Introdução

O presente trabalho tem como o objetivo de exteriorizar tudo aquilo que me foi contato quando criança, histórias sobre exploração de mão de obra, privação de liberdade, jornadas exaustivas, servidão por dívidas, vivenciadas por no Brasil e no Mundo, que apesar da abolição do trabalho escravo, nos dias atuais se faz presente no cotidiano de milhares de pessoas, camuflada por um sistema complexo que visa o lucro fácil utilizando a vida descartável de pessoas vulneráveis que acreditam nas promessas e condições ideais de trabalho feitas por aliciadores.

1.Conceito de Trabalho Escravo Contemporâneo

Os elementos que caracterizam o trabalho escravo são um conjunto: condições degradantes de trabalho, jornadas exaustivas, trabalho forçado e servidão por dívida, elementos que deixam o trabalhador em situações de total exclusão social, ou seja, quando um trabalhador recebe salário abaixo do piso salarial ou do mercado, não se enquadra no trabalho escravo, até mesmo estar trabalhar em condições precárias não pode ser considerado por irregularidades, pois são coisas diferentes de trabalho escravo. 

As condições degradantes de trabalho, são aquelas em tiram a dignidade do trabalhador e esta, abrange vários valores existentes na sociedade, Immanuel Kant defendia que as pessoas deveriam ser tratadas como um fim em si mesmas e, não como um meio (objetos)[1]desta forma, tudo tem um preço, tudo tem uma dignidade, quando uma coisa tem um preço, ela pode ser substituída por algo equivalente, mas se a coisa está acima de todo preço e não se admite qualquer equivalência, compreende então uma dignidade.

Sendo assim, cumpre ao Estado e a toda comunidade respeitar o vinculo entre a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais, já que estão intrinsecamente ligados, onde um não pode ser violado, sem a imediata violação do outro.

A jornada exaustiva está caracterizada pelo impedimento do trabalhador de se recuperar fisicamente durante as horas de descanso e também de tempo livre para se constituir como pessoa, conviver com a sociedade, ou seja, tempo para dispor como desejar. Segundo o juiz José Antônio Ribeiro[2]:

"(...) a jornada de trabalho exaustiva nem sempre é ditada pelo aumento do número de horas trabalhadas. Se há aumento da ritimicidade e da produtividade, há também aumento indireto da jornada de trabalho."

Percebe-se que a jornada exaustiva não está apenas ligada a quantidade de horas trabalhadas, mas também a produtividade durante o período trabalhado, as condições de trabalho que assumem importância significativa no desempenho de funções e interferem diretamente no fazer do trabalhador, contribuindo para seu desgaste físico e emocional do trabalhador, ocasionando o esgotamento pessoal.

Temos outra característica do trabalho forçado, na qual através da coerção se manter o trabalhador no serviço e, para o qual não se tenha oferecido espontaneamente, mediante a fraude, falsas promessas, isolamento geográfico ou até mesmo através da coação e violências físicas e psicológicas, utiliza-se a imposição de penalidade caso o trabalho não seja realizado.

A servidão por dívida é última característica, pois através da pratica abusiva de recrutamento, leva o trabalhador a estar ligado ao empregador por dividas contraídas na subsistência do próprio trabalhador, que acaba permanecendo nas dependências de onde trabalhar, não tendo a possibilidade de sair para realizar as atividades costumeiras como comprar comida, vestuário, produtos de higiene pessoal e, inocentemente acaba adquirindo do próprio empregador, que aproveita do trabalhador para cobrar acima do mercado pelas mercadorias obrigando ao empregado a se endividar e assim lucrar com juros exorbitantes e inexplicáveis, tornando-se um ciclo vicioso de dívidas propositalmente para que o empregado não tenha possibilidade de se desvincular do empregador caso queria, detendo seus salários ou seus documentos obrigando-os a ficar no trabalho.

Assim, diante desse conjunto de condições degradantes é que se caracteriza o trabalho escravo, ou seja, ganhar pouco, abaixo do piso salarial ou mesmo estar em condições precárias de trabalho são coisas diferentes de trabalho escravo. Trabalho escravo é um crime e uma violação dos direitos humanos fundamentais. 

Jairo Lins de Albuquerque Sento-Sé[3] define o Trabalho escravo contemporâneo como:

“aquele em que o empregador sujeita o empregado a condições de trabalho degradantes, inclusive quanto ao meio ambiente em que irá realizar a sua atividade laboral, submetendo-o, em geral, a constrangimento físico e moral, que vai desde a deformação do seu consentimento ao celebrar o vínculo empregatício, passando pela proibição imposta ao obreiro de resilir o vínculo quando bem entender, tudo motivado pelo interesse mesquinho de ampliar os lucros à custa da exploração do trabalhador.”

1.1.         Trabalho forçado para Organização Internacional do Trabalho (OIT)

Para a OIT, na convenção nº 29 conceitua o trabalho forçado em seu artigo 2º “1.compreenderá todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente”.

Após a Convenção nº 29, que defina o trabalho forçado, para fins de direito internacional, houve a edição de outro instrumento fundamental da OIT, sobre a abolição do trabalho forçado, a Convenção nº 105, de 1957, que definiu o trabalho forçado para jamais poder ser utilizado para fins de desenvolvimento econômico ou como forma de educação política, meio de discriminação, técnica de aprendizado ou disciplina através do trabalho ou meio para punição por participar de greves sindicais. Essa Convenção enumerou no artigo 1ª certas situações que não havia na nº 29, jamais podem ser aplicadas utilizando o trabalho forçado:

Art. 1º Todo País-membro da Organização Internacional do Trabalho que ratificar esta Convenção compromete-se a abolir toda forma de trabalho forçado ou obrigatório e dele não fazer uso:

a) como medida de coerção ou de educação política ou como punição por ter ou expressar opiniões políticas ou pontos de vista ideologicamente opostos ao sistema político, social e econômico vigente;

b) como método de mobilização e de utilização da mão-de-obra para fins de desenvolvimento econômico;

c) como meio de disciplinar a mão-de-obra;

d) como punição por participação em greves;

e) como medida de discriminação racial, social, nacional ou religiosa.

Diversos países equiparavam o trabalho forçado a trabalhos em que o trabalhador recebia baixos salários ou más condições de trabalho, por isso as Convenções são fundamentais, pois trazem as situações em que representam a gravidade do trabalho forçado, o qual não é baseado em situações de mera necessidade econômica, onde se tem um trabalhador sem condições de deixar ou arrumar um trabalho devido à escassez ou falta de alternativas de emprego.

Trabalho forçado representa a gravíssima violação de direitos fundamentais, a restrição da liberdade humana, destrói a dignidade e o valor da pessoa humana. Conforme definido nas convenções da OIT, que tem como o ideal comum a atingir por todos os povos e nações, sobre a matéria e em outros instrumentos internacionais, a Convenção sobre a escravidão de 1926[1], que em seu artigo 1º dispõe sobre servidão por dívida ou condição servil:

§1. A servidão por dívidas, isto é, o estado ou a condição resultante do fato de que um devedor se haja comprometido a fornecer, em garantia de uma dívida, seus serviços pessoais ou os de alguém sobre o qual tenha autoridade, se o valor desses serviços não for equitativamente avaliado no ato da liquidação da dívida ou se a duração desses serviços não for limitada nem sua natureza definida.

2. A servidão, isto é, a condição de qualquer um que seja obrigado pela lei, pelo costume ou por um acordo, a viver e trabalhar numa terra pertencente à outra pessoa e a fornecer a essa outra pessoa, contra remuneração ou gratuitamente, determinados serviços, sem poder mudar sua condição.

Sendo assim, a definição de trabalho forçado que a OIT entende, tem dois elementos pilares: trabalho ou serviço imposto sob a ameaça de punição e aquele executado involuntariamente. A punição não significa ter sanções penais, mas pode representar a perda de direitos e privilégios que só a pessoa humana possui.
 

  A situação de trabalho forçado é determinada pela natureza da relação entre uma pessoa e um empregador e, não pelo tipo de atividade desenvolvida pelo trabalhador ou empregador, sendo que pode estar presente em algumas atividades econômicas ou industriais que se prestam a práticas abusivas de contratação e emprego, por mais duras ou perigosas que possam ser as condições de trabalho. Não é a legalidade ou ilegalidade da atividade, segundo leis nacionais, que determina se o trabalho é ou não forçado, mas sim a natureza involuntária do trabalho e a ameaça sob a qual a pessoa trabalha.

Do mesmo modo, que se uma atividade não estiver regulamentada como uma categoria de trabalho, para ser uma “atividade econômica” e, haver pessoas sendo coagidas a exercer tal função não regulamentada, será considerado trabalho forçado, por exemplo, uma pessoa é forçada a praticar a mendicância, esta será considerada como executor de trabalho forçado. 

2. Trabalho Escravo e Tráfico de pessoas

Tendo em vista, que nos últimos anos temos apresentado dados preocupantes sobre o tráfico de pessoas e, que as situações e meios utilizados para realiza-lo se assemelham e principalmente andam juntos com o trabalho forçado, tem levado os Estados-membros signatários das Convenções da OIT, a atentar-se para a interpretação literal do conceito e definição de trabalho forçado em suas legislações penal e outras leis complementares.

É importante definir a diferença entre os crimes de traficar e contrabandear, pois algumas situações são acabam sendo mal interpretada por não saber a definição fundamental de tráfico de pessoas, ora de aceitação quase universal, pelo Protocolo sobre Tráfico, de 2000[1], em seu artigo 3º sobre definições, traz claramente a diferença:

a) A expressão "tráfico de pessoas" significa o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos;

b) O consentimento dado pela vítima de tráfico de pessoas tendo em vista qualquer tipo de exploração descrito na alínea a) do presente Artigo será considerado irrelevante se tiver sido utilizado qualquer um dos meios referidos na alínea a);

c) O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de uma criança para fins de exploração serão considerados "tráfico de pessoas" mesmo que não envolvam nenhum dos meios referidos da alínea a) do presente Artigo;

Embora a entrada em vigor do Protocolo sobre Tráfico, em dezembro de 2003, diversos Estados-Membros signatários, não previam em sua legislação o delito específico de trabalho forçado, mesmo com a ratificação de uma das Convenções a respeito, embora outros o tenham incluído em sua legislação trabalhista. O que vinha acontecendo eram leis redigidas em linhas gerais, não traziam as formas de identificação do trabalho forçado, autores privados do crime ou até mesmo deixava de se haver a sanção penal.

As primeiras medidas que foram tomadas contra o tráfico foram para melhorar a compreensão do que é trabalho forçado, quais as medidas que podem ser utilizadas na luta contra ele, ou seja, reprimir as práticas abusivas de contratação e de emprego, a que são vulneráveis aos trabalhadores migrantes, criminalizando o trabalho forçado, para poder proteger as vítimas de coerção abusiva, poder punir os culpados e, assim, cuidar das questões de estrutura para a criação de planos de prevenção e erradicação do trabalho forçado.

Numa pesquisa realizada em 2003, do Grupo de Especialistas sobre Tráfico de Pessoas[2], para dar suporte ao Protocolo contra o Tráfico de Pessoas, teve como resultado para erradicar o tráfico de pessoas se faz necessário:

“intervenções políticas deveriam centrar-se no trabalho e serviços forçados, inclusive serviços sexuais forçados, escravidão e consequências do tráfico análogas à escravidão – independentemente de como essas pessoas acabam nessas situações – em vez (ou além) dos mecanismos do próprio tráfico. Os estados deveriam criminalizar qualquer exploração de seres humanos em regime de trabalho forçado, escravidão ou condições análogas à escravidão, de acordo com os principais tratados em matéria de direitos humanos que proíbem esses abusos”.

Como pode notar o tráfico de pessoas somente existe por conta do trabalho forçado, mas nem todo trabalho forçado está diretamente ligado ao tráfico de pessoas, bem como, nem todas as práticas de trabalho forçado que tem como vítimas trabalhadores migrantes, são consequências do tráfico de pessoas.

2.2. Trabalho Forçado e Escravidão

Circunstâncias históricas sempre foram adotadas como fontes para a criação de legislações normativas, o mesmo aconteceu com as Convenções da OIT sobre trabalho forçado e sobre escravidão e práticas análogas à escravidão. A escravidão é uma forma do trabalho forçado. Na Convenção sobre a Escravidão, de 1926[3], em seu artigo 1º traz, “A escravidão é o estado ou condição de um indivíduo sobre o qual se exercem, total ou parcialmente, os atributos do direito de propriedade”. Certamente uma pessoa que encontra numa situação de escravidão será obrigada a trabalhar, mas não tem apenas este fator para definir a relação. Além, disso não há fator temporal e fixo, mas a permanência do status ser escravo.

A Convenção sobre a Escravidão, foi adotada numa época em que o trabalho forçado estava sendo imposto pelas potências coloniais, os Estados-Membros deveriam evitar que trabalho forçado gera-se condições análogas à escravidão  conforme disposto no artigo 5º da Convenção “tomar as medidas necessárias para evitar que o trabalho forçado ou obrigatório produza condições análogas à escravidão.” Mais tarde, conforme observado que os Estados-Membros deveriam erradicar totalmente a escravidão, a OIT proibiu na Convenção nº29 o trabalho forçado de forma geral e não mais o limitando a escravidão.

Conforme as mudanças foram acontecendo na sociedade e no mundo, diversos outros tipos de imposição do trabalho forçado foram criados, vide o trabalho forçado durante e após a 2ª Guerra Mundial, onde foram utilizados motivos ideológicos e políticos para justificar o trabalho forçado. Sendo assim, mais uma vez a OIT observou as mudanças ocorridas e adotou na Convenção nº 105, o foco principal no trabalho forçado imposto pelo Estado.

As “práticas análogas à escravidão” que vem ocorrendo no Mundo envolvem situações em que indivíduos ou grupos étnico-sociais são forçados a trabalhar para outros. Há pontos em convergência entre situações de trabalho forçado e práticas análogas à escravidão.  A servidão por dívida ou “escravidão por dívida” é um aspecto especialmente proeminente de situações contemporâneas de trabalho forçado no mundo.

2.3.         Trabalho Escravo contemporâneo no Mundo

O trabalho escravo no mundo tem muitas formas – algumas delas são impostas pelo Estado e, na forma imposta por militares, para participação compulsória em obras públicas, trabalho forçado em prisões. Para fins práticos, trabalho forçado imposto por grupos rebeldes é incluído também como imposta pelo Estado, mas a maioria está presente na economia privada, pode ser o resultado do tráfico de pessoas e migrações ilegais, um problema que está aumentando com o passar dos anos e que afeta todas as regiões do mundo, conectado com a pobreza, a desigualdade e a discriminação e incentivado pelo lucro gerado ao custo de trabalhadores vulneráveis, desprotegidos e desorganizados.  

Atualmente, indivíduos, agentes e empresas privadas, são os principais exploradores do trabalho escravo, o lucro e a impunidade são os fatores que contribuem para o crescimento da exploração de mão de obra, pois não é lucrativo para os exploradores cumprir as leis, assim, uma legislação inadequada e a falta de fiscalização significam que os responsáveis raramente são condenados ou punidos. Neste clima de impunidade, se torna fácil à exploração, a maioria do trabalho escravo encontra-se no local de origem dos trabalhadores.

Não há uma preferencia de sexo, ambos os sexos são forçados a trabalhar em diversos setores: agricultura, construção civil, mineração, fábricas têxtis, eletroeletrônicos e serviço doméstico, assim como no comércio de exploração sexual forçada (afetando quase que exclusivamente mulheres e meninas, mas este quadro está mudando, hoje há uma quantidade expressiva de homens e transexuais sendo explorados). As vitimas do trabalho escravo são originárias de uma classe de baixa renda e de grupos étnicos que estão sujeitos à discriminação e pela qualidade de vida extremamente baixa.

Em uma pesquisa desenvolvida por Kevin Bales[4] pelo menos há 27 milhões de homens, mulheres e crianças ao redor do mundo, que são vítimas do trabalho escravo. Cerca de 21 milhões são explorados por indivíduos ou empresas privadas, que trabalham para quitar dívidas e empréstimos, que podem ser repassados de uma geração para outra, 4 milhões de pessoas em trabalho forçado como um resultado de tráfico humano. Os 3 milhões restantes são obrigados a trabalhar pelo estado ou por grupos militantes rebeldes. Calcula-se que 40% a 50% de todo trabalho forçado sejam realizados por crianças menores de 18 anos. Mulheres e crianças contabilizam quase todo comércio sexual forçado e 56% da exploração econômica forçada. De 15 a 20 milhões de pessoas em condições de escravo concentrado na Índia, Paquistão, Bangladesh e Nepal, ou seja, é a maior concentração de trabalho, seguido pela América Latina e o Caribe (11%).

Em todo o mundo há escravos do trabalho que com o suor, construíram na base do sofrer diversos artefatos que a sociedade não imagina ser fruto dessa brutalidade, por exemplo, no Paquistão milhares de mulheres e crianças são exploradas na fabricação de sapatos ocidentais, na fabricação de tapetes persas. Na Índia são explorados na fabricação de tecidos delicados.

Recentemente foi noticia no mundo que em Qatar, localizado no Oriente Médio, que será país sede da Copa do Mundo de 2022, cerca de 4.000 operários das obras dos Estádios, hotéis e infraestrutura, recebem nada mais nada menos que 78 centavos de dólar (cerca de R$ 1,50) por hora trabalhada. Grande parte dos trabalhadores é do Nepal, Índia e Siri Lanka.

Foi noticiado que morre pelo menos um operário por dia nas obras para a Copa do Mundo de 2022, milhares enfrentam abusos por parte dos empregados, por exemplo, eles não conseguem deixar o país mesmo com as precárias condições de trabalho, os empregadores que mantêm os salários por vários meses e passaportes, tornando impossível para eles para sair e sendo negada água potável gratuita, além de morar em pequenos quartos, com temperatura de 50ºC e sem ar condicionado, muitos deles diante dessas atrocidades acabam falecendo, há em média uma morte por dia de operários.

 Dos 4.000 operários, de diversas nacionalidades, cerca de 30 nepaleses se refugiaram na embaixada do Nepal para escapar das brutais condições de seus empregos. Em depoimento[5], um dos operários nepalês disse "Gostaríamos de ir embora, mas a companhia não deixa", empregado no desenvolvimento da Lusail City, um projeto de US$ 45 bilhões, é a construção de uma nova cidade, que será uma das sedes da Copa do Mundo, o projeto inclui um estádio de 90 mil lugares para abrigar a final da Copa.

O Qatar é um dos países mais ricos do mundo explorando um dos mais pobres para deixar tudo pronto para a Copa do Mundo de 2022, o comitê organizador da Copa de 2022, alega que as obras das quais houve denuncia sobre trabalho escravo, não fazem parte diretamente das relacionadas ao Mundial, pois estas ainda não começaram. 

2.4.         Trabalho Escravo contemporâneo no Brasil

Mesmo após 125 anos da publicação da Lei Áurea (Lei nº 3.353, de 13 de maio de 1988), onde foi abolida formalmente a condição jurídica da escravatura no Brasil, temos a triste realidade de infra humanização em que o trabalhador tem o cerceamento de sua liberdade, seja ela pela locomoção, por dívidas ou pela vulnerabilidade da dignidade da pessoa humana.

O Procurador do Trabalho Ronaldo Lima dos Santos[6] exemplifica a existência do trabalho escravo contemporâneo no Brasil:

a) a constrição da vontade inicial do trabalhador em se oferecer à prestação de serviços, sendo, por isso, constrangido à prestação de trabalhos forçados sem sequer emitir sentimento volitivo neste sentido (geralmente esta situação ocorre com os filhos de trabalhadores sujeitos a trabalho escravo e seus familiares);

b) o aliciamento de trabalhadores em uma dada região com promessas de bom trabalho e salário em outras regiões, com a superveniente contração de dívidas de transportes, de equipamentos de trabalho, de moradia e alimentação, cujo pagamento se torna obrigatório e permanente, determinando a chamada escravidão por dívidas;

c) o trabalho efetuado sob ameaça de uma penalidade – como ameaças de morte com armas –, geralmente violadora da integridade física ou psicológica do empregador; modalidade que quase sempre segue a escravidão por dívidas;

d) a coação, pelos proprietários de oficinas de costuras em grandes centros urbanos – como São Paulo - de trabalhadores latinos pobres e sem perspectivas em seus países de origem – geralmente bolivianos e paraguaios -, que ingressam irregularmente no Brasil. Os empregadores apropriam-se coativamente de sua documentação e os ameaçam de expulsão do país, por meio de denúncias às autoridades competentes, Obstados de locomoverem-se para outras localidades, diante da sua situação irregular, os trabalhadores submetem-se às mais vis condições de trabalho e de moradia (coletiva).

Desde 1971 a partir da primeira denúncia pública[7], em que o trabalho escravo foi posto publicamente, pela Comissão Pastoral da Terra, que atua para a erradicação do trabalho escravo no Brasil, cerca de 50 mil trabalhadores foram libertados ao longo desses últimos anos de situações análogas à escravidão.  Entretanto, ainda há uma grande dificuldade na punição desses crimes. Luis Antônio Camargo[8], Procurador-Geral do Trabalho, em uma entrevista argumenta que:

“Não conseguimos eliminar esta situação. Nós reprimimos, nós avançamos, mas ainda temos dificuldade. Especialmente na esfera criminal, não temos o mesmo sucesso que na esfera cível trabalhista. Então, fica parecendo que há uma impunidade. Se você aliar essa lucratividade e [o fato de] os criminosos ficam impunes, parece que é interessante praticar esse crime”

A clandestinidade é a principal aliada do trabalho escravo no Brasil, pois o acesso e localização das sedes que possuem escravo são extremamente difíceis de encontrar, já que depende alguns fatores como denúncia e fiscalização, o combate, tendo em vista a falta de informação da sociedade e a indignação para ocorrer denúncias contra os exploradores de mão de obra.

Por ser considerado “o celeiro do mundo”, no brasil maioria da população não consegue associar o produto final agropecuários[9], in natura ou processados, com o trabalho escravo. Quem compra uma picanha, linguiça ou filé de frango no supermercado não imagina que, por trás do pacote bem embalado, existam histórias de milhares de trabalhadores que sofrem pelo trabalho degradante, adoecem e se lesionam gravemente todos os dias nas linhas de abate de bovinos, suínos e aves.

Os frigoríficos, que se beneficiam da compra e comercialização de bois criados em fazendas irregulares no Amazonas, Mato Grosso e Rondônia à custa de devastação florestal, trabalho escravo e violação de direitos indígenas, entre outras tantas violações de leis.

No setor da construção civil, diversas construtoras utilizam da falta de fiscalização nas obras, que em diversas vezes são construções públicas, objeto de licitações, para “contratar” trabalhadores de outros Estados que vem para as grandes cidades com a esperança de obter um emprego digno e melhor a qualidade de vida, o que não acontece, uma vez que estes recebem promessas ótimas de registro em carteiro, moradia e alimentação inclusos. Recebem salários reduzidos, moradia em condições degradantes e não possuem o mínimo de condições ideais para a subsistência.

Em meio a crescente melhora de qualidade de vida dos brasileiros nos últimos anos, diversos países noticiaram a respeito das mudanças de classe social ocorridas, com isso houve um aumento surpreendente de imigração para o país, de países mais emergentes que o Brasil, por exemplo, Bolívia e China.

 Mas, essa imigração em sua maioria esmagadora os imigrantes acabam ficando no Brasil de forma ilegal, sendo obrigados a se submeter ao trabalho em confecções de roupas ou trabalho em pastelarias, infelizmente, os imigrantes acreditam que mesmo sendo submetidos ao trabalho escravo eles cresceram na vida, pois em seu país de origem, viviam na miserabilidade e no Brasil possuem uma ilusória qualidade de vida superior e que escravos não eram, já que para eles escravo significava ser negro.

Conclusão

Conclui-se no presente trabalho, que para haver a erradicação do trabalho escravo no país, é necessário tratar como prioridade esta questão que está interligada em diversas atividades econômicas basilares de nosso país, já que é dever do Estado respeitar o vinculo entre a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais, que são brutalmente desrespeitados por aqueles que visam apenas o lucro a qualquer custo.

Estes empregadores devem sofrer sanções mais severas para que possam entender definitivamente que não se deve utilizar de mão de obra escrava para obter lucros. Visando essas sanções mais severas, a luta por erradicar o trabalho escravo se intensificou nos últimos anos, com mais fiscalizações realizadas pelo MPT e MTE, em conjunto com com o apoio da OIT. 



[1] Protocolo para Prevenir, Abolir e Punir o Tráfico de Pessoas, Especialmente de Mulheres e Crianças, que complementa a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional.

[2] Comissão Européia: Report of the Experts Group on Trafficking in Human Beings (Bruxelas, 22 de dezembro de 2004), p. 53.

[3] Convenção sobre Escravidão, da Liga das Nações, 1926.

[4] Bales, Kevin - Disposable People: New Slavery in the Global Economy, Updated with a New Preface, 2012, pag. 8, 9 e 10

[5] Trecho extraído da reportagem no jornal “The Guardian” Qatar World Cup Migrant workers dead de 25.09.2013.

[6] BRASIL. Ministério Público da União. Procuradoria Geral do Trabalho. Revista do Ministério Público do Trabalho. ed. especial. Trabalho escravo. ano XIII. n. 26. Brasília: LTr, 2003. p. 55.

[7] Casaldáliga ,Bispo Pedro -Carta Pastoral “Uma Igreja da Amazônia em Conflito com o Latifúndio e a Marginalização Social”

[8] Camargo, Luís Antônio procurador-geral do Trabalho, em entrevista ao programa Revista Brasil, da Rádio Nacional AM de Brasília em 28.01.2013

[9] Trecho extraído do documentário “Carne, osso (2011, 65 min.), dirigido por Caio Cavechini e Carlos Julinao Barros e realizado com apoio do Ministério Público do Trabalho (MPT) e Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). 



[1] Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura, do Tráfico de Escravos e das Instituições e Práticas Análogas à Escravatura, adotada em Genebra, a 7 de setembro de 1956. 



[1] KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes e Outros Escritos. Trad. Leopoldo Holzbach. São Paulo: Martin Claret, 2004, p. 58 e 64.

[2] Trecho de entrevista com Juiz do trabalho da TRT-2ª Região, José Antônio Ribeiro, Doutro Direito pela Universidade de Castilla - La Mancha http://www.domtotal.com/noticias/detalhes.php?notId=599462 acesso em 06.09.2013.

[3] SENTO-SÉ, Jairo Lins de Albuquerque. Trabalho escravo no Brasil na atualidade. São Paulo: LTr, 2001, p.16.