TORCIDAS ORGANIZADAS: UMA VOZ INDEPENDENTE DA JUVENTUDE!

Como citar este artigo:
SANTOS, Edvanderson Ramalho dos; CASTRO, Willian Ricardo de. Torcidas organizadas: Uma voz independente da juventude. In: JOVINO, Ione da Silva; COUTO, Ligia Paulo (Orgs.). Periferia de Ponta a Ponta: Juventude, cidadania e práticas culturais. Ponta Grossa: UEPG/PROEX, 2010. Volume II.



Quem nunca chutou uma bola na rua de sua casa? Ou vibrou com a seleção em uma Copa do Mundo? Quem não se encanta com os dribles de algum craque, que como um bailarino em campo, encanta a todos com movimentos e ações imprevisíveis, quase mágicas? Qual time da capital nunca foi assombrado pelo Operário, o fantasma de vila oficinas?
O futebol faz parte da cultura brasileira. Ele está no nosso dia a dia. Assistimos a partidas pela televisão, jogamos no vídeo game, tiramos sarro de algum colega quando o time dele perde, vibramos todos junto quando a seleção vence a Copa do Mundo ou quando nosso time do coração vence alguma partida ou é campeão. Até quem não gosta de futebol "sente" sua presença no dia a dia, pois seu simbolismo permeia toda a sociedade. Através deste esporte e de alguns clubes, preenchemos conosco sentimentos de identidade e amor.
Porém, por muito tempo achou-se que o futebol era o ópio do povo. Alguns intelectuais do começo do século XX (1900) falavam que o futebol era o "local onde almas pequenas podem ser saciadas pelos enlameados idiotas que jogam". Entretanto, este esporte tem muito mais para revelar, sendo um elemento central da cultura brasileira, tornando o país mundialmente conhecido. Além disso, o futebol pode ser considerado a linguagem universal dos povos, algo que une diversas culturas, até mesmo aquelas que fora dos campos são inimigas mortais. Principalmente pela alegria transmitida por este esporte, já que se apresenta como uma verdadeira caixinha de surpresas, onde um time com uma estrutura menor tem condições de vencer um time já renomado, como na clássica história de Davi e Golias. Assim, Paulo Coelho fala que o futebol é como um romance: pois como nos bons livros, seu final é sempre inesperado.
A juventude sente-se atraída por esse teatro nos campos, por isso muitos deles estão envolvidos de alguma maneira com o futebol, seja jogando, assistindo ou torcendo. Desta forma os jovens criam uma maneira característica de torcer, através das torcidas organizadas. Porém, o que se ouve nos dias atuais sobre essas torcidas é que seus integrantes são bandidos e pessoas interessadas em espalhar a violência nos estádios e na cidade. Acompanhe algumas manchetes expressas pela mídia:

"Delegacia especializada em conflito de torcida"
"Torcida organizada do Vasco tinha manual para atacar rivais"
"Suspeito de participar do espancamento de torcedor do Corinthians se entrega à polícia"
Poderíamos acabar este texto aqui e concluir que as torcidas organizadas estão ligadas somente com a violência, mas vamos mais adiante em busca de novas respostas, e como nós, queremos que vocês façam o mesmo e se perguntem. Será que torcida organizada é apenas o que as manchetes nos dizem?
Torcida Organizada: Juventude e identidade
Mesmo que, nas duas últimas décadas, alguns atos ligados à violência praticados nas pequenas e grandes cidades tiveram como protagonistas membros de torcidas organizadas. Não se deve atribuir apenas um caráter associado à agressividade e violência para estas instituições juvenis. Uma torcida organizada é muito mais do que isso, pois no seu interior encontramos uma grande riqueza cultural: símbolos, cânticos, ritos, além de ser um local onde o jovem tem toda a liberdade para se expressar. Assim este torcedor acaba assumindo todo um estilo de vida através destas torcidas. O surgimento de torcidas organizadas juvenis, no principio estava ligado a grupos de amigos que se reuniam para incentivar e até mesmo protestar ao seu time do coração. Assim, desta forma, a repercussão no estádio seria mais impactante e chamaria mais a atenção, já que um conjunto de torcedores fazem mais barulho do que um torcedor solitário. Anteriormente a estas torcidas organizadas compostas por jovens, as torcidas tinham como componentes pessoas mais velhas, as quais formavam uma banda que tocava marchinhas de carnaval e outros cânticos para apoiar o time. Porém, esses grupos de torcedores tinham o apoio e eram patrocinados pela diretoria de seus respectivos clubes. Sendo assim, eles não possuíam uma postura crítica e independente, sendo submissos às vontades da direção. Para contextualizar, estes torcedores "da vanguarda" já existiam desde os anos de 1940 e 1950 nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Já as torcidas organizadas juvenis, burocratizadas 1
e independentes (tais como observamos hoje) tiveram seu inicio nos anos de 1960 e 1970 nestes mesmos grandes centros brasileiros, se espalhando posteriormente aos mais diversos cantos do território brasileiro. Um líder de uma torcida organizada carioca nos conta sobre a origem das torcidas jovens:
Então, era um pessoal de 40, 50 anos com uma bandinha, que era um pessoal mais atrelado ao clube, eles faziam o que o clube queria, o time estava mal eles não protestavam. As torcidas jovens surgiram exatamente nesta época, começou todo um movimento jovem, até contra a ditadura mesmo, contra a repressão na época, que começou a criar um espírito diferente nas arquibancadas, de protestar quando o time está mal e aí começou a surgir mais ou menos nessa época, em 70. Aí foram denominadas de torcidas jovens, Torcida Jovem, Força Jovem.

1
Diz que algo é burocratizado quando este apresenta uma estrutura hierárquica definida e rígida, recheada de normas, regras e condutas a serem seguidas. Desta maneira o jovem buscava uma voz ativa diante de seu clube, onde ele tivesse a liberdade de expressar suas opiniões de forma autônoma, sem se submeter à aprovação ou não dos dirigentes do clube.
É importante salientar o contexto histórico e espacial que também influenciou o surgimento de torcidas jovens, já que se deu durante o período da ditadura militar (final da década de sessenta e início da década de setenta). Mediante as repressões causadas pela a ditadura os jovens procuravam lugares e espaços onde eles pudessem expressar toda a sua indignação e suas angústias perante a sociedade, sobretudo temas polêmicos.
E encontraram estes lugares nos estádios de futebol, ao se organizarem em grandes grupos de torcedores e assim se expressar através de cânticos e símbolos subversivos que as autoridades não eram capazes de censurar.
Hoje em dia, estes mesmos grupos de amigos, que compartilham a mesma paixão por um clube, ainda se reúnem para incentivar e protestar o seu time de maneira peculiar (assistindo o jogo em pé, fazendo muito barulho e festa, etc.) e se organizam em torcidas organizadas. Entretanto, devem-se considerar outros elementos adquiridos no tempo e no espaço, por exemplo: os simbolismos estampados nas bandeiras, expressados nas músicas originais e parodiadas que são cantadas durante um jogo, a territorialidade que se criou e se influenciou no espaço urbano (ou seja, lugares na cidade onde um torcedor não pode transitar com a camiseta do seu clube, pois corre risco de ser agredido por torcedores adversários). Enfim, o que queremos mostrar é que no plano de fundo destas torcidas existem elementos que passam despercebidos por um primeiro olhar superficial.
Primeiramente é importante destacar a estrutura e a burocracia de uma torcida organizada. Já sabemos que o amor ao time é a peça fundamental e central. Além disso, um torcedor organizado precisa ter disposição, pois esta é a fonte que alimenta e move uma torcida nos estádios de futebol. Sendo assim, quanto maior a "disposição demonstrada pelo componente, maior prestígio e visibilidade ele vai ganhando entre os membros mais antigos podendo, a partir daí, construir sua própria carreira dentro da torcida", diz a Antropóloga Rosana Teixeira.
A carreira dentro desta organização é bem definida, possuindo um esquema básico de Presidência, Diretoria, Associados e outros cargos desempenhados durante o jogo, como por exemplo: o líder da bateria, o organizador do bandeirão, os compositores, entre outros. Portanto um componente de uma torcida não está mais condicionado para apenas torcer pelo seu clube, mas também se preocupar com o funcionamento dela e a lutar pela mesma. Abaixo está uma fala de um torcedor carioca que esclarece a dinâmica de funcionamento de uma torcida organizada jovem:

A gente vai criando aquelas amizades, a gente vai fechando aquele círculo de amizades, aquela coisa toda, teve um processo de eleição, me chamaram. (...) O cara que se destaca na torcida ele pode se candidatar. Aí me convidaram para ser diretor de faixas e bandeiras. Aí, eu aceitei porque eu já fazia esse serviço, eu ia lá amarrar, cuidava das bandeiras, eu levava. Ser diretor ou não para a gente não significa nada entendeu? Porque a gente gosta tanto dessa torcida que a gente se acha meio pai dela, a gente se preocupa tanto que a gente fica assim 'vamos organizar', 'vamos fazer isso'. Se candidatando você pode colocar suas idéias melhor.

É importante destacar que os líderes, no geral, são pessoas mais velhas entre 25 e 35 anos, e a garotada ou molecada como são chamados (e em nossa região chamados de piazada), constitui a maior parte da torcida, são jovens entre 15 e 20 anos que agitam e fazem "tremer" os estádios, com mensagens de intimidação e de revolta.
Trouxemos como exemplo, algumas características das principais torcidas organizadas do Rio de Janeiro, e posteriormente do time da nossa cidade (O Operário Ferroviário de Ponta Grossa), para que você jovem possa compará-las e entender todos os seus significados, com o intuito de enriquecer a sua visão sobre o tema.
Torcidas Jovens: símbolos, ritos, características e territorialidades.
As torcidas organizadas juvenis expressam uma verdadeira teatralização nos estádios de futebol. Em meio a esse espetáculo esportivo transformam-se de coadjuvantes para protagonistas das grandes festas e ritos dentro do estádio, devido a performances diversas, como veremos no decorrer deste item. Carlos Coradassi, torcedor operariano, vislumbra isso quando diz que:
Considero o Germano Krüguer (o estádio do Operário Ferroviário, localizado em Vila Oficinas, Ponta Grossa-PR) um teatro, que além do espetáculo no palco existe o espetáculo da platéia, onde sentam-se todos juntos indiferente as classes sociais.
Este ambiente de espetáculo e teatralização se deve em grande parte, devido a criatividade dos torcedores. Estes simulam nos estádios verdadeiros combates simbólicos, ritualizando guerras e outros elementos do universo militar. Assim, é um
"faz de conta de uma guerra"; cada torcida seria um exército que possui facções, pelotões e gritos de guerra para intimidar os times ou torcidas organizadas adversárias e até mesmo o arbitro da partida. Dessa maneira, as torcidas organizadas juvenis criam símbolos ligados à guerra e ao combate: confeccionam bandeiras que estampam tanques de guerra, caveiras, líderes revolucionários, além de críticas contra o sistema social que se encontram.
Vejamos alguns exemplos para elucidar o que comentamos através das torcidas organizadas cariocas (Quadro 01) e do Operário Ferroviário (Quadro 02). A torcida jovem do Flamengo se autodenomina "o exército rubro-negro". Tem como escudo um tanque de Guerra com três canhões, com o distintivo do Flamengo ao centro. Seus lemas são: "Flamengo, tua glória é lutar" e "Nada do Flamengo, tudo pelo Flamengo". Já a torcida jovem do Botafogo é representada por uma caveira com dois ossos cruzados (vale lembrar que ossos cruzados foi um símbolo criado pelos piratas para simbolizar a morte, e hoje usado em alguns frascos de venenos mortais). Seu lema é
"Torcida jovem, sempre onde o Botafogo estiver". Esta torcida se divide em esquadrões (de acordo com as regiões dos torcedores) possuindo aliadas (torcidas organizadas de outros clubes que mantêm tratados). Por sua vez, a torcida Força Jovem do Vasco tem como mascote a figura de Eddie, apropriada do grupo de heavy-metal Iron Maiden. Essa criatura tem o rosto tenebroso de uma caveira, vestindo calças jeans, casacos de couro, botas e correntes, podendo ser representado como alguém saindo dos mares, ou ainda um assassino, samurai, um louco no manicômio, uma múmia, um cyber-assassino e etc. Possui ainda a mão estendida na direção do espectador, como se fosse pegá-lo. Junto a Eddie estão presentes a nau, o escudo e a Cruz de Malta, marcas registradas do Vasco da Gama. Os lemas desta torcida são "Vasco por amor, Força Jovem como ideal" e "O verdadeiro poder não pode ser dado, tem que ser conquistado!". Fechando as torcidas organizadas jovens cariocas discutidas neste texto, apresentamos a "Young Flu" (Jovem Flu em português) do Fluminense. Esta torcida tem como marca o próprio nome registrado em seu escudo com letras de caráter oriental, que simbolizam a tradição e lutas do oriente. Como personagens mascotes observa-se um duende com traços de vampiro e de demônio, e algumas vezes, o super herói selvagem e perigoso dos quadrinhos "Hulk".

Quadro 01: Símbolos das torcidas cariocas.








Torcida Jovem do Flamengo Torcida Força Jovem do Vasco









Torcida Jovem do Botafogo Torcida Young Flu














Já na escala local de nossa cidade, Ponta Grossa-PR, temos o tradicional clube Operário Ferroviário Esporte Clube. Este time é o segundo mais antigo do estado do Paraná e se originou no seio da família ferroviária em 1912. Foi apelidado pela imprensa de Curitiba de "Fantasma" por amedrontar e aterrorizar em campo os grandes clubes da capital. As duas torcidas organizadas jovens do clube que mais se destacam e trazem consigo a simbologia fantasma são a "Torcida Fúria Jovem Operariana" e a
"Torcida Trem Fantasma". (Quadro 02 e 03)
A Fúria jovem Operariana possui como símbolo um fantasma com características assustadoras, com uma garra que emerge do desenho e parece que irá capturar e exterminar quem a observa (semelhante ao Eddie da Força Jovem Vascaína). Seus lemas são "É a fúria mané!" e "Operário é raça, é tradição. Fúria Jovem no coração". Por sua vez, a Torcida Trem Fantasma difere das demais citadas neste artigo por possuir em seu nome traços que remetem a história cultural da equipe (sua ligação com as ferrovias e o simbolismo do mascote fantasma). Seu símbolo comporta uma locomotiva que carrega um fantasma com característica ameaçadora e aterrorizante, ao lado do escudo do Operário Ferroviário. Seus lemas são "Unidos por uma paixão" e
"Uma torcida que não para de cantar". Um exemplo clássico da busca de intimidação perante simbolismos das torcidas organizadas, foi à metamorfose pela qual passou o escudo do Operário Ferroviário.
Originalmente (década de 1950) a figura do mascote era associada a de um
"fantasminha camarada e amigo". Já atualmente, torcedores e ambas as torcidas jovens evocam uma representação de fantasma aterrorizante e temível. As figuras do Quadro
04 mostram isso.
Quadro 02 - símbolos das torcidas do Operário Ferroviário.







Torcida Fúria Jovem Operariana Torcida Trem Fantasma

Quadro 03 Fotografias das torcidas operarianas.









Torcida Fúria Jovem (no centro da Geral) Torcida Trem Fantasma (na "curva do diabo" da geral)




Quadro 04: Mudança na representação do mascote fantasma






Representação do mascote (década de 1950) Montagem feita por um torcedor, representando um
Fantasma assustador e temível.

A que remetem tais símbolos? O que estariam enfatizando? Colocamos em negrito varias palavras que expressam os elementos do universo militar (tanques, canhões, exército, esquadrão, pelotão) e figuras indicando perigo e/ou morte (caveiras, ossos cruzados, personagens aterrorizantes e medonhos, cyber-assasinos, fantasmas assustadores e temíveis, como no exemplo do fantasminha camarada que "virou do mal"). Essas representações evocam valores que os jovens destas torcidas valorizam e prestigiam: força, garra, astúcia, coragem, fidelidade, bravura, etc. São os símbolos que imprimem uma marca, uma identidade a torcida organizada. Tornam-se um sinal e um código coletivo. Possuem uma aura capaz de evocar sentimentos e valores que animam a imaginação com visões que reafirmam a coesão coletiva destes agrupamentos de jovens. (Rosana Teixeira). Outra característica marcante destas instituições juvenis é seu apelo e identificação a grandes personalidades e lideres mundiais. Esses líderes expressam coragem, bravura e luta contra os mais poderosos, servindo como um símbolo de revolta e resistência contra o sistema social. Um torcedor da torcida jovem do Flamengo expressa bem isso:
A gente vai fazer uma camisa, uma touca, um boné com a foto do Che Guevara, porque Che Guevara completou 30 anos de morte e a torcida vai fazer 30 anos em dezembro, vai parecer uma coisa só. A gente se identificou com a causa dele, ele não se rendeu ao capitalismo, se aliou ao Fidel Castro, porque ele não queria se integrar ao poder dos Estados Unidos e a gente se identificou, a gente tem uma lema: Antes morrer de pé do que abaixado.
Estas personalidades estão presentes em escudos, bandeirões e cânticos da torcida, expressando sentimentos e angústias dos jovens, como podemos ver no quadro
05. Entre algumas personalidades citamos Bob Marley (com o jovem reivindicando políticas para legalizar drogas ilícitas pela sociedade ocidental, que tem valor cultural para certos grupos sociais), Che Guevara (símbolo máximo de rebeldia e idealismo contra o sistema capitalista), Aiatolá Khomeini e Saddam Hussein (símbolos de resistência contra o poder estadunidense).
Quadro 05: Torcidas organizadas e mensagens implícitas em seus símbolos





Bandeira da Torcida Jovem do Flamengo Bandeira da Torcida Fúria Escudo de uma antiga torcida
do Botafogo "Revolução Operariana"
Outra peculariedades das torcidas organizadas é o verdadeiro duelo e combate de cânticos que observamos nos estádios. As torcidas possuem compositores, bateria e ensaiam fielmente suas canções para praticá-las durante o jogo para intimidar seja quem for. Algumas letras são originais, outras são bricolagens ou parodiadas de músicas diversas. O sociólogo Luiz Henrique Toledo analisou o que em geral estas letras tentam expressar e nos diz que:
Satíricos, jocosos, ofensivos, grotescos, engraçados, alguns criativos, enfim, estes cantos e gritos de guerra traduzem uma série de visões dos torcedores e expressas nesses padrões de comportamento verbal típicos entre torcedores de futebol. Para além da gratuidade e obviedade das agressões disparadas das arquibancadas, como pensam alguns, os duelos verbais travados entre torcedores devem ser compreendidos dentro de uma trama ritual de significações simbólicas filtradas, codificadas em músicas e versos, retirados da própria sociedade e de seus temas mais recorrentes.

Ou seja, na vida cotidiana o jovem observa um contexto recheado de injustiças e violências por todos os lados. Desde as esferas políticas (com casos de desvios de verba e corrupção) as esferas locais (morte de crianças por bala perdida, briga entre pais, violência abusiva de policiais, assaltos em seu bairro, etc.). Assim, as torcidas organizadas não cantam gritos de violência apenas por prazer, mas tentam expressar estes sentimentos de ódio e vingança que na vida cotidiana são reprimidos e considerados "abusivos". Mas nos estádios, estas expressões tornam-se não apenas possíveis, como podem ser dramatizadas. O jovem reflete no estádio a violência que vê no seu dia a dia através de musicas, por exemplo:
A benção Aiatolá , nosso povo te adora Tu vens em missão de guerra , seja bem - vindo E abençoa este povo que te ama. Ataca, massacra, impõe o seu valor Não tem medo da morte ao inimigo causa horror Nós somos da JOVEM e nosso lema é vibração Estamos sempre prontos a cumprir qualquer missão Saddan ! Hussein ! Saddan ! Hussein (Música da torcida jovem do Flamengo)

Após a Guerra do Golfo e as intimidações do governo iraniano frente aos Estados Unidos, começou-se a exaltar estes lideres árabes como forma de "provocar" as autoridades e ser contra o sistema. É uma forma autêntica do jovem se expressar perante a sociedade. Também observamos nos estádios a disputa verbal, onde os cânticos e gritos de guerra assumem formas de intimidação, provocação e humilhação, sendo muito comum que uma torcida responda aos insultos sofridos numa partida, ou faça alguma para provocar rivais. Vejamos o exemplo do caso de provocação entre as torcidas do Foz do Iguaçu e do Operário Ferroviário (estas duas equipes tiveram sua rivalidade acentuada após uma partida decisiva em 2008, que acabou com um final polêmico). A torcida do Operário cantou:

Olha a Festa Muambeiro2
Torcida é Coração Quem Não Canta é otário Nunca Vai Sair Campeão Foz é cagão! Foz é cagão! Foz é cagão! Foz é cagão! Foz é cagão! Foz é cagão!
A torcida falange azul, do Foz do Iguaçu retrucou, citando o Operário em uma de suas músicas:
Sou Familia Força Jovem Aqui naum tem pra Ninguém! Operário é porcada,
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Muambeiro é um termo regional designado pela torcida do Operário aos torcedores do time de Foz do Iguaçu em detrimento do mesmo fazer fronteira com o Paraguai, e estar ligado de maneira determinante ao trafico de diversos produtos ilegais que entram sem pagar impostos do Paraguai ao Brasil, através de Foz do Iguaçu. A falange é Bixarada Cascavel não é Ninguém! Mas no campo lá das bixa é que somos CAMPEÃO!!! Sou Humilde,sou povão! Mas eu amo essa nação! Nessa terra quem comanda!
É a Torcida do Azulão!

Por fim, a Torcida Trem fantasma, do Operário, compôs mais uma canção para intimidar e responder aos torcedores do time da fronteira:
Aquela Torcidinha viu e Ficou de Cara Quem manda no Germano é a Trem Fantasma E na Arquibancada Noiz não Damos Mancada sou da curva do Diabo e boto o Terror Maior do Interiorrrr Então Venha Veeeeeeeeeeer Sou da Trem Fantasmaaa
É o Terror Aê Fantasma é Noiz aê Aquele Muambeiro que Vá Se Fudê! Fantasma é Noiz aê Aquele Muambeiro que Vá Se Fudê!

Estas canções destacam outro tema interessante sobre as torcidas organizadas. O duelo de poder entre cidades, onde o jovem, através dos cânticos das torcidas expressa sua revolta e opiniões. Isto fica claro em nosso caso, entre as cidades de Ponta Grossa e Curitiba. Ponta Grossa sempre foi periferia em contraponto da cidade de Curitiba, que sempre teve vantagens econômicas e sociais. Mas através das torcidas organizadas, o jovem pode se expressar e "dar o troco", desabafando, como é o caso desta canção da Torcida Trem Fantasma: Torcida louca, que não para por nada, Eu sou da Trem Fantasma a maior do interior.
Na arquibancada, não fujo da porrada.
Encaro a coxarada, caveira e tricolor.
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Operárioooo Operárioooo Vamo vamo Operárioooo Eu te sigo a toda parte, jogue aonde você for Curitiba, vai se fuder! Fantasma não é como tu! Capital são tudo puto Vão tomar nesse seu cu

O componente de uma torcida organizada engloba outros aspectos e performances diversas. Gritar o jogo inteiro, apoiando o time, correr atrás de verbas para comprar materiais diversos para fazer a festa e colorir o estádio, como bexigas,
3
Em referência as torcidas organizadas do time da capital: Coritiba, Atlético e Paraná Clube, respectivamente. papéis coloridos, confeccionar bandeiras, comprar foguetes, fazer efeitos visuais com fumaça de extintores, etc.
É destaque também o grande orgulho que os torcedores das organizadas têm do reconhecimento do povão em geral (como chamam quem não faz parte das torcidas organizadas) da festa de sua torcida organizada. Um exemplo disso é a esperada hora da abertura do bandeirão pelas torcidas, como destaca este torcedor carioca:
Se você vê como o povão, porque a gente chama de povão aquele torcedor que vai, que não liga para a torcida, quando chega o bandeirão, eles gritam, aquilo é orgulho para ele: 'Ó, o bandeirão!'. Às vezes a gente até discute,
'não abre agora, não puxa!'. Eles querem abrir de qualquer maneira e a gente tem que colocar na posição correta, para não abrir de cabeça para baixo, então é toda uma preparação e quando começa abrir, eles ficam desesperados, vibram, gritam...!
Em nossa cidade não é diferente. Cada torcida organizada jovem do Operário tem o seu método de levar o restante de seus torcedores ao delírio... A torcida Fúria Jovem abre seu bandeirão, que tremula imperante no meio do povão. Já a Trem fantasma faz a festa na entrada do time em campo, quando o responsável pelo extintor dispara a fumaça branca que colore a torcida, que arremessa no campo serpentinas pretas e brancas fazendo um aspecto visual único e emocionante. No estádio de futebol também vemos diversas territorialidades entre as torcidas organizadas, inclusive do mesmo clube. Mas o que é territorialidade? Em palavras simples, podemos dizer que é aquele lugar no qual cada torcida fala que é seu, se identifica com ele e sempre procura estar ali. No estádio do Operário, o Germano Krüguer, observamos isto. A torcida Fúria Jovem operariana possui como território a parte central da arquibancada geral, delimitando este espaço do estádio como seu território através da fixação de faixas no alambrado. Já a Trem Fantasma, possui como território a curva maior da arquibancada geral (a leste), chamada por eles de "Curva do Diabo". Ali também são fixadas faixas da torcida para delimitar seu território. O sentimento de identidade de cada torcida com seu território é tão grande que impede uma união das torcidas, como por exemplo em jogos decisivos, como foi em 2009. As duas torcidas cogitaram a união de forças no jogo decisivo para fazer mais barulho, porem qual das torcidas iria deixar seu território para se juntar a outra? Após muitas conversas se decidiu que cada uma ia abrir mão de um pouco de espaço e
"caminhar" em direção a outra, ficando no espaço que separava as duas anteriormente.
Mas dias antes do jogo, a união se desfez e cada torcida ficou em seu próprio território, apoiando a sua maneira sua paixão pelo Operário. Essa divisão entre as torcidas organizadas é sagrada, e é característica de vários estádios por todo o mundo. No maracanã, por exemplo, observamos isso, onde cada torcida de cada time tem seu lugar pré-determinado no estádio, em geral de lado opostos. Inclusive para entrar e sair do estádio, cada torcida tem seu próprio caminho territorial, ou seja, o caminho por onde sempre sai e sempre entra. Outro local peculiar de territorialidade entre as torcidas é visto no espaço virtual, principalmente no website de relacionamentos denominado Orkut, pois na comunidade da torcida Fúria Jovem Operariana, encontra-se a seguinte descrição: Esta comunidade é para vc torcedor Operariano SEJA BEM VINDO! MAS CASO VC JÁ FAZ PARTE DA TORCIDA [TREM FANTASMA] POR FAVOR SAIA.

Finalmente, destacamos que as torcidas organizadas empreendem outras diversas atividades sociais. Nos grandes centros urbanos, elas fazem um trabalho importante de inserção social, ajuda comunitária, etc. Após algumas confusões que envolveram alguns membros de torcida organizada em ações violentas, estas começaram a fazer campanhas pela paz e o respeito nos estádios, como é o caso da torcida jovem do Botafogo:
TJB - PAZ E JUSTIÇA
Viemos através deste manifesto desmistificar algumas opiniões polêmicas sobre as torcidas organizadas e demonstrar a todos que também lutamos e torcemos por PAZ e JUSTIÇA, dentro e fora dos estádios, além é claro, por nosso Clube do Coração.
Para quem não sabe ou não conhece, Torcida Organizada não é gangue, não é bando e muito menos uma organização criminosa em que fazem parte meliantes, bandidos ou marginais.
Torcedores organizados não vão ao estádio com o intuito de promover a desordem, de gerar violência gratuita, de cometer delitos contra o cidadão comum, de agredir fisicamente o torcedor rival e muito menos de tirar a vida de inocentes.
Para quem sabe e conhece, Torcida Organizada é um grupo de pessoas comuns como eu e você, que gostam de assistir ao jogo de pé, porquê não é platéia e de se organizar para colorir o estádio com bandeiras, faixas, papel picado, sinalizadores e outros artifícios que embelezam o espetáculo.
Torcedores Organizados são uma associação de amigos e irmãos com ideologias parecidas. Gostamos de gritar do começo ao fim o nome do time do coração, de fazer uma festa à parte no estádio e de apoiar o nosso time para mais uma vitória, mesmo na pior das circunstâncias. (...)Pois se conhecesse, veria que por incrível que pareça, neste ponto OS NOSSOS RIVAIS PENSAM COMO A GENTE! O Universo do Futebol é educação, cultura e principalmente alegria! A nossa onda é torcer sem violência!

Para mais informações e a continuidade deste manifesto, acesse: < http://www.jovemfogo.com.br/manifesto.php>. Outro site interessante com informações sobre as políticas das torcidas organizadas é o Portal das Organizadas: < http://www.organizadasbrasil.com/>.
No cenário local, destacamos alguns trabalhos e ações bastante louváveis das torcidas organizadas do Operário. A Torcida Trem Fantasma organizou várias campanhas no estádio, na mídia e na internet a favor do respeito com a mulher nos estádios de futebol. Graças a suas campanhas, a diretoria do clube resolveu equipar melhor o estádio e construiu banheiros femininos e o respeito do publico em geral melhorou com as mulheres que vão ao estádio, pois como destacou Kelly de Campos no Orkut: "Mulher também gosta de futebol... MULHERES: Vamos mostrar nossa força!!! Torcer, participar, cantar, dar nosso apoio incondicional ao OFEC!". Entre outras campanhas que a Trem Fantasma realizou destacamos a campanha do "Vista preto e branco para ver o fantasma", incentivando o torcedor a ir com a camisa do time alvinegro de vila oficinas no Germano Krüguer.
Já a torcida Fúria Jovem Operariana se destaca por lutar por uma boa conduta do torcedor no estádio do futebol. Isso foi destacado, através de uma matéria do jornal impresso local. Após um torcedor tentar acertar um copo com refrigerante na cabeça do assistente do arbitro (o bandeirinha), os integrantes da fúria jovem acharam o cidadão e o entregaram para a policia, sobre vaias e gritos de "Otário!". Fotografia 04: Como visto até aqui, as torcidas organizadas são mais do que uma simples manchete colocada no início deste texto. Portanto, se deve estar atento com o que dizem a respeito das torcidas jovens, que muitas vezes, apenas reivindicam um espaço para si e se entram em conflitos, é porque existem outros fatores que influenciam estes comportamentos, sobretudo a sua condição social. Por isso vejamos o papel da mídia como alimentadora de interpretações erradas e/ou generalizadas sobre as torcidas organizadas.



















Torcedor que jogou copo no gramado é retirado por membros da Fúria Jovem e saiu do Estádio direto para delegacia de polícia.
Torcida organizada: para além do discurso da mídia.
Ao falar sobre torcida organizada no dia a dia, principalmente na televisão, como comentado anteriormente, a associação que se faz é com as violências cometidas pelos seus integrantes, seja com torcedores adversários, com a polícia, ou até com as destruições de bens públicos. No entanto, a torcida organizada não deve ser associada apenas nesta perspectiva, pois nem todas cometem este tipo de violência, e se realizam, não fazem apenas por fazer, existe todo um plano de fundo que explica esse fenômeno, o que muitas vezes é desconsiderado e desprezado por uma parcela da sociedade.
Em uma torcida organizada se encontra todos os tipos de pessoas, que se reúnem por uma só paixão, o clube do coração. Porém, a outros motivadores que fazem os jovens de hoje comporem grande parte das torcidas, como o fato de poder gritar,
"xingar", pular, enfim expressar toda a angústia, raiva, e sentimentos que os cercam em seu cotidiano, se o mesmo torcedor estiver sozinho no estádio não será capaz de expressar esses sentimentos e fora dele fugiriam das regras e condutas civis, ou seja, é um espaço que o jovem se identifica e procura exaltar seus sentimentos de forma explosiva e libertadora.
Neste sentido, afirma-se que as torcidas organizadas fogem daquele discurso midiático que são grupos em prol da violência, pois elas possuem toda uma história, todo um conjunto de símbolos e significados, além de ressaltar a identidade de seus integrantes, o que já foi exemplificado no tópico anterior. A rivalidade entre as torcidas é comum, cada uma com sua ideologia, portanto é inevitável que, dependendo dos
ânimos e insultos durante as partidas de futebol, ocorram brigas entre as torcidas, porém a mídia contribui para que estes conflitos ocorram, se ampliem e sejam freqüentes.
De acordo com Carlos Pimenta a mídia exerce um papel de motivador para que os conflitos entre as torcidas organizadas aumentem, provocando torcedores adversários através do sensacionalismo, por exemplo: "torcedores do Palmeiras apedrejam o ônibus dos jogadores do São Paulo" ou a televisão mostra imagens de torcedores queimando a bandeira de seus adversários.
Estes atos cometidos são insultos para os torcedores, pois existe todo um sentimento de carinho, respeito e amor com o seu clube, portanto no próximo jogo eles já iram motivados a se vingar de tais atitudes mostradas na mídia, que acaba por potencializar tais violências entre as torcidas.
Considerações
Não adianta acabar com as torcidas organizadas pensando que vai acabar com a violência, este problema social já está enraizado no contexto de muitos jovens brasileiros, retrato de uma globalização perversa como aponta o Geógrafo Milton Santos. Portanto, ao noticiarem a respeito de alguma torcida organizada, procure desvendar o verdadeiro significado que está como plano de fundo destas entidades.
O importante é lutar pela tolerância ao diferente, respeitar a cultura do outro e assim conseguir viver numa verdadeira sociedade democrática. "Gabriel, O Pensador", compôs uma música chamada Rap das torcidas, que expressa o desejo pela paz nos estádios, onde o futebol potencialize seus aspectos positivos de integração cultural e minimize os atos de violência de "meia dúzia de babaca", como destaca o cantor e compositor: Rap das torcidas (http://www.youtube.com/watch?v=kjfphi_YP2A) Domingo eu vou pro Maracanã Vou torcer pro time Time que sou fã Pois to nessa uma briga depois do portão de entrada Raça, Fla e Força Jovem destruindo a arquibancada Vendedor de bar e rádio e pilha voando E o bambu da bandeira na mão E a polícia a polícia quando aparece só aparece Pra bater pra aumentar o caos, a confusão Domingo eu vou, eu vou pro Mineirão Torcer pro time, do meu coração Só tem rádio e uma bandeira E começa a correria Galoucura e Máfia Azul Acabando minha alegria Acabando minha alegria Saída de estádio Estádio é sempre igual Sangue no rosto Motorista atropelando Avançando o sinal
Chega de violência Quero ver é gol de placa Todo mundo se dá mal Com meia dúzia de babaca (2x)
Meia dúzia de babaca Domingo, eu vou pro Morumbi Trabalhei uma semana Pra chegar até aqui Mas quando a bola rola Também começa a xingação Mancha Verde, Gaviões Comandando a confusão Esperei o tempo todo Por essa decisão Mas desse jeito até ganhando Ninguém sai campeão Ninguém sai campeão Domingo eu vou Eu vou pro Beira Rio Fico junto do meu time Até no frio Quero ver meu time E mais um granal Quando cai mais uma bomba Inocente se dá mal Fogo nas cadeiras Destruição de estádio Um bando de otários
É, um bando de otários Achando tudo isso legal (to mal)
Violência contra violência
Às vezes é inteligência O ataque é a melhor defesa Quando vem com consciência Não há paz sem justiça E condições sociais Mas nesse caso A vítima e o culpado são iguais Os motivos da revolta São os mesmos dos dois lados Então se ligue e direcione o seu revídeo To ligado E aí em vez de queimar Os seus pseudo-rivais Vamos lutar Mas fumando um cachimbo da paz
Chega de violência Quero ver é gol de placa Todo mundo se dá mal Com meia dúzia de babaca (2x)
Meia dúzia de babaca Força Jovem, Facção Jovem Fla e Gaviões Independente, Mancha Verde Galoucura e Máfia Azul Sangue Jovem, Youg Flu Criptonita, UJT Tem que mudar a consciência Não basta só torcer Olha os anjos ai galera Pelé, Garrincha, Dotão Beto Dinamite e Cláudio Adão Aílton toca pra Leandro E Didi, Vavá, Gerson E Valdir Zico tocando pra Nilton Santos e Pepe Euzépio, Romário e Bebeto Barbosa, Tafarel e Carlos Alberto Maradona, Bibi, E Canídia Ricardo Rocha tabela com Falcão E Reinaldo, Zé de Túlio Sócrates e Túlio Maravilha Amuru, Ronaldo, Viola e Edmundo E todos os craques do resto do mundo
É goooooooooooooooooool! Da paz! Da galera! Na Inglaterra, na Argentina Em Pernambuco ou na Bahia Futebol não é violência Futebol é alegria Na Itália, na Espanha Na Colômbia ou no Japão Futebol não é violência Futebol é diversão Ceará, na Paraíba Na Nigéria, em Camarões Futebol não é violência Somos penta campeões O futebol não tem fornica Nem cor e religião Futebol é amizade Futebol é união