1 RESENHA

SAVIANI, Demerval.

Trabalho e Educação: Fundamentos Ontológicos e Históricos. Revista Brasileira de Educação V.12 N.34. 20071

Por Mateus dos Santos Galúcio2

Trabalho e educação são atividades especificamente humanas. Isso significa que, apenas o ser humano trabalha e educa. Assim, a pergunta sobre os fundamentos ontológicos da relação trabalho-educação traz imediatamente à mente a questão: quais são as características do ser humano que lhe permitem realizar as ações de trabalhar e de educar? Ou, o que é que está inscrito no ser do homem que lhe possibilita trabalhar e educar? Na definição de homem mais difundida (animal racional), o atributo essencial é dado pela racionalidade. Ora, assim entendido o homem, vê-se que, embora trabalhar e educar possam ser reconhecidos como atributos humanos, eles o são em caráter acidental, e não substancial. Bergson, ao analisar o desenvolvimento do impulso vital na obra Evolução criadora, observa que “torpor vegetativo, instinto e inteligência” são os elementos comuns às plantas e aos animais. E, definindo a inteligência pela fabricação de objetos, fenômeno identificado como comum aos animais, encontra no homem a particularidade da fabricação de objetos. Essa relação trabalho-educação traz imediatamente à mente a questão: quais são as características do ser humano que lhe permitem realizar as ações de trabalhar e de educar? Ou o que é que está inscrito no ser do homem que lhe possibilita trabalhar e educar? Na definição de homem mais difundida (animal racional), o atributo essencial é dado pela racionalidade. Ora, assim entendido o homem, vê-se que, embora trabalhar e educar possam ser reconhecidos como atributos humanos, eles o são em caráter acidental, e não substancial. Portanto, embora o ato de fabricar em que se expressa a racionalidade seja específico do homem, Bergson não o considera suficiente para definir a essência humana. Essas considerações feitas a propósito da filosofia bergsoniana ilustram o que há de comum à grande maioria das tentativas de definir o homem que povoam a história da filosofia. Assim, diferentemente dos animais, que se adaptam à natureza, os homens têm de adaptar a natureza a si. Agindo sobre ela e transformando-a, os homens ajustam a natureza às suas necessidades. Ora, o ato de agir sobre a natureza transformando-a em função das necessidades humanas é o que conhecemos com o nome de trabalho. Podemos, pois, dizer que a essência do homem é o trabalho. A essência humana não é, então, dada ao homem; não é uma dádiva divina ou natural; não é algo que precede a existência do homem. Ao contrário, a essência humana é produzida pelos próprios homens. O que o homem é, é-o pelo trabalho. A essência do homem é um feito humano. É um trabalho que se desenvolve, se aprofunda 1 Apresentado em sessão especial do Grupo de Trabalho e Educação na 29ª Reunião da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa e Educação (ANPEd), realizada em Caxambu, MG, de 16 a 20 de outubro de 2006. 2 Pedagogo pós-graduando em Educação para as Relações Etnicorraciais pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará – IFPA Campus Belém. 2 e se complexifica ao longo do tempo: é um processo histórico. É, portanto, na existência efetiva dos homens, nas contradições de seu movimento real, e não numa essência externa a essa existência, que se descobre o que o homem é: “tal e como os indivíduos manifestam sua vida, assim são. O que são coincide, por conseguinte, com sua produção, tanto com o que produzem como com o modo como produzem” (idem, ibidem). Portanto, a produção do homem é, ao mesmo tempo, a formação do homem, isto é, um processo educativo. A origem da educação coincide, então, com a origem do homem mesmo. Diríamos, pois, que no ponto de partida a relação entre trabalho e educação é uma relação de identidade. Os homens aprendiam a produzir sua existência no próprio ato de produzi-la. Eles aprendiam a trabalhar trabalhando. Lidando com a natureza, relacionando-se uns com os outros, os homens educavam-se e educavam as novas gerações. Nas comunidades primitivas a educação coincidia totalmente com o fenômeno anteriormente descrito. Os homens apropriavam-se coletivamente dos meios de produção da existência e nesse processo educavam-se e educavam as novas gerações. Prevalecia, aí, o modo de produção comunal, também chamado de “comunismo primitivo”. Não havia a divisão em classes. Tudo era feito em comum. Na unidade aglutinadora da tribo dava-se a apropriação coletiva da terra, constituindo a propriedade tribal na qual os homens produziam sua existência em comum e se educavam nesse mesmo processo. Nessas condições, a educação identificava-se com a vida, estão aí os fundamentos histórico-ontológicos da relação trabalho-educação. Fundamentos históricos porque referidos a um processo produzido e desenvolvido ao longo do tempo pela ação dos próprios homens. Fundamentos ontológicos porque o produto dessa ação, o resultado desse processo, é o próprio ser dos homens. O desenvolvimento da produção conduziu à divisão do trabalho e, daí, à apropriação privada da terra, provocando a ruptura da unidade vigente nas comunidades primitivas. A apropriação privada da terra, então o principal meio de produção, gerou a divisão dos homens em classes. Configuram-se, em consequência, duas classes sociais fundamentais: a classe dos proprietários e a dos não-proprietários. Esse acontecimento é de suma importância na história da humanidade, tendo claros efeitos na própria compreensão ontológica do homem. Com efeito, como já se esclareceu, é o trabalho que define a essência humana. Isso significa que não é possível ao homem viver sem trabalhar. Já que o homem não tem sua existência garantida pela natureza, sem agir sobre ela, transformando-a e adequando-a às suas necessidades, o homem perece. No entanto, o advento da propriedade privada tornou possível à classe dos proprietários viver sem trabalhar. Sendo a essência humana definida pelo trabalho, o controle privado da terra onde os homens vivem coletivamente tornou possível aos proprietários viver do trabalho alheio. Ora, essa divisão dos homens em classes irá provocar uma divisão também na educação. Introduz-se, assim, uma cisão na unidade da educação, antes identificada plenamente com o próprio processo de trabalho. A partir do escravismo antigo passaremos a ter duas modalidades distintas e separadas de educação: uma para a classe proprietária, identificada como a educação dos homens livres, e outra para a classe 3 não-proprietária, identificada como a educação dos escravos e serviçais. Estamos, a partir desse momento, diante do processo de institucionalização da educação, assim, após a radical ruptura do modo de produção comunal, nós vamos ter o surgimento da escola, que na Grécia se desenvolverá como paideia, enquanto educação dos homens livres, em oposição à duleia 3 que implicava a educação dos escravos, fora da escola, no próprio processo de trabalho. Com a ruptura do modo de produção antigo (escravista), a ordem feudal vai gerar um tipo de escola que em nada lembra a paideia grega. Diferentemente da educação ateniense e espartana, assim como da romana, em que o Estado desempenhava papel importante, na Idade Média as escolas trarão fortemente a marca da Igreja católica. O modo de produção capitalista provocará decisivas mudanças na própria educação confessional e colocará em posição central o protagonismo do Estado, forjando a ideia da escola pública, universal, gratuita, leiga e obrigatória, cujas tentativas de realização passarão pelas mais diversas vicissitudes. Conclui-se, portanto, que o desenvolvimento da sociedade de classes, especificamente nas suas formas escravista e feudal, consumou a separação entre educação e trabalho. No entanto, não se pode perder de vista que isso só foi possível a partir da própria determinação do processo de trabalho. Com efeito, é o modo como se organiza o processo de produção – portanto, a maneira como os homens produzem os seus meios de vida – que permitiu a organização da escola como um espaço separado da produção. A relação trabalho-educação irá sofrer uma nova determinação com o surgimento do modo de produção capitalista. Esse processo aprofunda-se e generaliza-se com a Revolução Industrial levada a efeito no final do século XVIII e primeira metade do século XIX. O trabalho tornou-se abstrato, isto é, simples e geral, porque organizado de acordo com os princípios científicos, também eles abstratos, elaborados pela inteligência humana. Essa nova forma de produção da existência humana determinou a reorganização das relações sociais. Portanto, a Revolução Industrial correspondeu a uma Revolução Educacional: aquela colocou a máquina no centro do processo produtivo; esta erigiu a escola em forma principal e dominante de educação, era o início do ensino tecnológico. Palavras-chave: relação trabalho-educação; fundamentos histórico-filosóficos da educação; educação politécnica. REFERÊNCIAS BERGSON, Henri. A evolução criadora. In: Cartas, conferências e outros escritos. São Paulo: Abril Cultural, 1979. p. 153-205. (Coleção os Pensadores). 3 Jogo, aqui, com as duas palavras gregas e . A primeira significa educação enquanto inserção da criança na cultura; a segunda, significando escravidão, remete à educação enquanto conformação do escravo à sua condição.