TRABALHO, EDUCAÇÃO E ALIENAÇÃO

Ricardo Palaro

Resumo: Com a Revolução Industrial a sofisticação da ciência e da tecnologia introduziu a maquinaria no ambiente fabril, reforçando a racionalização da produção e as especializações. Cada funcionário era muito qualificado para a sua tarefa, sem saber do processo todo. Esta fragmentação do trabalho em operações simples trouxe mudanças significativas no sentido em que, os procedimentos podendo agora ser efetuado por máquinas, poderiam ser controlados por qualquer funcionário, e sendo assim, as habilidades manuais ficam relegadas.
Palavras-chaves: trabalho, educação, alienação, fragmentação.

1 - Uma breve visão histórica do trabalho

Se olharmos para a história com um ocular historiográfico, perceberemos que o trabalho em épocas distintas sempre andou lado a lado a um significado negativo. Por exemplo, na Bíblia Adão e Eva viviam felizes até que o pecado provocou a expulsão do Paraíso e a condenação ao trabalho para o seu sustento com o "suor do seu rosto". E a Eva, o trabalho do parto (cf. ARANHA, 1987, pg. 57).
Por outro lado, se fizermos um estudo filológico da palavra trabalho, descobriremos que esta vem do latim, do vocábulo tripaliare, do substantivo tripalium, que era nada mais nada menos que um aparelho de tortura formado de três paus, ao qual eram atados os condenados, ou que também servia para manter presos os animais difíceis de ferrar. Daí, obviamente a associação do trabalho como tortura, sofrimento, pena, labuta, et. al.
Na Grécia Antiga, todo trabalho manual era desvalorizado e feito pelos escravos. A atividade teórica é considerada a mais digna ao homem, cuja essência é fundamentalmente a de ser racional.
Entre os romanos, o conceito negotium mostra a oposição entre negócio e ócio. O termo Nec ? otium é um conceito que se define pela "ausência de lazer".
Na Idade Média, muitos textos consideram a ars mechanica (arte mecânica) uma ars inferior (arte inferior).
Na Idade Moderna, a situação começa a se alterar: o crescente interesse pelas artes mecânicas e pelo trabalho em geral justifica-se pela ascensão dos burgueses, vindos de segmentos dos antigos servos que compravam sua liberdade e dedicavam-se ao comércio.
O fascínio pela maquina é tanto que o filósofo René Descartes explica o comportamento dos animais como se fossem maquinas e o modelo característico do universo é o mecanismo de um relógio (daí a celebre frase cartesiana: "o universo é um grande relógio e Deus é relojoeiro").
Para demonstrar o trabalho a partir da era moderna façamos uso de duas teorias filosóficas. Primeiro, do filosofo alemão Hegel que se refere, na sua obra Fenomenologia do Espírito, a dois homens que lutam entre si, e um deles sai vencedor, podendo matar o vencido; este não ousando sacrificar sua própria vida, se submete. Ao vencedor convém conservar o outro como servo, pois está é a condição de ser reconhecido como senhor. Agora é o servo submetido que faz tudo para o senhor; este com o tempo descobre que não sabe fazer mais nada, pois colocou, entre si e o mundo, o escravo, que domina a natureza. O ser do senhor se descobre como dependente do ser do escravo e, em compensação, o escravo, aprendendo a vencer a natureza, recupera de certa forma a liberdade. O trabalho surge, então, como a expressão da liberdade reconquistada (cf. ARANHA, 1987, pg. 59).
E em segundo, a teoria de Marx que critica essa tese hegeliana otimista do trabalho. Marx diz que o objeto produzido pelo trabalho surge como um ser estranho ao produtor, não mais lhe pertencendo. Trata-se do fenômeno da alienação. Para Marx, o homem deve trabalhar para si, não entender isso como trabalho sem compromisso com os outros, deve trabalhar para fazer-se a si mesmo homem. O trabalho alienado o desumaniza (cf. ARANHA, 1987, pg. 59).

2 - Uma visão filosófica do trabalho

Através do trabalho, o homem transforma a natureza. Essa atividade se distingue da ação animal porque é dirigida por um projeto (antecipação da ação pelo pensamento) e, portanto, é deliberada, intencional. Pelo trabalho, é estabelecida uma relação dialética entre a teoria e a pratica: o projeto orienta a ação e esta altera o projeto, que de novo altera a ação, fazendo com que haja evolução dos processos empregados, o que gera um processo histórico (cf. ARANHA, 1987, pg. 55).
Mas o trabalho, além de transformar a natureza, humanizando-a, além de proceder à união dos homens, transforma o próprio homem. Pelo trabalho o homem se autoproduz, ou seja, desenvolve as suas habilidades, a imaginação; aprende a conhecer as forças da natureza e a desafiá-las; aprende a conhecer suas próprias forças e limitações; relaciona-se com os companheiros e vive os afetos de toda a relação; impõe-se uma disciplina. O homem não é sempre o mesmo, pois o trabalho altera a visão que ele tem do mundo e de si mesmo.
O trabalho é a condição da superação dos determinismos. E isso está intimamente ligado ao conceito de liberdade. Nesse sentido, liberdade nada mais é do que o resultado da sua transformação sobre o mundo.

3 - A alienação e trabalho

Etimologicamente, a palavra alienação vem do latim do verbo alienare que significa "que pertence a um outro". Alienar, portanto significa tornar alheio, transferir para outrem o que é seu.
Com o surgimento do capitalismo é intensificada a procura de lucro e o confinamento do operário na fabrica, retirando dele a posse do produto. Mas não é apenas o produto que não lhe pertence mais. Ele próprio deixa se ser o centro de si mesmo. Não escolhe seu salário, não escolhe seu horário, nem o ritmo do trabalho, passa a ser comandado de fora, por forças estranhas a ele. Em conseqüência disso, acontece a humanização da mercadoria que leva à desumanização do homem, à sua coisificação, à sua reitificacao, sendo ele próprio transformado em mercadoria. Isto é, sua força se trabalho tem um preço de mercado. A mercadoria passa a ter valor superior ao homem.
Portanto, a alienação não é simplesmente teórica, mas se manifesta na vida real do homem, na maneira pela qual, a partir da divisão do trabalho, o produto do seu trabalho deixa de lhe pertencer.

4 - A educação para o trabalho

O termo educação provem do radical latino ducor, que por sua vez deriva do termo Dux que significa general, comandante, guia. Logo, ser educado é estar sob o jugo de um guia, pois este conduz, comanda.
A reflexão sobre educação e trabalho é uma preocupação constante nos discursos educacionais, sendo uma questão justa e legítima. Apesar disso, esta discussão tem sido apresentada de forma descontextualizada, superestimando a importância do trabalho em detrimento da educação.
Tal discussão, normalmente, ocorre de forma fragmentada e estas relações entre educação e trabalho têm maior referência na escola pública de Ensino Médio (2º grau), mesmo que o 1° grau também aborde e prepare o aluno para o trabalho, porém de uma forma menos aprofundada.
A tendência predominante do capitalismo, em seu primeiro estágio, procurou converter as primeiras unidades de produção, que eram autônomas, artesanais, em trabalho assalariado. Seus traços predominantes eram de um desenvolvimento desigual e combinado, o que o caracterizava como monopolista.
Esta face do capitalismo criou uma divisão do trabalho, tornando-o coletivo e diminuindo o tempo de produção da fábrica comparada ao período que levava o artesão independente em sua produção.
A sofisticação da ciência e da tecnologia introduziu a maquinaria no ambiente fabril, reforçando a racionalização da produção e as especializações, cada funcionário era muito qualificado para a sua tarefa, sem saber do processo todo. Esta fragmentação do trabalho em operações simples trouxe mudanças significativas no sentido em que, os procedimentos podendo agora ser efetuado por máquinas, poderiam ser controlados por qualquer funcionário, e sendo assim, as habilidades manuais ficam relegadas.
O reflexo deste modelo capitalista é a desqualificação do trabalhador, na medida em que este não precisava mais deter o conhecimento do processo de produção como um todo, apenas a sua parte. A sofisticação da ciência, ao contrário, não implicou diretamente em qualificação da massa de trabalho, mas sim, da superqualificação de poucos que detinham o conhecimento dos processos produtivos como um todo.
A divisão do trabalho não socializa o processo da produção de um produto - nem da técnica nem do trabalho intelectual ? impedindo os trabalhadores que se apoderem das etapas produtivas. Isso só contribuiu ainda mais para a centralização do poder.
Estas relações de poder aconteceram em diferentes dimensões: no rígido controle sobre a produção, no rígido controle sobre o trabalhador e ainda, sobre a cobrança incessante do aumento da produtividade.

5 - Conclusão

Numa reflexão pautada em Engels, podemos perceber que o trabalho tem um papel fundamental na formação do homem, nas palavras de Engels; a transformação do macaco em homem pelo trabalho. Ou seja, o homem só vem a ser homem por causa do trabalho.
O que ocorre mais tarde na historia da humanidade vai ser justamente a prática do trabalho por aqueles indivíduos que não possuem propriedade, logicamente; quem possui bens, não trabalha. E quem vai ter educação serão as pessoas que não trabalham, pois dispõe de tempo para se dedicar ao estudo.
E na era cientifica/tecnológica vemos o estudo voltado para justamente as pessoas que trabalham ou irão trabalhar, em outras palavras, o estudo vai formar/qualificar os indivíduos para se tornarem trabalhadores. A educação ganha a função de gerar a produtividade guiada pelo princípio de racionalidade, que se traduz no empenho em se atingir o máximo de resultados e o mínimo de dispêndios (cf. SAVIANI, 2002, pg. 23).
Então, nas diferentes épocas percebemos um caráter fundamental do trabalho. O trabalho sempre esteve determinando a educação. Em outras palavras, a educação sempre se prontificou a prestar serviço ao trabalho.

6 - Referências

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução a filosofia. São Paulo: Moderna, 1987. 443 p.

LOMBARDI, José Claudinei; SANFELICE, José Luis; SAVIANI, Dermeval (orgs). Capitalismo, trabalho e educação. Campinas: autores associados, 2002. (coleção educação contemporânea).

FRANCA, Luiz Antonio de Carvalho. Capitalismo e Trabalho. In: A Escola Do Trabalho E O Trabalho Da Escola. 3 ed. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1991. p. 5-34. (Coleção Polêmicas do nosso tempo, v. 22).


sobre o autor: Ricardo Palaro é graduado em filosofia pela FAE ? Curitiba. Atualmente é aluno do Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Regional (PPGDR) ? na UTFPR ? Campus Pato Branco ? PR. E atua como professor na rede de COLÉGIOS E CURSINHOS ÀGUIA em Pato Branco e Francisco Beltrão no Paraná.