TRABALHO INFANTIL: LEGITIMAÇÃO COMO QUESTÃO SOCIAL, LEIS E POLÍTICAS DE PROTEÇÃO[1]

 

Aline Leite de Figueiredo[2]

Almera Dias dos Santos2

Manoel Araujo Roque2

 

RESUMO: Este artigo tem por objetivo traçar uma linha do tempo sobre o trabalho infantil, destacando como o mesmo era visto antes de ser legitimado enquanto “questão social” e como vem sendo tratado nos dias atuais. Perpassando pelas lutas em torno dessa temática, que resultaram na criação da Constituição Federal, que trouxe consigo o ECA, legitimando os direitos e criando políticas de promoção e defesa dos direitos da criança e do adolescente. Abordando também o papel do Estado e do Assistente Social frente a esta problemática, destacando os meios utilizados pelos mesmos visando erradicar este tipo de trabalho. E encerrando com as considerações finais acerca deste tipo de trabalho.

Palavras-chave: Trabalho Infantil. Questão Social. Políticas de Proteção à Criança e Adolescentes. Assistente Social.

 

1 INTRODUÇÃO

Trabalho infantil é um fenômeno social presente na história de muitos países. No Brasil, é qualquer trabalho exercido por criança e adolescente com menos de 16 anos, exceto na condição de aprendiz (a partir de 14 anos).

Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD de 1999 – e do IBGE demonstram que, naquele ano, três milhões de crianças entre 5 e 14 anos estavam trabalhando, o que representa 9% da população nesta faixa etária. No entanto, estes dados estavam subestimados porque não incluem o norte rural (Tocantins), onde existe um alto percentual de trabalho infantil. Pela Constituição Brasileira de 1988, a idade mínima para admissão no trabalho era de 14 anos. Em dezembro de 1998 foi aprovada uma emenda que estabelece como sendo 16 anos a idade mínima para trabalhar.

Esta situação ainda constitui em nosso país um grande problema social. Milhares de crianças ainda deixam de ir à escola para que a família tenha uma renda complementar. Atualmente, 4,8 milhões de crianças de adolescentes entre 5 e 17 anos estão trabalhando no Brasil, segundo PNAD 2007. Desse total, 1,2 milhão estão na faixa entre 5 e 13 anos, apesar de no país ser considerado ilegal. Estes dados estatísticos revelam que no Brasil, assim como em diversos outros países do mundo, por diferentes razões (concentração de renda nas mãos de poucos e a pobreza e necessidade de complementar a renda familiar é o mais importante e frequente fator), ainda existe um número absoluto de crianças e adolescentes que trabalham em condições ilegais (sem respeito à condição de aprendiz ou às condições de proteção definidas em lei) (BRASIL, 2011).

O objetivo deste trabalho é fazer uma linha do tempo sobre o trabalho infantil, destacando o seu surgimento, sua legitimação enquanto “questão social”, o processo de criação e execução de leis e políticas de proteção do Estado contra esse tipo de trabalho.

2 LUTAS E MOVIMENTOS CONTRA O TRABALHO INFANTIL

Movimentos sociais e participação popular sempre remetem as problemáticas oriundas da sociedade capitalista. Nas relações antagônicas entre capital/trabalho. Os movimentos sociais, a participação popular, as greves e as reivindicações são formas de expressar lutas por melhorias nas condições de existência.

No Brasil, os movimentos operários foram influenciados por imigrantes europeus, que substituíram a mão-de-obra escrava antes existente. Na luta pela emancipação, a classe operaria começou a se organizar com o surgimento de sindicatos, por volta dos primeiros anos do século XX.

Dentre os pedidos de melhoria estavam melhores salários, redução da jornada de trabalho, regulamentação do trabalho feminino e erradicação do trabalho infantil. Pós Regime Militar, modelo de desenvolvimento excludente, ocorreram vários movimentos sociais, que tinham como principal objetivo, o atendimento das necessidades mínimas de sobrevivência. Surgiram movimentos por: creches, habitação, postos de saúde, dentre outros.

A relevância dos movimentos sociais foi notável nos anos 80, dentre eles as “Diretas Já” e a Constituinte de 1988. Estes movimentos também trouxeram avanços com relação à cidadania. Ainda neste período se criam novos movimentos sociais, mais centrados em questões éticas e de valorização a vida. Com vários escândalos políticos e corrupção, a população se volta no plano da moral e questões sociais referentes à problemática da idade, fazendo emergir movimentos, dentre eles, Movimento Nacional dos Meninos de Rua (MNMMR).

A sensibilidade e o experimento do MNMMR refletiu em todo o Brasil, de forma a aproximar educadores a crianças e adolescentes que viviam na situação de rua. Verifica-se também a necessidade de proteção também daquelas crianças, que, não estando em situação de rua, não há garantia de vida digna e saudável.  A importância de trabalhar com essas crianças e adolescente teve de ser crucial, para que aos poucos, os resultados positivos destes movimentos, se firmassem no primeiro passo para a elaboração da legislação mais inovadora do Brasil, neste campo.

Desta forma, com o interesse dos educadores e da sociedade civil em elaborar fundamentos de proteção a criança e ao adolescente e um patamar mais humano na garantia de direitos e também com a criação da Constituição Federal de 1988, surgiram grandes conquistas no cenário político brasileiro, dentre as quais pode-se destacar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), cuja redação contou com a coparticipação de alguns juristas consultores do Fundo das Nações Unidas para Infância (Unicef) e de vários movimentos engajados em prol da garantia dos direitos infanto-juvenis.

Crianças e adolescentes tiveram seus direitos violados durante muito tempo. Somente com a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente que meninos e meninas passaram a ser vistos como cidadãos.

O trabalho infantil passou a ser visto como uma questão social e com sua legitimação, o Estado passa a criar politicas de proteção para equacionar esta questão, ou seja, o Estado passa a ter responsabilidade de intervir neste problema social.

Nos anos 90, adentrando o século XXI, os movimentos sociais e a participação popular se reconfiguraram com a entrada da globalização, inclusive por Organizações-não-governamentais (ONG’s), e se apresentam como nova forma de aferro, ou seja, o Estado transfere para população parte de sua responsabilidade. Desta forma, cidadãos se organizam na defesa de direitos, com objetivo de reconstrução da vida social, ceifada pela ausência do poder Estatal frente aos problemas trazidos pela sociedade capitalista.

As mudanças sociais oriundas da globalização, pós década de 90, anulam tanto importantes conquistas da classe operária, como também alguns direitos das crianças e adolescentes, mas os movimentos sociais e a participação popular continuam sendo espaços de luta por uma sociedade mais justa e igualitária, na tentativa de tirar a cidadania do discurso e a colocá-la em prática, através de conquistas e da consolidação de direitos.

3 TRABALHO INFANTIL COMO EXPRESSÃO DA QUESTÃO SOCIAL

A questão do trabalho infantil surgiu, internacionalmente, no final dos anos 80 a partir do advento da Declaração Universal dos Direitos da Criança (1989), mas ganhou realmente relevância com a exploração do trabalho infantil para baratear a mão de obra em fábrica de produtos de exportação (SILVEIRA, 2000).

Até a década de 80, a sociedade brasileira considerava fator positivo o trabalho de crianças, principalmente as que viviam em situação de pobreza, por se tratar de mão de obra barata e porque complementava a renda familiar. Mas, as organizações de trabalhadores começaram a colocar em pauta a questão da exploração do trabalho infantil (BRASIL, 2011).

De acordo com Silveira (2000), esta questão começa a ter maior evidência com as demandas sociais pós-regime militar que culminou com o artigo 227 da Constituição de 1988, que garante os direitos da criança e os deveres do Estado, da sociedade e da família para com esta. Mas foi somente nos anos 90, que a erradicação do trabalho infantil surgiu como uma meta do Estado, diluída em agendas das políticas sociais do Brasil através de temas como “o menor abandonado”, “meninas e meninos de ruas”.

Posteriormente a questão do trabalho infantil finalmente obteve pauta governamental, devido a pressões exercidas pela comunidade mundial e por organizações de defesa dos direitos da infância. Foram publicados livros e revistas; organizaram-se seminários, congressos, debates, fóruns; lançaram-se campanhas de divulgação e de denúncia; programaram-se cursos de capacitação e conscientização de atores sociais sobre o problema. E, ainda, foram constituídas diversas instâncias interinstitucionais voltados à erradicação do trabalho infantil, tanto no âmbito federal como no estadual e no municipal, além de serem promulgadas novas leis, ratificadas em convenções internacionais, que implementaram novas políticas públicas (BRASIL, 2011).

Com a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990, são estabelecidos finalmente os direitos e diretrizes para a política de atendimento à criança e adolescente. E, em 1992, foi implantado no Brasil o Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil (IPEC), da Organização Internacional do Trabalho. A partir daí o trabalho infantil passou a ser considerado como questão social, e contou com empenho de todas as instituições (governamentais e não-governamentais, entidades civis e setor privado) no sentido de erradicar esta questão, consolidando-se definitivamente esta vocação da sociedade brasileira. No primeiro momento, as estratégias de abordagem a esta população estavam centrada em programas de geração de renda (meados dos anos 90), tornando-se em seguida em ações específicas para eliminação do trabalho infantil e proteção do trabalho do adolescente (SILVEIRA, 2000).

Atualmente, o Brasil conta com a segunda edição do Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador (2011-2015), um instrumento para busca pelas metas de eliminar as piores formas de trabalho infantil até 2015 e de erradicar a totalidade do trabalho infantil até 2020. A finalidade deste plano é coordenar as intervenções realizadas por diversos atores sociais e introduzir novas ações, direcionadas a assegurar a prevenção e eliminação do trabalho infantil e proteção ao adolescente trabalhador, criando condições para que estes sejam retirados do trabalho e sejam garantidos todos os seus direitos.

4 CRIAÇÃO DE LEIS DE PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE

Até o inicio do século XX, não há registros sobre políticas públicas desenvolvidas pelo Estado, a população carente desta época recebia cuidados da Igreja Católica por meio de instituições, dentre elas a Santa Casa de Misericórdia, que até hoje resiste com suas ações assistencialistas. No Brasil a Santa Casa fora fundada em 1543, a mesma atendia doentes, órfãos e desprovidos financeiramente. No uso de sistemas de Rodas, esta instituição recebiam as crianças abandonadas e doações.

Essas Rodas eram cilindros ocos de madeira que giravam, desta forma, preservavam o anonimato das mães que deixavam seus filhos, motivadas por dificuldades financeiras, problemas de saúde ou até mesmo na condição de não se assumir publicamente na condição de mãe solteira. Este sistema seria proibido somente em 1927, com o Código de Menores.

No ano de 1854, verifica-se a obrigatoriedade do ensino por lei para crianças, mas o mesmo não se aplicava aos filhos de escravos e aos que não tivessem sido vacinados, ou seja, a população menos favorecida que não tinha pleno acesso à saúde e que se encontrava economicamente carente, não dispunha também desses benefícios, já que não preenchiam os critérios necessários para obtenção dos mesmos.

Com relação ao trabalho infantil, houve um decreto em 1891 – Decreto nº 1.313 – onde estipulava idade mínima para trabalho de 12 anos, mas tal determinação não se fazia valer. Segundo Santos Minharro (2003), suas diretrizes jamais foram colocadas em prática, como também a Constituição da República de 1898, pois as indústrias nascentes e a agricultura contavam com a mão de obra infantil, pois já a observava como mão de obra barata.

Na época da República, inicio do século XX, no Brasil, influenciados por movimentos de lutas sociais que ocorriam no exterior, observava-se um surgimento de lutas sociais do proletariado e por trabalhadores urbanos. Nessas lutas organizam o Comitê de Defesa Proletária, nele se reivindicavam várias coisas, dentre elas a proibição do trabalho de menores de 14 anos e a abolição do trabalho noturno para menores de 18 anos.

Em 1923, fora criado o Juizado de Menores, tendo o Juiz Mello Mattos como o primeiro juiz de menores da América Latina. Já no ano de 1927, fora promulgado o Código de Menores, popularmente conhecido como Código Mello Mattos. O Código de Menores esteve suspenso por dois anos, alegando-se que cabiam aos pais à decisão do que era o melhor para seus filhos.

Para Veronese apud Nascimento (2003), com a criação do Código de Menores, se institucionalizou a obrigação estatal em assistir as crianças e adolescentes, que devido ao estado de carência de seus pais, tanto eram abandonadas, como também, fins corretivos, e que, portanto, era necessário o disciplinamento físico e moral dessas crianças provenientes de orfandade ou de famílias desestruturadas. Verifica-se que a situação irregular das crianças, era devido à ausência das famílias (órfãos) e da incompetência familiar (pequenos delinquentes), e não de fatores estruturais decorrentes das posturas adotadas pelo Estado. O Código de Menores atribui ao Estado à tutela destas crianças e adolescentes, tornando disponível os seus direitos ao pátrio poder.

O Código de Menores revestia ao juiz uma figura de grande poder, ou seja, ficando o destino de muitas crianças e adolescentes a mercê do julgamento e da ética de cada juiz. Ficava aberto que este Código estabelecia diretrizes no trato de excluídos, trabalho infantil, tutela e pátrio poder, delinquência e liberdade vigiada.

O Estado Novo (revolução de 30), em 1942, com seu caráter autoritário cria o Serviço de Assistência ao Menor (SAM), um órgão do ministério da justiça, que funcionava de forma equivalente a um sistema penitenciário e tinha sua orientação correcional-repressiva. O SAM era destinado ao atendimento tanto de adolescentes que fossem autores de atos infracionais, através de internatos, reformatórios e casas de correção, como também menores carentes abandonados, com escolas agrícolas e de aprendizagem de ofícios urbanos.

Foram criadas também entidades federais ligadas à figura da primeira dama, todas elas atravessavam as práticas assistencialistas. Dentre elas a LBA – Legião Brasileira de Assistência – foi intitulado originalmente de Legião de Caridade Darcy Vargas, atendendo crianças órfãs de guerra, mais tarde expandido seu atendimento. A Casa do Pequeno Jornaleiro, que era um programa de apoio a jovens, baseado no trabalho informal. A Casa do Pequeno Lavrador, que tinha como objetivo dispor aprendizagem rural a filhos de camponeses. A Casa do Pequeno trabalhador, programa que capacitava e encaminhava ao trabalho urbano. E a Casa das Meninas, destinado as jovens do sexo feminino com problemas de conduta.

Neste período, o presidente Vargas expediu o decreto nº 22.042, onde fixava em 14 anos a idade mínima para trabalho nas fábricas e também a determinava a obrigatoriedade de apresentar relação de trabalho com empregados adolescentes.

Em 1943, entra em vigor a CLT - Consolidação das Leis Trabalhistas - em seus artigos 402 a 441 contemplando normas especiais de tutela e proteção ao trabalho infanto-juvenil.

No Brasil houve uma grande evolução no Direito do trabalho, influenciado fortemente pelo modelo corporativo italiano, foi resultado não apenas de fatores políticos, mas também econômicos e legislativos, ou seja, uma proteção efetiva.

Em 1945 o Governo Vargas é deposto e uma nova constituição é promulgada em 1947, a quarta no país. Tinha caráter liberal e reestabeleceu à independência dos três poderes (executivo, legislativo e judiciário), a eleição direta, liberdade sindical e o direito à greve.

No Brasil foi instalado o primeiro escritório da UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a infância – em 1950, em João Pessoa, na Paraíba. Seu primeiro projeto destinou-se a proteção de crianças e gestantes em alguns estados do nordeste do país. Feito isso, o SAM passa a ser considerado desumano e conhecido como “universidade do crime”.

O Golpe Militar de 64 elabora uma nova Constituição em 1967. Este período foi pautado, para a área da infância, por dois documentos, a Lei que criou a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor - FUNABEM (Lei 4.513 de 1/12/1964) e o Código de Menores de 79 (Lei 6.697 de 10/10/1979).

A FUNABEM herda o prédio e os funcionários do SAM e se objetiva em formular e implantar a Política Nacional do Bem-Estar do Menor. Sugeria ser a grande instituição de assistência à infância e sua ação era a internação tanto dos abandonados e carentes quanto dos infratores.

Já o Código de Menores de 1979 constitui-se em uma revisão do Código de Menores de 27, mas não rompe com sua linha de arbitragem, assistencialismo e repressão.

Na área do estudo acadêmico, na década de 70, houve um interesse em estudar a população em situação de risco, especialmente a criança de rua e o chamado delinquente juvenil. Esse foi um momento de suma importância na história do trabalho infantil, já que traz para dentro dos muros acadêmicos esta problemática, apresentando-o como uma forma de colocar em discussão as políticas públicas e os direitos dos cidadãos.

 Na década de 80, ocorreu à abertura para a realidade democrática.  Promulga-se, em 1988, a Constituição Federal, conhecida como a Constituição Cidadã. Trazendo uma grande conquista para os movimentos sociais pela infância brasileira, estabelecendo idade mínima para o trabalho, o direito a criança de não trabalhar, ou seja, de não assumir encargos de sustento próprio e da família de forma precoce.

Entende-se que na infância é essencial a preservação de fatores que formarão o adulto de amanhã, o convívio com a família, o relacionamento com outras crianças, moldando o desenvolvimento psíquico, físico e valores, como também a necessidade de convívio com a comunidade e a formação escolar, dentre outras. Percebem-se então as bases para o estatuto.

A comissão para a elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – teve representantes de movimentos da sociedade civil, juristas e técnicos governamentais.

A promulgação do ECA (Lei 8.069/90) se deu em 13 de julho de 1990 e representou uma grande conquista para a sociedade, por se tratar de um documento de direito humanos que contemplam o que há de mais avançado em normativas internacionais em respeito aos direitos a população infanto-juvenil, ou seja, esta lei fortalece a relação jurídica das crianças e adolescentes com a família, a comunidade, a sociedade em geral e o Poder Público, imponto obrigações e direitos a cada um. O ECA surge como uma alteração e substituição do Código de Menores, marcado pela mudança da teoria irregular e discriminatória, onde a criança tinha a culpa de sua situação e a colocando-a como sujeito de direito.

No entanto, há um grande desafio para a efetiva e integral implementação do ECA, devido a mudanças no cenário legal. Os municípios e estados necessitam adaptarem-se a sua realidade, pois em sua grande maioria há tanto a inexistência de conselhos e fundos de investimentos para as políticas de proteção a criança e ao adolescente, quanto de uma articulação das redes locais de proteção integral.

Hoje, existem normas de proteção à criança e ao adolescente no Brasil, que se encontram na Constituição Federal de 1988, nas Leis de Trabalho e no Estatuto da criança e do Adolescente. Existem leis avançadas, o que falta é a fiscalização efetiva, real compromisso das autoridades, dos empresários, da família, da sociedade como um todo. Ou seja, é necessário dar à criança e ao adolescente a real importância dada pela Carta Magna e o ECA, o respeito.

5 O ESTADO E AS POLÍTICAS DE PROMOÇÃO E DEFESA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

As políticas de promoção e defesa dos direitos da criança e do adolescente visam garantir que pessoas menores de 16 anos não estejam inseridas no mercado de trabalho, e tão pouco realizando qualquer tipo de atividade remunerada, sendo que a exceção consiste em que a partir dos 14 e 15 anos o adolescente pode trabalhar na condição de aprendiz. Porém, o referido deve estar frequentando a escola e o horário de trabalho deve ser diferente do de estudo.

Estas políticas têm por objetivo impedir que os direitos da criança e do adolescente sejam violados, impedindo que os mesmos sejam retirados da escola para trabalhar. Qualquer tentativa ou exploração do trabalho infanto-juvenil deve ser comunicada ao Conselho Tutelar do município, ao Ministério do Trabalho e do Emprego, aos CRAS, dentre outras fontes.

Como exposto anteriormente, o trabalho infantil foi legitimado como “questão social” através de inúmeras lutas da classe trabalhadora frente ao Estado, exigindo que o mesmo consolidasse leis e direitos para a criança e o adolescente. Dentre as atitudes tomadas pelo Estado a partir destas pressões, pode-se destacar a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a Declaração Universal dos Direitos da Criança e os programas de transferência de renda (com destaque para o Bolsa Família).

5.1 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - ECA

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) dispõe de 267 artigos de Lei, que tem por finalidade a defesa dos direitos da criança e do adolescente. Nele está claramente implícito que qualquer forma de negligência, discriminação ou exploração dos mesmos deverão ser punidas na forma da lei, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

De acordo com os princípios do ECA, nenhuma criança ou adolescente poderá ser privado de seu direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.

Não é dever somente do Estado, zelar pela garantia do cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, mas sim de todos os cidadãos. Pois, todos devem prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos dos mesmos.

Neste estatuto também aparece de forma esclarecedora que os referidos têm direito a informação, cultura, lazer, esportes, diversões, espetáculos e produtos e serviços que respeitem sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Ou seja, os mesmos devem dispor de atividades que possam qualificá-los e prepará-los para o futuro.

O ECA ainda adverte que as medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados. E determina que o Conselho Tutelar é o órgão encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta Lei.

5.2 DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA.

A Declaração Universal dos Direitos da Criança é composta de 10 princípios que, assim como o ECA, tem por objetivo garantir a não violação dos direitos da criança garantindo que a mesma possa desfrutar de educação e estar livre de qualquer atividade de trabalho.

De acordo com essa declaração, a criança terá direito a especial proteção para o seu desenvolvimento físico, mental e social a serem estabelecidos em lei e por outros meios, de forma saudável e normal, assim como em condições de liberdade e dignidade.

A mesma também deverá ser protegida contra o abandono e a exploração no trabalho. Não se deverá permitir que a criança trabalhe antes de uma idade mínima adequada. Em caso algum será permitido que a criança dedique-se, ou a ela se imponha, qualquer ocupação ou emprego que possa prejudicar sua saúde ou sua educação.

5.3 ESTADO, TRABALHO INFANTIL E PROGRAMAS DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA.

Os programas de transferência de renda são estratégias do Estado utilizadas como forma de erradicação do trabalho infantil. Os mesmos auxiliam na renda familiar com o intuito de impedir que crianças e adolescentes sejam obrigados a trabalhar, sendo privados dos estudos e do lazer.

Os mesmos visam também além de erradicar o trabalho infanto-juvenil, garantir que os direitos destes não sejam violados, permitindo que eles possam desfrutar de total liberdade e dignidade e ainda que possam usufruir de atividades educativas e de lazer com o intuito de garantir-lhes melhores condições de vida e um futuro promissor.

Assim como o ECA e Declaração Universal dos Direitos da Criança, estes programas foram resultados de grande pressão da classe trabalhadora sobre o Estado, fazendo com que este legitimasse o trabalho infantil como uma expressão da “questão social” e obrigando-o a criar mecanismos de proteção contra este tipo de trabalho.

Entretanto, embora estes programas promovam em parte a garantia dos direitos da criança e do adolescente, os mesmos não resolvem esse problema por completo, pois ainda existem muitos casos de exploração dos direitos dos referidos tanto no Brasil, como no mundo.

6 ASSISTENTE SOCIAL E TRABALHO INFANTIL: ATUAÇÃO NO CREAS

A atuação do Assistente Social no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), tem por objetivo proteger as famílias e indivíduos em situação de risco pessoal ou social, por violação de direitos, orientando e acompanhando os mesmos.

Desta forma, dentro do CREAS o assistente social poderá desenvolver algumas medidas visando garantir que o trabalho infantil possa ser erradicado. Dentre estas medidas pode-se destacar o Serviço Especializado em Abordagem Social, que tem como finalidade assegurar trabalho social de abordagem e busca ativa que identifique, nos territórios, a incidência deste tipo de trabalho. Este serviço facilita o trabalho do assistente social, pois o mesmo torna a sua prática sistematizada.

Dentro do CREAS, o profissional após receber uma denúncia ou suspeita de trabalho infantil, deve notificar outros órgão de proteção dos direitos da criança e do adolescente , iniciando pelo Conselho Tutelar. Feito isso, inicia-se um trabalho de sensibilização, orientação e atendimento individualizado com a família e encaminha-se a criança ou adolescente para o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV).

Nesta instituição, o profissional de Serviço Social também poderá está impedindo o desenvolvimento deste tipo de trabalho através do acesso das famílias e indivíduos a direitos sócioassistenciais e à rede de proteção social, de mobilização para o exercício da cidadania, de articulação com os serviços de outras políticas públicas setoriais e de articulação interinstitucional com os demais órgãos do sistema de garantias de direitos. Ou seja, o mesmo também poderá está desenvolvendo ações juntamente com outras instituições que tenham por objetivo assegurar que esses direitos não sejam violados ou até mesmo intervir nos casos de violação.

O objetivo do profissional no CREAS em relação ao trabalho infantil é combate-lo e erradicá-lo, através de estratégias com a família, por meio de trabalhos educativos, além de acompanhamentos sistemáticos. Porém, o maior problema enfrentado pelos assistentes sociais nesta instituição é quando as famílias não  respondem as intervenções sociais e os encaminhamentos propostos ou quando não há a mobilização de toda a rede sócioassistencial.

 Portanto, para que o assistente social no CREAS tenha um trabalho que realmente possa ser eficaz no combate ao trabalho infantil, é importante que exista uma relação entre esta entidade com a rede sócioassistencial, das demais políticas públicas e órgãos de defesa de direitos, ou seja, um trabalho em rede, pois isto pode qualificar mais o atendimento ofertado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com os resultados obtidos, podemos chegar a conclusão de que o trabalho infantil traduz hoje uma violação aos direitos humanos e a negação de princípios fundamentais da criança e do adolescente, de sua proteção e de seu desenvolvimento enquanto cidadãos. Desta forma, há a necessidade de que as famílias, juntamente com a sociedade civil, possam estar unindo-se para cobrar do Estado soluções e maior comprometimento para a erradicação deste tipo de trabalho.

As políticas de transferência de renda que são utilizadas pelo Estado como estratégia para solução deste problema, são focalistas, fragmentadas e seletivas, por isso somente amenizam alguns casos. Porém, é claramente perceptível que somente com políticas não será possível promover grandes mudanças nesse cenário, pois o melhor caminho seria o cumprimento e a efetivação das leis existentes.

Todavia, a que se admitir que atualmente existem leis avançadas, o que falta é a fiscalização efetiva, real compromisso das autoridades, cobrança por da família e da sociedade como um todo. Ou seja, é necessário que se mude essa realidade para dar à criança e ao adolescente a real importância dada pela Carta Magna e o ECA, o respeito de seus direitos.

Concluindo, a que se admitir que houve muitos avanços e conquistas ao longo da história, como a criação do ECA e da Constituição Federal, assim como também de políticas e leis de proteção à criança e ao adolescente, mas é necessário evoluir ainda muito mais. E o assistente social, enquanto profissional crítico e defensor dos direitos dos cidadãos, deverá mobilizar a classe menos favorecida de sua força e construir juntamente com a mesma um projeto de classe que prime pela efetivação dos direitos conquistados, com intuito de exigir que o Estado cumpra as suas responsabilidades  e não jogue-as nas costas da sociedade.

REFERÊNCIAS

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[1] Artigo apresentado à Faculdade Internacional do Delta – FID, como requisito parcial para aprovação na disciplina Capitalismo e Questão Social.

[2] Acadêmicos do 4° semestre do Curso de Bacharelado em Serviço.