenomena, Neologism, "Gerundive"

SUMÁRIO

1. Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .6

2. Tradução Literal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .8

3.Fenômenos Lingüísticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11

3.1Neologismos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12

3.2O "Gerundismo" . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .18

4.Análise . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

4.1User Manual For Talis Message – Talkingteck Ud-03-3.0 . . . . . . . . . . . . . . . . . 30

4.2Endnote V9 User's Guide . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .33

4.3Scott's Select – Precisionware User's Manual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .35

4.4Outros Manuais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .37

5.Considerações Finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39

6.Anexo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43

7.Referências Bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45

1.INTRODUÇÃO

Diante de um texto, as opções para a tradução são diversas. As condições de produção e os resultados obtidos pelo próprio sujeito tradutor do texto apontam para tantas possibilidades de interpretação e produção de sentido, que a pretensão de resumi-las a uma única expressão lingüística, delimitada pela tradução literal, restringe tais possibilidades.

A opção de se traduzir apenas literalmente, nos parece, no mínimo, ingênua.

O tradutor, a fim de realizar um trabalho satisfatório, deverá ser capaz de aliar as teorias de tradução à produção do texto na língua de chegada. Dessa forma, perceberá as diversas opções de tradução, e evitará equívocos como o uso do chamado "gerundismo", que reproduz uma estrutura gramatical da língua inglesa.

Vejamos estudos que teorizam sobre o início do fenômeno chamado "gerundismo" devido à tradução literal de manuais técnicos, por exemplo:

"A tentativa de tradução literal da estrutura do inglês 'will be + gerúndio' pode ter iniciado a propagação da construção em português, por exemplo, do 'estar mandando' ou do 'estar fazendo'. Acredita-se ainda que, quando os serviços de telemarketing começaram a se instalar nas empresas brasileiras, os manuais de treinamento tenham sido traduzidos erroneamente o que explicaria a proliferação do 'gerundismo'" (Müller: 1998).

Ou mesmo a tradução de outros textos técnicos:

"Com a devida vênia, isso não é gramática, mas chute. Podemos encontrar em qualquer manual razoável quando e como empregamos os tempos do modo indicativo, os do subjuntivo, os dois imperativos e as formas nominais dos verbos. Mas essa explicação para o gerundivo é uma jabuticaba que só floresce no quintal das professoras. Na verdade, é uma besteira. A língua portuguesa já tem o modo da incerteza: o subjuntivo. O da embromação e do trambique é uma invenção de acadêmicos. Se elas estivessem certas, o Brasil teria criado uma nova forma verbal. Não criou. Só popularizou um erro." (Petry: 2003).

É sabido que o exercício da leitura contribuirá positivamente em muitos aspectos da produção de textos, "A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele". (Freire:1983). Assim, o que se pretende ressaltar aqui, compreende essa importância associada ao fato de que traduções de textos podem interferir na língua falada, como será discutido adiante. Assim sendo, devem ser usados diversos critérios de coerência e coesão textual para que seus objetivos estejam ligados à não incorporação de estruturas gramaticais da língua de partida.

Ao aprofundarmos o estudo da coerência e do texto, tornamos possível uma visão menos ingênua do exercício da tradução, ou seja, traduções características provenientes de manuais técnicos. Assim, o que se quer demonstrar é que o tradutor técnico, consciente de tais instrumentos de embasamento teórico, tanto melhor poderá trabalhar a compreensão de textos nas suas traduções.

2.TRADUÇÃO LITERAL

As definições clássicas de tradução têm em comum, mesmo que de maneira aparentemente contrária, a hipótese de que na produção de uma teoria que dê conta do caráter específico da tradução, e que, ao mesmo tempo, sirva para sua operacionalidade na prática, a língua deve ser considerada lingüisticamente, ou seja, do ponto de vista gramatical, semântico, e como instrumento de comunicação. Sendo assim, tratam da tradução e de sua prática enquanto processo específico capaz de ser teorizado.

A Tradução Literal corresponde a idéia mais difundida a respeito da tradução, e é definida por vários autores. É caracterizada aqui tomando por base as definições de Catford (1965), Newmark (1988) e Aubert (1987).

Aubert (1987:15) considera a Tradução Literal como "aquela em que se mantém uma fidelidade semântica escrita, adequando porém, a morfo-sintaxe às normas gramaticais da Língua da Tradução"

Cita como exemplos os segmentos textuais abaixo, onde é possível observar as alterações morfo-sintáticas a que foram submetidas, sendo que essas alterações é que distinguem a Tradução Palavra-Por-Palavra da Tradução Literal (Aubert 1987:16).

Itisaknownfact.

Éfatoconhecido.

Ilest alléenville.

(ele)Foiàcidade.

Muitos autores, notadamente Vázquez-Ayora (1977) parecem repudiar totalmente a Tradução Literal como a fonte de todos os erros na tradução. No entanto, como apontam Aubert (1987) e Newmark (1988), ela pode ser necessária, ou até obrigatória. Pode ser necessária em um tipo de tradução que tem como objetivo a comparação com o texto original, como em certas edições bilíngües. Pode ser obrigatória na tradução de certos documentos. Nesse caso, observa Aubert (1987), a Tradução Literal, ou mesmo a Palavra-Por-Palavra, deixa de ser meramente um reflexo de uma coincidência estrutural e cultural entre línguas, para tornar-se um procedimento tradutório deliberado. Segundo Newmark (1988) é o procedimento recomendável sempre que for possível.

Os mesmos autores, no desafio dessa tarefa reconhecidamente impossível de traduzir, pretendem dar a explicação do seu processo: Georges Mounin se refere a "regras de correspondência cada vez mais finas de campo semântico a campo semântico entre duas línguas" e a "análises lingüísticas cada vez mais finas oferecidas pela teoria lingüística"; para Catford, a impossibilidade torna-se uma questão de "probabilidade" e "generalização": "textos e itens são mais ou menos traduzíveis ou intraduzíveis do que absolutamente traduzíveis ou intraduzíveis"; Paulo Rónai: "a tradução é o mundo das minúcias" e sugere uma "prática de decifração progressiva dessas minúcias"; Décio Pignatari se refere a "metalinguagem", na dependência do "processo estocástico", "uma aproximação gradativa a uma mensagem desconhecida, a partir dos dados de um código conhecido".

Estas observações, embora verdadeiras, constituem as dificuldades na elaboração de uma teoria da tradução, justamente porque têm como ponto de partida a língua centrada exclusivamente em sua dimensão lingüística e como alvo o sentido. Não consideram o que há de radical em tudo o que é escrito, que é ser efeito do discurso. O texto original a ser traduzido não é um texto fixo, pois efeito do discurso, já comporta em si uma rachadura de base.

Faz-se necessário, então, falar de tradução dando à escrita o lugar que lhe convém. Segundo Lacan: "A escrita se distingue, com efeito, por uma prevalência do texto, no sentido que veremos ser assumido aqui por este fator do discurso - o que permite este estreitamento que, a meu ver, não deve deixar ao leitor outra saída senão a entrada nele, que prefiro difícil". A função dessa prevalência é impedir "o que pode aí haver de mais frouxo neste jogo entre o imaginário e o simbólico, tão importante para nossa compreensão da experiência".

Esta ancoragem do texto em outro lugar, além do sentido, lhe é indispensável e requer a participação do literal, de algo além daquilo que orienta a leitura. No entanto, a necessidade da ancoragem do texto em outro lugar, é um fato não ressaltado por nenhuma proposta atual, por causa da manutenção da visão de que o escrito é pura e simplesmente a transcrição da fala.

Fala-se tanto mal de tradução literal, que muitos acreditam que traduzir literalmente seja errado. Não é verdade. Muitos erros de tradução se devem a excesso de literalidade, outros tantos à tomada de liberdades desnecessárias com o texto dos outros. É preciso aprender a traduzir tão literalmente quanto possível, tão livremente quanto necessário, quer dizer, é preciso aprender quando é necessário tomar liberdades. Por exemplo, uma frase como:

The boy ate a piece of cake.

O menino comeu um pedaço de bolo.

Pode e deve ser traduzida literalmente na maioria dos casos. Que quer dizer na maioria? Talvez não caiba no espaço disponível, por exemplo. Mas salvo uma restrição dessas, não vemos nada de errado com a tradução.

The boy ate a piece of cake.

O menino comeu uma fatia de bolo.

Pode-se até achar que seria uma solução melhor, mas não é a mesma coisa. Bolos podem ser cortados de mil maneiras, não só em fatias, e essa tradução é desnecessariamente mais específica que o original. Não faz diferença? Pode ser. Mas talvez, dez páginas adiante, você venha a descobrir que a mãe do menino sempre cortava o bolo em cubos, não em fatias, e vai ter de voltar para corrigir o que parecia um melhoramento, mas era na verdade um erro. Isso, se você se lembrar de que cometeu o erro.

3.FENÔMENOS LINGÜÍSTICOS

Um fenômeno lingüístico se caracteriza por um determinado acontecimento que ocorre na história de determinada língua, criando uma nova forma de comunicação e modificando a língua como um todo.

Determinadas expressões idiomáticas que surgem do decorrer do desenvolvimento de uma língua são exemplos de fenômenos lingüísticos. Palavras desconhecidas, com o uso no cotidiano e com o tempo, passam a se tornar uma palavra reconhecida oficialmente.

A língua é foco de estudos e assim desperta a atenção de grandes pesquisadores. Com a finalidade de entender a dimensão lingüística mediante o convívio com várias pessoas e culturas.

Na verdade, com este confronto, a língua domina e não é dominada, isto porque, a falta de argumentos para enfrentar os falantes é o que se torna subjetivo aos contrastes das fala/língua. Bakhtin (2002) afirma que, o que torna a língua significante e coerente no quadro sincrônico é excluído, e inútil no quadro diacrônico, isto por que, diante do quadro sincrônico é impossível descrever uma língua e todas as suas manifestações calcadas em um único momento.

Indiscutivelmente, a língua faz parte de um turbilhão conflituoso sobre a atuação da linguagem nos diversos campos sociais, que por sua vez, são integrados no processo de interação nos grupos sociais. Nesta perspectiva, a difusão lingüística constitui conflitos, até porque Saussure determina a fala como um fenômeno social tratando a língua de maneira individual.

A batalha é incansável no que diz respeito o que é "certo ou errado" em relação a linguagem através do social/particular de cada individuo, pois Labov (1983) assegura que há alterações das variedades lingüísticas no que tange os limites de uma determinada variedade geográfica, tendo em vista diversos fatores como a idade, a posição social, grau de escolaridade, profissão, que favorecem para que haja as variedades lingüísticas empregadas pelo falante, seja de ordem lexical, morfológica ou fonológica. Emfim, todos esses fatores influenciam diante da linguagem.

3.1 – NEOLOGISMOS

No decorrer da história, a Língua Portuguesa vem sofrendo constantes modificações. Ela é dinâmica e, portanto, renova-se constantemente. Essas transformações consistem não só na alteração fonética das palavras, mas também na introdução ou criação de novas frases e vocábulos, ou ainda na reintegração de palavras arcaicas do idioma que, na sua grande maioria, possuem novas significações. São os chamados neologismos, que podem ser criações da própria língua, ou incorporações de termos estrangeiros ao idioma. Também se considera neologismo uma nova acepção atribuída a uma palavra já existente no léxico. O neologismo pode ser criado na própria língua ou importado de uma língua estrangeira, como ocorre freqüentemente em linguagem técnica.

Os neologismos muitas vezes constroem-se com auxílio dos mecanismos usuais de produção lexical, como a composição (justaposição, aglutinação, prefixação) e a derivação, geralmente por sufixação, como os exemplos brasileiros "petismo" (de PT) e "pefelista" (de PFL), ou os exemplos portugueses "Cavaquista" (de Cavaco) ou "Soarista" (de Soares).

Também se pode considerar a neologia como um processo dinâmico, que se inicia na sua criação e termina na desneologicidade, recomeçando o processo. Podem-se precisar três aspectos no estudo do nascimento do signo:

1. A focalização do signo como determinante e, ao mesmo tempo, o reflexo da organização social;

2. A referência ao momento de sua criação, o lugar concreto em que se dá, a seleção que se faz, para se escolher o novo signo, bem como a sua aceitabilidade;

3. A demonstração do processo de sua desneologização.

Os neologismos podem ser léxicos e sintáticos. Os primeiros, quando corretamente adaptados à língua, enriquecem o vocabulário sem ferir o gênio da língua; os sintáticos, também chamados de construção, abastardam a língua por atentarem contra a estrutura desta e devem ser evitados.

Nas ciências em geral e na linguagem médica em particular, em decorrência do progresso científico e tecnológico, há necessidade constante da criação de neologismos que expressem com exatidão novas descobertas, novos fatos e novos conceitos.

Há três maneiras de atender a essa necessidade: formar uma palavra nova, importar um termo de língua estrangeira, ou conferir um novo significado a uma palavra já existente.

No passado, os neologismos importados, em sua maioria, tinham origem na língua francesa. Atualmente, em virtude da hegemonia da língua inglesa como canal de comunicação no meio científico, os mesmos surgem quase sempre em inglês, devendo ser morfologicamente adaptados aos demais idiomas.

A língua inglesa é considerada a que tem o maior acervo lexical e este fato decorre de sua própria história. Ao ser feita a adaptação correta do inglês para o português, devemos nos lembrar de que o inglês usa ortografia etimológica, enquanto o português usa ortografia fonética simplificada e que determinados sufixos em inglês têm os seus correspondentes em português.

A aceitação de um neologismo importado só se justifica quando absolutamente necessário por não existir palavra vernácula equivalente e, neste caso, é imprescindível sua correta adaptação morfológica; do contrário, é preferível usar-se a palavra no idioma de origem, por empréstimo.

É freqüente a introdução na linguagem médica de palavras inglesas do vocabulário geral, ou por desconhecimento da existência de palavras equivalentes em português, ou com a intenção de dar maior relevo à frase.

Por ser a língua dinâmica se renovam constantemente muitas palavras tornam-se arcaicas e deixam de ser usadas; outras mudam de significado ou adquirem novas acepções. A criação de neologismos é um dos instrumentos de renovação da língua. Todavia, apesar da renovação constante em seu léxico, a língua tem sua estrutura própria, sua gramática, sua maneira de expressar-se, seu paradigma culto, que devem ser observados.

A principal causa para o uso da neologia é a necessidade de expressão: Com o surgimento de novas invenções, novos objetos, novos conceitos, enfim, novas idéias; faz-se necessário o aparecimento de novos nomes que se adaptem ao significado daquilo que os representa. Se não há nenhum vocábulo que possa ser adaptado, é imprescindível criar-se um, uma nova palavra, algo especial.

Outro fator é a inclinação do espírito humano para especificar, classificar, catalogar, ou mesmo positivar as diferenças existentes entre os seres, dando a cada uma delas o devido nome, algo que corresponda a essa necessidade de clareza e de especificação.

Segundo a Gramática Normativa da Língua Portuguesa, de Francisco da Silva Bueno, o neologismo (que significa: palavra nova) pode ser classificado em varias espécies.

3.1.1 – Neologismo literário:

Os escritores criam palavras novas ou dão novos significados às palavras já existentes, no entanto, esse artifício é usado somente para fins puramente literários ou artísticos. Exemplos:

Vesperal (espetáculo) – S.M. Neologismo feito por Cláudio de Sousa para substituir o gal. Matinee.

Necrotério – criação de Taunay, grande romancista brasileiro. Necrotério (gr. Nelcros + terion). Construção onde se depositam os cadáveres; local onde os cadáveres são expostos para identificação; lugar onde jazem os cadáveres que vão ser autopsiados. Esta palavra foi criada para substituir o francesismo morgue.

Convescote – S.M. Bras. Piquenique; criação de Castro Lopes, assim como, cardápio (menu).


3.1.2 – Neologismos científicos ou técnicos:

Todas as nomenclaturas das ciências novas: os nomes das máquinas, aparelhos, invenções, a linguagem da Química, da Eletrodinâmica, da Telegrafia, da Radiotelegrafia, da Aviação. Exemplos:

Microfone - S.M. (gr. Mikros + phone). Aparelho de intensificação do som, inventado por Hughes: aparelho eletrostático de ondas sonoras que transforma as ondas de pressão em força eletromagnética.

Telefone – S.M. (gr. Tele, longe + phone, som, voz). Aparelho que permite a transmissão de voz através de fios e disposições elétricas.

Aeromoça – tripulante que nos aviões serve as refeições aos passageiros e lhes presta outros serviços.

Táxi (forma reduzida de taxímetro)- automóvel de aluguel ou qualquer veículo de frete; registro de preço a pagar, em função do tempo em que é alugado o veiculo.

Há neologismos científicos ou técnicos que são formados a partir de siglas: CPF, CPI, ONG, CD; um caso muito conhecido e o do neologismo LASER (Light Amplification by Stimulated Emission of Radiation) ou também a sigla AIDS (Acquired Immune Deficiency Syndrome) e DST (Doença Sexualmente Transmissível).

3.1.3 – Neologismo popular:

Em sua necessidade de expressão, o povo cria novos termos ou dá novos significados a termos já conhecidos. Exemplos:

Embuchar - V.T. significa engravidar.

Ex. Joaquina "ta embuchada" de três meses.

Gato - S.M. Ligação clandestina de eletricidade.

Ex. No morro da Rocinha, a maior favela da América Latina, a maioria dos barracos tem a sua energia elétrica sustentada por gatos.

Prensadão - S.M. O substantivo cachorro quente, nome relacionado ao sanduíche de pão com salsichas, quando prensado em uma chapa quente recebe o nome de prensado. Numa pesquisa de campo constatou-se que, quando o suposto cachorro quente prensado possui medidas maiores que as do padrão, recebe o nome de prensadão.

Ex. Eu quero um prensadão completo!

Laranja – S.M. Falso proprietário.

Ex. Pedro serviu de laranja para o estelionato.

Mané – S.M. Individuo inepto, indolente, desleixado, negligente, palerma.

Também se diz mané-coco, manema e manembro.

Ex. Não da bola pra esse mané!

Papudo - Adj. Fanfarrão, gabola, garganta.

Ex. Você e muito papudo!

3.1.4 – Neologismo completo:

Este nome refere-se ao neologismo que é criação quanto à forma, e criação quanto ao sentido.Exemplos:

Necrotério - relaciona-se somente ao lugar onde se expõem os cadáveres que vão ser autopsiados ou identificados.

Microfone - relaciona-se somente ao dispositivo que, no posto transmissor, capta o som que vai ser levado aos receptores através de ondas hertzianas.

Outros exemplos – vesperal, convescote, cardápio.

3.1.5 – Neologismo incompleto

Assim denominam-se os vocábulos já existentes na língua que tomaram novas significações. Exemplos:

Formidável - Adj. Este vocábulo já teve o sentido de temível, terrível, que inspira grande temor, perigoso. Hoje e usado basicamente com o sentido de maravilhoso, acima do comum, admirável, excelente.

Papudo - Adj. Aquele que tem papo grande. Atualmente aplicado ao individuo fanfarrão, gabola.

Picareta – S.F. Instrumento de ferro com duas pontas, serve para escavar a terra e arrancar pedras. Hoje este termo vem sendo mais aplicado ao individuo de má índole, insinuante, tratante.


3.1.6 – Neologismo estrangeiro:

São palavras que adotamos de outras línguas por nos faltarem vernáculas; a tendência mais comum é a de escrevê-las de maneira aportuguesada. Exemplos:

Futebol - S.M. Do inglês foot-ball.

Abajur - S. M. É o francês abat-jour.

Bebê – S.M. Criancinha vem do francês bébé. Antigamente foi o nome de um anão da corte de Estanislau Leczynski. Pode ter sido também originada de palavra inglesa baby.

Carpete – S.M. Do inglês carpet; tapete que reveste inteiramente um cômodo, em geral afixado ou colado ao chão.

Buquê – S.M. ramo de flores. Fr. Bouquet.

Skate – S.M. Prancha com rodinhas, se escreve exatamente como no original.

Bicicleta – S.F. velocípede de duas rodas. Fr. Bicyclette.

Bife – S.M. Posta de carne de vaca, do inglês beef.

Bidê – S.M. criado mudo. Fr. Bidet.

Xérox – (cherocs) do inglês xerox. Nome registrado, arte gráfica, fotocópia.

Shopping - reunião de lojas comerciais, serviços de utilidade pública, casas de espetáculo, etc., em um só conjunto arquitetônico.

Show – espetáculo de teatro, rádio, televisão, etc. geralmente de grande montagem, que se destina à diversão.

Outros exemplos: motoboy, hipermercado, internet, jeans, etc.

3.2 – O "GERUNDISMO"

A mídia geralmente publica artigos carregados de normatividade, o que pode não só confundir a maneira como as pessoas falam como também o julgamento do outro que fala de maneira diferente. Com isso contribui para a discriminação da parte significativa dos falantes e, conseqüentemente, contribui para sua exclusão da participação nos círculos relevantes do ponto de vista social, político e cultural. E mais, muitas matérias publicadas na mídia se aproximam ou atingem, em certos casos, o preconceito.

Por que isso acontece? Um primeiro fator: sem fazer um estudo mais aprofundado da Lingüística, não percebem a variação e a mudança que ocorrem na língua. O "gerundismo" representa um exemplo do que foi antes afirmado.

Por "gerundismo" vem se entendendo a combinação do verbo "ir" com o verbo "estar", acrescidos do verbo principal na forma de gerúndio. Importa marcar que nessa palavra, o sufixo _ismo tem significado pejorativo, como em esquerdismo, denuncismo, assembleísmo e outros.

Para demonstrar como esse fenômeno lingüístico ainda provoca opiniões distintas, decorre a análise de três crônicas sobre as ocorrências de tal fenômeno na língua falada nos dias atuais. "Aqui vai a última flor do Lácio" e "Em 2004, gerundismo zero!" de Ricardo Freire, publicitário gaúcho, e ""Quem é o bocó?", de Sírio Possenti, professor de Lingüística no Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp.

Aqui vai a última flor do Lácio:

Ricardo Freire

Este artigo foi feito especialmente para que você possa estar recortando e possa estar deixando discretamente sobre a mesa de alguém que não consiga estar falando sem estar espalhando essa praga terrível da comunicação moderna, o gerundismo. Você pode também estar passando por fax, estar mandando pelo correio ou estar enviando pela Internet.

O importante é estar garantindo que a pessoa em questão vá estar recebendo esta mensagem, de modo que ela possa estar lendo e, quem sabe, consiga até mesmo estar se dando conta da maneira como tudo o que ela costuma estar falando deve estar soando nos ouvidos de quem precisa estar escutando.

Sinta-se livre para estar fazendo tantas cópias quantas você vá estar achando necessárias, de modo a estar atingindo o maior número de pessoas infectadas por esta epidemia de transmissão oral.

Mais do que estar repreendendo ou estar caçoando, o objetivo deste movimento é estar fazendo com que esteja caindo a ficha das pessoas que costumam estar falando desse jeito sem estar percebendo.

Nós temos que estar nos unindo para estar mostrando a nossos interlocutores que, sim, pode estar existindo uma maneira de estar aprendendo a estar parando de estar falando desse jeito. Até porque, caso contrário, todos nós vamos estar sendo obrigados a estar emigrando para algum lugar onde não vão estar nos obrigando a estar ouvindo frases assim o dia inteirinho. Sinceramente: nossa paciência está ficando a ponto de estar estourando.

O próximo "Eu vou estar transferindo a sua ligação" que eu vá estar ouvindo pode estar provocando alguma reação violenta da minha parte. Eu não vou estar me responsabilizando pelos meus atos.

As pessoas precisam estar entendendo a maneira como esse vício maldito conseguiu estar entrando na linguagem do dia-a-dia.

Tudo começou a estar acontecendo quando alguém precisou estar traduzindo manuais de atendimento por telemarketing. Daí a estar pensando que "We'll be sending it tomorrow" possa estar tendo o mesmo significado que "Nós vamos estar mandando isso amanhã" acabou por estar sendo só um passo.

Pouco a pouco a coisa deixou de estar acontecendo apenas no âmbito dos atendentes de telemarketing para estar ganhando os escritórios. Todo mundo passou a estar marcando reuniões, a estar considerando pedidos e a estar retornando ligações. A gravidade da situação só começou a estar se evidenciando quando o diálogo mais coloquial demonstrou estar sendo invadido inapelavelmente pelo gerundismo.

A primeira pessoa que inventou de estar falando "Eu vou tá pensando no seu caso" sem querer acabou por estar escancarando uma porta para essa infelicidade lingüística estar se instalando nas ruas e estar entrando em nossas vidas. Você certamente já deve ter estado estando a estar ouvindo coisas como "O que cê vai tá fazendo domingo?" ou "Quando que cê vai tá viajando pra praia?", ou "Me espera, que eu vou tá te ligando assim que eu chegar em casa".

Deus, o que a gente pode tá fazendo pra que as pessoas tejam entendendo o que esse negócio pode tá provocando no cérebro das novas gerações?

A única solução vai estar sendo submeter o gerundismo à mesma campanha de desmoralização à qual precisaram estar sendo expostos seus coleguinhas contagiosos, como o "a nível de", o "enquanto", o "pra se ter uma idéia" e outros menos votados.

A nível de linguagem, enquanto pessoa, o que você acha de tá insistindo em tá falando desse jeito?

Matéria publicada na coluna "Xongas", de O Estado de S. Paulo, em 16 de fevereiro de 2001

Na primeira crônica a ser analisada "Gerundismo", o autor coloca "Aqui vai a última flor de Lácio". A ironia já começa quando o autor dirige-se à Língua Portuguesa como "flor do Lácio", essa expressão foi utilizada poeticamente por Olavo Bilac para engrandecer a Língua Portuguesa, ele, no entanto critica uma construção de uso, aparentemente, novo na Língua Portuguesa, estabelecendo a ironia. Freire faz essa matéria e pede para ser divulgada para que as pessoas entendam como esse "vício maldito" conseguiu entrar no dia-a-dia, explicando que ela não passa de uma tradução mal feita dos manuais de telemarketing escritos inicialmente em inglês.

Quando coloca "vício maldito" o autor já mostra que segue a tradição das gramáticas normativas que considera erro ou vício de linguagem tudo o que difere de suas regras de "bom uso". Os lingüistas, por sua vez, discordam dessa posição e defendem que as novidades quase sempre são bem aceitas, exceto por aqueles que cuidam da língua nos domínios da gramática normativa.

Em outra passagem, Freire garante que a primeira pessoa que inventou o "gerundismo":

Sem querer acabou por estar escancarando uma porta para essa infelicidade lingüística estar se instalando nas ruas e estar entrando em nossas vidas.

Com essa afirmação demonstra mais uma vez a intransigência para com as novas construções que surgem na língua. Se o "gerundismo" está presente na língua e está sendo usado por inúmeras pessoas, essa construção não pode ser considerada "uma infelicidade lingüística". Ela está servindo aos propósitos de muitos falantes em muitas situações, mas isso é desconsiderado por amor à regra.

Uma pergunta do autor merece comentário:

O que a gente pode estar fazendo pra que as pessoas estejam entendendo o que esse negócio pode ta provocando no cérebro das novas gerações?

Na continuidade, Freire também advoga que:

"A única solução para acabar com o problema é submeter o "gerundismo" à mesma campanha de desmoralização à qual precisaram estar sendo expostos seus coleguinhas contagiosos como 'a nível de', o 'enquanto', o 'pra se ter uma idéia'e outros menos votados".

O que o autor propõe é de extremo preconceito, pois como você pode expor construções usadas por inúmeras pessoas à desmoralização? O que será desmoralizado, as construções lingüísticas ou as pessoas que as usam? É preciso pensar seriamente nessas propostas aparentemente engraçadinhas, mas que podem levar a exclusão social de muitas pessoas.

Na outra matéria escolhida para a análise _ "Em 2004, gerundismo zero!" _ Freire continua a tratar do "gerundismo" de maneira preconceituosa:

Em 2004, gerundismo zero!

Ricardo Freire

As reformas passaram. Os juros começaram a cair. A indústria voltou a contratar. As vendas melhoraram um pouquinho. Já dá para comemorar? Não. Existe um grande perigo por trás de tudo isso. O quê? Não, não é a volta da inflação. Refiro-me à bolha do gerundismo.

Pense bem: quanto maior é a atividade econômica, mais negócios são fechados. Mais telefonemas são dados. Como conseqüência, mais gente tem a oportunidade de dizer coisas como: 'Nós vamos estar analisando os seus dados e vamos estar dando um retorno assim que possível'. Ou: 'Pra sua encomenda tá podendo tá sendo entregue, o senhor precisa tá deixando o nome de uma pessoa pra tá recebendo pelo senhor'.

Pára! Pára tudo! Não é para isso que a gente se sacrificou este ano inteiro. Crescimento, sim. Gerundismo, não! Mais do que nunca, precisamos nos mobilizar. Cada um de nós deve ser um agente sanitário eternamente a postos para exterminar essa terrível praga que se propaga pelo ar, pelas ondas de TV e pelas redes telefônicas.

E só existe uma forma de descontaminar um gerundista crônico: corrigindo o coitado. Na chincha. Com educação, claro. Por incrível que pareça, ninguém usa o gerundismo para irritar. Quando a teleatendente diz 'O senhor pode estar aguardando na linha, que eu vou estar transferindo a sua ligação', ela pensa que está falando bonito. Por sinal, ela não entende por que 'eu vou estar transferindo' é errado e 'ela está falando bonito' é certo. O que só aumenta a nossa responsabilidade como vigilantes e educadores.

O importante é nunca deixar barato. Se alguém vier com gerundismo para cima de você, respire fundo - e eduque a criatura. 'Não, eu não posso TÁ ASSINANDO aqui. Mas, se você quiser, eu posso ASSINAR aqui, com o maior prazer.' 'Não, minha filha. Eu não vou TÁ EXPERIMENTANDO nada em provador nenhum. Eu vou é trocar de loja!'

Se você tiver habilidades de professor, pode ir mais fundo: 'Desculpa. Não é 'a gente pode tá liberando o seu carro no sábado'. Você não deve usar nunca o verbo estar, no infinitivo, combinado com um verbo no gerúndio. O certo é 'a gente pode liberar o seu carro no sábado'. Entendeu?' O sujeito vai continuar sem entender nada, e depois dessa provavelmente o seu carro nem fique pronto no sábado - mas é um preço que vale a pena pagar por uma sociedade sem gerundismo.

Toda atenção é pouca. Nesse período de tolerância zero com o gerundismo, precisamos evitar até mesmo os casos em que o 'vou estar fazendo' esteja certo. Por exemplo: em vez de dizer 'Não ligue agora para o seu tio, porque ele deve estar jantando' - o que é perfeitamente correto -, diga: 'Não ligue agora para o seu tio, porque é hora do jantar'.

O governo poderia fazer de 2004 o Ano Oficial de Combate ao Gerundismo. Um bom começo seria proibir o gerundismo em todas as declarações do Executivo (presidente: metáfora, tudo bem. Gerundismo, não!). Gerundismo poderia dar pontos na carteira de motorista. Poderia aumentar a alíquota do Imposto de Renda do infrator. As universidades públicas poderiam inovar o sistema de cotas. Que tal: 100% das vagas para não-gerundistas?!!

Ainda estamos longe da erradicação do analfabetismo. Mas o fim do gerundismo só depende de nós. Não vamos nos dispersar!


Revista Época 23/12/2003 Edição nº 293

Uma terrível praga que se propaga pelo ar, pelas ondas de TV e pelas redes telefônicas...

Mas esse tipo de construção passou a integrar as possibilidades expressivas da língua, ou não seria usado.

Se essa forma não for compatível com os usos do português, irá desaparecer com o tempo, como tantos modismos. Se for compatível e aceito pela comunidade dos falantes, vai ser incorporado à língua portuguesa, como aconteceu antes com outras construções.

Mas Freire não pensa assim e insiste em que a única maneira de acabar com o "gerundismo" é corrigindo as pessoas.

O que só aumenta a nossa responsabilidade como vigilantes e educadores.

Responsabilidade como educadores? A que tipo de educador o autor está se referindo? Ao educador que segue fielmente as gramáticas normativas sem antes ao menos ler uma análise da Lingüística e perceber os equívocos dessas gramáticas? O educador que não está atento para a variação e para a mudança lingüísticas? A missão de um educador deve ser ensinar a norma padrão, mas o padrão atual, e sem excluir as outras variantes lingüísticas.

No entanto Freire, nesse artigo de extremo radicalismo contra o "gerundismo", acaba contradizendo, sua própria teoria quando aconselha o combate às formas por ele mesmo consideradas corretas:

Precisamos evitar até mesmo os casos em que o vou estar fazendo esteja certo. Por exemplo, em vez de dizer ' Não ligue agora para o seu tio, porque ele dever estar jantando' – o que é perfeitamente correto – diga: Não ligue agora para seu tio, porque é hora do jantar.

E também afirma que:

"Gerundismo" poderia dar pontos na carteira de motorista. Poderia aumentar a alíquota do Imposto de Renda do infrator. As universidades públicas poderiam inovar o sistema de cotas. Que tal: 100% das vagas para "não-gerundistas"?!!

Outra afirmação engraçada e absurda que só leva ao preconceito lingüístico.

As outras duas matérias escolhidas também tratam do "gerundismo" de maneira preconceituosa, "Curriculum vitae" trata de uma pessoa que quer ser artista, que é mulher e loira e em suas falas ela usa o "gerundismo":

Tendo em vista o fato de no momento eu não estar fazendo 'xongas', achei que o senhor seria a pessoa certa para estar me ajudando. Nesse texto percebe-se o estereotipo que o autor faz da mulher e o dirige-se a um tipo social estigmatizado pela sociedade como fútil e pouco inteligente, nessa crônica, como nas outras, Freire julga e condena os falantes pela sua maneira de falar. Em "Verbas que curam", mesmo não tratando do tema, o autor faz uma crítica ao "gerundismo":

De minha parte, vou aproveitar a bonança de verbas publicas para montar uma igreja, uma clínica ou uma associação que recupere pessoas viciadas em "gerundismo" (por exemplo: "um dia você vai poder estar aprendendo a estar parando de falar assim").

Como se as pessoas, por estarem doentes, viciadas, precisassem de recuperação para questões relacionadas ao uso da língua e tivessem que parar de usar o "gerundismo", que é completamente aceito dentro de uma variedade lingüística. Com isso o autor assume sua visão conservadora construída pelas concepções que norteiam gramática normativa.

Para explicar que o "gerundismo" é perfeitamente aceitável do ponto de vista da Lingüística, recorro a Possenti (2001) que coloca que não é estranha essa forma de construção tão criticada. Seu único problema é não ser abonada pelas gramáticas.

"Quem é o bocó?"

Sírio Possenti

(professor de Lingüística no Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp)

Todos os defensores da língua pura estão criticando uma locução verbal supostamente nova que apareceu e se espalhou. Confesso que não a ouvia, ou não me dava conta de que existia, até que tive minha atenção chamada para ela pelos guardiões da língua que imaginam que tudo aquilo de que não gostam ou for novo - o que vier antes - é necessariamente ruim. Penso o contrário. Se não gostam, deve ser interessante. Se acham que não serve para nada, alguma serventia deve ter. 

Não sei qual teria sido o estrato social que mais aderiu, ou aderiu antes, à novidade. A crer no manifesto endossado por Gaspari, o nicho seria o telemarketing. O certo é que a locução aparece em todas as falas de todas as telemarqueteiras. Devem receber severo treinamento, que inclui pelo menos duas exigências: não dizer nada que não esteja no script, e enunciar, em algum momento, a famosa fórmula "vamos estar -ndo". O que preenche "-ndo" vai depender do serviço. Se é uma encomenda, então a empresa "vai estar enviando". É uma reclamação? Alguém "vai estar providenciando". Mas a expressão invadiu também as escolas: alunos já me disseram que vão estar me enviando trabalhos por e-mail. 

O alcance da novidade deve ser bem maior. Em pronunciamento em rede nacional de TV, em meados de agosto, o próprio Ministro da Saúde, José Serra, que não é jovem - mas talvez seja (tele)marqueteiro -, falou de "outra vacina que vamos estar aplicando amanhã". Não sei o que alguns (muitos, de fato) têm contra formas lingüísticas novas. Em quase tudo as novidades são índice de qualidade. Desconfio que todos gostam de novidades em tudo, exceto (pelo menos) os que cuidam da língua nos domínios da gramatiquinha. No que segue, vou mostrar que não há nada de esquisito nessa forma tão criticada. Seu único problema é não ser abonada pelas gramáticas. Vou apresentar uma análise preliminar. Vamos por partes. 

Vejamos primeiro a sintaxe da locução: a ordem dos verbos auxiliares é perfeitamente canônica. Sabe-se que os verbos auxiliares vêm sempre antes do principal (como em "vou sair"). Se houver mais de um auxiliar, haverá ordens permitidas e outras proibidas ("tenho estado viajando", mas não "estive tendo viajado"; "vou estar saindo", mas não "estarei indo sair"). Resumo da história: a nova locução está em perfeito acordo com a sintaxe do português: sua ordem é ir + estar +ndo. É, pois, absolutamente gramatical. 

Vejamos agora o que significa. Os que não gostam da forma dizem que não serve para nada, que há outra melhor para expressar a mesma coisa (eles não são nada sutis). Ao invés de "vou estar mandando", que se diga "vou mandar", ou "mandarei", dizem eles. Estão errados: pode ser que nem todos os casos sejam claros, mas em muitos, nitidamente, a nova forma veicula aspecto durativo (ou seja, anuncia um evento que durará algum tempo para se realizar). Para que falar de aspecto durativo não pareça estranho, relembre-se (ou anote-se) que o imperfeito do indicativo apresenta o mesmo aspecto: formas como "amanhecia", "pintava", etc, referem-se a eventos ou ações que não são instantâneas, que têm certa duração. 

Por isso, não é a mesma coisa dizer "vou mandar" e "vou estar mandando", exatamente por causa da diferença entre "ir" (que marca só futuro) e "ir + estar" (que marca futuro, por causa de "ir", e duração, por causa de "estar"). "Vou estar providenciando" significa, entre outras coisas, que a providência não se dará instantaneamente. Além disso, o compromisso expresso em "vou providenciar" é mais incisivo do que o expresso em "vou estar providenciando". Mais ou menos como é mais incisivo dizer "providenciarei" do que "vou providenciar". 

Além desses, a meu ver, há outro aspecto importante, este de cunho pragmático ou interpessoal: a expressão conota gentileza, formalidade, deferência (se verdadeira ou simulada, não importa). Ou seja: bem ou mal, mesmo que seja para postergar um serviço de que se precise urgentemente, deve-se reconhecer que a recusa é pelo menos expressa de forma não grosseira, nem mesmo franca, de fato (o que alguns preferem, no entanto; eu mesmo, aliás). Se eu receber um convite para fazer uma palestra e se não puder aceitar, agora sei como responder. Antigamente, eu dizia "não posso ir/aceitar", ou "não vou poder ir/aceitar". A segunda forma é notoriamente mais gentil do que a recusa seca expressa na primeira. Mas doravante direi, e imagino que soarei muito mais civilizado e moderno, que "não vou poder estar aceitando o convite", ou que "não vou poder estar deixando de dar aulas nesta data". 

Além dos aspectos acima, seria certamente interessante investigar se a enorme aceitação desta nova locução não se deve a uma cultura da falta de compromisso. Não seria a primeira vez que se estabeleceria uma relação estreita entre um aspecto da língua e um traço de cultura ou de ideologia. 

Assim, pode-se pensar qualquer coisa desse tipo de expressão, exceto: a) que não serve para nada, já que expressa aspecto (da ação), é sinal de deferência, pois se trata de uma fórmula gentil e talvez seja um indício revelador de um traço de nossa cultura atual; b) que é simples, bobo. De fato, como vimos, é algo bastante sofisticado. É necessária uma enorme sofisticação para dar conta da sintaxe da locução e para empregá-la na hora certa. 

Uma coisa é não gostar da construção (de gustibus et coloribus non est disputandum). Isto é democracia. Outra é achar que isso não é português ou que não serva para nada. Aí já é falta de análise. 

O primeiro ponto abordado pelo autor é sintaxe da locução: a ordem dos verbos auxiliares é perfeitamente canônica. Sabe-se que os verbos auxiliares vêm sempre antes do principal (como em "vou sair"). Se houver mais de um auxiliar, haverá ordens permitidas e outras proibidas ("tenho estado viajando", mas não "estive tendo viajado"; "vou estar saindo", mas não "estarei indo sair").

Concluindo, a nova locução está em perfeito acordo com a sintaxe do português: sua ordem é ir + estar + ndo. É, pois, absolutamente gramatical do ponto de vista da Lingüística. A estrutura do "gerundismo" também é sempre a mesma, (ir+estar+ndo), não há construções do tipo (estar vou enviando, estarei indo sair) o que seria um desvio das estruturas gramaticais da Língua Portuguesa.

O "gerundismo", ainda segundo Possenti (2001), também é utilizado para veicular aspecto durativo (ou seja, anuncia um evento que durará algum tempo para se realizar). O autor observa que não é a mesma coisa dizer "vou mandar" e "vou estar mandando", exatamente por causa da diferença entre "ir" (que marca só futuro) e "ir + estar" (que marca futuro, por causa de "ir", e duração, por causa de "estar"). "Vou estar providenciando" significa, entre outras coisas, que a providência não se dará instantaneamente. Além disso, o compromisso expresso em "vou providenciar" é mais incisivo do que o expresso em "vou estar providenciando".

Segundo Possenti (2001), também há outro aspecto importante do "gerundismo": essa expressão conota gentileza, formalidade e deferência.

3.2.1 – O gerúndio virou moda

Quando ouvimos um "vou estar enviando", não percebemos nenhuma outra ação em que este "estar enviando" esteja incluído. Ou seja, essa construção longamente enfatiza uma ação que poderia ser expressa por "enviarei".

O uso excessivo de expressões que indicam continuidade divide opiniões de especialistas, que divergem sobre sua correção (Diego Amorim)

Cada vez mais comum, especialmente  entre recepcionistas, secretários e atendentes de telemarketing, o uso do gerúndio tornou-se polêmica nacional. Expressões como "vou estar encaminhando seu pedido" e "vou estar transferindo sua ligação" são muito usadas e especialistas não entram em acordo sobre sua correção ou não. A forma verbal, no entanto, existe e é legítima. O tema foi discutido no seminário E os Falantes Descobriram que o Português é uma Língua de Gerúndios, realizado na tarde de sexta-feira, 17 de junho de 2007, pelo Departamento de Lingüística, Línguas Clássicas e Vernácula (LIV) do Instituto de Letras (IL) da Universidade de Brasília (UnB).

A doutora em Lingüística pela Universidade de Paris VII e professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Odete da Silva Menon, decidiu dedicar-se ao estudo do gerúndio depois que começou a receber, pela Internet, textos com duras críticas ao uso da forma verbal. Um dos argumentos que logo provocou estranhamento na professora foi o de que o gerúndio não existe no português de Portugal. "Basta abrir, atualmente, qualquer obra editada no país para conferir o uso do gerúndio. O gerúndio é uma construção portuguesa que não pode ser desconsiderada", afirma em uma entrevista a Revista Envolverde.

Na Internet, são vários os sites e blogs que condenam o "gerundismo", expressão surgida para definir a mania de usar o gerúndio. No orkut (portal de relacionamento da rede), diversas comunidades também levantam a bandeira contra o uso excessivo da forma verbal. Mas, para Menon, o gerúndio em si não tem nada a ver com essa discussão. "O que dá a sensação do uso abusivo do gerúndio é o fato de estarmos utilizando mais o tempo futuro", defende. "É a freqüência do uso que causa estranhamento", acredita a pesquisadora.

A jornalista e escritora Dad Squarisi, por sua vez, acredita que o gerúndio esteja substituindo o futuro. E, segundo ela, existem apenas duas formas de futuro: o futuro simples (por exemplo: "mandarei") e o composto ("vou mandar"). A forma "vou estar mandando" é equivocada. "A construção virou moda, mas o gerúndio não indica futuro", diz. Para Squarisi, a propagação dessas construções se deve a uma tradução malfeita da estrutura do inglês "will be + gerúndio". Mas, para a professora Odete Menon, não é o gerúndio que representa o futuro, mas a construção "vou estar".

Já Menon não crê que as construções sejam fruto de um decalque do inglês. De acordo com ela, para que a língua inglesa provocasse esse tipo de interferência na língua portuguesa seria necessário que o falante tivesse conhecimento dos dois idiomas. "No nível vocabular, a influência do inglês é comum, mas quando se trata de estruturas sintáticas e morfológicas não é algo tão simples assim. Pode ser apenas uma coincidência", ressalta.

Certos autores crêem que as construções sejam fruto de um decalque do inglês. De acordo com eles, para que a língua inglesa provocasse esse tipo de interferência na língua portuguesa seria necessário que o falante tivesse conhecimento dos dois idiomas. "No nível vocabular, a influência do inglês é comum, mas quando se trata de estruturas sintáticas e morfológicas não é algo tão simples assim. Pode ser apenas uma coincidência.

Independentemente da origem dessas construções, a professora do LIV Enilde Faulstich defende que não há necessidade de utilizá-las, pois são longas e imprecisas. "Quanto mais se coloca um verbo ao lado do outro, mais confusa fica a mensagem", diz. Para ela, essas expressões se transformaram em uma espécie de código específico da área de recursos humanos das empresas. "O gerúndio dá noção de que a coisa vai ser feita em um futuro próximo, mas, na verdade, quando escutamos essas construções não sabemos quando a ação será realizada nem mesmo quem será o sujeito dela", explica.

O professor do LIV Marcos Bagno diz que as críticas ao gerúndio são infundadas e que, na maioria das vezes, elas estão relacionadas ao gosto pessoal de quem critica. "As pessoas acusam com explicações tiradas do próprio bolso, sem nenhuma pesquisa prévia ou base teórica", afirma. O estudante do 6º semestre de Letras Carlos Felipe Wanderley, 23 anos, concorda e considera que, pelo menos na língua falada, o gerúndio não deve ser considerado uma ferramenta condenável. (Revista Envolverde, 21/06/2005)

Para você estar passando adiante

Este artigo foi feito especialmente para que você possa estar recortando e possa estar deixando discretamente sobre a mesa de alguém que não consiga estar falando sem estar espalhando essa praga terrível da comunicação moderna, o gerundismo. 

Você pode também estar passando por fax, estar mandando pelo correio ou estar enviando pela Internet. O importante é estar garantindo que a pessoa em questão vá estar recebendo esta mensagem, de modo que ela possa estar lendo e, quem sabe, consiga até mesmo estar se dando conta da maneira como tudo o que ela costuma estar falando deve estar soando nos ouvidos de quem precisa estar escutando. 

Sinta-se livre para estar fazendo tantas cópias quantas você vá estar achando necessárias, de modo a estar atingindo o maior número de pessoas infectadas por esta epidemia de transmissão oral. 

Mais do que estar repreendendo ou estar caçoando, o objetivo deste movimento é estar fazendo com que esteja caindo a ficha nas pessoas que costumam estar falando desse jeito sem estar percebendo. 

Nós temos que estar nos unindo para estar mostrando a nossos interlocutores que, sim!, pode estar existindo uma maneira de estar aprendendo a estar parando de estar falando desse jeito. 

Até porque, caso contrário, todos nós vamos estar sendo obrigados a estar emigrando para algum lugar onde não vão estar nos obrigando a estar ouvindo frases assim o dia inteirinho. 

Sinceramente: nossa paciência está estando a ponto de estar estourando. O próximo "Eu vou estar transferindo a sua ligação" que eu vá estar ouvindo pode estar provocando alguma reação violenta da minha parte. Eu não vou estar me responsabilizando pelos meus atos. 

As pessoas precisam estar entendendo a maneira como esse vício maldito conseguiu estar entrando na linguagem do dia-a-dia. 

Tudo começou a estar acontecendo quando alguém precisou estar traduzindo manuais de atendimento por telemarketing. Daí a estar pensando que "We'll be sending it tomorrow" possa estar tendo o mesmo significado que "Nós vamos estar mandando isso amanhã" acabou por estar sendo só um passo. 

Pouco a pouco a coisa deixou de estar acontecendo apenas no âmbito dos atendentes de telemarketing para estar ganhando os escritórios. Todo mundo passou a estar marcando reuniões, a estar considerando pedidos e a estar retornando ligações. 

A gravidade da situação só começou a estar se evidenciando quando o diálogo mais coloquial demonstrou estar sendo invadido inapelavelmente pelo gerundismo. 

A primeira pessoa que inventou de estar falando "Eu vou tá pensando no seu caso" sem querer acabou por estar escancarando uma porta para essa infelicidade lingüística estar se instalando nas ruas e estar entrando em nossas vidas. 

Você certamente já deve ter estado estando a estar ouvindo coisas como "O que cê vai tá fazendo domingo?", ou "Quando que cê vai tá viajando pra praia?", ou "Me espera, que eu vou tá te ligando assim que eu chegar em casa". 

Deus. O que a gente pode tá fazendo pra que as pessoas tejam entendendo o que esse negócio pode tá provocando no cérebro das novas gerações? 

A única solução vai estar sendo submeter o gerundismo à mesma campanha de desmoralização à qual precisaram estar sendo expostos seus coleguinhas contagiosos, como o "a nível de", o "enquanto", o "pra se ter uma idéia" e outros menos votados.

A nível de linguagem, enquanto pessoa, o que você acha de tá insistindo em tá falando desse jeito?

No inglês, o Future Continuous, geralmente se usa quando existem duas ações no futuro que se interceptam. Por exemplo: "Estarei comendo quando você chegar" ou "Vou estar comendo quando você chegar". Vemos que uma ação estará se desenvolvendo quando outra acontecer. Acredito que uma frase construída nesse contexto não é tão macabra.

Um exemplo que até poderia (forçando a barra) justificar esse uso pseudo-chique-telefônico. "I'll be seeing him tomorrow at 7.00 am". (Estarei - ou "vou estar" - vendo-o às 7). Em minha opinião, podemos perceber que é melhor usar esta construção quando a ênfase for dada ao horário e não à ação. Ou seja, a frase quer dizer que justamente às 7 a pessoa estará num encontro com alguém.

4.ANÁLISE

A proposta inicial para dizer como as traduções literais influenciaram no aparecimento do fenômeno lingüístico chamado de "Gerundismo" na Língua Portuguesa era a partir das primeiras traduções de manuais técnicos, especialmente de operadoras de telemarketing, mas a dificuldade de acesso a esse material impediu que tal análise fosse desenvolvida. Após muitas pesquisas, consegui alguns manuais técnicos que pretendo analisar. São eles: "User Manual for Talis Message – Talkingteck UD-03-3.0" de Março de 2003; "EndNote V9 User's Guide" de Outubro de 2005 e "Scott's Select – Precisionware User's Manual" de Julho de 2001.

Para os manuais acima relacionados, não foi encontrado nenhum correspondente traduzido para o português. O que dificulta um estudo comparado em relação a tradução feita oficialmente e aquela que teoricamente evitaria o aparecimento do "gerundismo", caso esse processo não seja através da tradução literal.

Para a devida análise, destacam-se algumas ocorrências da aparição do Future Continuous nos manuais acima citados. Mesmo que apareçam em grande ou pequeno número, não é relevante destacar todas as aparições desse tempo verbal.

Seqüência das ações de desenvolvimento da análise:

1-Destacar as frases;

2-Traduzi-las literalmente;

3-Observar a ocorrência do "gerundismo", e

4-Propor uma nova tradução onde se possa suavizar ou mesmo evitar esse tipo de fenômeno.

4.1 – USER MANUAL FOR TALIS MESSAGE – TALKINGTECK UD-03-3.0

O primeiro manual a ser analisado, "User Manual for Talis Message – Talkingteck UD-03-3.0" não é um manual de um programa de operações simples ao profissional de telemarketing. O programa é um pouco complexo, pois possui opções de agendamentos de tarefas, monitoramento de e-mails, conversões tipográficas, além de analisar e contabilizar os toques do operador durante o uso do programa.

A linguagem, apesar de técnica é simples. Como se trata de um manual para iniciantes, a linguagem deve mesmo ser bastante acessível. Além de possuir um nível de organização excelente, possibilitando que o usuário do programa o opere com facilidade.

Trata-se de um manual não ilustrado, mas os comandos disponíveis ao operador são explicados detalhadamente. O manual é bastante simples e reduzido, com apenas 76 páginas, o que diminui a sua carga textual.

Seguem as ocorrências:

4.1.1Página 16:

1 – "The name of the notice file that the Talis Message system will be importing to Talis Message. Must be the exact name as it will appear in the Import Directory."

2 – "O nome da nota do arquivo que o Talis Message Sytem vai estar importando para o Talis Message, deve ter o nome exato como aparecerá no diretório de importação."

3 – "O nome da nota do arquivo que o Talis Message Sytem vai estar importando para o Talis Message."

4 – "O nome da nota do arquivo que o Talis Message Sytem importanrá para o Talis Message, deve ter o mesmo nome, como aparecerá no diretório de importação."

4.1.2 Página 16:

1 – "The name of the notice file that the Talis Message system will be exporting back to the LMS. Must be the exact name that the LMS server will be expecting in the Export directory."

2 – "O nome da nota do arquivo que o Talis Message Sytem vai estar exportando de volta para o LMS, deve ter o nome exato como o MLS vai estar esperando no diretório de exportação."

3 – "O nome da nota do arquivo que o Talis Message Sytem vai estar exportando de volta para o LMS, deve ter o nome exato como o MLS vai estar esperando no diretório de exportação."

4 – "O nome da nota do arquivo que o Talis Message Sytem exportará de volta para o LMS, deve ter o nome exato como o MLS vai estar a espera no diretório de exportação."

4.1.3 Página 30:

1 – "The Country Code field is optional. This is the numerical country code of the country which you will be sending the SMS Messages to."

2 – "O campo código do país é opcional. Esse ó o código numérico do país para o qual você vai estar mandando as mensagens SMS."

3 – "Esse ó o código numérico do país para o qual você vai estar mandando as mensagens SMS."

4 – "O campo código do país é opcional. Esse ó o código numérico do país para o qual você irá mandar as mensagens SMS."

4.1.4Página 33:

1 – "Templates are the predefined messages you will be sending to SMS recipients. Templates can be stored either on the server or on the local machine."

2 – "Modelos são mensagens predefinidas que você vai estar enviando via SMS para os destinatários. Modelos podem ser armazenados tanto no servidor quanto na máquina local."

3 – "Modelos são mensagens predefinidas que você vai estar enviando via SMS para os destinatários."

4 – "Modelos são mensagens predefinidas que você enviará via SMS para os destinatários. Modelos podem ser armazenados tanto no servidor quanto na máquina local."

4.2 – ENDNOTE V9 USER'S GUIDE

O "EndNote V9 User's Guide" não é um manual de usuário de um Palm Top. O programa é complexo, pois apresenta todas as funções dessa máquina, que por sua vez também é complexa. Cada função do aparelho é extremamente detalhada, permitindo que o usuário tenha total controle nas operações.

A linguagem é um pouco cansativa. Como se trata de um manual muito grande, e não parece ser para iniciantes, por ser uma evolução de um equipamento existente. Possui um nível de organização excelente, os tópicos são bem distribuídos, possibilitando que o usuário da máquina encontre as funções e operações que necessita com bastante facilidade.

Trata-se de um manual pouco ilustrado, devido ao seu tamanho. Apenas alguns comandos estão disponíveis na forma de ilustração. Por isso o manual tem uma carga textual muito pesada, que consiste em 606 páginas.

Ocorrências:

4.2.1Página 43:

1 – "PubMed is the remote database you will be searching; the National Library of Medicine is the information provider."

2 – "PubMed é base de dados remota, você vai estar procurando; a National Library of Medicine é o Provedor de informações."

3 – "PubMed é base de dados remota, você vai estar procurando;"

4 – "PubMed é base de dados remota, você vai procurar; a National Library of Medicine é o Provedor de informações."

4.2.2Página 188:

1 – "You will be searching for references where the Title (the search field) contains (the comparison operator) dinosaur (the search term)."

2 – "Você vai estar buscando referências onde o título (o campo busca) contém (operador de comparação) dinossauro (a pesquisa prazo)."

3 – "Você vai estar buscando referências onde o título"

4 – "Você procurará referências onde o título (o campo busca) contém (operador de comparação) dinossauro (a pesquisa prazo)."

4.2.3Página 380:

1 – "Therefore, you should make specific templates for the different reference types that you will be including in your bibliographies."

2 – "Portanto, você deve fazer modelos específicos para os diferentes tipos de referência que você vai estar incluindo nas suas bibliografias."

3 – "Portanto, você deve fazer modelos específicos para os diferentes tipos de referência que você vai estar incluindo nas suas bibliografias."

4 – "Portanto, você deve fazer modelos específicos para os diferentes tipos de referência que você incluirá nas suas referências bibliográficas."

4.3 – SCOTT'S SELECT – PRECISIONWARE USER'S MANUAL

Apesar de ser o manual mais antigo, deixei por último o "Scott's Select – Precisionware User's Manual" – manual de um programa que filtra chamadas telefônicas através de um servidor de rede local – por ser o manual onde ocorrem mais casos do Future Continuous.

Como dito anteriormente, não é relevante destacar todas as aparições desse tempo verbal, mas o texto é extremamente carregado de expressões no futuro. São 188 páginas, com diversas tabelas e gráficos demonstrativos, para auxiliar na operação do sistema. A estrutura organizada em tópicos facilita a compreensão do modo de operacionalização.

Porém a linguagem é pobre, o que acaba aumentando o número de ocorrências de frases no futuro, como forma de avisar o que irá acontecer, assim que o operador utilizar tal comando ou função.

O manual é pouco ilustrado, devido ao seu tamanho, mas os comandos disponíveis ao operador são explicados detalhadamente. As ilustrações auxiliam na compreensão deste manual.

Principais Ocorrências:

4.3.1Página 95:

1 – "For record layout requirements, please refer to the documentation for the software application intowhich you will be importing the data file."

2 – "Para gravar requirimentos de layout, por favor consulte a documentação para a aplicação do software do qual você vai estar importando o arquivo de dados."

3 – "Para gravar requirimentos de layout, por favor consulte a documentação para a aplicação do software do qual você vai estar importando o arquivo de dados."

4 – "Para gravar requirimentos de layout, por favor consulte a documentação para a aplicação do software do qual você vai importar o arquivo de dados."

4.3.2Página 97:

1 – "To decide which of the available export formats would be most suitable for your situation, please refer to the documentation for the software application into which you will be importing the data file."

2 – "Para decidir qual das exportações de formatos disponíveis serão mais adequados à sua situação, por favor consulte a documentação para a aplicação do software em que você vai estar importando o arquivo de dados."

3 – "por favor consulte a documentação para a aplicação do software em que você vai estar importando o arquivo de dados."

4 – "Para decidir qual das exportações de formatos disponíveis serão mais adequados à sua situação, por favor consulte a documentação para a aplicação do software em que você vai estar importando o arquivo de dados."

4.3.3Página 109:

1 – "You will be importing the companies' information and the companies'

names separately. Please follow all steps to ensure that all fields are imported."

2 – "Você vai estar importando as empresas "informação e as empresas"
nomes em separado. Por favor siga todas as medidas para assegurar que todos os campos estão importados."

3 – "Você vai estar importando as empresas "informação e as empresas"
nomes em separado.
"

4 – "Você importará as empresas "informação e as empresas"
nomes em separado. Por favor siga todas as medidas para assegurar que todos os campos estão importados."

4.4 – OUTROS MANUAIS

Seguem abaixo, algumas ocorrências encontradas em diversos manuais técnicos. Como o número de aparições é menor, destacou-se apenas uma em cada manual, para melhor ilustração de como a estrutura do Future Continuous pode aparecer nos diversos manuais técnicos.

O procedimento para a análise é o mesmo:

4.4.1 – Rapid Rabitt Speedy Dialer – Manual-User Guide

Manual de operações de software que gerencia ligações telefônicas, feitas de um modem padrão – Janeiro de 2008. (página 9):

1 – "If you are using a Serial connection, in most cases you will be using Com Port 1 or Com Port 2."

2 – "Se você está usando uma conexão Serial, na maioria dos casos você vai estar usando as portas Com Port 1 ou Com Port 2."

3 – "Se você está usando uma conexão Serial, na maioria dos casos você vai estar usando as portas Com Port 1 ou Com Port 2."

4 – "Se você está usando uma conexão Serial, na maioria dos casos você estará usando as portas Com Port 1 ou Com Port 2."

4.4.2 – Pattern Stream Trainning Manual

Outro manual de filtragem de chamadas telefônicas, também inclui um modem padrão – Setembro de 2005. (página7):

1 – "• Large portions of the application are usually concerned with workflow issues such as check in and checkout of fragments and the reuse of fragments in multiple documents. They are also designed on the assumption that a large number of users will be working on a document simultaneously."

2 – "• Grandes porções do aplicativo estão geralmente preocupadas com questões do fluxo de trabalho, como o check-in, de saída de fragmentos e da reutilização de fragmentos em vários documentos. Eles também são concebidos com base no pressuposto de que um grande número de usuários vai estar trabalhando em um documento simultaneamente."

3 – "Eles também são concebidos com base no pressuposto de que um grande número de usuários vai estar trabalhando em um documento simultaneamente."

4 – "• Grandes porções do aplicativo estão geralmente preocupadas com questões do fluxo de trabalho, como o check-in, de saída de fragmentos e da reutilização de fragmentos em vários documentos. Eles também são concebidos com base no pressuposto de que um grande número de usuários vai trabalhar em um documento simultaneamente."

4.4.3 – cPannel User Manual

Manual para gerenciamento de redes de computadores que opera em FTP, HTTP e BBS. (página 175):

1 – "You can use hotlink protection to keep other sites from linking to your images, videos, and other files. If another site links directly to your images or other files, they will be using your bandwidth to display those files rather than theirs."

2 – "Você pode usar a proteção do hotlink para evitar que outros sites se conectem as suas imagens, vídeos e outros arquivos. Se outros sites se conectarem diretamente a suas imagens ou outros arquivos, eles vão estar usando sua banda para exibir os arquivos e não a deles."

3 – "Se outros sites se conectarem diretamente a suas imagens ou outros arquivos, eles vão estar usando sua banda para exibir os arquivos e não a deles."

4 – "Você pode usar a proteção do hotlink para evitar que outros sites se conectem as suas imagens, vídeos e outros arquivos. Se outros sites se conectarem diretamente a suas imagens ou outros arquivos, eles estarão usando sua banda para exibir os arquivos e não a deles."

5.CONSIDERAÇÕES FINAIS

Derrubar barreiras e desmitificar questões referentes à língua parece ser uma tarefa quase impossível, todavia é preciso dar os primeiros passos. É necessário compreender que toda língua é um conjunto variado de formas lingüísticas, ou seja, as línguas são, na verdade, um amplo conjunto de variedades sociais, geográficas e contextuais.

"Compra-se livros usados." "Comprei o livro, mas ainda não li." Do ponto de vista da gramática tradicional, que é prescritiva, as frases acima estão erradas. Mas o fato é que estamos diante de exemplos de construções realizadas dia a dia por um número muito vasto de falantes distribuídos entre os vários estratos da sociedade. Assim, parece insuficiente dizer que a "norma culta" usa o que chamamos de "certo" e que o resto é linguagem coloquial, oral, descuidada.

A Lingüística Aplicada é a área de pesquisa que está diretamente relacionada à resolução de problemas práticos na realidade lingüística das sociedades. Utiliza-se de vários meios para compreender os fenômenos lingüísticos ocorridos na comunicação social, e de igual maneira procura por respostas que, claro contribuam para a melhoria e de igual maneira esclarecimento destes fenômenos.

É necessário esclarecer que, durante o período também em que se fala em Lingüística Aplicada, de forma nenhuma refere-se à aplicação de teorias da lingüística, mas sim à busca de soluções para problemas de caráter prático que, claro venham a surgir na linguagem. O caráter prático tem papel central nesta área de estudos, sendo esta sua principal característica.

Assistindo ao noticiário diário é fácil encontrá-lo no falar de pessoas "importantes", como advogados e políticos. Nesse caso, há a intenção de falar bonito, ainda que esse falar bonito seja equivocado. Não se pode dizer que esse grupo de pessoas não tenha instrução, ou que não tenha tido acesso à educação. Logo, se na televisão alguém fala usando "gerundismos", quem ouve passa a achar que aquilo é falar bonito e adota aquela fala sem questioná-la, até porque a maioria das pessoas que simplesmente reproduz esse modo de falar não se sente capaz de questionar o que o Dr. Advogado ou o Dr. Político falaram. Acontece que o "gerundismo" pretende ser o registro culto. E não é.

O suposto descuido da linguagem oral, na verdade, não passa de mito - toda linguagem organizada possui uma gramática. A lingüística tem se debruçado sobre os fenômenos da produção oral e escrita e observado com método científico a regularidade de certas formulações reprovadas pela gramática tradicional.

É comum que se atribuam os desvios da "norma padrão" ao desconhecimento da forma "correta" a algum grau de ignorância, portanto. Mas a observação da natureza de alguns desses "erros" pode trazer surpresas.

Alguém fala errado?

Ferreira Gullar

Sei muito bem que, de acordo com a lingüística moderna, não existem o certo e o errado no uso do idioma nacional, ou melhor, não existe o errado, o que significa que tudo está certo e que minha antiga professora de português, que me ensinou a fazer análise lógica e gramatical das proposições em língua portuguesa, era uma louca, uma vez que a língua não tem lógica como ela supunha e a gramática é de fato um instrumento de repressão; perdeu seu tempo dona Rosinha ensinando-me que o verbo concorda com o sujeito, e os adjetivos com os substantivos, como também concordam com estes os artigos, ou seja, que não se deve dizer dois dúzias de ovos, uma vez que dúzia é palavra feminina, donde ter que dizer "duas dúzias de ovos", o que era, como sei agora, um ensinamento errôneo ou, no máximo, correto apenas naquela época, pois hoje ouço na televisão e leio nos jornais "as 6 milhões de pessoas", construção indiscutivelmente correta hoje, quando os artigos não têm mais que concordar com os substantivos e tampouco com o verbo, como me ensinara ela, pois me corrigia quando eu dizia "ele foi um dos que fez barulho", afirmando que eu deveria dizer "um dos que fizeram barulho", e me explicava que era como se dissesse "foi um dos três que fizeram barulho", explicação antiquada, do mesmo modo que aquela outra referente à regência dos verbos e que eu, burróide, entendi como certo quando, na verdade, o certo não é, por exemplo, dizer "a comida de que ela necessita" ou "o problema de que falou o presidente", e, sim, "o problema que falou o presidente", frase que, no meu antiquado entendimento, resulta estranha, pois parece dizer não que o presidente falou do problema, mas que o problema falou do presidente, donde se conclui que sou realmente um sujeito maluco, que já está até ouvindo "vozes" e, além de maluco, fora de moda, porque não se conforma com o fato de terem praticamente eliminado de nossa língua as palavras "este" e "esta", que foram substituídas por "esse" e "essa", pois sem nenhuma dúvida é uma tolice querer que o locutor da televisão, referindo-se à noite em que fala, diga "no programa desta noite" em lugar de "no programa dessa noite", que, dentro do critério de que o errado é certo, está certíssimo, ao contrário do que exige esta minha birra, culpa da professora Rosinha, por ter insistido em nos convencer de que "este" designa algo que está perto de mim, "esse", algo que está perto de você e "aquele", o que está longe dos dois, e ainda a minha teimosia em achar que essas palavras correspondem a situações reais da vida, não são meras invenções de gramáticos; e, de tão sectário que sou nesta mania de preservar a língua, não suporto ouvir a expressão "isto não significa dizer" em vez de "isto não quer dizer", que é o correto, ou era, além de expressão legítima, enquanto a outra é um anglicismo, mas que, por isso mesmo, há quem considere ainda mais correta, porque estamos na época da globalização, o que torna mais bobo ainda implicar com estrangeirismos, como aquele meu amigo que fica irritado ao ler nos jornais que "a reunião da Câmara foi postergada para segunda-feira", em vez de "adiada", como sempre se disse e que facilita o entendimento da maioria das pessoas, já que nem todos os brasileiros amargaram o exílio em países de língua espanhola. Mas já quase admito ser muita pretensão teimar em dizer "o governador cogita de enviar à Câmara um novo projeto de lei", pois isso de que o verbo "cogitar" rege a preposição "de" também é bobagem, coisa de gente pretensiosa que precisa se impor às outras falando arrogantemente "correto", como se houvesse modo de falar certo ou errado, de falar correto, pois a verdade é que tal pretensão oculta um preconceito de classe, uma discriminação contra aqueles que não tiveram oportunidade de estudar e, por essa razão, não podem falar como os que usufruíram do privilégio burguês, ou pequeno-burguês, de estudar gramática, o que vem acentuar a injustiça social. Como se não bastasse serem aqueles pobres discriminados no trabalho e no conforto, ainda se acrescenta essa discriminação, acusando-os de falarem mal a língua, da qual são eles de fato os criadores e que foi apropriada pelos ricos e poderosos que agora se consideram donos dela, como de tudo o mais que existe neste mundo, pois eles de fato não toleram a hipótese de que todas as pessoas sejam iguais e que todas elas falem corretamente ainda que gramáticos elitistas insistam em dizer que falam errado só porque não falam segundo as normas da classe dominante, que, além de impedir os pobres de estudar, acusam-nos de serem ignorantes, atitude de fato inaceitável, pois sabemos que todas as pessoas são igualmente inteligentes e talentosas, portanto capazes de criar obras de arte geniais, de conceber teorias iguais às que conceberam Galileu e Einstein, e só não o fazem porque são deliberadamente impedidas de dar vazão a seu gênio criador; e também neste caso se comete a injustiça de consagrar como gênios alguns homens privilegiados e não atribuir qualquer valor aos milhões, perdão, às milhões de pessoas tidas como comuns, e só não consigo entender é por que os lingüistas que defendem tais idéias continuam a escrever corretamente tal como exigia minha professora do colégio São Luís de Gonzaga, naqueles distantes anos da década de 1940... Diante disto, não está mais aqui quem falou.

Folha de S. Paulo, 25/9/2005.

Definitivamente não é um caso exclusão de quem fala errado. Primeiro, porque é uma hipocrisia achar que alguém que não domine a norma culta não será discriminado no mundo real, isso seria puro preconceito lingüístico.

No entanto, é muito comum hoje em dia algumas pessoas distorcerem a discussão sobre o certo e o errado, deturpando esses conceitos até as últimas conseqüências e pregando que nada mais pode ser corrigido, nada mais pode ser considerado errado.

A verdade é que todos nós somos dependentes da norma culta. Em uma entrevista de emprego, por exemplo. Quem fala "errado" jamais terá a mesma oportunidade que aquele que conhece e domina a norma culta.

Outro ponto é que o "gerundismo" não é originalmente um falar popular, ele não nasceu do falar do povo na rua. Pelo contrário, o "gerundismo" é abundante no falar de muitas pessoas que aparecem na mídia, que trabalham com formação de pessoal em grandes empresas, que dão treinamentos, cursos e palestras, que ensinam nas faculdades e nas escolas país afora; ou seja, o "gerundismo" é usado por aqueles que formam e informam. Por isso, ironicamente, ele se tornou um exemplo do bem falar.

Este trabalho pretendia mostrar que o "gerundismo" provavelmente se originou de traduções literais do inglês, nas quais tempos verbais com esse tipo de construção são normais. Isso me parece mais um sintoma de colonização cultural. Está lá, em inglês, e chegou a nós numa tradução obviamente mal feita, porque a tradução literal poucas vezes é a melhor solução, principalmente quando resulta na simples transposição de uma dada estrutura lingüística de um idioma para outro. Não se pode transpor a estrutura; é necessário adaptá-la à língua de chegada, para que nela a expressão fique tão normal quanto é na língua de partida.

Combater o "gerundismo" não é condenar o fulano, rotulá-lo de ignorante. Não é a intenção de ninguém humilhar as pessoas. É exatamente o contrário. O objetivo é dizer ao falante que usa "gerundismo" - porque repete um discurso que ele considera "o certo e o bonito" - que seu falar original é quase sempre mais correto do que aquele que ele tenta reproduzir. É mostrar a ele como sua língua é rica, fazê-lo deitar seus olhos sobre ela, fazê-lo admirar uma estrutura simples, como "pois não, senhor, vou encaminhar seu pedido".

"Vamos estar fazendo o possível para podermos estar resolvendo o problema" não é mais correto do que "Nóis vai fazê o possível pra resolvê o pobrema." Se comparados à norma culta, o primeiro é só mais empolado do que o segundo e usa uma estrutura que não é natural em língua portuguesa. O segundo está igualmente inadequado,é claro, porque, segundo a norma culta, tem grafia e concordância incorretas. Agora, se pensarmos do ponto de vista dos registros da língua, o segundo é simplesmente um outro registro da língua, enquanto o primeiro é falso, porque pretende ser a norma culta e, como já disse, não é. 

Em outras palavras. A intenção sim, é combater o "gerundismo", mas não sem discussão,como uma forma democrática, NÃO AO "GERUNDISMO". E os ofendidos que se defendam.

6.ANEXO

"O SENHOR PODE ESTAR ENVIANDO UM FAX?"

Já tratei nesta revista da presença estrangeira em nossa língua. Critiquei - e nunca deixarei de criticar - o uso tolo de palavras e expressões estrangeiras. E o que é o uso tolo? O short que o treinador do Corinthians e da seleção brasileira, Wanderley Luxemburgo, usou durante uma das partidas das finais do último Campeonato Paulista é ótimo exemplo: "Num campeonato short como este...". Que diabos é um campeonato short? Aposto que 99% das pessoas que o ouviram não sabem que isso significa "curto".

O intragável delay que um apresentador da TV Bandeirantes costuma empregar é outro exemplo de uso tolo: "Tivemos um pequeno delay na transmissão." Delay? Que tal "atraso"?

Há também o caso das saboneteiras em que se lê push. É batata! As pessoas vão e puxam a pequena alavanca e nada de sabão. Push, palavra inglesa, não significa "puxar". Push é "empurrar", "pressionar".

Francamente, não me parece necessário dar em inglês a instrução para o uso de uma saboneteira. Alguém pode justificar esse procedimento com o fato de a saboneteira ser importada. E daí? É obrigatório - por lei - traduzir esse tipo de informação.

Pois bem. Às vezes, a influência é mais sutil. Virou moda usar expressões como "O senhor pode estar mandando um fax?" ou "Nós vamos estar providenciando", ou ainda "Não pude estar comparecendo". O que é isso, meu Deus? Que história é essa de "vamos estar providenciando"?

Suponho - posso estar enganado - que isso seja influência inglesa. Talvez a tradução meio literal de frases como "I will be sending", ou "We will be asking", que, ao pé da letra, equivalem a "Estarei enviando" e "Estaremos pedindo (perguntando)", respectivamente.

Como no Brasil não são comuns formas como "estarei", "estaremos" - em seu lugar usam-se as formas "vou estar", "vamos estar" -, na mão de alguns tradutores "We will be sending" acaba virando "Nós vamos estar enviando".

Pronto! Bastou alguém com ares de erudição traduzir ao pé da letra uma expressão legítima e comum em inglês para que a praga pegasse em português.

O pior é que esse tipo de frase passa uma incrível impressão de coisa chique, refinada. É preciso falar assim para estar na moda.

Uma amiga telefonou para uma administradora de cartões de crédito e ouviu da atendente esse tipo de frase umas duzentas mil vezes ("Vamos estar providenciando", "Vamos estar verificando", "A senhora vai estar recebendo", "O computador vai estar emitindo", "O banco vai estar cobrando", etc., etc., etc.).

No fim, enjoada - enjoadíssima, com o estômago embrulhado, em estado de pré-congestão -, minha amiga ouviu a seguinte pergunta: "A senhora pode estar enviando uma cópia do extrato?" Irônica, respondeu: "Estar enviando eu não posso, mas enviar eu posso". A moça não entendeu a ironia. "Como?", perguntou, atônita. O problema é que casos como esse alimentam a velha idéia de que em língua formal basta dizer algumas palavras e expressões "difíceis" para que o discurso seja bom. Para variar, não se pensa no verdadeiro xis da questão, que é a ordenação das idéias, o pensamento lógico, a estrutura clara, a correção gramatical, a linguagem adequada.

Voltando ao "vamos estar enviando", se você trabalha com o público, preste atenção. Veja se também não se rendeu à tentação. Se o fez, pare para pensar. Em vez de "O senhor pode estar enviando um fax?", "Vamos estar providenciando", "Vou estar solicitando", que tal a velha e boa estrutura típica do português do Brasil: "O senhor pode enviar um fax?", "Vamos providenciar", "Vou solicitar"?

Por que eu disse "português do Brasil"? Já afirmei que no Brasil não é comum o futuro do presente. Não temos o hábito de dizer "faremos". Dizemos mesmo "vamos fazer". Na verdade uma frase como "Vamos estar enviando" poderia ser resumida em "Enviaremos". "Vamos enviar" é a construção mais comum entre nós. "Vamos estar enviando" é dose! É o rococó do rococó.

Pasquale Cipro Neto

outubro/98 - Revista CULT

 

 

 

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