Os vereadores de Estância Velha, crentes fidelíssimos em Deus, resolveram acrescentar no calendário dos acontecimentos, eventos e feriados municipais, mais um “dia de descanso” em homenagem ao Deus em que crêem. Assim, os divinizados edis “discutiram” com os setores sociais, com a população e, chegaram a conclusão de que todos, deístas, ateístas e agnosticistas, queriam um dia de sua faina laboral, para freqüentar as igrejas católicas (trata-se de um rito católico) para de procissões, em profunda meditação elevando seus espíritos a presença do Divino, cujo corpo se consubstancia num pedaço de cereal, a hóstia. Tal dogma católico se comemora na lembrança do sacrifício do Filho de Deus, pela redenção de todos os seres humanos, inclusive, dos ateístas, agnosticistas e, dos próprios vereadores.

Considere-se a iniciativa dos edis estancienses louvável se fossem todos os cidadãos estancienses cristãos, em primeiro lugar, e católicos e evangélicos, em seguida. Nesse ponto, a lei do feriado tem a sua lógica. Vejamos: havendo um feriado, no dia 21 de maio, que no calendário cristão-católico é considerado o dia da ascensão do Senhor aos céus depois de sua jornada terrena, deveria haver também um feriado para outra homenagem a um dogma cristão-católico, no caso, de Corpus Christi (em latim, antiga língua do império Romano, corpo de Cristo).

Assim, um dos argumentos dos iluminados legisladores municipais foi de que o “feriado da ascensão do Senhor” criou-se por conta dos cristãos-evangélicos e que Estância Velha era um dos poucos municípios da região que não tinha um feriado em relação a data católica. Nos demais o feriado é unicamente o católico, de Corpus Christi e, deve haver (aqui perdoem meu desconhecimento), municípios que tenham os dois. Então, como não seria de bom alvitre simplesmente acabar com o “feriado da ascensão”, oficialmente instituído, o que poderia parecer uma desfeita para os evangélicos, achou-se uma saída salomônica, fazer mais um feriado, o dos católicos. Sagaz e inteligente decisão dos nossos “fazedores de leis”. Foram aplaudidos por todos, principalmente, os crentes de que não é o trabalho que dignifica o homem, mas o descanso.

Se concordarmos com o trabalho como algo efetivamente humano e necessário, também concordamos que o trabalho consome energia e vigor humanos, por isso, faz-se juz o descanso. Tal é a razão da legislação que, neste ponto, buscou apoio nas escrituras da religião judaico-cristã, que historia a criação do mundo mediante um trabalho do Deus, que – embora eterno e atemporal – levou de seis dias humanos para fazer o mundo. No sétimo, Ele, “sabath”, em hebraico, descansou. Vem daí, que o trabalho é uma constante eterna, o descanso, um merecimento desta convicção e dedicação laboral.

Como nação, como sociedade, como Estado, somos uma democracia. Ou seja, um Estado cujo poder é concedido aos governantes pelo povo (do grego demos = povo + cratos = poder). Assim, Lula, Yeda e mesmo o prefeito Dilkin, com todas as suas virtudes e defeitos, são governantes por imposição popular e não divina. Igreja e Estado coexistem, mas um não interfere no outro. Este é o principio republicano. Criou-se, o Estado laico, não religioso. Ora, o Brasil é uma república, democrática, laica, por que então, tantos feriados religiosos? Se a intenção usar datas, personagens ou acontecimentos para possibilitar descanso e reflexão, por que não criar feriados em homenagem a eventos, figuras, personagens de elevada contribuição a história seja local, estadual, nacional ou mundial? Um feriado, por exemplo, em homenagem a Albert Sabin, o inventor da vacina anti-pólio, cuja descoberta serviu a toda a humanidade, independente da crença religiosa. Mas, eu sinceramente, aprovaria um feriado para homenagear o dia em que nossos legisladores forem iluminados pelo bom senso. Afinal, trabalho não é coisa do demônio e nem o descanso é coisa de Deus. Ambos, são invenções e necessidades humanas.