INTRODUÇÃO

 

            As demarcações de terras indígenas no Estado de Mato Grosso do Sul fazem parte da pauta das atuais discussões políticas e econômicas tanto no âmbito estadual quanto nacional, uma vez que este assunto é de certo modo polêmico, já que ao mesmo tempo em que é uma conquista de aproximadamente quarenta mil indígenas que vivem em condições precárias, é uma interferência direta na vida de muitos produtores rurais, pecuaristas e associações agrícolas de 26 municípios dentro do Estado que estão passando por estudos antropológicos que podem provar que essas áreas são historicamente terras indígenas.

            Colocar este assunto dentro de um gênero jornalístico exige o cumprimento de itens indispensáveis à estruturação própria deste gênero por parte do redator. Em análise de dois gêneros jornalísticos: a notícia e o editorial cada um mostra peculiaridades quanto à explanação do tema e o direcionamento da opinião que se dá sobre o referido contexto.

            No gênero noticioso, busca-se a objetividade dos fatos narrados para dar credibilidade à fonte e para informar claramente ao publico leitor sobre os fatos ocorridos da matéria em questão.

            Quando se trata do gênero editorial um assunto parte de um ponto de vista não do redator, mas do jornal, o qual o editorial é publicado. O editorial tem como base a opinião do jornal sobre um fato atual que é de interesse ao público leitor. É mister saber que a opinião do jornal está geralmente direcionada a uma parcela privilegiada da população como: economistas, políticos, classe média e alta da sociedade, por esta razão não seria conveniente para um veiculo de informação que depende de meios legais e de aceitação pública se pronunciar contra setores os quais o jornal depende para sua circulação.

            Analisar um assunto como este da demarcação de terras indígenas em Mato Grosso do Sul dentro desses dois gêneros jornalísticos é uma forma de comparar as estratégias lingüísticas do redator em ser objetivo e imparcial diante de um fato que tem por um lado amenizar os problemas de várias comunidades indígenas do Estado e por outro preocupar alguns produtores rurais que temem perder suas terras pela desapropriação por parte do governo em cumprimento da disponibilidade de áreas a esses grupos indígenas.      

 

 

1. A NOTÍCIA E O EDITORIAL: CONCEITOS NECESSÁRIOS 

 

 

            Para a realização da análise dos textos sobre demarcação de terras indígenas em Mato Grosso do Sul abordados no Jornal Correio do Estado,  veiculados no primeiro trimestre de 2009 ( entre 1º janeiro de 2009 a 31 de março de 2009) é necessário o entendimento desses dois gêneros jornalísticos, pois do lado da notícia mostra-se a questão da informação e quanto ao editorial mostra-se a questão da opinião de um jornal sobre o assunto tratado neste artigo.

          Os gêneros jornalísticos do qual fazem parte a noticia e o editorial, segundo Melo (1985) englobam claros propósitos comunicativos; possuem intencionalidade estruturação dos relatos/discursos; versam por duas vertentes: o relato do real, através da observação dos fatos, no caso da notícia e a leitura do real mediante a análise da realidade e sua avaliação no âmbito do editorial.

 

             

2 A SITUAÇÃO DA DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS EM MATO GROSSO DO SUL VISTA PELA ÓTICA DA NOTÍCIA E DO EDITORIAL.

           

2.1 CONTEXTO HISTÓRICO         

           

Segundo Martins, (2002) e dados publicados no site da Fundação Nacional do Índio (Funai) pesquisados no mês de junho de 2009 sobre a questão  indígena no Estado de Mato Grosso Sul, atualmente há neste estado, 59 aldeias reconhecidas oficialmente, sendo a população aproximadamente de 32. 519 índios distribuídos em 09 grupos denominados de: Atikum, Guarany  (Kaiowá e Nhandewa), Guato, Kadiwéu, Kamba, Kinikinauwa, Ofaié, Terena e Xiquitano.

            Para comentar sobre o assunto de demarcação de terras indígenas é preciso saber o que vem a ser uma terra indígena, segundo o presidente da Funai Márcio Meira (2009) para os povos indígenas, a terra é muito mais do que simples meio de subsistência. Ela representa o suporte da vida social e está diretamente ligada ao sistema de crenças e conhecimento.

             Haja vista que o reconhecimento dos índios enquanto realidades sociais diferenciadas, na Constituição Federal, não podem estar dissociadas da questão territorial, dado o papel relevante da terra para a reprodução econômica, ambiental, física e cultural destes povos, pois o próprio texto da constituição defende e garante essa questão:

 

[...] São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo a União demarcá-las, proteger fazer respeitar todos os seus bens (Artigo 231 da Constituição Federal de 1988).

 

 

               A demarcação das terras indígenas de acordo com o texto da Constituição Federal visa: a) resgatar uma dívida histórica com os primeiros habitantes destas terras; b) propiciar as condições fundamentais para a sobrevivência física e cultural desses povos; e c) preservar a diversidade cultural brasileira de modo que sempre que uma comunidade indígena possuir direitos sobre uma determinada área, o poder público terá a atribuição de identificá-la e delimitá-la, de realizar a demarcação física dos seus limites, de registrá-la em cartórios de registro de imóveis e protegê-la.

             A regularização das terras indígenas, por meio da demarcação, é de fundamental importância para a sobrevivência física e cultural dos vários povos indígenas que vivem no Brasil, por isso, esta tem sido a sua principal reivindicação. Sabe-se que assegurar o direito a terra para os índios significa não só assegurar sua subsistência, mas também garantir o espaço cultural necessário à atualização de suas tradições.

            Outro aspecto a ser mencionado, e que está em evidência nos dias atuais, é o fato de que a defesa dos territórios indígenas garante a preservação de um gigantesco patrimônio biológico e do conhecimento milenar detido pelas populações indígenas a respeito deste patrimônio, visto que as comunidades indígenas detêm um rico conhecimento tanto de plantas medicinais quanto sobre o território nativo em que habitam.

           No final da década de 1970, a questão indígena passou a ser tema de relevância no âmbito da sociedade civil. Paralelamente, os índios iniciaram os primeiros movimentos de organização própria, em busca da defesa de seus interesses e direitos. Diversas organizações indígenas e entidades de defesa de direitos promoveram amplo debate, visando a assegurar a demarcação das terras dos índios e a realizar reflexão crítica sobre a política de integração. Podemos entender sobre essa política de integração com a definição de Marés (2008, p.01) o qual afirma que: “Integração significa oferecer às populações indígenas as facilidades e conforto da modernidade”.

            O problema é que esta política integracionista não necessitava oferecer ou reconhecer terras para a reprodução econômica e cultural dos índios, bastava ter lugares onde se concentrassem até que se integrassem, indivíduo por indivíduo. Daí que estes lugares se chamassem “reservas”. Eram terras provisórias, não necessariamente no local de uso tradicional das populações, mas escolhidas pelo poder público até que os índios pudessem trabalhar e receber salário.

            Ainda segundo Marés (2008) os indígenas passaram se organizavam politicamente, no sentido de defender os direitos à posse das terras indígenas, passou-se a debater as bases de uma nova política indigenista, fundamentada no respeito às formas próprias de organização sociocultural dos povos indígenas.

            As modificações significativas na maneira de encarar e tratar as sociedades indígenas, estabelecidas na Constituição Federal, foram, portanto, fruto do processo de redemocratização do País - na questão indígena, representado pelo movimento que visava a assegurar o direito à posse das terras indígenas e pela crítica à política de integração.

             Esses foram os fatos recentes que possibilitaram a aceleração dos trabalhos de demarcação e regularização das terras indígenas no Brasil.

 

 

2.2 CONTEXTO ATUAL

 

Segundo Navarro (2008) a demarcação de terras indígenas no Estado de Mato Grosso do sul começou efetivamente no dia 12 de novembro de 2007 quando um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) foi firmado pela Funai, Ministério Público Federal e Ministério da Justiça. Através de seis portarias a Funai determinou o envio de seis grupos de trabalho para identificar 36 terras indígenas em 26 municípios da região de Dourados em Mato Grosso do Sul. Essas regiões estão compreendidas, segundo Martins (2002) nos municípios de: Amambaí, Anastácio, Antonio João, Aral Moreira, Aquidauana, Bela Vista, Brasilândia, Campo Grande, Caarapó, Coronel Sapucaia, Corumbá, Dois Irmãos do Buriti, Douradina, Dourados, Eldorado, Juti, Maracaju, Miranda, Mundo Novo, Nioaque, Paranhos, Ponta Porã, Porto Murtinho, Sete Quedas, Sidrolândia e Tacuru.

               Ainda segundo Navarro (2008) antes mesmo do TAC, já havia em 1988 uma determinação pelo o governo federal em até cinco anos para o reconhecimento de todas as terras indígenas no País. Mais de 20 anos do fim do prazo, os Guarani Kaiowá, maior população de um povo indígena no Brasil, seguem vivendo em menos de 10% de seus territórios.

             Segundo dados obtidos no site da Agencia Brasil no dia 30 de julho de 2008 as primeiras equipes de antropólogos começaram a chegar ao Estado no inicio do mês de agosto de 2008 com o propósito de realizar os estudos para a nova demarcação e a delimitação de novas fronteiras para a incorporação de novas áreas para a população indígena.

             Haja vista que segundo o relatório de violência em 2008 do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) as populações indígenas no Estado passam por sérios problemas sociais, e há uma expectativa de que a nova demarcação devolva aos Guarani-Kaiowá seus territórios históricos e colabore para o fim dos problemas enfrentados pela etnia.

O principal impasse para que essa demarcação aconteça e solucione alguns desses problemas enfrentados pelas comunidades indígenas em Mato Grosso do Sul é o litígio com os produtores rurais que são donos legalmente e produtores nas terras em que os índios afirmam serem terras indígenas.

Vários proprietários (produtores) rurais se reuniram para entrar com processos judiciais contra a demarcação de terras para os índios, porque se a decisão judicial for proferida em favor dos índios os proprietários rurais perderiam o direito das terras e teriam que desapropriá-las.

   De modo que ao requererem a concessão de medida liminar, os produtores rurais enfatizaram a existência do perigo de lesão na demora da decisão decorrente da insegurança e da tensão social existentes na região. Já que uma vez registrado o decreto presidencial na circunscrição imobiliária, declarando ser a terra de domínio da União, prontamente terão os indígenas suportes para invadir as propriedades rurais, tornando praticamente inócuo o procedimento judicial declaratório em curso.

 

3. ANÁLISE DAS NOTÍCIAS E EDITORIAIS A RESPEITO DA DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS EM MATO GROSSO DO SUL

A presente análise está baseada em notícias e editoriais que veicularam no Jornal Correio do Estado no primeiro trimestre do ano de 2009 (1º de janeiro a 31 de março).

Com base neste material fez-se um estudo sobre como este assunto da demarcação de terras indígenas é abordado nas notícias, de acordo com sua estrutura dentro deste gênero e como o mesmo é tratado dentro do gênero editorial.

Dentro deste período foram analisadas 04 notícias que abordaram o tema da demarcação de terras indígenas e apenas um editorial.

As notícias foram separadas e analisadas de acordo com a ordem cronológica de veiculação no jornal:

 

01. Funai negocia saída de indígenas em fazenda  - em 28 de janeiro de 2009

02. Indígenas deixam sede da Funai em Dourados - em 30 de janeiro de 2009

03. Setor rural teme conflitos no Estado -  em 21 de março de 2009

04. PF vai tirar índios de área em Miranda - em 23 de março de 2009

 

 Neste período de pesquisa foi publicado apenas um editorial sobre o assunto da demarcação de terras indígenas em Mato Grosso do sul.

 

1.Editorial: espíritos desarmados - em     23 de março de 2009

 

3.1 AS NOTÍCIAS

 

De acordo com análise das notícias temos as que são referentes aos indígenas e as suas manifestações e negociações com a Funai, sobre a alegação das terras indígenas no Estado (notícias 1 e 2) e as que são referentes aos proprietários de terras ( notícias 3 e 4), quanto a suspensão das pesquisas e da lei que garante as terras aos indígenas.

            No gênero noticioso a questão da demarcação de terras indígenas foi retratada de maneira objetiva, por meio da narração dos fatos ocorrentes na justiça devido à pendência judicial das partes envolvidas. Não há comentários do editor ou do jornal sobre o assunto, apenas buscou-se informar sobre o que estava acontecendo com os indígenas e com os proprietários rurais a respeito da demarcação de terras pela justiça federal.

 

3.2 O EDITORIAL

 

Pela análise do Editorial: Espíritos Desarmados - publicado em 23 de março de 2009 podemos perceber que o assunto da demarcação de terras  indígenas no Mato Grosso do sul é comentado em terceira pessoa, não há assinatura de seu editor, mas no discurso pode-se perceber marcas lingüísticas que  evidenciam que ao expor o fato do litígio entre indígenas e proprietários rurais no Estado há um apontamento das atitudes que as duas partes envolvidas devem ter para que não haja sérios problemas para ambos, haja vista que a violência não ajudará nem aos indígenas e nem aos proprietários rurais

 No editorial a idéia central é que haja um criterioso debate sobre a situação para que ambas às partes saiam satisfeitas da demanda.

 

CONCLUSÕES

 

               Este artigo procurou evidenciar como o assunto das demarcações de terras indígenas em Mato Grosso do sul foi abordado no jornal Correio do Estado nos gêneros notícia e editorial no primeiro trimestre de 2009.

               Este assunto das demarcações de terras indígenas no Estado tem se mostrado ao mesmo tempo consolador e preocupante. Consolador porque, para os indígenas no Estado, essa discussão e aplicação da lei de demarcação, é uma forma de minimizar os feitos nocivos e devastadores que a população indígena não só no Estado como em todo país sofreram desde os primórdios da História do Brasil em relação à extinção de suas terras, seus povos e suas culturas. Ao mesmo tempo esta questão é preocupante porque algumas das áreas de estudos antropológicos que serão as possíveis áreas demarcadas para a instalação das populações indígenas são áreas produtivas do Estado e estão legalmente em domínio dos produtores rurais da região.

               Esse impasse tem sido retratado nas notícias jornalísticas de modo imparcial por parte dos redatores das notícias, pois os estudos mostraram que os itens indispensáveis para a estruturação de um texto noticioso são seguidos com o intuito tanto de dar credibilidade ao jornal quanto para repassar ao público as informações sobre o assunto de modo claro e objetivo.

              Por parte do editorial, dentro de sua estrutura, o estudo mostrou que o ponto de vista do Jornal sobre o assunto das demarcações de terras indígenas no Estado denota uma interpretação da situação oriunda dessa pendência judicial entre indígenas e produtores rurais, pois tenta não privilegiar claramente nenhuma das partes envolvidas dessa pendência judicial.

   Contudo como afirma Melo (1985) como o editorial é um gênero opinativo e direcionado aos “donos do poder” e a defesa de interesses dos segmentos empresariais e financeiros que representam, no caso do editorial analisado sobre as demarcações de terras indígenas notou-se certa defesa aos produtores rurais, uma vez que, a demarcação for decretada pela justiça aos indígenas, poderá gerar sérios problemas para a economia do Estado, pois se tratam de áreas produtivas que abastecem não só o Estado, mas outras regiões, e isto geraria perdas de lucros, desempregos nas fazendas, entre outros problemas.

É interessante notar que essa opinião contida no editorial é transcrita de maneira sutil, mostrando a habilidade que um redator tem de colocar o ponto de vista do jornal em relação ao fato, atingir seu público alvo sem ferir a outra parte referida em seu texto, ou seja, dentro do editorial mesmo que a tomada de posição seja favorável à parcela econômica do Estado, como os produtores rurais os indígenas não são depreciados dentro do texto. 

            Esta análise do material retirado do Jornal Correio do Estado evidenciou que notícia e editorial se diferem quanto ao enfoque dado ao fato das demarcações de terras indígenas em Mato Grosso do Sul e o direcionamento do seu discurso escrito, porém esses dois gêneros denotam a ideia de movimento, pois esse assunto ainda depende de debates, desgastes de ambas as partes envolvidas e principalmente da decisão judicial que faça com que a demarcação de terras indígenas no Estado não seja apenas mais um texto escrito, mas uma realidade que amenizaria as condições de vida de várias comunidades indígenas em Mato Grosso do Sul.

 

REFERÊNCIAS

 

 

BELTRÃO, Luiz. Iniciação à Filosofia do jornalismo. Rio de janeiro: Agir,1960.

 

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FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO (FUNAI). Os índios do Brasil. Disponível em <http://www.funai.gov.br/>. Acesso em: 29 jun. 2009.

 

JORNAL CORREIO DO ESTADO.Disponível em: <http://www.correiodoestado.com.br/>. Acesso em: 20 nov. 2008.

 

LAGE, Nilson. Estrutura da notícia. 5. ed. São Paulo: Ática, 2005.

 

MARÉS, Carlos. Integração ou convivência?. Disponível em: <http://www.socioambiental.org/inst/esp/raposa/?q=node/43>. Acesso em: 06  jun. 2008.

MARTINS, Gilson Rodolfo. Breve painel etno -histórico de Mato Grosso do Sul. 2.ed. Campo Grande/MS: UFMS, 2002.

MELO. José Marques de. A opinião no jornalismo brasileiro. Petrópolis: Vozes, 1985.

 

NAVARRO, Cristiano. Demarcação de terras indígenas enfrenta reações racistas no MS.  Disponível em: <http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/nacional/demarcacao-de-terras-indigenas-enfrenta-reacoes-racistas-no-ms>.   Acesso em: 08 mai. 2008.