Introdução

O presente trabalho trata da relação entre a tradição e a modernidade. Esta abordagem se enquadra dentro do pensamento moderno e julgamos que irá contribuir significativamente para tomada de novas posições perante a tradição e a modernidade. Analisamos esta relação tendo em conta as posições tomadas pelos críticos da tradição e da modernidade, com o objectivo de compararmos as diferentes posições dos teóricos na maneira como se posicionam perante essas duas realidades.

A questão que o artigo pretende responder é: Qual é a relação existente entre a tradição e a modernidade no contexto africano? Com recurso a pesquisa bibliográfica e método hermenêutico, o artigo conclui que a tradição como um passado recordado e interpretado constantemente participa do presente, constituindo-se moderno; a modernidade é a recriação da Tradição; há uma relação de continuidade entre a tradição e a modernidade; a modernidade é alimentada e oxigenada pela tradição; em África podemos preservar a tradição sem comprometer a modernização ou então podemos modernizar sem sacrificar a tradição.

 

RELAÇÃO ENTRE A TRADIÇÃO E A MODERNIDADE

Este tema é mais um desafio a todos aqueles que se interessam em aprofundar e compreender o itinerário trilhado na tradição e na modernidade para poderem revisitar a literatura e a oralidade da tradição e as várias abordagens sobre a modernidade para a partir dela desenvolver ou enriquecer este assunto, tendo em conta a interacção social, política e económica que se verifica hoje no mundo e em particular em África.

Segundo Bornheim (1987: 12), o termo tradição vem do latim traditio, tradare que significa “entrega” e “transmissão” de práticas ou valores espirituais de geração em geração ou um conjunto de crenças de um povo.

Tendo em conta a definição etimológica de Bornheim acima exposta penso que a tradição pode-se considerar como uma realidade que sempre, pertence ao passado e que é permanentemente recordado e interpretado, seguindo-se conservadoramente com respeito através das gerações.

A tradição como um passado recordado e interpretado, em alguma medida pode-se dizer que participa do presente, constituindo-se moderno. O passado neste contexto está provido de extensão e movimento porque consegue estender-se e movimentar-se até ao presente e equilibra-se nele.

Na tradição há sempre espaço para inovações e ou recriação. Quer dizer, um elemento da tradição pode tornar-se tradicional; por exemplo os ritos de iniciação entre os Macuas- Lomwes; em si o ritual pertence a tradição, hoje é um elemento tradicional apesar de ser recriado e inovado pela maneira do seu procedimento.

Coincidentemente daquilo que acho do que seja a tradição, Paul Ricouer, filósofo francês, também acha que “a tradição não é uma caixa fechada que passamos de mão em mão sem abri-lo, mas uma riqueza onde tiramos com as mãos cheias e que renovamos na medida em que tiramos.” (RICOUER, 1980: 27).

No meu entender, Ricouer está a dizer que toda tradição vive, dura e permanece graças a interpretação e recriação. E essas várias possibilidades que a tradição tem: viver, durar e permanecer são formas de se impor na história e o significado depende do contexto em que se insere dentro do momento em que se está. Isto é, o momento presente é responsável pela recriação e interpretação da tradição adequando a realidade exactamente daquele momento presente; contextualizando e fazendo valer todos os antigos valores e modos no momento presente – espécie de modernização do passado. Momento presente entenda-se como o tempo moderno.

A modernidade até certo ponto podemos conceber como sendo uma espécie de recriação daquilo que ficou no passado e ou da tradição; remodelação daquilo que foi rejeitado e esquecido. Quer dizer que a modernidade apesar de ser considerada como presente, ela está sempre voltada para o passado e para o futuro. Razão pela qual as sociedades contemporâneas, especialmente a africana está sempre preocupada com a restauração das tradições quer no campo cultural, político, social, artístico e económico; cenário pouco difícil tendo em conta o fenómeno de globalização ou ocidentalização da África. Só para dar exemplo o tipo de interacção social que nos é proposto pelos grandes canais televisivos não é fruto da recriação do passado tradicional africano.

A quem pense que o dualismo tradição/modernidade em África e no mundo em geral é algo novo, como se fosse uma tentativa de construção e demarcação dos limites dos factos que aconteceram e acontecem no processo histórico. Esses que pensam dessa maneira entendem que falar da tradição e da modernidade é falar do desigual e da alteridade porque quando se fala da tradição estamos a falar do passado, da aldeia, da “zona”. E quando se fala da modernidade esta a se falar da vila, da cidade de outros continentes, do novo e daquilo que é restaurado.

Ora bem, por mim penso que têm razão, mas pecam ao entenderem a diferença como algo totalmente oposto, em vez de perceberem de que a tradição e a modernidade são duas realidades conexas e que se complementam. Ora vejamos o conceito de aldeia fez surgir o de vila, o da vila fez surgir o de cidade, assim por diante. Portanto aquilo que pertencia outrora no mundo da tradição por vários factores e pela dinâmica da vida passou a ser moderno e para atingir esse patamar teve que sofrer algumas alterações (ruptura) “positivas” que adequam o momento.

 Quer dizer, para surgir a modernidade tinha que haver ruptura da tradição, mas do que ruptura diria recriação da tradição; assim os ideais que demarcaram a modernidade são definidos como tradicionais e os ideais da tradição são definidos como modernos.

Mas isso não pode ser entendido como relação de oposição e ou descontinuidade; ao contrário encontramos uma relação de continuidade. Como explicamos acima, aquilo que foi esquecido, relegado para o segundo plano agora é convocado, recriado e interpretado para dar sentido a vida actual do homem.

A ser assim a modernidade não se pode definir como um ideal de ruptura mas de recriação, interpretação e remodelação da tradição.

Então a possível ruptura que a modernidade tanto se propõe e que alguns autores defendem deverá ser entendida como uma forma de resgatar, recriar, interpretar e restaurar alguns procedimentos do passado, considerados tradicionais e que estão perdidos, tentando voltar à sua pureza originária ou apelando e orientando o caminho a seguir para poder voltar àquele procedimento.

De facto não é necessário usar a lupa para vermos que a modernidade é retorno à tradição. O retorno a tradição manifesta-se em várias vertentes como por exemplo no vestuário – há uma espécie de ressurgimento do antigo como novo modelo, a moda antiga hoje é que está na moda. É só ver as “Magarrafas”[1] não são uma realidade nova já existiram na década 60.

Aqui claramente pode-se perceber de que a modernidade é um retorno contínuo das formas e modelos do passado que anteriormente eram modernos e depois passaram e ou foram ultrapassados, recusados e esquecidas; continuando no memorial, hoje são convocados e recriados para constituírem parte do modelo.

O outro exemplo que nos faz entender que a modernidade é um retorno ao tradicional é o meio ambiente; no passado era cem por cento natural, mas com o desenvolvimento cultural (científico e tecnológico) o homem passou a fazer múltiplas intervenções e como consequência disso o meio ambiente está perdendo a sua pureza natural. Hoje há apelos vindos de todos cantos do mundo sobre acções de conservação do meio ambiente.

De facto se os ideais do passado e ou da tradição deixassem de serem tradicionais ou por outra, se fossem completamente substituídos pelos novos, deixaria também de ter sentido a afirmação da modernidade, na medida em que este se define como retorno, interpretação da tradição.

Habermas (2004) constatou que a modernidade está a entrar em crise porque ao longo dos três últimos séculos, os ideais de emancipação foram sendo cada vez mais esquecidos, acabando por se substituir a postura moderna da experiência por modelos de modernização para os quais como dizia Martin Heidegger virou o mundo natural. Esta viragem está claramente associada às perturbações letais que os processos de modernização acabaram por provocar sobre o meio ambiente (cfr. HEIDEGGER, 1990: 56 e 57).

Concordo plenamente com Habermas porque de facto, não há, a rigor, modernidade que não seja alimentada e oxigenada pela tradição. Portanto, sem tradição, sem a raiz e o regional, a modernidade não é nada. A modernidade precisa de recriar a tradição.

Mesmo Max Weber constatou que na tradição a moral era em função de uma cosmovisão específica - ligada a religião. Mas na modernidade a moral passou a ser laica, sem precisar da religião para se compor moralmente. A arte deixou de ser uma referência à religião e ficou em função do belo, por isso Kant (1970) vê a arte como estando na ordem do desinteresse.

Alain Touraine (2002) também constata que a ideia da modernidade substitui Deus no centro da sociedade pela ciência, deixando portanto as crenças religiosas para a vida privada e até fora de todo sistema vital do homem. Para este autor não basta que estejam presentes as aplicações da ciência para que se considere uma sociedade como moderna. É necessário sim que na ciência esteja presente uma moral vindo da religião; é preciso sim que na política exista também uma moral.

De facto hoje vemos que a ciência impõe a destruição dos laços sociais, dos sentimentos, dos costumes e das crenças do passado. Mais do que isso a ciência, categoria da modernidade europeia destrói o sentido da vida do homem da modernidade. Este tipo de modernidade dissocia-se completamente com a tradição.

Mas a modernidade vista na perspectiva africana não se dissocia com a tradição porque a tradição é fonte de inspiração do presente. Portanto tudo o que é passado é um valor a conservar e a respeitar. É por isso que em África mesmo os antepassados são uma fonte muito forte de inspiração e modelo vivencial.

Para aqueles que lutam para que os valores sejam autónomos esquecem-se que na modernidade a perca de sentido da vida é porque não se verifica a unidade dos valores na vida dos homens. Não havendo sentido na vida dos homens então a modernidade está a falhar; ela não está a cumprir com os propósitos pelos quais surgiu. Na verdade qualquer homem está sentindo a perca de sentido da vida na modernidade por causa de não existência de ligação com a tradição.

Se a tradição é concebida como uma realidade que sempre foi e algo memorial que pertence ao passado e a modernidade é considerada como presente que está em percurso e que está caracterizando o presente então no meu entender a modernidade deveria ser concebida como um resgate ou remodelação da tradição.

Conclusão

A relação de conexão entre a modernidade e a tradição dá sentido a vida do homem da modernidade fora disso a modernidade ficará para a história e irá se transformar em tradição.

A modernidade deixa de ser modernidade quando não faz referencia ao passado e a tradição; quando deixa tudo para trás, quando declara descontinuidade com a tradição. A modernidade se completa quando os seus valores são fruto da recriação dos valores da tradição.

A relação de continuidade entre a tradição e a modernidade se efectivará quando a modernidade continuar a conectar-se com a tradição como sua fonte de inspiração e até certo ponto de sobrevivência.

Bibliografia

BORNHEIM, G. O conceito de tradição, Zahar, Rio de Janeiro, 1987

HEIDEGGER, M; As questões da Técnica. in Ensaios e Conferencias, S. Paulo, 1990

HABERMAS, J; Discurso Filosófico da modernidade, Zahar, Rio de Janeiro, 2004

KANT, E. Estética, Vozes, Rio de Janeiro, 1970

RICOUER, P; O conflito das interpretações: Ensaios de Hermenêutica, Rio de Janeiro, Imago Editora, 1978

TOURAINE, A;



[1]Calças bem apertadas.

Introdução

O presente trabalho trata da relação entre a tradição e a modernidade. Esta abordagem se enquadra dentro do pensamento moderno e julgamos que irá contribuir significativamente para tomada de novas posições perante a tradição e a modernidade. Analisamos esta relação tendo em conta as posições tomadas pelos críticos da tradição e da modernidade, com o objectivo de compararmos as diferentes posições dos teóricos na maneira como se posicionam perante essas duas realidades.

A questão que o artigo pretende responder é: Qual é a relação existente entre a tradição e a modernidade no contexto africano? Com recurso a pesquisa bibliográfica e método hermenêutico, o artigo conclui que a tradição como um passado recordado e interpretado constantemente participa do presente, constituindo-se moderno; a modernidade é a recriação da Tradição; há uma relação de continuidade entre a tradição e a modernidade; a modernidade é alimentada e oxigenada pela tradição; em África podemos preservar a tradição sem comprometer a modernização ou então podemos modernizar sem sacrificar a tradição.

 

RELAÇÃO ENTRE A TRADIÇÃO E A MODERNIDADE

Este tema é mais um desafio a todos aqueles que se interessam em aprofundar e compreender o itinerário trilhado na tradição e na modernidade para poderem revisitar a literatura e a oralidade da tradição e as várias abordagens sobre a modernidade para a partir dela desenvolver ou enriquecer este assunto, tendo em conta a interacção social, política e económica que se verifica hoje no mundo e em particular em África.

Segundo Bornheim (1987: 12), o termo tradição vem do latim traditio, tradare que significa “entrega” e “transmissão” de práticas ou valores espirituais de geração em geração ou um conjunto de crenças de um povo.

Tendo em conta a definição etimológica de Bornheim acima exposta penso que a tradição pode-se considerar como uma realidade que sempre, pertence ao passado e que é permanentemente recordado e interpretado, seguindo-se conservadoramente com respeito através das gerações.

A tradição como um passado recordado e interpretado, em alguma medida pode-se dizer que participa do presente, constituindo-se moderno. O passado neste contexto está provido de extensão e movimento porque consegue estender-se e movimentar-se até ao presente e equilibra-se nele.

Na tradição há sempre espaço para inovações e ou recriação. Quer dizer, um elemento da tradição pode tornar-se tradicional; por exemplo os ritos de iniciação entre os Macuas- Lomwes; em si o ritual pertence a tradição, hoje é um elemento tradicional apesar de ser recriado e inovado pela maneira do seu procedimento.

Coincidentemente daquilo que acho do que seja a tradição, Paul Ricouer, filósofo francês, também acha que “a tradição não é uma caixa fechada que passamos de mão em mão sem abri-lo, mas uma riqueza onde tiramos com as mãos cheias e que renovamos na medida em que tiramos.” (RICOUER, 1980: 27).

No meu entender, Ricouer está a dizer que toda tradição vive, dura e permanece graças a interpretação e recriação. E essas várias possibilidades que a tradição tem: viver, durar e permanecer são formas de se impor na história e o significado depende do contexto em que se insere dentro do momento em que se está. Isto é, o momento presente é responsável pela recriação e interpretação da tradição adequando a realidade exactamente daquele momento presente; contextualizando e fazendo valer todos os antigos valores e modos no momento presente – espécie de modernização do passado. Momento presente entenda-se como o tempo moderno.

A modernidade até certo ponto podemos conceber como sendo uma espécie de recriação daquilo que ficou no passado e ou da tradição; remodelação daquilo que foi rejeitado e esquecido. Quer dizer que a modernidade apesar de ser considerada como presente, ela está sempre voltada para o passado e para o futuro. Razão pela qual as sociedades contemporâneas, especialmente a africana está sempre preocupada com a restauração das tradições quer no campo cultural, político, social, artístico e económico; cenário pouco difícil tendo em conta o fenómeno de globalização ou ocidentalização da África. Só para dar exemplo o tipo de interacção social que nos é proposto pelos grandes canais televisivos não é fruto da recriação do passado tradicional africano.

A quem pense que o dualismo tradição/modernidade em África e no mundo em geral é algo novo, como se fosse uma tentativa de construção e demarcação dos limites dos factos que aconteceram e acontecem no processo histórico. Esses que pensam dessa maneira entendem que falar da tradição e da modernidade é falar do desigual e da alteridade porque quando se fala da tradição estamos a falar do passado, da aldeia, da “zona”. E quando se fala da modernidade esta a se falar da vila, da cidade de outros continentes, do novo e daquilo que é restaurado.

Ora bem, por mim penso que têm razão, mas pecam ao entenderem a diferença como algo totalmente oposto, em vez de perceberem de que a tradição e a modernidade são duas realidades conexas e que se complementam. Ora vejamos o conceito de aldeia fez surgir o de vila, o da vila fez surgir o de cidade, assim por diante. Portanto aquilo que pertencia outrora no mundo da tradição por vários factores e pela dinâmica da vida passou a ser moderno e para atingir esse patamar teve que sofrer algumas alterações (ruptura) “positivas” que adequam o momento.

 Quer dizer, para surgir a modernidade tinha que haver ruptura da tradição, mas do que ruptura diria recriação da tradição; assim os ideais que demarcaram a modernidade são definidos como tradicionais e os ideais da tradição são definidos como modernos.

Mas isso não pode ser entendido como relação de oposição e ou descontinuidade; ao contrário encontramos uma relação de continuidade. Como explicamos acima, aquilo que foi esquecido, relegado para o segundo plano agora é convocado, recriado e interpretado para dar sentido a vida actual do homem.

A ser assim a modernidade não se pode definir como um ideal de ruptura mas de recriação, interpretação e remodelação da tradição.

Então a possível ruptura que a modernidade tanto se propõe e que alguns autores defendem deverá ser entendida como uma forma de resgatar, recriar, interpretar e restaurar alguns procedimentos do passado, considerados tradicionais e que estão perdidos, tentando voltar à sua pureza originária ou apelando e orientando o caminho a seguir para poder voltar àquele procedimento.

De facto não é necessário usar a lupa para vermos que a modernidade é retorno à tradição. O retorno a tradição manifesta-se em várias vertentes como por exemplo no vestuário – há uma espécie de ressurgimento do antigo como novo modelo, a moda antiga hoje é que está na moda. É só ver as “Magarrafas”[1] não são uma realidade nova já existiram na década 60.

Aqui claramente pode-se perceber de que a modernidade é um retorno contínuo das formas e modelos do passado que anteriormente eram modernos e depois passaram e ou foram ultrapassados, recusados e esquecidas; continuando no memorial, hoje são convocados e recriados para constituírem parte do modelo.

O outro exemplo que nos faz entender que a modernidade é um retorno ao tradicional é o meio ambiente; no passado era cem por cento natural, mas com o desenvolvimento cultural (científico e tecnológico) o homem passou a fazer múltiplas intervenções e como consequência disso o meio ambiente está perdendo a sua pureza natural. Hoje há apelos vindos de todos cantos do mundo sobre acções de conservação do meio ambiente.

De facto se os ideais do passado e ou da tradição deixassem de serem tradicionais ou por outra, se fossem completamente substituídos pelos novos, deixaria também de ter sentido a afirmação da modernidade, na medida em que este se define como retorno, interpretação da tradição.

Habermas (2004) constatou que a modernidade está a entrar em crise porque ao longo dos três últimos séculos, os ideais de emancipação foram sendo cada vez mais esquecidos, acabando por se substituir a postura moderna da experiência por modelos de modernização para os quais como dizia Martin Heidegger virou o mundo natural. Esta viragem está claramente associada às perturbações letais que os processos de modernização acabaram por provocar sobre o meio ambiente (cfr. HEIDEGGER, 1990: 56 e 57).

Concordo plenamente com Habermas porque de facto, não há, a rigor, modernidade que não seja alimentada e oxigenada pela tradição. Portanto, sem tradição, sem a raiz e o regional, a modernidade não é nada. A modernidade precisa de recriar a tradição.

Mesmo Max Weber constatou que na tradição a moral era em função de uma cosmovisão específica - ligada a religião. Mas na modernidade a moral passou a ser laica, sem precisar da religião para se compor moralmente. A arte deixou de ser uma referência à religião e ficou em função do belo, por isso Kant (1970) vê a arte como estando na ordem do desinteresse.

Alain Touraine (2002) também constata que a ideia da modernidade substitui Deus no centro da sociedade pela ciência, deixando portanto as crenças religiosas para a vida privada e até fora de todo sistema vital do homem. Para este autor não basta que estejam presentes as aplicações da ciência para que se considere uma sociedade como moderna. É necessário sim que na ciência esteja presente uma moral vindo da religião; é preciso sim que na política exista também uma moral.

De facto hoje vemos que a ciência impõe a destruição dos laços sociais, dos sentimentos, dos costumes e das crenças do passado. Mais do que isso a ciência, categoria da modernidade europeia destrói o sentido da vida do homem da modernidade. Este tipo de modernidade dissocia-se completamente com a tradição.

Mas a modernidade vista na perspectiva africana não se dissocia com a tradição porque a tradição é fonte de inspiração do presente. Portanto tudo o que é passado é um valor a conservar e a respeitar. É por isso que em África mesmo os antepassados são uma fonte muito forte de inspiração e modelo vivencial.

Para aqueles que lutam para que os valores sejam autónomos esquecem-se que na modernidade a perca de sentido da vida é porque não se verifica a unidade dos valores na vida dos homens. Não havendo sentido na vida dos homens então a modernidade está a falhar; ela não está a cumprir com os propósitos pelos quais surgiu. Na verdade qualquer homem está sentindo a perca de sentido da vida na modernidade por causa de não existência de ligação com a tradição.

Se a tradição é concebida como uma realidade que sempre foi e algo memorial que pertence ao passado e a modernidade é considerada como presente que está em percurso e que está caracterizando o presente então no meu entender a modernidade deveria ser concebida como um resgate ou remodelação da tradição.

Conclusão

A relação de conexão entre a modernidade e a tradição dá sentido a vida do homem da modernidade fora disso a modernidade ficará para a história e irá se transformar em tradição.

A modernidade deixa de ser modernidade quando não faz referencia ao passado e a tradição; quando deixa tudo para trás, quando declara descontinuidade com a tradição. A modernidade se completa quando os seus valores são fruto da recriação dos valores da tradição.

A relação de continuidade entre a tradição e a modernidade se efectivará quando a modernidade continuar a conectar-se com a tradição como sua fonte de inspiração e até certo ponto de sobrevivência.

Bibliografia

BORNHEIM, G. O conceito de tradição, Zahar, Rio de Janeiro, 1987

HEIDEGGER, M; As questões da Técnica. in Ensaios e Conferencias, S. Paulo, 1990

HABERMAS, J; Discurso Filosófico da modernidade, Zahar, Rio de Janeiro, 2004

KANT, E. Estética, Vozes, Rio de Janeiro, 1970

RICOUER, P; O conflito das interpretações: Ensaios de Hermenêutica, Rio de Janeiro, Imago Editora, 1978

TOURAINE, A;



[1]Calças bem apertadas.

Introdução

O presente trabalho trata da relação entre a tradição e a modernidade. Esta abordagem se enquadra dentro do pensamento moderno e julgamos que irá contribuir significativamente para tomada de novas posições perante a tradição e a modernidade. Analisamos esta relação tendo em conta as posições tomadas pelos críticos da tradição e da modernidade, com o objectivo de compararmos as diferentes posições dos teóricos na maneira como se posicionam perante essas duas realidades.

A questão que o artigo pretende responder é: Qual é a relação existente entre a tradição e a modernidade no contexto africano? Com recurso a pesquisa bibliográfica e método hermenêutico, o artigo conclui que a tradição como um passado recordado e interpretado constantemente participa do presente, constituindo-se moderno; a modernidade é a recriação da Tradição; há uma relação de continuidade entre a tradição e a modernidade; a modernidade é alimentada e oxigenada pela tradição; em África podemos preservar a tradição sem comprometer a modernização ou então podemos modernizar sem sacrificar a tradição.

 

RELAÇÃO ENTRE A TRADIÇÃO E A MODERNIDADE

Este tema é mais um desafio a todos aqueles que se interessam em aprofundar e compreender o itinerário trilhado na tradição e na modernidade para poderem revisitar a literatura e a oralidade da tradição e as várias abordagens sobre a modernidade para a partir dela desenvolver ou enriquecer este assunto, tendo em conta a interacção social, política e económica que se verifica hoje no mundo e em particular em África.

Segundo Bornheim (1987: 12), o termo tradição vem do latim traditio, tradare que significa “entrega” e “transmissão” de práticas ou valores espirituais de geração em geração ou um conjunto de crenças de um povo.

Tendo em conta a definição etimológica de Bornheim acima exposta penso que a tradição pode-se considerar como uma realidade que sempre, pertence ao passado e que é permanentemente recordado e interpretado, seguindo-se conservadoramente com respeito através das gerações.

A tradição como um passado recordado e interpretado, em alguma medida pode-se dizer que participa do presente, constituindo-se moderno. O passado neste contexto está provido de extensão e movimento porque consegue estender-se e movimentar-se até ao presente e equilibra-se nele.

Na tradição há sempre espaço para inovações e ou recriação. Quer dizer, um elemento da tradição pode tornar-se tradicional; por exemplo os ritos de iniciação entre os Macuas- Lomwes; em si o ritual pertence a tradição, hoje é um elemento tradicional apesar de ser recriado e inovado pela maneira do seu procedimento.

Coincidentemente daquilo que acho do que seja a tradição, Paul Ricouer, filósofo francês, também acha que “a tradição não é uma caixa fechada que passamos de mão em mão sem abri-lo, mas uma riqueza onde tiramos com as mãos cheias e que renovamos na medida em que tiramos.” (RICOUER, 1980: 27).

No meu entender, Ricouer está a dizer que toda tradição vive, dura e permanece graças a interpretação e recriação. E essas várias possibilidades que a tradição tem: viver, durar e permanecer são formas de se impor na história e o significado depende do contexto em que se insere dentro do momento em que se está. Isto é, o momento presente é responsável pela recriação e interpretação da tradição adequando a realidade exactamente daquele momento presente; contextualizando e fazendo valer todos os antigos valores e modos no momento presente – espécie de modernização do passado. Momento presente entenda-se como o tempo moderno.

A modernidade até certo ponto podemos conceber como sendo uma espécie de recriação daquilo que ficou no passado e ou da tradição; remodelação daquilo que foi rejeitado e esquecido. Quer dizer que a modernidade apesar de ser considerada como presente, ela está sempre voltada para o passado e para o futuro. Razão pela qual as sociedades contemporâneas, especialmente a africana está sempre preocupada com a restauração das tradições quer no campo cultural, político, social, artístico e económico; cenário pouco difícil tendo em conta o fenómeno de globalização ou ocidentalização da África. Só para dar exemplo o tipo de interacção social que nos é proposto pelos grandes canais televisivos não é fruto da recriação do passado tradicional africano.

A quem pense que o dualismo tradição/modernidade em África e no mundo em geral é algo novo, como se fosse uma tentativa de construção e demarcação dos limites dos factos que aconteceram e acontecem no processo histórico. Esses que pensam dessa maneira entendem que falar da tradição e da modernidade é falar do desigual e da alteridade porque quando se fala da tradição estamos a falar do passado, da aldeia, da “zona”. E quando se fala da modernidade esta a se falar da vila, da cidade de outros continentes, do novo e daquilo que é restaurado.

Ora bem, por mim penso que têm razão, mas pecam ao entenderem a diferença como algo totalmente oposto, em vez de perceberem de que a tradição e a modernidade são duas realidades conexas e que se complementam. Ora vejamos o conceito de aldeia fez surgir o de vila, o da vila fez surgir o de cidade, assim por diante. Portanto aquilo que pertencia outrora no mundo da tradição por vários factores e pela dinâmica da vida passou a ser moderno e para atingir esse patamar teve que sofrer algumas alterações (ruptura) “positivas” que adequam o momento.

 Quer dizer, para surgir a modernidade tinha que haver ruptura da tradição, mas do que ruptura diria recriação da tradição; assim os ideais que demarcaram a modernidade são definidos como tradicionais e os ideais da tradição são definidos como modernos.

Mas isso não pode ser entendido como relação de oposição e ou descontinuidade; ao contrário encontramos uma relação de continuidade. Como explicamos acima, aquilo que foi esquecido, relegado para o segundo plano agora é convocado, recriado e interpretado para dar sentido a vida actual do homem.

A ser assim a modernidade não se pode definir como um ideal de ruptura mas de recriação, interpretação e remodelação da tradição.

Então a possível ruptura que a modernidade tanto se propõe e que alguns autores defendem deverá ser entendida como uma forma de resgatar, recriar, interpretar e restaurar alguns procedimentos do passado, considerados tradicionais e que estão perdidos, tentando voltar à sua pureza originária ou apelando e orientando o caminho a seguir para poder voltar àquele procedimento.

De facto não é necessário usar a lupa para vermos que a modernidade é retorno à tradição. O retorno a tradição manifesta-se em várias vertentes como por exemplo no vestuário – há uma espécie de ressurgimento do antigo como novo modelo, a moda antiga hoje é que está na moda. É só ver as “Magarrafas”[1] não são uma realidade nova já existiram na década 60.

Aqui claramente pode-se perceber de que a modernidade é um retorno contínuo das formas e modelos do passado que anteriormente eram modernos e depois passaram e ou foram ultrapassados, recusados e esquecidas; continuando no memorial, hoje são convocados e recriados para constituírem parte do modelo.

O outro exemplo que nos faz entender que a modernidade é um retorno ao tradicional é o meio ambiente; no passado era cem por cento natural, mas com o desenvolvimento cultural (científico e tecnológico) o homem passou a fazer múltiplas intervenções e como consequência disso o meio ambiente está perdendo a sua pureza natural. Hoje há apelos vindos de todos cantos do mundo sobre acções de conservação do meio ambiente.

De facto se os ideais do passado e ou da tradição deixassem de serem tradicionais ou por outra, se fossem completamente substituídos pelos novos, deixaria também de ter sentido a afirmação da modernidade, na medida em que este se define como retorno, interpretação da tradição.

Habermas (2004) constatou que a modernidade está a entrar em crise porque ao longo dos três últimos séculos, os ideais de emancipação foram sendo cada vez mais esquecidos, acabando por se substituir a postura moderna da experiência por modelos de modernização para os quais como dizia Martin Heidegger virou o mundo natural. Esta viragem está claramente associada às perturbações letais que os processos de modernização acabaram por provocar sobre o meio ambiente (cfr. HEIDEGGER, 1990: 56 e 57).

Concordo plenamente com Habermas porque de facto, não há, a rigor, modernidade que não seja alimentada e oxigenada pela tradição. Portanto, sem tradição, sem a raiz e o regional, a modernidade não é nada. A modernidade precisa de recriar a tradição.

Mesmo Max Weber constatou que na tradição a moral era em função de uma cosmovisão específica - ligada a religião. Mas na modernidade a moral passou a ser laica, sem precisar da religião para se compor moralmente. A arte deixou de ser uma referência à religião e ficou em função do belo, por isso Kant (1970) vê a arte como estando na ordem do desinteresse.

Alain Touraine (2002) também constata que a ideia da modernidade substitui Deus no centro da sociedade pela ciência, deixando portanto as crenças religiosas para a vida privada e até fora de todo sistema vital do homem. Para este autor não basta que estejam presentes as aplicações da ciência para que se considere uma sociedade como moderna. É necessário sim que na ciência esteja presente uma moral vindo da religião; é preciso sim que na política exista também uma moral.

De facto hoje vemos que a ciência impõe a destruição dos laços sociais, dos sentimentos, dos costumes e das crenças do passado. Mais do que isso a ciência, categoria da modernidade europeia destrói o sentido da vida do homem da modernidade. Este tipo de modernidade dissocia-se completamente com a tradição.

Mas a modernidade vista na perspectiva africana não se dissocia com a tradição porque a tradição é fonte de inspiração do presente. Portanto tudo o que é passado é um valor a conservar e a respeitar. É por isso que em África mesmo os antepassados são uma fonte muito forte de inspiração e modelo vivencial.

Para aqueles que lutam para que os valores sejam autónomos esquecem-se que na modernidade a perca de sentido da vida é porque não se verifica a unidade dos valores na vida dos homens. Não havendo sentido na vida dos homens então a modernidade está a falhar; ela não está a cumprir com os propósitos pelos quais surgiu. Na verdade qualquer homem está sentindo a perca de sentido da vida na modernidade por causa de não existência de ligação com a tradição.

Se a tradição é concebida como uma realidade que sempre foi e algo memorial que pertence ao passado e a modernidade é considerada como presente que está em percurso e que está caracterizando o presente então no meu entender a modernidade deveria ser concebida como um resgate ou remodelação da tradição.

Conclusão

A relação de conexão entre a modernidade e a tradição dá sentido a vida do homem da modernidade fora disso a modernidade ficará para a história e irá se transformar em tradição.

A modernidade deixa de ser modernidade quando não faz referencia ao passado e a tradição; quando deixa tudo para trás, quando declara descontinuidade com a tradição. A modernidade se completa quando os seus valores são fruto da recriação dos valores da tradição.

A relação de continuidade entre a tradição e a modernidade se efectivará quando a modernidade continuar a conectar-se com a tradição como sua fonte de inspiração e até certo ponto de sobrevivência.

Bibliografia

BORNHEIM, G. O conceito de tradição, Zahar, Rio de Janeiro, 1987

HEIDEGGER, M; As questões da Técnica. in Ensaios e Conferencias, S. Paulo, 1990

HABERMAS, J; Discurso Filosófico da modernidade, Zahar, Rio de Janeiro, 2004

KANT, E. Estética, Vozes, Rio de Janeiro, 1970

RICOUER, P; O conflito das interpretações: Ensaios de Hermenêutica, Rio de Janeiro, Imago Editora, 1978

TOURAINE, A;



[1] Calças bem apertadas.