UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS
COORDENAÇÃO DO CURSO DE LETRAS PORTUGUÊS






















TRABALHANDO A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NA SALA DE AULA



MACELA NUNES LEAL






















TERESINA-PIAUÍ
MAIO/2009


























TRABALHANDO A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NA SALA DE AULA



MACELA NUNES LEAL






Monografia apresentada à Universidade Estadual do Piauí como requisito para a graduação no Curso de Licenciatura Plena em Letras Português.
Orientador: Ms.Pedro Rodrigues Magalhães Neto.









TERESINA-PIAUÍ-2009






















Aos meus pais, Manoel e Deuzelina, pessoas iluminadas, sempre presentes em minha vida, que não mediram esforços para a concretização desse sonho.


AGRADECIMENTOS


Agradeço a todas as pessoas que contribuíram de alguma forma para a minha formação acadêmica, sobretudo àquelas pessoas que com um gesto, um sorriso ou uma simples palavra de incentivo, ainda que sem perceber, me incentivaram a seguir essa caminhada que está apenas começando.
Em especial, agradeço ao Professor Pedro Rodrigues Magalhães Neto, pelas lições teóricas e práticas dadas em sala de aula e pela orientação deste trabalho.
À Universidade Estadual do Piauí- UESPI pelo suporte teórico- metodológico.
Aos professores desta Instituição de Ensino e aos colegas de classe, com os quais tive a oportunidade de trocar ideias, experiências, enfim, tive a oportunidade de conviver e lidar com as adversidades encontradas no caminho.

RESUMO


O estudo monográfico em comento versa sobre a variabilidade linguística, notadamente o trabalho da variação linguística na sala de aula. O estudo tem por escopo oferecer subsídios para o professor trabalhar a variação linguística na sala de aula, mediante o contato dos alunos com diversos gêneros textuais, desenvolvendo os recursos comunicativos apreendidos na escola. Para tanto, o trabalho foi desenvolvido da seguinte forma: em um primeiro momento foi feita a pesquisa bibliográfica sobre o referido tema; em seguida, foram observadas as atividades docentes de dois professores da rede pública no ensino fundamental; de posse dessas informações, propôs-se trabalhar a variação linguística na sala de aula a partir do contato dos alunos com diferentes gêneros textuais. Foi possível concluir a necessidade de o professor estar atento à dinamicidade da língua e às novas tecnologias, a fim de auxiliar o aluno a construir novas significações, utilizando adequadamente as variedades da língua face às situações de interação comunicativa.


PALAVRAS-CHAVE: Variação linguística; escola; gêneros textuais; interação comunicativa.


ABSTRACT


The monographic study on the variability comment is about language, especially the work of linguistic variation in the classroom. The study aims at providing data for the teacher to change working language in the classroom, through the contact of students with different textual genres, developing the resources communicative seized the school. Thus, the study was conducted as follows: in a first moment was the literature on the subject, then were the activities of two teachers of teachers in public elementary school, possession of this information, set out is working to change language in the classroom from the contact of students with different textual genres. It was possible to conclude the need for the teacher to be attentive to the dynamics of language and new technologies in order to assist the student to construct new meanings, using the varieties of language adequately address the situations of communicative interaction.


KEY-WORDS: Linguistic variation; school; textual genres, communicative interaction.


SUMÁRIO


INTRODUÇÃO 07

1 BREVE ESCORÇO HISTÓRICO DA SOCIOLINGUÍSTICA 09

2 VARIAÇÃO LINGUÍSTICA: ALGUNS CONCEITOS-CHAVE 15

METODOLOGIA 22

ANÁLISE E DISCUSSÃO 23

CONSIDERAÇÕES FINAIS 37

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 39



INTRODUÇÃO


O trabalho monográfico ora apresentado versa sobre o fenômeno da variação linguística, notadamente o trabalho da variação na sala de aula. A relevância do presente estudo é justificada pelo fato do tema ainda não ser abordado de forma adequada na escola, a qual ainda está calcada na errônea ideia de homogeneidade linguística.
Com efeito, constata-se que a escola, ainda nos dias atuais, continua sendo mera reprodutora de saberes apriorísticos, não raramente desvinculados da realidade dos seus alunos, insistindo em ensinar apenas a variedade tida como padrão, fragmentando o saber com o ensino de classificação de palavras, análise sintática de termos isolados, entre outras atividades sem utilidade prática, em descompasso com o avanço das modernas pesquisas linguísticas.
O estudo em tela tem por escopo evidenciar a variação como um fenômeno intrínseco à linguagem humana, haja vista a imbricada relação entre linguagem e sociedade, propondo o ensino da língua enquanto fenômeno sócio histórico social, em constante transformação, sendo construída pelos sujeitos sociais, isto é, os usuários (falantes) da língua.
Nesse diapasão, adotou-se a concepção de língua enquanto interação, em que os atores sociais, através da língua, atuam e modificam a realidade, (re) construindo significados. A partir dessa perspectiva, objetiva-se trabalhar a variação linguística na sala de aula, pondo os alunos em contato com os diversos gêneros textuais, em diferentes situações comunicativas.
Cumpre observar que o trabalho proposto leva em consideração o conhecimento prévio do aluno, seu repertório linguístico, uma vez que mesmo antes de chegar à escola o aluno (falante) já sabe como a língua funciona, ainda que de forma intuitiva, empírica, de sorte que a escola não pode ignorar esse conhecimento impondo o uso apenas da variedade tida como padrão.
Isso porque o papel da escola não é ensinar a língua, pois como dito alhures, o aluno já chega à escola conhecendo a língua, mas tão somente apresentar aos alunos às diversas variedades existentes da língua, inclusive, a tida como padrão, bem como estimulá-los quantos aos mecanismos e recursos comunicativos para um melhor desempenho, em consonância com a situação de interação comunicativa.
Para tanto, o trabalho foi desenvolvido da seguinte forma: em um primeiro momento foi feita a pesquisa bibliográfica sobre o referido tema. De posse dos conhecimentos teóricos apreendidos, foram observadas as atividade docentes de dois professores da rede pública, ensino fundamental, a fim de se verificar como estes trabalhavam a variação linguística na sala de aula; Em seguida, propôs-se a trabalhar a variação linguística na sala de aula a partir do contato dos alunos com diferentes gêneros textuais.
A monografia foi estruturada da seguinte maneira: O referencial teórico foi composto de dois capítulos, o primeiro capítulo traça um breve escorço histórico da Sociolinguística e o segundo capítulo apresenta alguns conceitos basilares acerca da variação linguística. A análise e discussão dos dados foram realizadas em duas etapas: a primeira etapa consistiu em uma análise das atividades docentes de dois professores da rede pública de ensino e a segunda etapa teve por escopo precípuo propor o trabalho da variação linguística na sala de aula sob a perspectiva da língua enquanto interação.
Dessa feita, pode-se inferir que o trabalho em comento procurou oferecer subsídios para o trabalho da variação linguística na sala de aula, no sentido de alertar aos professores para a importância dessa temática a fim de tornar seus alunos falantes competentes da língua, isto é, fazer com que eles saibam utilizar a língua adequadamente de acordo com a situação de interação.
Por se tratar de um tema bastante profícuo e fecundo, o presente trabalho apenas se presta a despertar a necessidade de a escola acompanhar efetivamente as novas teorias linguísticas, cabendo ao professor estar sempre atento à dinamicidade da língua e às novas tecnologias já que as mesmas interferem sobremaneira nas significações e representações da linguagem, exigindo, pois, uma postura crítica e atual para desenvolver os recursos comunicativos de seus alunos.








1. BREVE ESCORÇO HISTÓRICO DA SOCIOLINGUÍSTICA


Atualmente, é indubitável a imbricada relação entre linguagem e sociedade, de tal forma que é inconcebível tratar da primeira sem se reportar à segunda. Entretanto, é oportuno consignar que esse entendimento é relativamente novo, haja vista ser um posicionamento dos linguistas atuais, os quais conferiram à Linguística um cunho transdisciplinar.
Isso porque, cada pesquisador é produto do seu tempo, revelando as tendências e influências do seu meio social. Eni Pulcinelli Orlandi (1986) relata dois momentos marcantes na história da constituição da Linguística, a saber: o século XVII (gramáticas gerais) e o século XIX (gramáticas comparadas).
Segundo a autora em tela, o século XVII é marcado pelo racionalismo, ocasião em que os estudiosos procuraram evidenciar que as línguas obedecem a princípios lógicos. Com efeito, tinha-se em mente uma língua ideal, "sem ambiguidades, capaz de assegurar a unidade de comunicação" (Orlandi, 1986, p.12).
O século XIX, por seu turno, é marcado pela Linguística Histórica, em que "se procura mostrar que a mudança das línguas não depende da vontade dos homens, mas segue uma necessidade da própria língua, e tem uma regularidade, isto é, não se faz de qualquer jeito" (Orlandi, 1986, p.13).
Nesse período, não se fala mais em língua ideal, mas objetiva-se buscar a origem, em outros termos, o que há em comum entre as línguas.
No início do Século XX, com os trabalhos de Ferdinand de Saussure, a Linguística, antes atrelada à outras ciências como a Filosofia, a Retórica, a Lógica, a História, passa a ser encarada como estudo científico.
Os estudos saussurianos dão origem ao chamado estruturalismo linguístico, o qual introduz a ideia de sistematicidade. Saussure estabelece a tão propalada dicotomia língua e fala. Orlandi (1986, p. 24) explica: "Para ele, a língua é um sistema abstrato, um fato social, geral, virtual; a fala, ao contrário, é a realização concreta da língua pelo sujeito falante, sendo circunstancial e variável".
Alkmim (2001, p. 23) descreve com propriedade esse momento, aduzindo que para Saussure "a língua é o sistema subjacente à atividade da fala, mais concretamente, é o sistema invariante que pode ser abstraído das múltiplas variações observáveis da fala".
Com efeito, a língua é tida como um sistema de regras, a partir de uma visão imanentista, excluindo qualquer consideração de origem externa, a língua como um fim em si mesma. Nesse sentido, partia-se do pressuposto de que a língua era uma entidade homogênea, uniforme, desconsiderando toda e qualquer variação.
Luiz Antônio Marcuschi (2000, p. 09), ao analisar o ensino da língua sob a perspectiva linguística, preleciona:

Dos anos 1910 aos anos 1950 predominavam os estudos no plano descritivo e explicativo das formas, ligados à imanência e autonomia do sistema, sem a percepção dos atores e usuários da língua. Era o ensino de uma língua descarnada e que parecia agir por si só.

Como se vê, Saussure prioriza o aspecto formal, a chamada Linguística Interna, em detrimento dos aspectos contextuais, os quais serão abordados pelos estudiosos contemporâneos, conforme se verifica adiante.
Outra teoria linguística marcante foi o gerativismo, desenvolvida a partir dos anos 50 tendo como expoente Noam Chomsky, extremamente influenciado pelas ciências naturais. Para o referido autor, a faculdade humana da linguagem é inata, de sorte que o falante a partir de um número finito de regras pode produzir um número ilimitado de sentenças.
Chomsky (1957) introduz dois conceitos basilares de sua teoria: a competência e o desempenho. A primeira se refere ao conhecimento que o falante dispõe do sistema linguístico, o qual já nasce com ele; o segundo diz respeito ao uso, o qual inclui fatores outros, tais como visão de mundo, experiências, a relação com o interlocutor, etc.
Marcuschi (2000, p.14) critica a concepção de Chomsky ao elucidar:

Quando Chomsky distinguiu entre competência linguística e desempenho não estava tratando de algum tipo de comportamento linguístico de indivíduos reais, mas de um modelo ideal. Não tinha em mente falantes, mas protótipos para análise. É evidente que ele jamais pensou em estar dando conta de alguma porção da realidade comunicativa ou interativa. Não tinha como não tem ainda hoje em mente uma noção de língua como fato social e sim como fato biológico. A aplicabilidade é um aspecto descartado do gerativismo.

Com efeito, tanto o gerativismo quanto o estruturalismo apregoam a homogeneidade da língua, desconsiderando os fatores externos a ela, não levando em consideração o falante enquanto sujeito de seu discurso, que atua na sua realidade e a modifica.
Na verdade, verifica-se que o ensino da língua está atrelado à concepção que se tem de língua. De uma forma geral pode-se afirmar que o ensino da língua apresenta-se sob duas perspectivas: uma imanentista, a qual a língua é tida como auto-suficiente, bastando-se a si mesma; uma interacionista, a qual a língua é construída cotidianamente através da interação entre seus usuários (falantes).
Luiz Carlos Travaglia (2003) apresenta três concepções de linguagem, a saber: linguagem como expressão do pensamento, aquela em que a enunciação é um ato monológico, sem interferência de outros fatores; linguagem como instrumento de comunicação, na qual a língua é vista como um código que deve ser dominado pelos falantes desta; linguagem como interação, na qual os interlocutores interagem enquanto sujeitos socialmente definidos.
Ao apresentar a segunda concepção, Travaglia (2003, p. 22) arremata: "Essa é uma visão monológica e imanente da língua, que a estuda segundo uma perspectiva formalista que limita esse estudo ao funcionamento interno da língua e que a separa do homem no seu contexto social".
Nesse diapasão, pode-se inferir que o estruturalismo e o gerativismo sinalizam para a segunda concepção de língua apresentada por Travaglia (2003), posto que essas duas teorias concebem a língua como um sistema de regras que devem ser conhecidas pelos seus falantes a fim de que estes possam se comunicar.
Ao analisar o ensino da língua no início do século XX, Marcuschi (2000, p. 7), ressalta

Se observar a Linguística tal como ela se autodefiniu no início do século XX, na Europa e nos Estados Unidos, vamos constatar que a ponte entre teoria e prática foi minada logo de saída. Pois, com Saussure, a linguística se autodeterminava como o estudo das formas e das estruturas do sistema linguístico, optando pelo caminho de uma ciência o mais abstrata possível, quase formal. Esta não foi seguramente uma posição isolada, mas comum ao conjunto das Ciências humanas num século marcado pelo positivismo. Isto acarretou uma visão objetivista da linguagem ao se privilegiar a análise da língua como um constructo formal.

Essa visão formal da língua, dissociada da prática, influenciou sobremaneira o ensino da língua no início do Século XX, restringindo seu conceito a um sistema de regras, além de preconizar o ensino da variedade tida como padrão e a leitura de textos consagrados que deviam ser imitados.
Dessa forma, o ensino de outrora acabava por não desenvolver o pensar crítico, já que a leitura e a escrita eram meras reproduções dos textos clássicos e a Língua Portuguesa era reduzida à gramática normativa.
Como já relatado alhures, a relação entre linguagem e sociedade nem sempre foi aventada, porém, ainda no século XX, alguns linguistas já tinham em mente uma orientação social da linguagem como Antoine Meillet, Mikhail Bakhtin, Marcel Cohen, Émile Benveniste, Roman Jakobson, entre outros, conforme Alkmim (2001).
Ainda conforme a referida autora atribui-se a Willian Bright o primeiro uso do termo Sociolinguística em um congresso na Universidade da Califórnia em Los Angeles, ocasião em que participaram vários estudiosos, tais como: John Gumperz, Einar Haugen, Willian Labov, Dell Hymes, John Fischer, José Pedro Rona.
José Lemos Monteiro (2000, p.15) adverte:

As primeiras intenções de se delimitar o campo da sociolinguística foram infrutíferas, pois nem mesmo Bright (1966) e Fishman (1972), que foram os pioneiros, conseguiram defini-la com precisão. A nova disciplina surgiu então meio confusa, desprovida de um rigoroso marco teórico, além de sofrer a desconfiança dos linguistas que já pertenciam a alguma escola.

Malgrado a imprecisão conceitual, o referido autor afirma que Bright inovou no sentido de que formulou uma série de ideias acerca da relação linguagem e sociedade, acabando por colocar a diversidade linguística como o objeto de estudo da Sociolinguística.
Monteiro (2000) assevera que Bright concebe a diversidade a partir de três perspectivas: a identidade social do emissor, a identidade social do receptor e as condições da situação comunicativa.
Com efeito, a Sociolinguística surgiu na tentativa de desmitificar a ideia de homogeneidade linguística, tendo como argumento precípuo a variação como algo inerente à linguagem humana. O enfoque da Sociolinguística é a Linguística Externa, ou seja, o fenômeno linguístico associado a outros fatores de ordem social.
Cumpre advertir, por oportuno, que o surgimento da Sociolinguística teve como origem remota os estudos no começo do século XX por F. Boas (1911) e seus discípulos Edward Sapir (1921) e Benjamim L. Whorf (1941), a denominada Antropologia Linguística, como bem anota Alkmim (2001).
Monteiro (2000, p.17) também faz menção a esses estudiosos:

Em termos bem resumidos, as conclusões desses dois estudiosos ressaltam que um falante nativo de uma língua desenvolve uma série de categorias que agem como grades através das quais ele percebe o mundo, gerando a forma pelo qual ele categoriza e conceitualiza a realidade fenomênica. Ou seja, a língua pode afetar a sociedade, influenciando ou controlando a visão de mundo de seus falantes.

A Sociolinguística, nasce, assim, com um cunho transdiciplinar, posto que reuniu estudiosos de diversas áreas afins, todos com o manifesto propósito de estabelecer uma relação direta entre linguagem e sociedade, mediante o estudo da língua a partir de situações concretas de uso.
Maria Cecília Mollica (2004, p.10) aduz:

A Sociolinguística considera em especial como objeto de estudo exatamente a variação, entendendo-a como um princípio geral e universal, passível de ser analisada cientificamente. Ela parte do pressuposto de que as alternâncias de uso são influenciadas por fatores estruturais e sociais.

Essa nova teoria linguística vai desencadear um novo enfoque no ensino da língua, como bem descreve Marcuschi (2000, p.10):

A visão estruturalista, embora tenha produzido notáveis resultados e conhecimentos nada desprezíveis, vai cedendo lugar a novas perspectivas e seu auge se dá no fim dos anos 60, quando a ideia de variação linguística obriga a que se volte o olhar para outros aspectos. Contudo, já bem antes disto, ainda nos meados do século XIX, frutificavam os estudos dialetológicos que mostravam como a língua variava geograficamente e os falantes não tinham uma unidade, seja do ponto de vista lexical ou fonético.

A partir de então, a visão da língua como sistema de regras cede espaço para a visão de língua enquanto fato social, não havendo razão para se falar em homogeneidade, tampouco em unidade. Pelo contrário, a escola tem o dever de acompanhar os avanços nessa área, no sentido de apresentar aos alunos a noção de variação, de forma a abordar a variedade padrão e as demais variedades.
Verifica-se que a escola vem aos poucos incorporando as novas teorias linguísticas, inclusive as que tratam da variação, porém, muitas vezes o professor da língua materna não está preparado suficientemente para o trabalho da variação linguística na sala de aula, relegando o fenômeno da variação por não saber lidar com o tema ou até mesmo por desconhecer suas ocorrências.
Feitas essas considerações acerca da origem da Sociolinguística, faz-se necessário tecer algumas considerações a respeito da variação linguística, mediante a apresentação de alguns conceitos-chave, os quais serão detalhados no capítulo seguinte.

2. VARIAÇÃO LINGUÍSTICA: ALGUNS CONCEITOS-CHAVE


Como já dito, a variação é intrínseca à linguagem humana, de sorte que a mesma, de uma forma geral, apresenta-se sob dois parâmetros básicos: a variação geográfica ou diatópica e a variação social ou diastrática, consoante ensina Alkmim (2001).
Ainda segundo a autora, "a variação geográfica ou diatópica está relacionada às diferenças linguísticas distribuídas no espaço físico, observáveis entre falantes de origens geográficas distintas", Alkmim (2001, p. 34).
No Brasil, por exemplo, país de dimensões continentais, pode-se constatar diferenças entre a língua usada em diferentes regiões, como os falares gaúcho, nordestino, carioca, entre outros. Convém ressaltar que essas diferenças ocorrem com maior evidência no plano fonético e no léxico, quase inexistindo no plano sintático como adverte Travaglia (2003).
É interessante se transcrever as palavras de Travaglia (2003, p. 43):

Evidentemente não existem limites claros e precisos entre os diferentes dialetos regionais. Na verdade, estabelecem-se limites de acordo com determinadas conveniências. É o que nos mostram os estudos de Atlas dialetais em que não se encontram linhas precisas de demarcação de dialetos, mas apenas certas áreas de maior concentração de um determinado conjunto de características. Assim, é difícil dizer onde acaba o dialeto nordestino e começa o caipira, ou o carioca, e a distinção do falar gaúcho, se é nítida em relação ao nordestino, não é tão nítida em relação ao modo característico de usar a língua no Paraná e Santa Catarina.

Com efeito, a variação geográfica não tem uma demarcação fixa, estanque. No Piauí, por exemplo, os falantes da região sul têm uma linguagem própria, identificando-se mais com o falar dos baianos. Na verdade, não há um falar melhor do que outro e sim falares diferentes, não procedendo a afirmação de que no Maranhão as pessoas falam o "bom" Português.
No que concerne à variação social ou diastrática, percebe-se sua ligação com a "organização sociocultural da comunidade de fala" (Alkmim, 2001, p. 35). A autora elenca os seguintes fatores como relacionados às variações de ordem social: classe social; idade; sexo; situação ou contexto social.
Para Travaglia (2003, p. 45), "A gíria, definida como forma própria de utilização da língua por um grupo social o qual se identifica por esse uso da língua e se protege do entendimento por outros grupos", pode ser considerada dialeto social.
A variação social requer um estudo mais complexo, haja vista envolver uma série de fatores externos, tais como: nível de escolaridade, classe econômica, grupo social, etc.
Travaglia (2003, p. 45) arremata:

Os dialetos sociais exercem na sociedade um papel de identificação grupal, isto é, o grupo ganha identidade pela linguagem. Isso com frequência tem implicações políticas, quando os grupos querem se opor e marcar a participação e integração das pessoas nas lutas, ideais, reivindicações, etc. do grupo.

Em outros termos, os grupos sociais fazem uso da linguagem para expressar seus anseios, suas características, suas impressões acerca da realidade, de forma que cada comunidade ou grupo detém uma forma peculiar de se comunicar, sendo perfeitamente identificável pela linguagem que utiliza.
Segundo o mesmo autor, a variedade padrão:

é o resultado de uma atitude social ante a língua, que se traduz, de um lado, pela seleção de um dos modos de falar entre os vários existentes na comunidade e, de outro, pelo estabelecimento de um conjunto de normas que definem o modo "correto" de falar. Tradicionalmente, o melhor modo de falar e as regras do bom uso correspondem aos hábitos linguísticos dos grupos socialmente dominantes.

Assim, a variedade tida como padrão afigura-se como um instrumento a serviço de um grupo, qual seja, o socialmente dominante, o qual apodera-se dessa linguagem "selecionada", "superior", para legitimar seus interesses, de forma a excluir, segregar os demais grupos que não fazem uso dessa variedade.
Na obra "Língua Materna: Letramento, variação & ensino", Marcos Bagno (2002, p.20) alerta:

Essa norma "culta" acaba sendo identificada, no senso comum e na prática pedagógica nacional, com a própria noção de "língua portuguesa" ou de "português", numa equivocada sinonímia de graves consequências para o indivíduo e para a sociedade: o uso que não está consagrado nessa "norma culta" (o uso que não está abonado nas gramáticas normativas e nos dicionários) simplesmente "não existe" ou "não é português".

Cumpre observar que a escola, ainda nos dias atuais, aprisiona os alunos a essa "norma culta" ou "variante padrão", sendo a principal responsável pela legitimação do preconceito linguístico, pois não põe o aluno em contato com as diferentes variedades, pelo contrário, reforça aos alunos o mito da homogeneidade linguística.
É clarividente a relevância do ensino da variante padrão, todavia, há que se considerar as outras variedades, até mesmo para que o falante se conscientize qual o momento oportuno para utilizar uma variante em detrimento de outra, a chamada competência comunicativa.
Ao discorrer sobre os objetivos do ensino da Língua Materna, Travaglia (2003, p. 17) aponta o desenvolvimento da competência comunicativa, ou seja, "a capacidade do usuário de empregar adequadamente a língua nas diversas situações de comunicação", como justificativa para o ensino da Língua Materna a falantes nativos.
Nesse diapasão, o professor ao ensinar a Língua Materna deve pôr o aluno em contato com uma diversidade de gêneros textuais, a fim de que estes possam empregar a língua de forma adequada nas mais diversas situações de interação.
Esse entendimento coaduna-se com a terceira concepção de linguagem apresentada por Travaglia (2003), a qual concebe a linguagem enquanto interação.
Bagno (2002, p.24) com propriedade esclarece:

Por estar sujeita às circunstâncias do momento, às instabilidades psicológicas, às flutuações do sentido, a língua em grande medida é opaca, não é transparente. Isso faz da prática da interpretação uma atividade fundamental da vida humana, da interação social.

Observe-se que o autor citado corrobora com o entendimento de que a linguagem deve ser construída pelos atores sociais, isto é, pelos falantes da língua, à medida que estes são os responsáveis pela construção dos sentidos dos enunciados, pelas significações várias existentes nos diversos eventos sociais, enfim, são os usuários da língua que a tornam uma entidade maleável, em permanente (re) construção.
Na prática, observa-se que o aluno ao chegar à escola já traz consigo a variedade linguística de seu meio social, sendo mais correto na visão de João Wanderley Geraldi (1984, p. 45) o professor ter em mente que:

as atividades de ensino deveriam oportunizar aos seu alunos o domínio de uma outra forma de falar, o dialeto padrão, sem que isto signifique a depreciação da forma de falar predominante em sua família, em seu grupo social, etc. Isto porque é preciso romper com o bloqueio de acesso ao poder, e a linguagem é um dos seus caminhos. Se ela serve para bloquear- e disto ninguém duvida- também serve para romper o bloqueio.
Dessa feita, é lícito concluir que o ensino da variante padrão é importante, até mesmo como forma de mobilidade social, porém, o ensino desta variante não pode nem deve excluir o repertório linguístico dos alunos.
O professor, na qualidade de mediador, deve esclarecer aos alunos tratar-se de variedades distintas, não fazendo nenhum juízo de valor, posto que as diferenças entre as variedades linguísticas não ocorrem no plano puramente linguístico, mas no plano social.
Na visão de Bagno (2002, p. 32), o mais interessante seria:

estimular, nas aulas de língua, um conhecimento cada vez maior e melhor de todas as variedades sociolinguísticas, para que o espaço da sala de aula deixe de ser o local para o estudo exclusivo das variedades de maior prestígio social e se transforme num laboratório vivo de pesquisa do idioma em sua multiplicidade de formas e usos.

É oportuno fazer menção a obra "A língua de Eulália: novela sociolinguística" de Marcos Bagno, a qual de forma bem descontraída e lúcida apresenta alguns conceitos importantes e basilares acerca da variação, a partir da conversa de uma professora aposentada, Dona Irene, com uma sobrinha, Vera, estudante de Letras, Sílvia, estudante de Psicologia e Emília, estudante de Pedagogia.
Em uma viagem a uma cidadezinha do interior, Atibaia, as estudantes entram em contato com pessoas que não utilizam a variante padrão, em especial, Eulália, uma senhora alfabetizada após os quarenta anos. Porém, a mesma continuava utilizando a variante não-padrão, usada pelas pessoas de sua família e de sua classe social.
Em conversa com Irene, as estudantes comentam o "falar errado" de Eulália, o que causa um desconforto em Irene. A partir de então, essa situação desencadeia uma série de questionamentos feitos por Irene às estudantes, ocasião em que a experiente professora tece ao decorrer da narrativa uma verdadeira aula acerca da variação, evidenciando suas razões históricas e sociais.
Outro conceito importante é o de domínio social. Bortoni-Ricardo (2004, p. 23) explica: "Um domínio social é um espaço físico onde as pessoas interagem assumindo certos papeis sociais. Os papeis sociais são um conjunto de obrigações e direitos definidos por normas socioculturais".
À luz do conceito dado acima, pode-se inferir que o falante, por estar em permanente processo de interação, assumindo diferentes papeis sociais, está sempre transitando em diferentes domínios sociais. Assim, o mesmo falante, dependendo da situação/contexto a qual está inserido, enquadra-se em determinado domínio social.
Um estudante, por exemplo, na escola exerce o papel de aluno, pertencendo a um domínio social. Em contrapartida, esse mesmo estudante quando está em casa pertence a outro domínio social. Em conversa com seus vizinhos pertence a um outro domínio e assim por diante.
Para Bortoni-Ricardo (2004), a criança começa a desenvolver o seu processo de sociabilização a partir de três domínios sociais: a família, a escola e os amigos. Ocorre que, a transição de um domínio para outro, como por exemplo, o domínio do lar para o da escola constitui também uma transição entre uma cultura predominantemente oral para uma cultura em que a escrita prevalece.
Como forma de ilustrar esse pensamento, a autora traz à baila o exemplo da sala de aula, em que o professor, mesmo ocupando um lugar de ascendência em relação aos seus alunos e, consequentemente, submetido à regras mais rígidas, ainda assim, está sujeito à variação.
Isso porque, em eventos predominantemente escritos, via de regra formais, há um maior grau de monitoração da linguagem em relação aos eventos coloquiais, como será visto adiante.
Bortoni-Ricardo (2004, p.51) propõe três contínuos para o entendimento da variação no português brasileiro: contínuo de urbanização, contínuo de oralidade-letramento e contínuo de monitoração estilística.
O contínuo de urbanização estabelece uma espécie de gradação, de forma que em uma das pontas encontram-se os falares rurais mais isolados, na outra ponta os falares urbanos, influenciados pela codificação linguística e com um maior uso da escrita. Entre esses contínuos há uma área de transição, a zona rurbana.
A autora magistralmente elucida o porquê dessa distinção:

Enquanto os falares rurais ficavam muito isolados pelas dificuldades geográficas de acesso, como rios e montanhas, e pela falta de meios de comunicação, as comunidades urbanas sofriam a influência de agências padronizadas da língua, como a imprensa, as obras literárias e, principalmente, a escola. Nas cidades também se desenvolvia o comércio e, depois, a indústria; ali se instalavam as repartições civis e militares, as organizações religiosas e outras instituições sociais que são depositárias e implementadoras de culturas de letramento (BORTONI-RICARDO, 2004, p.52).
A zona rurbana, por sua vez, é o espaço que contempla os grupos formados por migrantes de origem rural, os quais conservaram suas tradições, mormente seu repertório linguístico, bem como as comunidades residentes em núcleos semi-rurais, influenciados pela urbanização, consoante aduz Bortoni-Ricardo (2004).
Depreende-se, portanto, que as variedades rurais e urbanas possuem traços próprios por uma razão histórica, social e cultural. Outro aspecto importante apresentado pela autora é o fato de ser possível situar qualquer falante do português brasileiro em um determinado ponto desse contínuo, levando em consideração o lugar em que o falante nasceu, viveu, e as influências sofridas por ele, etc.
Analisando os falares desse contínuo, a autora constata a presença de alguns traços típicos dos falares situados no pólo rural, os quais vão desaparecendo à medida que se aproximam do pólo urbano e, por esse motivo, são denominados traços descontínuos. Entretanto, alguns traços estão presentes nos falares de todos os brasileiros e se distribuem ao longo do contínuo, os chamados traços graduais.
O segundo contínuo é o de oralidade-letramento, utilizado para os eventos de comunicação, os quais podem ser mediados pela língua escrita, os denominados eventos de letramento e eventos de oralidade, os quais não sofrem influência direta da escrita, conforme entendimento de Bortoni-Ricardo (2004, p.62).
Assim, a principal característica de um evento de letramento é o fato dele pautar-se em um texto escrito, que servirá de parâmetro para os interagentes. É interessante destacar que não há fronteiras rígidas entre eventos de oralidade e letramento, sendo que em uma aula sobre evento tipicamente de letramento, poderá ocorrer eventos de oralidade.
O contínuo de monitoração estilística, por seu turno, tem por escopo "situar desde as interações totalmente espontâneas, até aquelas que são previamente planejadas e que exigem muita atenção do falante", Bortoni-Ricardo (2004, p.62).
Ainda segundo a mesma autora, três fatores influenciam na monitoração do estilo: o ambiente, o interlocutor e o tópico da conversa. A variação nesse contínuo também tem por função delimitar a natureza da interação, esclarecendo se é uma "brincadeira", uma "advertência", uma "ordem", um "pedido", uma "sugestão", etc.
A proposta apresentada pela autora em comento é bastante interessante pelo fato de poder situar qualquer falante da língua materna em um determinado ponto de um dos contínuos, além de ser um estudo didático e de fácil visualização.
Os conceitos apresentados até aqui não têm por objetivo esgotar o tema da variação linguística, nem poderiam, por se tratar de um tema bastante vasto e fecundo, mas tão somente tem por escopo apresentar alguns conceitos importantes para o trabalho da variação linguística na sala de aula, no sentido de alertar os professores de Língua Portuguesa a introduzir esses conceitos nas suas aulas.

METODOLOGIA


A pesquisa ora em comento foi desenvolvida em uma escola da rede estadual de ensino, localizada na zona sul de Teresina, estado do Piauí, no período de 06 de outubro de 2008 a 14 de novembro de 2008, mediante a observação das aulas de Língua Portuguesa no Ensino Fundamental (5ª a 8ª séries).
Para tanto, foram observadas as atividades docentes de dois professores a fim de se verificar como estes trabalhavam a variação linguística na sala de aula, identificando o seu método de ensino e avaliação dos resultados dos discentes, sendo que um dos professores ministrava aulas nas turmas de 5ª, 6ª e 7ª séries e o outro ministrava aulas para os alunos da 8ª série.
Foi utilizado o método indutivo para a realização da pesquisa em tela e utilizou-se de pesquisa bibliográfica que serviu de subsídio para a análise dos dados coletados expostos a seguir.

ANÁLISE E DISCUSSÃO


Como já relatado, foram observadas as atividade docentes de dois professores com o intuito de verificar a forma como a variação linguística era trabalhada na sala de aula por estes. Durante o período de observação foi possível constatar uma série de informações relativas ao ensino da Língua Portuguesa, porém, a presente análise será restrita ao trabalho da variação linguística.
O primeiro professor observado, o qual ministrava aulas nas turmas de 5ª, 6ª e 7ª séries, apresentou-se bastante preocupado com o ensino da variedade tida como padrão, sempre alertando os alunos quanto aos aspectos semânticos, fonológicos e sintáticos.
Durante as aulas, o aludido professor, muitas vezes, desenvolvia atividades que exigiam dos alunos a leitura de textos escritos, ocasião em que advertia aos alunos quando eles não pronunciavam as palavras corretamente ou quando usavam uma variedade diferente da variedade tida como padrão.
O referido professor não raramente utilizava uma linguagem formal, não sendo compreendido pelos seus alunos, além de se preocupar cotidianamente com o vocabulário de seus alunos, exigindo destes a utilização de vocábulos não presentes em seu cotidiano.
À luz da fundamentação teórica exposta, depreende-se que o referido professor ainda está atrelado à segunda concepção de língua apresentada por Travaglia (2003), em que a língua se reduz a um sistema de regras, de sorte que todos os falantes devem se apropriar desse sistema com vistas a possibilitar a comunicação.
Essa concepção de língua contempla as teorias linguísticas do estruturalismo e do gerativismo, extremamente formalistas, as quais consideram a língua como homogênea, descartando os fatores externos, sociais.
Essa visão homogeneizadora da língua faz com que não se admita a ideia de variação, de maneira que tudo aquilo em desacordo com a variedade tida como padrão é encarado como erro, desvio.
Em eventos tipicamente orais, como o de leitura de textos escritos em sala de aula, o professor intervinha no sentido de alertar os alunos quanto a "erros" na pronúncia de alguns vocábulos ou reprimia o uso de variedades não-padrão. Isso porque, o professor não levava em consideração o repertório linguístico dos seus alunos, as suas experiências, enfim, outros domínios sociais que não o escolar.
Observa-se que o professor supracitado prioriza o ensino da gramática normativa, haja vista preocupar-se com ensino da variedade tida como padrão em detrimento do estudo de outras variedades.
Bortoni-Ricardo (2004, p.35) menciona alguns possíveis comportamentos tomados pelo professor em face da realização de uma regra linguística não-padrão pelos alunos, entre os quais está: "o professor identifica "erros de leitura", isto é, erros na decodificação do material que está sendo lido, mas não faz distinção entre diferenças dialetais e erros na decodificação na leitura, tratando-os todos da mesma forma".
A conduta do professor observado assemelha-se bastante à conduta descrita acima pela autora. Isso porque o professor pauta suas aulas no ensino da variedade tida como padrão, orientando sua conduta no sentido de diagnosticar possíveis "erros", "desvios", não desenvolvendo o trabalho das demais variedades, não considerando o conhecimento prévio de seus alunos, tampouco as experiências linguísticas de seu grupo ou comunidade.
Bortoni-Ricardo (2004, p. 52), ao analisar o contínuo de urbanização, afirma: "podemos situar qualquer falante do português brasileiro em um determinado ponto desse contínuo, levando em conta a região onde ele nasceu e vive". Outro aspecto interessante para orientar o trabalho do professor na sala de aula é observar os traços graduais e os traços descontínuos na fala e escrita dos seus alunos.
No caso em discussão, verifica-se que o professor não teve a preocupação de fazer uma espécie de "diagnóstico" da turma no sentido de fazer um levantamento acerca da realidade de seus alunos, suas experiências, os domínios sociais em que estão inseridos, as suas comunidades, etc.
De uma forma geral, pode-se afirmar que o professor adotou uma concepção formalista da língua, o qual prioriza uma variedade, a tida como padrão, em detrimento das demais variedades. Não se pode afirmar que o professor desconheça as outras variedades, porém, sua conduta centra-se na variedade tida como padrão.
O segundo professor observado, o qual ministrava aula nas turmas de 8ª série, também tinha uma concepção formalista da língua, atrelada à segunda concepção apresentada por Travaglia (2003), porém, não era tão rigoroso ao advertir seus alunos.
Nesse diapasão, suas aulas também se desenvolviam sem levar em consideração a diversidade linguística, excluindo-se qualquer consideração de ordem social, priorizando o ensino prescritivo da língua.
Diferentemente do primeiro professor observado que fazia intervenções para detectar "erros" na fala e escrita dos seus alunos, o segundo professor silenciava quanto ao uso de variedades não-padrão. Foi possível constatar que o próprio professor, durante as aulas, utilizava-se não raramente de regras não-padrão.
Essa conduta do professor coincide com uma das possíveis posturas tomadas pelo professor em face da realização de uma regra linguística não-padrão, identificadas por Bortoni-Ricardo (2004, p. 38): "O professor não percebe uso de regras não-padrão. Isto se dá por duas razões: ou o professor não está atento ou o professor não identifica naquela regra uma transgressão porque ele próprio a tem em seu repertório".
Um equívoco cometido pelos dois professores foi apresentar aos alunos a língua falada como informal e a escrita com formal. Travaglia (2003, p.53) leciona:

É necessário lembrar sempre que não é válida a distinção que frequentemente encontramos enunciada por professores de que a língua falada seria informal e a escrita formal. Isso não é verdadeiro. Podemos ter textos altamente formais na língua falada e textos totalmente informais na língua escrita.

Como se vê, os dois professores, apesar de assumirem posturas diferentes, possuem em comum o fato de não trabalharem a variação linguística de forma adequada, uma vez que priorizam o ensino da variedade tida como padrão em detrimento das demais variedades, além de conceberem a língua como uma entidade estanque, reduzida a mero instrumento de comunicação.
Nesse sentido, o presente estudo se propõe a oferecer subsídios para o trabalho da variação linguística na sala de aula sob a perspectiva de língua enquanto interação social, mediante o contato dos alunos com uma pluralidade de gêneros textuais, bem como a partir de situações reais de comunicação.
Diante das considerações já expendidas é lícito concluir que o fenômeno da variação é inerente à linguagem humana. Assim sendo, o aluno (falante) antes mesmo de chegar à escola já dispõe de um repertório linguístico, isto é, já possui um conhecimento prévio do funcionamento da língua, ainda que de forma intuitiva e empírica.
Como bem adverte Bortoni-Ricardo (2005) na obra "Nós cheguemu na escola, e agora"?, a função da escola não é ensinar o vernáculo, mas desenvolver outras variedades que serão acrescidas a este, além de propiciar ao aluno a manipulação de recursos comunicativos para adequar sua linguagem nas mais diversas situações comunicativas.
O professor de Língua Portuguesa, na qualidade de mediador no processo de ensino-aprendizagem da Língua Materna, cônscio do fenômeno da variação, deve valer-se dos conhecimentos que seus alunos já dispõem, o repertório linguístico, e, a partir deste estimulá-los quanto ao conhecimento das demais variedades da língua.
Para tanto, o professor deve avaliar o perfil sociolinguístico de seus alunos, a fim de diagnosticar a presença de traços graduais, descontínuos, as redes sociais a que seus alunos estão inseridos, a presença de fatores externos à língua tais como faixa etária, gênero, nível de escolaridade, pressão comunicativa, etc.
Seria interessante que o professor fizesse uma espécie de levantamento do perfil sociolinguístico de seus alunos, adotando o método que melhor o aprouvesse, de acordo com a realidade de seus alunos. Poder-se-ia aplicar um questionário, com vistas a investigar a origem dos alunos (rural/urbano), de seus pais, o nível de escolaridade dos pais dos alunos, a ideia dos alunos acerca da língua, etc.
Como sugestão pode-se apresentar as seguintes perguntas dirigidas aos alunos:
1) Onde você nasceu? (Estado, Município, Localidade)
2) Onde você mora? (Município, Localidade, Bairro)
3) Onde seus pais nasceram? (Estado, Município, Localidade)
4) Qual o nível de escolaridade de seus pais? (não alfabetizado, ensino fundamental, ensino médio, curso superior)
5) Você tem o hábito de ler?
6) O que gosta de ler?
7) A linguagem que você utiliza com sua família, amigos, é a mesma que você utiliza nas atividades escolares?
8) Ao assistir um noticiário na TV você se "identifica" com o "falar" usado pelo apresentador?
9) O que você entende por Língua Portuguesa?
10) No Brasil todas as pessoas falam a mesma língua?

O professor, quando da aplicação do questionário, deve preocupar-se em ser o mais espontâneo possível, alertando aos seus alunos que não se trata de nenhum teste ou exame, mas tão somente um exercício para conhecê-los melhor.
Cumpre advertir, por oportuno, que a aplicação do questionário tem apenas o escopo de investigar um pouco da realidade dos alunos, a fim de traçar um perfil sociolinguístico destes, porém, essa tarefa não se encerra com a simples aplicação do questionário, pois o professor cotidianamente deve avaliar seus alunos durante o transcurso das atividades escolares, inclusive, as atividades desenvolvidas fora do âmbito da sala de aula.
Tendo em vista o desenvolvimento de novas teorias linguísticas, a escola não pode abster-se de incorporá-las, devendo o professor pautar suas aulas de acordo com as orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), entendendo a língua como um fenômeno sócio-histórico-social, espaço de interação entre os atores sociais, quais sejam, seus falantes.
Como já dito, a escola muitas vezes só se preocupa em reproduzir saberes pré-estabelecidos, reduzindo o ensino da língua a mero conhecimento do código, insistindo em ensinar apenas a variedade tida como padrão, desconsiderando as demais variedades e por que não dizer fragmentando a realidade já que se limita a ensinar a classificação das palavras, análise sintática de frases isoladas, descontextualizadas, enfim, saberes que pouco têm utilidade prática.
Nesse diapasão, faz-se necessário que os professores se comprometam a desenvolver o ensino da língua materna em consonância com a terceira concepção de linguagem apresentada por Travaglia (2003), ou seja, a linguagem enquanto interação. Somente a partir dessa perspectiva de língua de forma viva, maleável, em permanente construção é que os alunos serão capazes de interagir socialmente, fazendo uso dos recursos linguísticos apreendidos na escola.
O professor deve pôr o aluno em contato com vários gêneros textuais em circulação na sociedade, com o intuito de apresentar aos alunos a variabilidade da língua de acordo com a situação comunicativa, de forma a alertar que a variedade padrão é apenas uma forma de falar e escrever dentre tantas outras variedades.
Não se questiona a necessidade de ensinar a variedade padrão, apenas precisa se ter em mente que ela é exigida em determinadas situações de interação, levando-se em consideração o repertório linguístico do aluno e de sua comunidade de fala.
Dessa feita, é preciso ficar claro para os alunos que algumas situações requerem o uso da variedade tida como padrão, tais como: um ofício, uma entrevista de emprego, uma ata, procuração, um requerimento, edital, memorando, uma redação escolar, uma palestra sobre um determinado tema de caráter científico, etc.
Em contrapartida, há casos em que se pode perfeitamente fazer uso de outras variedades como, por exemplo, uma conversa informal com familiares, amigos, ocasião em que o falante não sofre pressão comunicativa, podendo fazer uso de gírias ou expressões próprias de sua comunidade de fala.
Para elucidar o fenômeno da variação, o professor pode ilustrar suas aulas com textos para evidenciar as suas mais diversas ocorrências como a variação histórica, variação geográfica, variação social.
Como exemplo de variação histórica, traz-se à baila poemas em Português Medieval apresentados por Travaglia (2003), em que se pode visualizar arcaísmos e palavras que sofreram evolução fonética.

Cantiga de Amor
D. Dinis
Hun tal home sei eu, ai, ben talhada,
que por vós ten a sa morte chegada;
vêdes quem é e seed? en nembrada:
eu, mia dona!
Hun tal home sei eu que preto sente
de si morte chegada certamente;
vêdes quem é e venha-vos en mente:
eu, mia dona!
Hun tal home sei eu, aquest?oíde:
que por vós morr?e vo-lo en partide;
vêdes quem é , non xe vos obride:
eu, mia dona!
Glossário: sei = conheço; sa = sua; ben talhada = formosa, elegante; seed?em nembrada = lembrai-vos disso (seed = sede, en = de aí = disso, nembrada = lembrada); mia = minha; preto = perto; venha vos en mente = tende em mente; aquest?oíde = ouvi isto (aqueste = isto, oíde = ouvi ? imperativo de oir , forma arcaica de ouvir); vo-lo en partide = desejais que ele parta; non xe vos obride = não vos olvideis (Xe = forma arcaica, equivalente a se, como o qual coexistia, no caso é expletivo); obride = imperativo de obridar, hoje olvidar). ( Pimpão, 1960, apud Goulart e Silva, 197?: 19).

Bailada
D. Joam Garcia de Gilhade
Bailemos agora, por Deus, ai velidas,
so aquestas avelaneiras frolidas
e que for velida, como nós velidas,
se amig?amar,
so aquestas avelaneiras frolidas
verrá bailar!
Bailemos agora, por Deus, ai loadas,
so aquestas avelaneiras granadas
e quem for loada , como nós loadas,
se amig?amar,
so aquestas avelaneiras granadas
verrá bailar!
(Cancioneiro da Biblioteca Nacional, 1158
Cancioneiro da Vaticana 761 apud Cardoso e Cunha, 1970:300-302)

Glossário: bailemos = dancemos; velida = bela, formosa, graciosa, harmoniosa, linda; aquesta = esta; avelaneira = aveleira; florida = florida, em flor; verrá = virá; loada = lovada; granada = abundante de botões, em flor.

Esses poemas podem ser apresentados pelo professor aos alunos para mostrá-los que a língua é uma entidade viva, maleável, em constante desenvolvimento, de forma que aquilo que se escreve atualmente certamente sofrerá variação ao longo dos anos por razões várias, seja histórica, social, cultural ou econômica.
O professor após apresentar exemplos de variação histórica pode pedir aos alunos que pesquisem alguns vocábulos que caíram em desuso, os chamados arcaísmos, bem como pesquisarem a evolução fonética de algumas palavras.
No Brasil, país de extensa dimensão territorial, é extremante relevante abordar em sala de aula a variação geográfica, haja vista as inúmeras diferenças encontradas nos diversos falares em cada região, quer no plano fonético, quer no plano do léxico.
Paulo José Cunha em sua obra "Grande Enciclopédia Internacional de Piauiês" de forma irreverente e descontraída, porém, fidedigno à realidade, reúne algumas expressões peculiares utilizadas pelos piauienses, eis alguns exemplos:
 BABADO É BICO: "Tá pensando que babado é bico/ Que o Brasil é rico/ E que dá pra encarar?/ Que aquela mina de família boa/ Vai te dar à toa/ Quando te encontrar?...." Pelo trecho da letra da música que comecei e nunca finalizei já se percebe como é que se utiliza a expressão. Babado é folho pregueado. Bico é um tipo de renda que de um dos lados termina em pontas ou bicos, como ensina Mestre Aurélio. Equivale a "Tás pensando o quê?" CUNHA (2008, p.33).
 ISTURDIA: Outro dia. "Cumade Carmen Maria, viúva do cumpade Osandy, que Deus guarde, passou aqui isturdia pra deixar um dijutório". Pra complicar ainda mais diz-se ISTURDIÍNHA. CUNHA (2008, p.173).
 LICUTE: Namoro chameguento. "Entretanto, Artur desconfiava do ?licute? de Socorro com Luís". Pedro Marque, A Multa. "Doidinho por namorá-la. Helena é que não queria licute". O. G. Rego de Cravalho, Rio Subterrâneo. "O licute de Maria Paula com Paulo Guimarães passou recibo de que ele é um tremendo paizão, uma das grandes qualidades de um homem". Elvira Raulino, Jornal Meio Norte. CUNHA (2008, p.182).
 MARMININO! ? (MAS MENINO!): Ora essa! Onde já se viu? "Na casa de tia Nine apareceu um cachorro sem nome. Foi ficando, ficando, mas era muito enxerido. Pensava que não ele estava lá, esparramado, no meio das visitas. Ela falava, para enxotá-lo: - Marminino! Passa para fora! O nome pegou. E o cachorro terminou como Marminino". CUNHA (2008, p.198).
 SIRIBOLO: Confusão. "Um siribolo como o que aconteceu ontem no Albertão depois do Rivengo, será que pode, Elivaldo Barbosa? O pior é que pode, Deoclécio Dantas". CUNHA (2008, p.282).
 XIS COM: Em diagonal com. Forma inteligente que o piauiense encontrou para ensinar um endereço. "Caminhar pelas ruas da infância é refazer um roteiro gravado no coração. É o que faço hoje, um pouco perdido de memórias, depois de visitar um velho amigo poeta, cuja casa se localiza xis com o colégio Anísio de Abreu, onde aprendi as primeiras lições de vida". Elias Paz e Silva, Crônicas de Sempre. CUNHA (2008, p.316).

Esses exemplos podem ser utilizados pelo professor para ilustrar a variação geográfica, de forma que deve ser esclarecido que cada região ou localidade possui um linguajar próprio, assim como uma culinária própria, danças, tradições, enfim, cada povo tem sua maneira de expressar-se, seja através da linguagem, seja através de outras manifestações culturais.
Durante a aula o professor pode citar exemplos de expressões peculiares de sua região, pedindo aos alunos para citar exemplos de expressões empregadas em seu domínio social e seu significado correspondente, semelhante ao que Cunha (2008) fez na obra mencionada.
Pode-se evidenciar, ainda, algumas variações no plano fonético. No Piauí, por exemplo, costuma-se pronunciar a letra /e/ de maneira aberta /é/ e substituir a letra /o/ pela letra /u/.
Alguns gêneros textuais, por seu turno, utilizam a variedade tida como padrão, ou seja, consoante as prescrições da gramática normativa. É importante que o professor explique que nesses gêneros, geralmente escritos, faz-se necessário utilizar a chamada norma culta.
Em livro intitulado "Redação Prática", Luiz Fernando Mazzaroto, Terezinha de Oliveira Ledo e Davi Dias de Camargo oferecem alguns exemplos de gêneros textuais que requerem a utilização da variedade tida como padrão. Os exemplos transcritos a seguir foram extraídos da referida obra.
O requerimento, por exemplo, é uma solicitação por escrito endereçada a uma autoridade. Deve obedecer a algumas formalidades tais como ser endereçado à autoridade, precedido do pronome de tratamento adequado, nome e identificação do requerente, exposição do que se pleiteia e justificativa, fecho, data e assinatura. Exemplo:

Ilmo. Sr

Maria das Dores, professora licenciada pela Faculdade de..........................., residente nesta cidade, vem requerer a V.Sª se digne a conceder-lhe autorização para se afastar do estabelecimento de grau médio onde leciona, para tratamento de saúde.
Nestes Termos,
Espera deferimento.

Campinas, .............., de........................... de.....................
Maria das Dores

Já o comunicado presta-se a avisar, informar algo oficialmente. Pode ser veiculado em um jornal ou outro meio de comunicação. Exemplo:


Comunicação
Senhor Professor,

Comunico que houve alteração em seu horário, visando ao maior interesse dos alunos. Para seu controle, segue anexa a nova alteração.

Em.............................

Diretor

Além dos gêneros transcritos acima pelos autores citados, pode-se destacar também o perfil profissional, extremamente utilizado como forma de pleitear uma vaga no mercado de trabalho, principalmente nas empresas privadas.
Outro gênero textual bastante usual é a procuração, em que uma pessoa designa poderes a outrem para tratar geralmente de negócios ou atos judiciais. Pode ser pública ou privada.
Cumpre observar, por oportuno, que ao explorar gêneros textuais dessa natureza, o professor deve mostrar aos alunos a utilidade prática desses textos, evidenciar a importância de obedecer às formalidades exigidas e, sobretudo, torná-los mais próximos da realidade dos alunos.
Outro gênero textual bastante utilizado é o texto jornalístico, caracterizado, sobretudo por ser escrito na 3° pessoa do singular, de forma objetiva e impessoal. Alguns textos jornalísticos apresentam a visão do escritor como os chamados artigos de opinião.
De uma forma geral, pode-se afirmar que os textos jornalísticos são escritos consoante a variedade tida como padrão. Como vimos, essa variedade goza de prestígio face às camadas de maior poder aquisitivo.
Atualmente, com as inovações tecnológicas e acesso rápido à informação, através da internet, uma série de novos gêneros textuais vem surgindo como: bate-papo, blog, scrap, correio eletrônico, conversas instantâneas (Messenger), etc.
A internet, na realidade, é tida como um suporte vez que reúne uma série de gêneros textuais, o Messenger, por exemplo, é um programa que permite a conversa instantânea entre usuários da rede, possibilitando troca de informações de maneira rápida e prática, sendo utilizado até mesmo em empresas. Exemplo:


Aninha diz:
olá! td blz?

Cecília diz:
blz e vc?

Aninha diz:
blz

Aninha diz:
como foi o fds?

Cecília diz:
foi blz

Cecília diz:
assisti filmes

Cecília diz:
vi vídeos

Aninha diz:
legal

Cecília diz:
dormi

Aninha diz:
hum...

Aninha diz:
bacana

Cecília diz:
mono q é bom necas

Aninha diz:
vc foi p o erel né?

Aninha diz:
como foi?

Cecília diz:
foi super 10

Aninha diz:
na semana santa fiquei por aki msm

Cecília diz:
a parte acadêmica ficou a desejar

Cecília diz:
e foi bom aki

Cecília diz:
?

Cecília diz:
o q fez?

Aninha diz:
fiquei escrevendo a mono...

Aninha diz:
curtindo uns textos. rs rs

Cecília diz:
ummm

Cecília diz:
fez certo

Aninha diz:
tô saindo...

Aninha diz:
té mais

Cecília diz:
inté

Cecília diz:
xerin

Aninha diz:
xau

Aninha diz:
xero

Cecília diz:
Xau


Observe-se que nesse gênero textual predomina a função fática da linguagem, ou seja, os interlocutores a todo o momento procuram manter o contato, razão pela qual o diálogo acontece de forma rápida, ágil, com palavras abreviadas, expressões pré estabelecidas, uma espécie de mini código.
No caso em tela, a conversa foi estabelecida entre duas alunas do 8° bloco do curso de Letras da Universidade Estadual do Piauí. Os nomes apresentados são fictícios. Essas duas alunas possuem experiências linguísticas semelhantes, foram submetidas ao processo de escolarização formal.
Analisando a conversa dessas alunas constata-se que as mesmas situam-se no contínuo rural-urbano mais próximo do urbano, utilizaram como suporte um evento de letramento, vez que fizeram uso de um recurso pautado na língua escrita e não sofreram pressão comunicativa, situando-se no estilo não monitorado.
Considerando a chamada competência comunicativa constata-se que a fala das alunas citadas foram utilizadas adequadamente, haja vista a situação comunicativa a qual estas estavam inseridas, qual seja, uma conversa pelo Messenger, o que requer uma linguagem rápida, mais informal, com vistas a facilitar a troca célere de informações.
O professor de Língua Portuguesa deve estar atento às novas tecnologias, às novas formas de linguagem, no sentido de esclarecer aos alunos as suas implicações no cotidiano, suas representações, suas ideologias. Assim, o professor não pode ignorar essas novas formas de comunicação, devendo encarar esses novos mecanismos tecnológicos como aliados e não como entraves à educação.
Com efeito, o professor também pode fazer uso desses gêneros textuais contidos na internet para explicar a variabilidade linguística, evidenciando que o linguajar utilizado nesse suporte deve ser utilizado somente em algumas situações de interação, não sendo adequado em outras situações.
O professor, nas suas aulas, pode perfeitamente fazer uso da proposta de Bortoni-Ricardo (2004), a qual faz uma análise do português brasileiro a partir de três contínuos: contínuo de urbanização; contínuo de oralidade-letramento e contínuo de monitoração estilística.
Como já explicitado anteriormente, é possível situar qualquer falante do português brasileiro em um determinado ponto desse contínuo. Fazendo um dialogismo com o estudo dos gêneros textuais e as situações reais de interação, o professor pode apresentar aos seus alunos diversas situações comunicativas, analisando-as sob esses contínuos.
Assim, o professor pode trabalhar a variação linguística na sala de aula sem necessariamente teorizar acerca do tema, mas tão somente inserindo seus alunos em diversas situações de interação, orientando-os a utilizar a língua de forma adequada, sobretudo considerando a variedade que o aluno já traz consigo antes de submeter-se ao processo formal de escolarização.
Depreende-se, portanto, que o fenômeno da variação faz-se presente constantemente na vida de todos os falantes da língua, de forma sistemática, previsível, não havendo motivo para a escola manter a postura obsoleta de insistir em perpetuar o mito da homogeneidade linguística.
Cabe ao professor esclarecer aos alunos como se dá a variação, ilustrando suas aulas com exemplos que permitam aos alunos visualizar a variabilidade linguística, estimulando-os a se apropriarem dos recursos comunicativos apreendidos na escola para utilizarem as variedades da língua de forma adequada, conforme a situação de interação comunicativa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS


Em face das considerações discorridas no transcurso desse trabalho pode-se concluir que a relação entre linguagem e sociedade está cada vez mais estreita, de maneira que uma interfere diretamente sobre a outra, notadamente no que concerne à variação linguística, fenômeno ínsito à linguagem humana, sujeito às transformações sociais, históricas e econômicas.
Cumpre advertir que esse posicionamento é relativamente novo, já que teorias linguísticas de outrora consideravam a língua como uma entidade abstrata, dissociada de fatores externos, sendo estudada como um fim em si mesma, uma visão imanentista da língua.
A língua era tida como um sistema de regras, das quais o usuário (falante) deveria se apropriar com vistas a facilitar a comunicação. Essa visão reducionista da língua influenciou sobremaneira o ensino da língua na escola, a qual priorizou apenas a variedade tida como padrão em detrimento das demais variedades, reforçando a falsa ideia de homogeneidade linguística.
A Sociolinguística, ciência de cunho transdisciplinar, surgiu com o intuito de investigar a diversidade linguística, a partir da interferência de fatores externos à língua, tendo como objetivo precípuo desmitificar a ideia de homogeneidade da língua.
Malgrado os avanços nas pesquisas linguísticas constata-se que a escola ainda insiste em priorizar o ensino da variedade tida como padrão, sem considerar as demais variedades, tampouco as situações reais de uso.
Nesse sentido, o presente trabalho teve por objetivo oferecer subsídios para o professor, especialmente o de Língua Materna, trabalhar a variação linguística na sala de aula, considerando o repertório linguístico dos seus alunos, estimulando-os a conhecer as demais variedades da língua e desenvolvendo os recursos comunicativos apreendidos na escola.
O professor, atuando como mediador no processo de ensino-aprendizagem, tem o dever de desenvolver o senso crítico dos seus alunos, alertando-os para as variedades da língua em situações reais de uso. Para tanto, o professor deve apresentar aos seus alunos vários gêneros textuais, a fim de que os mesmos possam identificar suas características, bem como a situação comunicativa envolvida em cada gênero.
Isso porque, o usuário (falante) da língua, antes de submeter-se ao processo formal de escolarização, já conhece o funcionamento da língua, ainda que de forma intuitiva, cabendo a escola desenvolver mecanismos de desenvolver nos alunos os recursos comunicativos que os tornem aptos a utilizar a língua adequadamente conforme a situação comunicativa.
Como se viu, o professor deve estar atento, ainda, às novas tecnologias, vez que essas interferem diretamente na linguagem, permitindo novas significações, abrindo espaço para uma pluralidade de conceitos, além de alterarem a língua, contribuindo, pois, para a sua variabilidade.
Depreende-se, portanto, que a variação é um fenômeno natural, ocorrendo de forma sistemática, previsível, estando sujeita a fatores de ordem social, histórico e econômico, não podendo a escola abster-se de ensinar aos alunos as suas diversas manifestações, mormente no que se refere a suas implicações na sociedade.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


ALKMIM, Tânia Maria. Sociolinguística. In. MUSSALIM, Fernanda e BENTES, Anna Christina (orgs). Introdução à Linguística: domínios e fronteiras. São Paulo, Cortez, 2001.
BAGNO, Marcos et. alli. Língua materna: letramento, variação & ensino. São Paulo: Parábola, 2002.
BAGNO, Marcos. Preconceito Linguístico: o que é, como se faz. 2 ed. São Paulo: Edições Loyola, 1999.
BAGNO, Marcos. A língua de Eulália: novela sociolingüística. 7 ed. São Paulo: Contexto, 2000.
BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Educação em língua materna: a Sociolinguística na sala de aula. São Paulo: Parábola Editorial, 2004.
BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Nós cheguemu na escola, e agora? Sociolinguística e educação. São Paulo: Parábola Editorial, 2005.
CHOMSKY, N. Syntactic Structures. The Hague: Mounton, 1957.
CUNHA, Paulo José. Grande Enciclopédia Internacional de Piauiês. 3ed. Teresina: Oficina da Palavra, 2008.
GERALDI, João Wanderley (org.). O texto na sala de aula. 2 ed. Cascavel: Assoeste, 1984.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. O papel da linguística no ensino de línguas. UFPE/ CNPq. Mimeógrafo.
MAZZAROTTO, Luiz Fernando. LEDO, Terezinha de Oliveira. CAMARGO, Davi Dias de. Redação Prática. São Paulo: Difusão Cultural do Livro Ltda, 2002.
MOLLICA, Maria Cecília e BRAGA, Maria Luiza (orgs.). Introdução à Sociolinguística: o tratamento da variação. São Paulo: Contexto, 2004.
MONTEIRO, José Lemos. Para compreender Labov. Rio de Janeiro: Vozes, 2000.
ORLANDI, Eni Pulcinelli. O que é Linguística. São Paulo: Editora Brasiliense, 1986.
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1° e 2° graus. 9ª ed. São Paulo: Cortez, 2003.