A inauguração da escravidão no Brasil toma forma com a grande propriedade da monocultura, na década de 1530. Portugal contava com uma população razoável de habitantes na época e não seria sábio dispensar trabalhadores, pois mal podia arcar com essa perda de mão-de-obra para as expedições para o Oriente, que viviam o seu auge na época. E assim como para qualquer outro colono europeu, não era conveniente para o português migrar para outras regiões, principalmente longe da metrópole para ser um simples trabalhador do campo.

Para tornear a crescente pendência por força de trabalho, Portugal decidiu então designar como principal método o tráfico de escravos vindos diretamente da Costa Africana. Esta alternativa se tornava viável por dois motivos essenciais, sendo primeiramente o domínio que Portugal já possuía em regiões da África e por conseguinte, eram visíveis as probabilidades de lucro que a venda desses escravos poderiam trazer a economia da coroa portuguesa. Vendido, alugado, doado ou eliminado, sendo considerado “coisa”.

Para ser escravo Barros (2006, p. 50), não era necessário ser de outra raça: “a condição de escravo derivava do fato de nascer de mãe escrava, de ser prisioneiro de guerra, de condenação penal, de descumprimento de obrigações tributárias, de deserção do exército, entre outras razões.”

Este processo, no Brasil, se concretizou de forma rápida e eficaz, pois nem da parte da Coroa, nem da Igreja houve qualquer oposição quanto à escravização do negro.  Tal instituição era justificada por inúmeras teses, uma delas dizia que essa era uma entidade já existente na África, de modo que os cativos seriam transferidos para o mundo cristão, onde seriam bem-educados e teriam a ciência da verdadeira religião. Além disso, o negro era efetivamente avaliado como um ser racialmente inferior, já que Castro (2004, p. 387),

[...] pode o senhor alugar escravos, emprestá-los, vendê-los, doá-los, transmiti-los da sua propriedade o usufruto, exercer, enfim, todos os direitos legítimos de verdadeiro dono ou proprietário. Como propriedade, está ainda o escravo sujeito a ser seqüestrado, embargado ou arrestado, penhorado, depositado, arrematado, adjudicado, correndo sobre ele todos os termos sem atenção mais do que à propriedade no mesmo constituída por herança ou legado, constituí-los em penhor ou hipoteca, desmembrar.

Além disso, extraiu das escrituras sagradas as regras que um senhor de engenho cristão deveria seguir para governar os seus escravos (BENCI, 1977). Além desses argumentos, alegavam ainda que os africanos trazidos para o Brasil, eram aprisionados, tanto que de acordo com Brasil et al (2008, p. 17), “por meio da guerra justa, e o comércio dos que já haviam sido feitos cativos por povos rivais”, na África.

A escravidão no Brasil se concretizou de maneira ampla e visível por todo o mundo, trazendo por estes ângulos uma prova de longa permanência que marcou diversos aspectos da cultura e da sociedade brasileira. A partir de um processo de colonização monocultora e escravocrata, nasceu um país miscigenado com uma pluralidade étnica e cultural que só encontra similaridade na América Central.

A escravidão fez com que o trabalho fosse denominado como uma atividade rebaixada dentro da sociedade da época. O trabalho na lavoura era iniciado logo cedo e  perdurava até o entardecer, sendo alimentados com carne seca, farinha de mandioca e verduras, os cativos recebiam roupas simples que se assemelhavam a sacos de batata. Certas tradições da culinária dos dias atuais, são atribuidas a cultura escravocrata, como a feijoada. O trabalho braçal era visto como algo destinado ao negro.

Os escravos domésticos trabalhavam nas casas como cozinheiras, arrumadeiras e até mesmo amas de leite foram comuns naqueles tempos da colônia enquanto os escravos de ganho administravam pequenos comércios, praticavam artesanato ou prestavam pequenos serviços para seus senhores. Sob esta ótica, do modo com que se há com eles, depende tê-los bons ou maus para o serviço (ANTONIL, 2007).

Os comerciantes trocavam artigos tropicais produzidos nas colônias como Fumo e Aguardente, por negros que se encontravam distribuídos por toda a costa africana em feitorias devidamente preparadas para aprisioná-los até que um navio tumbeiro viesse buscá-los. O transporte era feito da África para o Brasil nos porões do navios negreiros. Aglomerados, em condições desumanas, muitos pereciam antes de chegar ao Brasil, sendo que os corpos eram atirados no mar, sem nenhuma consideração.

A viagem durava em média 45 dias,  e encaixados nos porões fétidos, os negros sofriam com as doenças que se alastravam com facilidade em razão do ambiente sujo e de aglomeração. No Brasil, os tumbeiros aportavam em Salvador na Bahia ou no Rio de Janeiro , principais centros escravistas da Colônia e os lotes de escravos eram comercializados como qualquer outra mercadoria, cujo preço era determinado por critérios físicos e sexo. Tal processo de comercialização é citado por Thomas em sua obra, afirmando que os escravos africanos:

É lamentável, em todo caso, a sorte desses negros. Eles sabem que são espoliados e isso deve tornar-lhes ainda mais amargos os espancamentos e outros maus tratos que sofrem. Também é preciso ter em mente que muitos negros deixam de trabalhar bem se não foram convenientemente espancados. E se desprezássemos a primeira iniqüidade a que os sujeitam, isto é, sua introdução e submissão forçada, teríamos de considerar em grande parte merecidos os castigos que lhes impõem os seus senhores.(THOMAS, 1951)

A taxa de mortalidade de escravos nessas viagens variava de 6% a 9%, quando vinham do Congo e Angola, e o dobro quando partiam de Moçambique. Nada que se possa comparar à mortandade de escravos na própria África. Ocorria ainda, 40% dos escravos capturados em Angola morriam durante a marcha forçada até o litoral e outros 10% a 20% morriam nos armazéns onde ficavam esperando para serem embarcados. Ou seja, mais da metade dos negros escravizados morriam em seu próprio país, nas mãos dos seus pares (MILLER, 1981).

Além disto, eram impedidos de perpetrarem sua religião de origem africana ou de realizar suas festas e rituais trazidos de sua terra. Tinham que seguir a religião católica, imposta pelos senhores de engenho, adotar a língua portuguesa na comunicação. Nas fazendas os escravos trabalhavam em todas as etapas de produção do açúcar, as senzalas abrigavam os “Negros de Fora”, aqueles utilizados na grande lavoura, os “Escravos de dentro” eram o de Melhor aparência física e boa dentição utilizados como empregos na Casa grande do senhor de engenho. Os escravos eram os responsáveis pela execução de todos os trabalhos que levantavam a economia do Brasil, sendo que de acordo com os jesuítas, sem os escravos não era, de acordo com Antonil (2007, p. 97), “[...] possível fazer, conservar e aumentar fazenda, nem ter engenho corrente.”

Os escravos no Brasil, além de todo trabalho realizado, sofriam de inúmeras formas de agressão física, ou seja, os castigos eram dados das mais diversas formas. Protegidos por uma brutal legislação negra que permitia castigos, penas e maus tratos ao escravo, os fazendeiros e donos de engenho abusavam do direito de maltratar o negro.

Punir o escravo que houvesse cometido uma falta, não só era um direito, mas uma obrigação do senhor. Isso era reconhecido pelos próprios escravos, mas não quer dizer que os castigos eram aceitos, ou seja, por intermédio dos castigos, caberia a tarefa de educar seus cativos para o trabalho e para a sociedade (LARA, 1988).

Observa-se que nas fazendas o progresso era muito mais lento do que nas cidades. Nas cidades, as punições de açoites eram feitas publicamente, nos pelourinhos. Eram colunas de pedra, velha tradição romana, que se erguiam em praça pública (COSTA, 1998).

Estas colunas, na parte superior tinham pontas recurvadas de ferro, onde se prendiam os condenados à forca. Mas o pelourinho tinha outros usos, além do da forca. Nele, eram amarrados os infelizes escravos condenados à pena dos açoites. O espetáculo era anunciado publicamente pelos rufos do tambor e a grande multidão reunia-se na praça do pelourinho para assistir ao castigo do carrasco abater-se sobre o corpo do próprio escravo condenado, que ali ficava exposto á execração pública.

Em alguns engenhos e fazendas, as crueldades de senhores de engenho e feitores atingiram extremos incríveis: novenas e trezenas de matar, esfaqueamento do corpo, seguido de salmoura, amputação de seios, marcas de ferro em brasa, castração, fraturas dos dentes a marteladas, estupros de negras escravas, mutilações, etc.

A conta é infindável tendo processos verdadeiramente chineses, como os das urtigas, os dos insectose e o da roda d’água. A peia era quase sempre numa só perna e prendia-se ao nível do tornozelo, pois seu peso impedia que o escravo corresse, ou andasse depressa, dificultando assim a sua fuga.

Os anjinhos eram instrumentos de suplício que prendiam os dedos polegares da vítima em dois anéis que comprimiam gradualmente por intermédio de uma pequena chave ou parafuso (NEVES, 1996).

Era um suplício horrível que os senhores usavam quando queriam obter à força a confissão do escravo, incriminado de uma falta. A máscara era usada para o escravo que furtava cana, ou rapadura, ou que comia terra. Era uma máscara de folha de flandres, que tomava todo o rosto contendo apenas alguns orifícios permitiam a respiração. O escravo com a máscara não podia comer nem beber, sem permissão, e ficava neste suplício muitas vezes dias inteiros, este objeto também servia para indicar o negro ladrão e fugitivo.

Os critérios de avaliação das penas e de aplicação dos castigos ficavam quase sempre ao arbítrio do senhor, mas sua execução dependia da índole dos feitores e estes, não raro, se excediam ao aplicá-los.Como espetáculo, o castigo fazia parte de um ritual e era um elemento de liturgia punitiva que deixava a vítima infame de si e ostentava a todos o triunfo do poder senhorial visando simbolizar, no momento de sua execução, a lembrança da natureza do crime estabelecendo entre o suplício e o crime relações decifráveis, na certeza de anular o crime junto com o culpado (FOUCALT, 1987).

Os cativos aprendiam a conhecer cada um dos castigos e dos objetos, destinados a suplicá-los, desde a mais tenra idade como também saber que qualquer falta cometida, seriam castigados por tais instrumentos (NEVES, 1996).

No período da escravidão no Brasil, costumava-se dizer que para o escravo são necessários três "P", a saber, pau, pão e pano. E posto que comecem mal, principiando pelo castigo que é o pau, contudo, proverá a Deus que tão abundante fosse o comer e o vestir como muitas vezes é o castigo, dado a qualquer causa pouco provada ou levantada e com instrumentos de muito rigor, ainda quando os crimes são certos de que se não usa nem com os brutos animais, fazendo algum senhor mais caso de um cavalo que meia dúzia de escravos (NEVES, 1996).

Trazendo essa questão do castigo para a época moderna, na qual estamos inseridos pode-se salientar que através dos tempos foi ocorrendo uma aprimoração de castigos dados pela elite sobre o outro. Ou seja, a violência acompanha cada momento temporal do Estado Moderno, mesmo este sendo tão coberto de várias leis e direitos. Inalterável com um tom de exploração de trabalho, com fins justos e corretivos podendo-se obervar que essa ocorrência se dá por uma reafirmação senhorial de dominação, para que se repetisse uma relação de exploração direta do trabalho.

Referências

GABRIEL SOARES DE SOUSA, Tratado descritivo do Brasil em 1587.Fundação Joaquim Nabuco, 2000

ARRUDA, José Jobson de A. e PILETTI, Nelson. Toda a História. 4 ed. São Paulo: Ática, 1996 A INAUGURAÇÃO DA ESCRAVIDAO

NEVES, Maria de Fátima Rodrigues das. Documentos sobre a escravidão no Brasil. São Paulo: Contexto, 1996

BARROS, Alice Monteiro. Curso de direito do Trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 2009, p. 54.

. FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder, 3 ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1982.   Vigiar e punir: nascimento da prisão. 22 ed. Petrópolis: Vozes, 1987

 LARA, Silvia Hunold. "O Castigo Exemplar" em Campos da Violência. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988

ANTONIL, André João.  Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas. Introdução e notas de Andrée Mansuy Diniz Silva. São Paulo: USP, 2007.

MILLER, Joseph. Mortality in the Atlantic Slave Trade, 1981. 

Thomas. Memórias de um Colono no Brasil. 2ª Ed. São Paulo: Livraria Martins Ed., 1951.