UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
MESTRADO EM LINGUÍSTICA





TÓPICOS DE ANÁLISE DO DISCURSO



LUÍS ÂNGELO DE CASTRO
30143-4



Trabalho apresentado à disciplina Tópicos de Análise do Discurso, Profª Drª Maria Valíria Anderson de Mello de Vargas, ao Mestrado em Linguística da Universidade Cruzeiro do Sul.






CARAGUATATUBA ? SP
2011
RESUMO
A proposta deste trabalho é a de apresenar a análise do discurso presente no livro Festa do Divino Espírito Santo em Paraty ? Manual do Festeiro, de Diuner Mello (2003). O método utilizado foi a Análise do Discurso em sua vertente francesa. Os objetivos propostos para este trabalho são os de verificação da presença de diferenciadas vozes presentes em um determinado corpus, neste caso, o gênero manual de instruções. A fundamentação teórica da pesquisa está baseada nos estudos de Maingueneau (1997), Focault (2004) Brandão (2004) e Orlandi (2005).
As análises resultaram na constatação de diferenciadas vozes em um mesmo discurso, permeadas pela presença do discurso religioso. Os resultados beneficiarão o trajeto de produção do trabalho de conclusão de curso, que abordará o discurso religioso na Festa do Divino de Paraty. A pesquisa buscou verificar o comportamento dos sujeitos presentes no discurso do manual de instrução com foco no discurso religioso. Concluiu-se durante as análises uma variação nos trechos analisados onde se percebeu a interdiscursividade, memória discursiva e demais conceitos que estão englobados na Análise do Discurso de Linha Francesa.


Palavras-Chave: Análise do Discurso de Linha Francesa; Manual; Discurso Religioso; Paraty.



ABSTRACT
The purpose of this work is the presentation of discourse analysis in this book Feast of the Holy Spirit in Paraty - Party Animal Manual of Diuner Mello (2003). The method used was discourse analysis in its segment in France. The proposed objectives for this work were to verify the presence of different voices present in a given corpus, in this case, the genre manual. The theoretical research is based on studies of Maingueneau (1997), Foucault (2004) Brandao (2004) and Orlandi (2005). The analysis resulted in finding different voices in one speech, permeated by the presence of religious discourse. The results will benefit the course of producing work of completion, which will address the religious discourse on the Feast of the Divine Paraty. The research analyzes the behavior of individuals within the discourse of the instruction manual with a focus on religious discourse. It was concluded during the analysis a variation in the sites examined where it was perceived interdiscursivity, discursive memory, and other concepts that are addressed by the discourse analysis of French Line.



Keywords: Discourse Analysis of French Line, Manual; Religious Discourse; Paraty.



SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 05
1 CONTRIBUIÇÕES DA ANÁLISE DO DISCURSO DE LINHA FRANCESA..........07
2 VARIAÇÕES DA FALA DOS SUJEITOS DE UM MANUAL................................. 11
CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................... 16
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................... 17
ANEXO ......................................................................................................................18


INTRODUÇÃO
Este trabalho tem por objetivo principal, respaldado pela linha teórica da Análise do Discurso Francesa, fazer apontamentos na variação das vozes dos sujeitos apresentadas em partes do livro "Festa do Divino Espírito Santo em Paraty ? manual do festeiro", bem como as marcas sócio-históricas que se manifestam no discurso.
Analisaremos o corpus que apresenta como principal característica a de um manual de instrução. O corpus analisado produz sentidos e orientações a respeito da condução da realização da Festa do Divino na cidade de Paraty. Intitulado como Festa do Divino Espírito Santo em Paraty ? Manual do Festeiro, do autor paratiense, Diuner Mello. O livro fui publicado pela editora Estímulo no ano de 2003.
O manual surge como uma ferramenta, um instrumento utilizado para a transmissão de conhecimentos. Conhecimentos que trazem em sua ideologia, neste caso específico, a propagação de uma cultura que precisa ser preservada. Desta forma, este manual surge como um recurso de preservação da cultura da Festa do Divino de Paraty, através de textos literários que resgatam antigos costumes e propõem em forma de passo a passo a continuidade da festa ao longo dos anos.
Há de se perceber que o manual não pode ser uma ferramenta única de resgate da cultura, pois, o mesmo pode tanto contribuir nas decisões a serem tomadas bem como, engessar uma prática, que por si só torna-se esgotada de novas possibilidades, o que pode fazer com que, neste caso, a Festa do Divino de Paraty, chegue a um ponto de degradação. O manual de instrução deve servir como uma referência para embasar as novas práticas.
As observações e análises realizadas ao longo do trabalho estarão fundamentadas nos estudos de Maingueneau, Focault, Brandão e Orlandi.
Ao longo da realização deste trabalho o fio condutor de nossas reflexões está organizado em dois capítulos, cuja sequência procura pontuar aspectos das vozes do sujeito que se manifestam, formações discursivas e ideológicas. No primeiro capítulo intitulado, Contribuições da Análise do Discurso de Linha Francesa, serão apresentados os tópicos gerais de acordo com as teorias que embasam a Análise do Discurso de Linha Francesa. O segundo capítulo, intitulado "Variações da fala dos sujeitos de um manual" apresentará a análise propriamente dita das partes "O manual do festeiro", que aborda a especificidade a que se destina o manual. Em continuidade será analisada "De como servir o almoço", esta mais específica, onde se percebe com clareza a principal característica do manual de instrução. O modo de fazer, o passo a passo.
Ponderamos ser relevante analisar tais questões, principalmente se levarmos em consideração o fato da continuidade e preservação de uma cultura em uma sociedade em constante transformação.
Finalizando o percurso, apresentaremos os motivos pela escolha da análise deste corpus e as observações que nos levarão à continuidade das pesquisas rumo ao processo de construção do trabalho de conclusão do curso de Pós-graduação em Linguística.

1 CONTRIBUIÇÕES DA ANÁLISE DO DISCURSO DE LINHA FRANCESA
O desenvolvimento deste trabalho nos leva a verificação das vozes presentes no discurso de um manual de instrução destinado a um seleto grupo de pessoas, os candidatos ao posto de festeiro da Festa do Divino de Paraty.
Buscamos no processo de formulação deste trabalho observar não somente o gênero manual, mas, também, o discurso religioso católico inserido neste manual e as possíveis consequências de transformação a partir da leitura do mesmo.
O primeiro passo foi a seleção do material de análise. O livro "Festa do Divino Espírito Santo em Paraty ? manual do festeiro" (2003), de Diuner Mello apresenta além das informações instrucionais de um manual, fatos do passado e do presente, uma vez que o autor possui uma vivência muito próxima dos fatos descritos, pois é de uma família de festeiros do Divino de Paraty. Esse trabalho analítico possibilitou a compreensão da presença de distintos gêneros textuais em um mesmo portador, apresentados em linguagem formal.
A Análise do Discurso de origem francesa é atualmente um dos métodos mais utilizados para analisar discursos. Sem a pretensão de esgotar a várias possibilidades de um discurso, mas, procurando os prováveis sentidos que assumem ou pode assumir, sem deixar de considerar o sujeito, sua história, a ideologia e o contexto social no qual está inserido. Com essa prerrogativa, analisaremos os discursos: O manual do festeiro e De como servir o almoço, apresentados no livro "Festa do Divino Espírito Santo em Paraty ? manual do festeiro".
Trataremos, neste momento, da origem e da importância da Análise do Discurso, que doravante será abreviada por AD, por uma questão de economia linguística.
A AD é um modelo metodológico que surgiu na década de 60, associada a uma tradicional prática escolar francesa que era a explicação de textos. É, portanto, um modelo que privilegia a interdisciplinaridade, articulando pressupostos Linguísticos, do Materialismo Histórico e da Psicanálise.

"O analista do discurso vem, dessa forma, trazer sua contribuição às hermenêuticas contemporâneas. Como todo hermeneuta, ele supõe que um sentido oculto deve ser captado, o qual, sem uma técnica apropriada, permanece inacessível. E o espaço escolar que lhe confere autoridade e garante que os textos analisados possuem, de fato, uma significação oculta, mesmo que um ou outro analista se mostre incapaz de decifrá-la. Entretanto, como lembra M. Pecheux, "a análise de discurso não pretende se instituir como especialista da interpretação, dominando "o" sentido dos textos; apenas pretende construir procedimentos que exponham o olhar-leitor a níveis opacos a ação estratégica de um sujeito ( . . . ) . O desafio crucial e o de construir interpretações, sem jamais neutralizá-las, seja através de uma minúcia qualquer de um discurso sobre o discurso, seja no espaço lógico estabilizado com pretensão universal". Dito de outra forma, a análise do discurso depende das ciências sociais e seu aparelho está assujeitado à dialética da evolução científica que domina este campo." (MAINGUENEAU,1997, p.10-11).


O objetivo da AD é o de perceber a língua não apenas como transmissão de informações ou o simples ato de fala, mas relacioná-la à numa visão discursiva que busca a exterioridade da linguagem como a ideologia e o fator social e histórico. Segundo Orlandi:
"Para a Análise do Discurso, não se trata apenas de transmissão de informação, nem há essa linearidade na disposição dos elementos da comunicação, como se a mensagem resultasse de um processo assim serializado: alguém fala, refere alguma coisa, baseando-se em um código e o receptor capta a mensagem, decodificando-a. Na realidade, a língua não é só um código entre outros, não há essa separação entre emissor e receptor, nem tampouco eles atuam numa sequência em que primeiro um fala e depois o outro decodifica, etc. Eles estão realizando ao mesmo tempo o processo de significação e não estão separados de forma estanque." (ORLANDI, 2005, p. 21).

Percebemos que a AD incorpora o conceito do sujeito ideológico do discurso. A Formação Discursiva, identificada posteriormente como FD, possibilita que o sujeito, enquanto enunciador do discurso inserido numa determinada conjuntura histórica, seja capaz de concordar ou não com o sentido a ser dado às palavras. A FD é o espaço onde há a articulação do discurso e da ideologia. Assim, no interior das FDs ocorrem diversos embates ideológicos que constituem o enunciado. As FDs se caracterizam como um espaço determinante daquilo que pode ou não ser dito num dado contexto. De acordo com Brandão:
"...a formação ideológica tem necessariamente como um de seus componentes uma ou várias formações discursivas interligadas isso significa que os discursos são governados por formações ideológicas. São as formações discursivas que, em uma formação ideológica específica e levando em conta uma relação de classe, determinam "o que pode e deve ser dito" a partir de uma posição dada em uma conjuntura dada." (BRANDÃO, 2004, p. 47-48)
O conceito de formação ideológica para a AD é de grande relevância uma vez que, a ideologia adquire sua materialidade no discurso. As análises realizadas devem considerar dois conceitos tradicionais da AD, o conceito de formação ideológica e o de formação discursiva. A ideologia funciona como reprodutora das relações de produção. O sujeito é assujeitado como sujeito ideológico, buscando o seu lugar dentro de um determinado grupo ou classe social. O sujeito acredita que está exercendo se papel de acordo com sua vontade, desconsiderando as primícias de que todo o seu discurso está em acordo com o grupo do qual está inserido.
A AD considera o discurso como uma prática social, como uma construção social, não individual, que só pode ser analisado considerando seu contexto histórico-social, suas condições de produção; significa ainda que o discurso reflete uma visão de mundo determinado, necessariamente, vinculada às dos seus autores e à sociedade em que vivem. Não há discurso destituído de ideologia em contrapartida, não há discurso que não tenha a presença de outros.
A interdisciplinariedade é considerada com relevância pela AD, pois a produção de um discurso é sempre dependente de um outro discurso, e, nesta dependência o que se apresenta é uma variação da fala do sujeito, observada em concordância com marcas sócio-históricas, remetendo a interdiscursividade e a uma memória discursiva. A apropriação da fala do outro está embasada nos estudos sobre dialogismo de Bakthim, segundo ele:
A palavra existe para o locutor sob três aspectos: como palavra neutra
da língua e que não pertence a ninguém; como palavra do outro
pertencente aos outros e que preenche o eco dos enunciados alheios; e,
finalmente, como palavra minha, pois, na medida em que uso essa
palavra numa determinada situação, com uma intenção discursiva, ela já
se impregnou de minha expressividade (Bakhtin, 2000:313).

2 - VARIAÇÕES DA FALA DOS SUJEITOS DE UM MANUAL
O segundo capítulo, intitulado "Variações da fala dos sujeitos de manual", apresentará a análise propriamente dita das partes "O manual do festeiro", que aborda a especificidade a que se destina o manual. Em continuidade será analisada "De como servir o almoço", esta mais específica, onde se percebe com clareza a principal característica do manual de instrução. O modo de fazer, o passo a passo. Ponderamos ser relevante analisar tais questões, principalmente se levarmos em consideração o fato da continuidade e preservação de uma cultura em uma sociedade em constante transformação.

O MANUAL DO FESTEIRO:
"São diversos e variados seus afazeres e obrigações para que tudo aconteça de acordo com as tradições e dentro das expectativas do povo."
"...o festeiro tem que se preocupar..."

O manual menciona uma obrigação em relação aos variados afazeres. As tradições são pontos que não podem ser esquecidos, acreditamos que este seja o grande desafio desta obrigação, atender as tradições e da mesma forma as expectativas do povo. A cenografia sugere a manifestação da autoridade do sujeito enunciador. Segundo Maingueneau:

"Ao dar uma ordem, por exemplo, coloco-me na posição daquele que está habilitado a fazê-lo e coloco meu interlocutor na posição daquele que deve obedecer; não precise, pois, perguntar se estou habilitado para isto: ao ordenar, ajo como se as condições exigidas para realizar este ato de fala estivessem efetivamente reunidas." (MAINGUENEAU,1997,p. 29).

"Acontece, porém, que os festeiros atuais vêm encontrando dificuldades para saber o ritual de suas obrigações e encargos. Muitas vezes deixam de realizar atos tradicionais e importantes por não saberem sua origem e seu significado."

O sujeito assume uma posição de enunciador antifiador uma vez que sugere que os candidatos a festeiro encontram dificuldades em relação às obrigações. A ideologia apresentada está relacionada ao resgate e manutenção das tradições da festa são bastantes presentes. Segundo Orlandi (2005) a ideologia faz parte, ou melhor, é a condição para a constituição do sujeito e dos sentidos. O indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia para que produza o dizer. O pensamento de Orlandi, nos faz perceber, com maior clareza, ideologia do sujeito que se apresenta.

"O presente manual pretende orientar os novos festeiros do Divino, informando, passo a passo, as suas ocupações, a sua presença e seu comportamento em cada ato, a evolução dos festejos, seus significados e outros muitos detalhes."

Neste momento podemos verificar marcas que identificam a o gênero, manual. Na situação de comunicação ele se fortalece no momento em que menciona um passo a passo, fortalecendo e facilitando assim os trabalhos do novo festeiro do Divino, por meio de troca de informações.
"A Análise do Discurso não trabalha com a língua enquanto um sistema abstrato, mas com a língua no mundo, com maneiras de significar, com homens falando, considerando a produção de sentido enquanto parte de suas vidas, seja enquanto sujeitos, seja enquanto membros de uma determinada forma de sociedade. " (ORLANDI, 2005, p. 15-16).

O gênero atende à finalidade a que se propõe, neste caso, o de instrução. Não são apresentadas falhas na comunicação estabelecida entre sujeito enunciador e enunciatário.
"...é impossível que uma só pessoa possa assumir todas as obrigações inerentes à sua realização."

A afirmação do sujeito enunciador sobre a impossibilidade de uma única pessoa realizar a festa do Divino, apresenta a intencionalidade da impossibilidade, através de sua enunciação. Esta afirmação parte de uma pressuposição do sujeito enunciador onde, segundo Focault:
"Talvez seja arriscado considerar a oposição do verdadeiro e do falso como um terceiro sistema de exclusão, ao lado daqueles de que acabo de falar. Como se poderia razoavelmente comparar a força da verdade com as separações como aquelas separações que, de saída, são arbitrárias, ou que, ao menos, se organizam em tomo de contingências históricas; que não são apenas modificáveis, mas estão em perpétuo deslocamento; que são sustentadas por todo um sistema de instituições que as impõem e reconduzem; enfim, que não se exercem sem pressão, nem sem ao menos uma parte de violência." (FOCAULT, 1970, p.6).


DE COMO SERVIR O ALMOÇO
"Um pouco antes o pároco deverá ter comparecido para abençoar as iguarias feitas por tão generosas e dedicadas pessoas, que se transformarão, dentre de pouco tempo, em alimento de muitos."

"O sujeito de linguagem é descentrado, pois é afetado pelo real da língua e também pelo real da história, não tendo o controle sobre o modo como elas o afetam. Isso redunda em dizer que o sujeito discursivo funciona pelo inconsciente e pela ideologia." (ORLANDI, 2005, p. 20).

O pensamento de Orlandi, nos faz perceber a descentralização do sujeito, uma vez que a voz que prevalece é a voz do pároco, desta forma não há controle sobre a mesma. Percebemos também a ideologia Cristã católica, onde um pároco vem abençoar o alimento preparado por pessoas comuns, alimento este que apresentará um outro significado após a benção do pároco.
"Deus nosso Pai, nós agradecemos por estes alimentos que nos destes através da partilha e da doação de muitos de nossos irmãos e que preparamos com amor e alegria para alimentar todos aqueles - pobres ou ricos ? que se confraternizam nesta festa do Divino em Paraty."

O sujeito que se apresenta nesta parte do manual, possui características próprias do discurso religioso Cristão. A construção deste sujeito é feita a partir de preceitos religiosos. O pároco, neste momento se apresenta como um representante do Criador, invocando preces em seu nome, direcionadas especificamente aos sujeitos que fazem parte da festa do Divino de Paraty.

"Mas um discurso supõe mais que uma memória das controvérsias que lhe são exteriores; à medida que aumenta o corpus de suas próprias enunciações, com o passar do tempo e com a sucessão das gerações de enunciadores, vê-se desenvolver uma memória polêmica interna. Dessa forma, o discurso é mobilizado por duas tradições: a que o funda e a que ele mesmo, pouco a pouco, instaura. Ao cabo de um certo tempo, é inevitável que parte da tradição interna atinja o mesmo estatuto da primeira, ganhando a "autoridade" necessária para às produções de seus enunciadores." (MAINGUENEAU, 1997, p. 125).

A enunciação do pároco, como representante de Deus, se desenvolve num contexto onde os fiéis estão presentes em busca de uma graça, de uma confraternização com Deus.
"Senhor Deus, nós vos agradecemos por este momento sagrado de refeição onde podemos celebrar a gratuidade, a partilha, a fraternidade... E nós vos pedimos hoje: daí pão a quem tem fome e fome de Justiça a quem tem pão. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém."

O manual do festeiro neste momento se apropria do discurso religioso, com a presença marcante da interdiscursividade. O sujeito enunciador que se inscreve no texto revela observações acerca da gratidão e celebração da justiça.
"Em São Luiz do Paraitinga serve-se no almoço do Divino apenas um ensopado de carne, macarrão e legumes a quem chamam de "afogado"."

Neste momento na formação discursiva há a apresentação de uma nova voz, um novo sujeito no discurso. São Luiz do Paraitinga sugere uma interdiscursividade, uma relação a ser estabelecida entre as festas do Divino de Paraty e da referida cidade com características distintas que se aproximam e se afastam em determinadas situações. Segundo Orlandi:
"... o interdiscurso ? a memória discursiva ? sustenta o dizer em uma estratificação de formulações já feitas mas esquecidas e que vão construindo uma história de sentidos. É sobre essa memória, de que não detemos o controle, que nossos sentidos constroem, dando-nos a impressão de sabermos do que estamos falando. Como sabemos, aí se forma a ilusão de que somos a origem do que dizemos. Resta acentuar o fato de que este pagamento é necessário para que o sujeito se estabeleça um lugar possível no movimento da identidade e dos sentidos: eles não retornam apenas, eles se projetam em outros sentidos, constituindo outras possibilidades dos sujeitos se subjetivarem." (ORLANDI, 2005, p. 54).

As análises realizadas foram fundamentadas na teoria de Análise do Discurso de linha francesa que ofereceu ferramentas necessárias aos resultados apresentados ao longo deste trabalho. Por meio desse caminho percorrido foi possível confirmar as hipóteses levantadas a cerca da AD, onde verificamos a variável apresentada em um exemplo de partes do discurso que em princípio teria apenas o caráter informativo, manual de instrução mas, que se imbrica com a questão religiosa católica, fazendo orientações pertinentes ao desenrolar da festa do Divino na cidade de Paraty.


CONSIDERAÇÕES FINAIS
Buscamos analisar neste trabalho a presença de várias vozes presentes em um manual dedicado aos novos festeiros do Divino de Paraty.
Compreendemos que por tratar de uma festa católica, o manual apresenta uma cenografia permeada pela religiosidade. Por essa razão, procuramos mostrar uma abordagem teórica sucinta da AD, uma vez que ela se propõe a refletir e analisar a linguagem como mediadora entre o homem e o meio social e que, por isso, tem como foco o próprio discurso, analisando aspectos que vão além da frase e procurando compreender aquilo que não está dito e não-dito naquilo que é dito.
Nesse sentido, a partir dos aspectos teóricos discutidos a respeito da AD, acreditamos que ela vem contribuindo para a compreensão de discursos produzidos e padronizados pela sociedade por ser uma teoria que busca compreender a multiplicidade de sentidos nos discursos.
Finalizando o percurso, apresentaremos os motivos pela escolha da análise destes textos e as observações que nos levarão à continuidade das pesquisas rumo ao processo de construção do trabalho de conclusão do curso. A escolha do texto se deu porque o mesmo fará parte do corpus de minha dissertação onde analisaremos o discurso religioso da festa do Divino de Paraty a fim de verificar a polissemia da sua gênese.
Algumas questões não foram abordadas ou aprofundadas, uma vez que pensamos em uma amostra de AD e, também, na continuação deste trabalho. O aperfeiçoamento deste acarretará no melhor desenvolvimento na produção do trabalho de conclusão de curso. Assim, o ponto final apenas formaliza o encerramento textual desta dissertação, mas não dissimula o seu caráter de incompletude.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS / BIBLIOGRAFIA
BAKHTIN, M. "Os gêneros do discurso". 3a ed. In: ---. Estética da Criação Verbal. São Paulo, Martins Fontes, 2000, p. 277-326.
BRANDÃO, H. H. N. Introdução à análise do discurso. Campinas, SP: UNICAMP, 2004.
FOCAULT, M. A ordem do discurso. Tradução: Graciano Barbachan. Data da Digitalização: 2004 Data Publicação Original: 1970 in http://www.scribd.com/doc/5075786/Michel-FoucaultA-ORDEM-DO-DISCURSO acessado em 27/01/2011.
MAINGUENEAU, D. Novas tendências em análise do discurso.Campinas, SP: Pontes: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 3a edição, 1997.
ORLANDI, E. P. Análise de discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes, 2005.
http://www.duplipensar.net/artigos/2007s1/notas-introdutorias-analise-do-discurso-fundacao.html - acessado em 15/02/2011
http://linguagemsoldavida.blogspot.com/2009/02/analise-do-discurso-o-que-e-como-se-faz.html - acessado em 23/01/2011
http://www.alunosonline.com.br/redacao/tiposegenerostextuais/ - acessado em 19/02/2011


ANEXO
O manual do festeiro
A Festa do Divino Espírito Santo, ou como é comumente chamada no Brasil, a Festa do Divino, exige do festeiro árduo trabalho durante todo o ano precedente à sua realização. São diversos e variados seus afazeres e obrigações para que tudo aconteça de acordo com as tradições e dentro das expectativas do povo. Além de angariar ajuda financeira e em espécie, o festeiro tem que se preocupar com a decoração da igreja, contratação de folia e banda de música, organizar a feitura e distribuição do almoço e dos doces, escolher e vestir o imperador e sua corte etc. etc.
Esta gama de trabalho, aumentada com o passar dos anos em ração do crescimento da cidade e da fama dos festejos, justifica que hoje exista em Paraty uma comissão de auxiliares para a realização do evento.
Acontece, porém, que os festeiros atuais vêm encontrando dificuldades para saber o ritual de suas obrigações e encargos. Muitas vezes deixam de realizar atos tradicionais e importantes por não saberem sua origem e seu significado. Produzem shows musicais todas as noites da novena e descuram-se da parte litúrgica e tradicional, na crença de que assim estariam agradando o povo, ávido de diversões. Desconhecem a liturgia do cargo e o importante papel que exercem, por um ano, no seio da comunidade. Soma-se a estas situações o fato de os últimos párocos de Paraty serem europeus e, apesar de todo o esforço por eles despendido, não conseguirem entender ou mesmo compreender estas expressões de fé e religiosidade tão latino-ibérica, mescladas de brasilidade.
O presente manual pretende orientar os novos festeiros do Divino, informando, passo a passo, as suas ocupações, a sua presença e seu comportamento em cada ato, a evolução dos festejos, seus significados e outros muitos detalhes. Inicia-se o manual com a solicitação para ser festeiro em determinado ano e encerra-se, no ano seguinte, com a entrega das insígnias imperiais ao novo festeiro, a realização do leilão de prendas e queima de fogos de artifício. Este manual vai se referir, genericamente, à pessoa do festeiro como encarregado de todas as obrigações, embora as tarefas e serviços devam ser feitos por seus auxiliares ou a que for delegada determinada função. Dada a diversidade de funções e aos atos que se realizam ao mesmo tempo e em lugares diferentes, é impossível que uma só pessoa possa assumir todas as obrigações inerentes à sua realização.
De como servir o almoço
O almoço comunitário só começa a ser servido quando, encerrado o bando precatório, o festeiro autoriza. Da quantidade de alimentos será retirada uma parte que se destinará ao jantar e ao almoço de domingo do grupo de Congada. Outro tanto será enviado ao asilo dos velhos e à cadeia pública para ser servido aos presos. Um pouco antes o pároco deverá ter comparecido para abençoar as iguarias feitas por tão generosas e dedicadas pessoas, que se transformarão, dentre de pouco tempo, em alimento de muitos. Na festa de 1999 fez-se a seguinte oração:
"Deus nosso Pai, nós agradecemos por estes alimentos que nos destes através da partilha e da doação de muitos de nossos irmãos e que preparamos com amor e alegria para alimentar todos aqueles - pobres ou ricos ? que se confraternizam nesta festa do Divino em Paraty. Fazei, Senhor, que fortificados por esta refeição, fortifiquemos também os laços da fraternidade, da solidariedade e do compromisso com os mais necessitados e os excluídos do vosso povo. Abençoai, pois, Senhor, estes alimentos e a todos que os doaram. Abençoai a todos nós que os preparamos e ajudai-nos a viver sempre a Seu serviço em nossa comunidade cristã. Por Cristo, nosso Senhor. Amém."
Em seguida, através do serviço de sonorização, convocou-se o povo presente nas filas do almoço para que, juntos com o pároco, fizessem a seguinte oração:
"Senhor Deus, nós vos agradecemos por este momento sagrado de refeição onde podemos celebrar a gratuidade, a partilha, a fraternidade... E nós vos pedimos hoje: daí pão a quem tem fome e fome de Justiça a quem tem pão. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém."
O espírito que norteou a atitude da igreja é o mais louvável com respeito a esta festa nos últimos anos. Porque, ou a Igreja tentava simplesmente acabar com este pantagruélico banquete por causa do desperdício ou tentava como fez, sacramentalizar este almoço comunitário. A aceitação deste almoço é, em verdade, a maior prova de que acredita na existência de uma comunidade participante no doar, no fazer, no dividir e usufruir. Ela entendeu que ali, naquele momento, acontece o que Cristo almejou e profetizou ? o desejo da união, da fraternidade, da divisão dos bens, de comer a mesma comida e partilhar o mesmo pão. Oxalá todos os dias fossem assim!
Enquanto a oração acontece lá fora, no interior do salão a azáfama é grande, pois se preparam os pratos para iniciar a distribuição do almoço. À frente de cada tabuleiro fica uma senhora. Os pratos então começam a passar de mão em mão, cada uma acrescentando neles uma porção de alimento. Ao final da fila os pratos, já completos, são colocados em bandejas e levados até o balcão onde serão distribuídos e onde se lhes acrescenta o garfo. É imenso o número de pessoas que auxiliam este trabalho, razão pela qual não as podemos enumerar, sem esquecer algumas, injustamente.
Distribui-se toda a comida até acabar, o que dura algumas horas. Findo do trabalho das cozinheiras e serviçais, um grupo de senhoras se organiza e faz a limpeza do local, lavando os vasilhames, varrendo o chão, recolhendo o lixo e deixando tudo em ordem.
Em São Luiz do Paraitinga serve-se no almoço do Divino apenas um ensopado de carne, macarrão e legumes a quem chamam de "afogado". O preparo deste almoço cabe aos homens, que os cozinham em grandes panelas sobre três pedras, em fogos de lenha; na verdade sobre tacuruba, ou como se diz por aqui "ticuruba".